O verbo “promover” organização criminosa e ações com exaltação desta bastam para se ter o crime da lei de organização criminosa ?

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13/07/2018 às 19:00
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O verbo “promover” organização criminosa não é pacífico na doutrina quanto à permanência ou instantaneidade e nem quanto ao seu alcance.

Independente desse imbróglio, há doutrina que defende que o verbo “promover”[1] corresponderia apenas a impulsionar ou dar início à organização criminosa. De outro lado, há outra parte da doutrina pregando que o verbo “promover” significaria anunciar; promover no aspecto promocional (angariar mais membros e simpatizantes); fomentar; trabalhar a favor de; ser a causa de; originar; elevar(-se) a; levar a efeito; realizar; pôr em execução; colocar em evidência;  proporcionar; propiciar; possibilitar; providenciar; viabilizar; fazer com que se execute; que se ponha em prática alguma; estimular; fazer avançar; dar impulso a; fazer executar; diligenciar; desenvolver; apoiar; fazer promoção à organização criminosa. Ademais, a despeito da discussão já mencionada, a doutrina está dividida pela instantaneidade e pela permanência da conduta de “promover” organização criminosa.

Com isso atos de promover à organização, consistentes em postagens de vídeos em redes sociais de liturgias ou reuniões das respectivas organizações disseminadas por membros faccionados, em que os integrantes aparecem armados ou punindo outros integrantes faccionados, adversários ou terceiros, assim como pichações - como ato de enaltecimento da organização - em partes de bairros (casas, muros, vias públicas, órgãos públicos, postes) de cidades para demarcarem territórios de atuação de facção ou como ato a desafiar o Estado; circulação de vídeos e áudios de “salve” para promover ataques ou promover toque de recolher e postagens em vídeos de faccionados promovendo ostentação de dinheiro, joias ou equivalentes oriundos de ações e atividades das organizações criminosas, com palavras de ordens, entre outras variedades que ganham relevos nestas análises.

Também tem se tornado rotina à circulação de vídeos e áudios de membros faccionados, dirigindo ameaças de retaliações aos membros indisciplinados, adversários, terceiros e agentes da segurança promovendo à organização criminosa com palavras de ordens.

Afinal, esses atos por si só seriam suficientes para a configuração do crime de organização criminosa?

Em qualquer uma destas situações, é um ato a demonstrar à hipotética promoção (promover), integração (integrar) ou constituição (constituir) do agente criminoso como membro integrante diante da organização criminosa, seja sob o pretexto de ser mero colaborador, simpatizante, partícipe ou autor – onde desaguaria em nosso pensar, no crime de promover, integrar ou constituir organização criminosa mais tecnicamente na condição de autoria ou coautoria, a depender da hipótese. A ligação[2], o vínculo e integração do membro faccionado nessas situações de promover a organização criminosa se apresenta de forma indiscutível.

Contudo, a discussão traz um aparente problema: seria necessário identificar os demais membros da organização criminosa ou parte para corroborar com as falas do membro que promove a organização criminosa?

Pensa-se dentro da lógica que, se o próprio agente criminoso suspeito (além de se autointitular, autodeclarar, autoafirmar ou autodenominar-se de faccionado) e promover atos de anunciar e elevar a organização criminosa, ele não pode depois se valer da sua própria torpeza para negar os fatos de promoção que enalteceu e anunciou, dando projeções da organização criminosa no mundo do crime.

Aliás, não se pode negar que nos dias atuais, ostentar o pertencimento e integração de determinada organização criminosa e promovê-la no seio da criminalidade e da comunidade virou símbolo de poder no meio social e até mesmo perante as instâncias formais do Estado, inclusive impondo e disseminando o receio de retaliações e represálias a quem se atrever, eventualmente, a se colocar no meio do caminho dos interesses do funcionamento faccional.  

Então, em resposta entendemos que não seja imprescindível identificar integralmente os demais membros da organização criminosa ou parte da facção para corroborar com as falas do membro que promove a organização criminosa.

Não se pode ignorar que as falas vertendo na promoção (promover) de uma organização criminosa por uma pessoa possuem efeitos relevantes para o mundo jurídico, principalmente quando se dá de modo espontâneo, voluntário e consciente com objetivo precípuo de alguma forma auferir vantagem das mais diversas ordens diante do contexto.

O “modus operandi” de organizações criminosas se transforma e sofre mutações constantes com inúmeras variáveis e facetas, devendo o poder estatal estar atento a estas modificações, formas disfarçadas, escamoteadas e encobertas para dificultar ainda mais a configuração do delito e à repressão por parte do Estado.

