A omissão do Estado na aplicação do direito fundamental à saúde e a atuação do poder judiciário para a efetivação

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Trata-se de Monografia que cujo tema aborda sobre a efetividade do direito fundamental à saúde, relatando a omissão do Estado, ainda que parcial em aplicar este direito fundamental, demonstrando em contrapartida a atuação do Judiciário para a efetivação.

 Orientador: Gassen Zaki Gebara

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I-1 Direitos Fundamentais em espécie: Direito à Vida e à Saúde. 1.1 Considerações iniciais. 1.1.1 Conceito. 1.1.2 Características. 1.1.2.1 Historiciedade. 1.1.2.2 Inalienabilidade e irrenunciabilidade. 1.1.2.3 Universalidade. 1.1.2.4 Limitabilidade. 1.1.2.5 Vinculação dos poderes públicos. 1.1.3 Aplicabilidade Imediata. 1.1.4 Função dos Direitos Fundamentais. 1.1.4.1 Teoria dos quatro status de Jellinek.   1.1.4.2 Direito de Defesa. 1.1.4.3 Direito à prestações.1.1.4.4 Direito à prestação jurídica. 1.1.4.5 Direito à prestações materiais. 1.1.4.6 Direito à participação.1.2 Direito à vida.1.2.1 Dimensão. 1.2.2 Titularidade.1.2.3 Direito à vida como direito de defesa e dever de prestação. 1.3 Direito à saúde.     1.3.1 Considerações iniciais. 1.3.2 Direito social à saúde como direito fundamental.1.3.3 Do fornecimento de medicamentos como dever de proteção. 1.3.4 O Sistema Único de Saúde – breve considerações. CAPÍTULO II- 2 A omissão estatal na aplicação do Direito Fundamental à Saúde. 2.1 Omissão parcial do Estado frente à saúde pública .    2.2 Das diversas causas geradoras de omissão à saúde .    2.3 A reserva do possível e o ativismo judicial como justificativas para omissão.    2.4 A omissão e o princípio da dignidade da pessoa humana. CAPÍTULO III-. 3 Atuação do Poder Judiciário para efetivação do Direito à Saúde.    3.1 O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade nas decisões judiciais .    3.2 A audiência pública sobre a Saúde no Supremo Tribunal Federal.    3.3 STA 175: Definição de critérios para a solução judicial de demandas relativas ao Direito à Saúde .    3.4 Das decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Cada vez mais se torna crescente o número de demandas judiciais relativas ao direito à saúde que vem sendo ajuizadas por indivíduos, os quais tem por objetivo exigir que o Estado atue de forma positiva, lhes concedendo alguma prestação, seja um fornecimento de medicamento, uma vaga em UTI, um leito em hospital, próteses, órteses, suplementos alimentares, realização de cirurgias, realização de exames e dentre várias outras prestações.

Assim diante da situação atual, surge a grande problemática que será exposta, de um lado o Estado se mostrando cumprindo de maneira ineficiente a sua obrigação de garantir a todos o pleno direito à saúde e do outro lado o indivíduo com seu direito e dignidade violados, tendo de se socorrer através do Poder Judiciário para buscar a verdadeira efetivação de seu direito à saúde.

         À vista disto, inquestionável é a importância de se abordar sobre a concretização do direito à saúde, tema este que comporta vários posicionamentos divergentes entre doutrinadores, dado que, para alguns se trata de norma programática que sua concretização dependente exclusivamente da elaboração de políticas públicas econômicas e sociais por parte do Poder Legislativo e Executivo e para outros tal direito constitucionalmente previsto não pode ser limitado ao ponto de depender da boa vontade do legislador para se ver efetivado.

Dessarte o direito social à saúde entendido como um lídimo direito fundamental, público e subjetivo, conforme entendimento que será explanado tem ligação direta com o direito fundamental à vida. Embora não haja direito absoluto no ordenamento jurídico brasileiro, pode-se afirmar que tais direitos são uns dos mais importantes, visto que não é possível exercer os demais direitos sem ter plenamente garantido a saúde e a vida do indivíduo.