A nosso sentir, promover[3] a organização criminosa do suspeito no(s) ato(s) exteriorizado(s) acima é suficiente, desde que identifique a facção que ele integraria (como faccionado da facção X, facção Y, ou facção Z e etc) e os demais elementos integradores do núcleo do art. 1º e art. 2º, da Lei nº 12.850/2013: a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas; estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas; organização com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza; prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos; mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional.

A promoção de organização criminosa está dentro do verbo nuclear de “promover” àquela (organização criminosa).

Além disso, a partir do momento em que faz apologia a facção ou incitação a prática de crime de organização criminosa, enaltecimento entre outros atos da “orcrim”[4], seja por gesto, escrito, vídeo, áudio e etc, já se está praticando crime em prol da facção – apesar destes não alcançarem a pena de reclusão superior a 4 anos, acaba sendo evidentemente um ato de enaltecimento. De qualquer forma, o ato de promoção da “orcrim” geralmente é gravado em vídeo, como por exemplo, um homicídio, porte de arma de fogo de uso restrito ou proibido, roubo entre outros, cujas penas extrapolariam a pena de 4 anos, logo, não se veria problema para caracterização do crime de promover organização criminosa. Nesta direção, vejamos os requisitos/pressupostos para configuração do crime em voga:

  • Para estas hipóteses ainda que intuitivamente e indiciariamente, se estaria presente também à associação de 4 (quatro) ou mais pessoas pela própria promoção de atos em prol da organização criminosa (aliado ao ato geralmente seguido de autodeclaração, autointitulação, autoafirmação ou autodenominação do responsável pelos atos como integrante daquela), extraindo-se aí a existência de número suficiente de faccionados para preencher a exigência legal. Não se pode olvidar que, os atos e as falas de uma pessoa, visando promover a “orcrim”, possuem efeitos relevantes para o mundo do Direito, principalmente quando se dá de forma espontânea, voluntária e consciente com objetivo precípuo de alguma forma auferir vantagem das mais diversas ordens diante do contexto.
  • A estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas seria evidenciada a depender das falas ou das condutas do agente criminoso faccionado.
  • Organização com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza seria evidenciada a depender das falas ou das condutas de promover a organização pelo agente criminoso faccionado – lembrando sempre da própria autodeclaração, autointitulação, autoafirmação ou autodenominação daquele em integrar e pertencer à organização.
  • A prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos dependerá também do contexto fático, lembrando que muitos vídeos, gestos, áudios dentro outros já por si só comprovariam infrações penais com penas acima de 4 anos (vide os casos já citados acima).
  • A realização da prática de infrações penais de caráter transnacional que também dependerá do contexto fático dos atos de promover à organização.

Num comparativo de raciocínio, tem-se a associação criminosa – num paralelo com a organização criminosa – que na grande parte das vezes se forma para fazer da prática delitiva uma atividade lucrativa, onde nem a torpeza e nem o cometimento de delitos sem propósito algum são elementares. Nessa toada, valendo-se de precedentes antigos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre o antigo crime sob “nomem iuris” de formação de bando ou quadrilha (atualmente: associação criminosa) que, guardada as proporções devidas, se aproxima em muito do crime de organização criminosa, colaciona-se aqui, por conta de o raciocínio ser o mesmo:

“Vale destacar que, malgrado na maioria das vezes a associação criminosa se forme para fazer da prática de delitos uma atividade lucrativa, a torpeza não se revela imprescindível. Há casos em que o agrupamento objetiva o cometimento de delitos sem nenhum propósito” (STF: HC 77.287/SP. rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, j. 17.11.1998; e HC 70.395/RJ, rel. Min. Paulo Brossard, 2ª Turma, j. 08.03.1994, No STJ: HC 123.932/SP. rei. Min. Arnaldo Esteves Lima 5 ª Turma J. 16.06.2009).

Ora, não se tem dúvidas de que a partir do momento em que o agente faccionado faz apologia a facção ou incitação a prática de crime pela organização criminosa, seja por gesto, escrito, vídeo etc, já está promovendo e praticando ao mesmo tempo atos e crimes em prol da facção – apesar destes não alcançarem a pena de reclusão superior a 4 anos. De qualquer forma, a infração penal geralmente gravada em vídeo, por exemplo, é um homicídio, porte de arma de fogo de uso restrito ou proibido, imagens de inúmeros integrantes reunidos com ostentação de arma e até mesmo com disparos de tiros, roubo entre outros que extrapolariam a pena de 4 (quatro) anos. Com isto, os atos ou ações de promover seriam justamente os objetos[5] de estudos do presente artigo, que fariam referência ao vínculo associativo (ligação e integração) a organização criminosa para a eventual prática de crime – ou até mesmo com a efetiva prática de delito.