Ademais, será trazido à baila as causas que estão gerando a omissão parcial do Estado frente o direito fundamental à saúde, visto que é de extrema relevância identifica-las e as colocar em análise, dado que estas causas são o princípio gerador de tantas demandas judiciais e alvo de tantas críticas que são arguidas em torno do direito à saúde.

Da mesma forma serão tratados os argumentos impeditivos que o Estado coloca como impecílio para não ser condenado pelo Poder Judiciário e fornecer determinada prestação, tais causas são a teoria da reserva do possível, ativismo judicial e as situações administrativas financeiras que serão exploradas detalhadamente.

Igualmente, será tratado a omissão Estatal frente ao princípio da Dignidade da pessoa humana, visto que tal princípio constitucional é a base, e um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o qual deve estar presente e ser analisado sempre que surgir conflitos entre os direitos, porquanto é certo que a dignidade é inerente aos indivíduos.

Ademais, será demonstrado como está sendo a atuação e posicionamento do Poder Judiciário, frente a toda esta situação de não prestação da devida assistência por parte do Estado, principalmente com foco no Supremo Tribunal Federal, tratando para tanto da Audiência Pública da Saúde e do STA 175 que serviram como um divisor de águas e base para os magistrados poder proferir decisões em meio a tantas situações delicadas que surgem.

Por fim se explanará sobre a aplicação do Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade presentes nas decisões judiciais, bem como será destacado a atuação especificamente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, de como este egrégio tribunal tem decidido e elaborado suas jurisprudências e o modo que tem colaborado para a sociedade na fidedigna efetivação do direito fundamental à saúde.


CAPÍTULO I 

DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE: DIREITO À VIDA E À SAÚDE

 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 

1.1.1 CONCEITO

Há uma grande divergência doutrinária em relação à conceituação para a definição dos direitos fundamentais. Muitos autores divergem no tocante a terminologia, pois empregam o termo “direitos humanos” como sendo sinônimo de direitos fundamentais.

Ocorre que tal utilização é tecnicamente incorreta, uma vez que os direitos humanos são aqueles que têm ligação direta com os documentos que assim os reconhece no âmbito internacional, ou seja, independentemente de positivação de determinado ordenamento jurídico. Em contra partida, ao se utilizar o termo direito fundamental, este traz uma ideia totalmente contrária, pois sua positivação e alcance é dentro da soberania Estatal.

Paulo Bonavides parafraseia em sua obra “Curso de direito constitucional”, o conceito utilizado por Carl Schmitt, o qual define direitos fundamentais como sendo direitos que a carta magna de cada ordenamento jurídico assim o positiva.[1]

Seguindo esta linha de pensamento, José Afonso da Silva afirma que os direitos fundamentais são aqueles reconhecidos por meio do direito positivo, porém, ressalta que a palavra fundamental mostra que são direitos sem o qual a pessoa humana nem se quer sobrevive.[2]

Assim, os direitos fundamentais tem como base o princípio da dignidade da pessoa humana, que é uma dos fundamentos do Estado democrático de direito, conforme preceitua o art. 1º da Constituição Federal Brasileira, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.{C}[3]

Nesta perspectiva, Paulo Gustavo Gonet Branco afirma que os direitos fundamentais tem como fonte de inspiração o princípio da dignidade humana, atendendo o respeito à vida, liberdade e integridade física de cada indivíduo.{C}[4]{C}

Desta maneira, podemos entender de forma geral, que os direitos fundamentais são aqueles direitos mínimos, essenciais, inerentes a cada indivíduo, que asseguram a proteção e dignidade humana.

1.1.2 CARACTERISTICAS
1.1.2.1 HISTORICIDADE

Na análise histórica, verifica-se um longo processo pelo qual os direitos fundamentais passaram e ainda passam no sentido de desenvolvimento, aprimoramento, os modos como são regulados e aplicados por cada ordenamento jurídico.

Pode-se verificar a historicidade nos direitos fundamentais, pois os referidos direitos se alteram no tempo de acordo com a forma de cada ordenamento jurídico, sendo um processo lento e contínuo de afirmação, conforme enuncia André Puccinelli Júnior em sua obra “Curso de direito constitucional”.[5]

Diante disso, pode-se afirmar que os direitos fundamentais passam por um longo processo de afirmação, ou seja, não nascem de um dia para outro, vão se desenvolvendo de acordo com o contexto histórico específico de cada ordenamento jurídico.