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Ignorar o “poder de persuasão” que esses vídeos, áudios entre outros modos têm não só para disseminar o medo, mas para angariar simpatizantes, membros e projetar promocionalmente a organização criminosa, que não sejam uma forma de enaltecer à organização criminosa, é ignorar a proximidade e semelhança que a fisiologia de um organização criminosa brasileira possui com as famosas organizações terroristas que usam não raras vezes vídeos, áudios entre outros para os mesmos objetivos.

Logo, as ações com exaltação de organização criminosa, pelas mais variáveis formas, desde que preenchidos os demais requisitos, bastam para configurar o crime da lei de organização criminosa.

Adiante, apesar da nossa ressalva quanto a impressão do verbo “promover” passar a instantaneidade, convém assinalar que, especificamente no núcleo “promover”, como é o caso, o crime permanece permanente para parte da doutrina, o que, por conseguinte, faz que sua consumação se protraia no tempo e, então, sujeitando o agente faccionado capturado à prisão em flagrante a qualquer tempo. O renomado promotor de justiça VÁLTER KENJI ISHIDA ensina sobre o tema aduzindo que:

“É crime permanente nos verbos promover, constituir ou integrar, permitindo a prisão em flagrante. No caso do verbo financiar, depende. Se houver continuidade no financiamento, poder-se-á falar em permanência. Mas se houver um único aporte de capital, o crime será instantâneo sobre uma organização com estabilidade e permanência” (ISHIDA, Válter Kenji. O Crime de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013. Publicado em 10/09/2013 na Carta Forense. Disponível em:http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-crime-de-organizacao-criminosa-art-2%C2%BA-da-lei-n%C2%BA-128502013/12020).

Pontua-se nessas abordagens ainda que, a partir do momento em que o agente criminoso promove a organização criminosa, ele estaria em conduta de promover o crime de organização criminosa, em uma de suas modalidades, constando-se seguinte lição do magistrado e jurista, GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

“Os núcleos incriminadores da organização criminosa, são: “promover (gerar, originar algo ou difundir, fomentar, cuidando-se de verbo de duplo sentido), constituir (formar, organizar, compor), financiar (custear, dar sustento a algo) ou integrar (tomar parte, juntar-se, completar). Em verdade, bastaria o verbo integrar, que abrangeria todos os demais. Quem promove ou constitui uma organização, naturalmente a integra; quem financia, igualmente a integra, mesmo como partícipe” (NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015: p. 18).

Consigna-se ainda que, o objeto jurídico tutelado no crime de organização criminosa é a paz pública; a segurança pública, a incolumidade pública, cuidando-se de crime formal e de perigo abstrato. Nesse quadrante ainda, a legislação não exige que se evidencie o perigo, de forma a presumi-lo e pensa-se com maior razão, ser sustentável à punição para o autor que possui o "domínio do fato" ou para o “autor/agente de trás” dentro da “teoria do domínio por organização/organizacional”.


Da conclusão

Em conclusão, atos de promover[6] à organização criminosa, levados adiante por células criminosas, poderão (deverão) dar ensejo à autuação em flagrante delito pelo crime na modalidade “promover” organização criminosa (a depender da corrente adotada)[7], desde que preenchidos os demais apontamentos sublinhados anteriormente.

Outrossim, desde que preenchidos os demais apontamentos sublinhados anteriormente, postagens de vídeos em redes sociais de liturgias ou reuniões (em que os membros aparecem armados ou punindo faccionados, adversários ou terceiros) das respectivas organizações criminosas de seus agentes que promovem determinada facção(onde até funerais de membros faccionados têm sido veiculados); pichações em partes de bairros (casas, muros, vias públicas, órgãos públicos, postes) de cidades para demarcarem territórios de facções ou medir força com o Poder Público, visando promover a organização criminosa; circulação de vídeos e áudios de “salve” para promover ataques ou promover “toque de recolher”, mirando na promoção e enaltecimento intimidatório da organização; postagens em vídeos de faccionados para promover a facção, onde aparecem ostentando dinheiro, joias ou equivalentes, oriundos das ações das organizações criminosas com palavras de ordens entre outros variados poderão constituir materialidade e indícios de autoria do crime de organização criminosa para ensejar a prisão flagrancial do agente faccionado (a depender da corrente adotada) e as demais modalidades de prisão provisória (temporária, preventiva – ou conversão da prisão flagrancial em medida cautelar de prisão preventiva), assim como as consequências jurídicas de ensejar instauração de inquérito policial, oferta de denúncia e condenação criminal.

Sobre o autor
Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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