1.1.2.2 INALIENABILIDADE E IRRENUNCIABILIDADE

Por meio dos direitos fundamentais, é assegurados aos indivíduos, os direitos mínimos existenciais para vida e para a sua continuidade. À vista disso, se torna impossível a renúncia ou alienação destes direitos, ainda que pelo seu titular.

Paulo Gustavo Gonet Branco em sua obra “Curso de direito constitucional”, parafraseia Martínez Pujalet, “Do ponto de vista prático, o caráter inalienável entrevisto em alguns direitos fundamentais conduziria à nulidade absoluta, por ilicitude do objeto, de contratos em que se realize a alienação desses direitos”.{C}[6]

Desta feita, o titular de um direito fundamental não tem se quer autonomia de dispor do referido direito, dado seu carácter de relevância, magnitude.

Portanto, o caráter de inalienabilidade dos direitos fundamentais se mostra no fato de que em maneira alguma o homem pode alienar esses direitos.  Neste sentido é o posicionamento de Puccinélli Júnior, in verbis:

Daí se nota que, estando associados à dignidade humana, os direitos fundamentais são inalienáveis, não sendo sua titularidade objeto de negociação mercantil e de renúncia expressa ou tácita. Ademais, o não exercício de tais direitos por certo período de tempo não induz prescrição.[7]{C}

Além disso, os direitos fundamentais nascem com a pessoa humana, sendo assim, estes estão inerentes com aquela até o final da vida. Por conseguinte, tais direitos são irrenunciáveis, ou seja, o titular não pode renunciar, dispor de seus direitos fundamentais, conforme pontua Puccinelli Júnior.{C}[8]

Portanto é demasiadamente relevante tais características, pois mostram o caminho pelo qual o direito fundamental deve ser traçado, não deixando aos titulares a faculdade de dispor desses, sendo uma espécie de proteção aos indivíduos.

1.1.2.3 UNIVERSALIDADE

Independentemente de convicção política, crença, raça, nacionalidade, a característica dos direitos fundamentais, traz que todos os indivíduos possuem esses direitos sem requisitos prévios, ou seja, tais direitos já são inerentes à pessoa.

A universalidade dos direitos fundamentais constitui que todos os indivíduos possuem essa titularidade, pois a qualidade de ser humano é condição suficiente. {C}[9]

Contudo, a característica da universalidade deve ser compreendida em termos, pois há direitos fundamentais que não auferem benefícios a certos indivíduos, conforme preleciona Paulo Gustavo, in verbis:

Alguns direitos fundamentais específicos, porém, não se ligam a toda e qualquer pessoa. Na lista brasileira dos direitos fundamentais, há direitos de todos os homens – como o direito à vida -, mas há também posições que não interessam a todos os indivíduos, referindo-se apenas a alguns – aos trabalhadores, por exemplo.{C}[10]

A vista disso, podemos verificar que os sujeitos ativos de um direito fundamental, embora sejam titulares deste, podem não ter interesse no seu exercício, conforme o exemplo supracitado.

Em relação ao sujeito passivo dos direitos fundamentais, incorreto é afirmação que esta posição seja sempre ocupada pelo Estado, pois pode ser ocupada também por particulares.  Embora há grandes divergências, há direitos que em razão de sua natureza, apenas podem ter por obrigado o Poder Público.[11]

1.1.2.4 LIMITABILIDADE

Embora haja todo o grau de relevância em se tratando de direitos fundamentais, estes assim como os demais direitos no ordenamento jurídico brasileiro, sofrem certas restrições tanto no aplicação quanto em seu exercício em determinadas situações.

Em que pese haver algumas afirmações que os direitos fundamentais são absolutos, mediante justificativa que estariam em hierarquia jurídica superior em relação aos demais direitos, tal assertiva é totalmente errônea.{C}[12]

Na ordem jurídica brasileira, não se pode afirmar que os direitos são absolutos, nem mesmo os fundamentais. Sempre há uma relatividade quando se analisa certos casos.

Não obstante, ser os direitos fundamentais essências ao ser humano, estes sofrem sim limitações necessárias quando há conflitos entre direitos, prevalecendo na análise do caso concreto, aquele que for menos prejudicial aos bens jurídicos tutelados pelo Estado.

Neste mesmo diapasão, explana Puccinelli Júnior, in verbis:

A limitabilidade dos direitos fundamentais também se expressa na interação com outros direitos igualmente relevantes. Vez por outra, contudo, a limitação do direito fundamental é ditada pela necessidade de se preservar a ordem pública ou qualquer outro bem coletivo que consagre valores constitucionalmente tutelados.{C}[13]

Desta maneira a limitação ao exercício dos direitos fundamentais devem ser devidamente justificadas, sempre levando em consideração a razoabilidade e a proporcionalidade de um direito prevalecendo sobre o outro.

Isto posto, compreende-se que os direitos fundamentais não são absolutos, devendo apenas ser restringidos em casos estritamente imprescindíveis, devendo os eventuais excessos sofrer repreensão.{C}[14]

1.1.2.5 VINCULAÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS

         A positivação dos direitos fundamentais eleva-os como base de organização e limite aos poderes constituídos. Assim os atos emanados do poderes públicos devem estar de acordo, pautados com o que a Constituição prescreve sobre os direitos fundamentais, caso haja qualquer violação por parte dos poderes públicos, tais atos serão tidos por inválidos, inconstitucionais.

No âmbito do Poder Legislativo, deve haver harmoniosa coadunação do que está sendo editado com o que já está vigente, e ainda este poder deve-se atentar quando certo direito fundamental necessitar de norma infraconstitucional para sua regularização.

Desta forma havendo inércia por parte do legislador em criar norma para a concretização de um direito fundamental, pode ser passível de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão.[15] Assim podemos ver a vinculação do Poder Legislativo aos direitos fundamentais na imposição de ação quando o direito fundamental necessitar de complementação para se tornar realmente efetivo.

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Ainda o Legislativo é vinculado quanto recebe da Constituição o dever de restringir certos direitos, como por exemplo o livre exercício da profissão, conforme explana Paulo Gustavo Gonet Branco que “há de se respeitar o núcleo essencial do direito, não se legitimando a criação de condições desarrazoadas”[16].

Sendo assim, ao restringir direitos, colocar parâmetros de aplicação, não pode o poder legislativo agir de forma sem fundamento, ilógica, sem justificativas. Deve ser criado ou modificado sem ferir os direitos e garantias fundamentais.

O poder Executivo por obvio se vincula aos direitos fundamentais, desta forma os atos da administração que ferem o sistema do que preconiza a Constituição sobre os direitos fundamentais, são nulos. Deve a Administração fazer a devida interpretação da norma fundamental e aplica-la.

Há divergência doutrinária no tocante a vinculação do poder executivo quando se choca o princípio da legalidade, princípio da constitucionalidade, com a aplicação aos direitos fundamentais.

Contudo, há certo consenso que o agente não possui competência para verificar conforme os critérios constitucionais exigidos na lei, sendo devido em casos de suspeita de inconstitucionalidade mediante povoamento, passar a autoridade superior o caso.{C}[17]

         Há também um consenso de poder o agente administrativo em determinados casos não cumprir a lei por entendê-la inconstitucional, principalmente quando o direito fundamental o colocar em pronto risco de vida, sendo a aplicação da lei inválida fato definido como crime.[18]

Já a Vinculação do Poder judiciário, é clara no sentido de resguardar os direitos ameaçados ou violados, conforme prescreve o artigo 5º, XXXV, CF, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.[19]

Desta maneira, a defesa dos direitos fundamentais, vincula poder judiciário, pois é inerente à sua função jurisdicional de solução dos conflitos, de deter o poder-dever de prolatar o direito.

Diante disto o poder judiciário é o poder público com o maior dever de assegurar a eficácia dos direitos fundamentais, devendo assegurar aos seus titulares o seu cumprimento, e negar provimentos em hipóteses de violação.

1.1.3 APLICABILIDADE IMEDIATA

A Constituição Federal Brasileira de 1988 por meio do § 1º do art. 5º, adotou expressamente o princípio da Aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Desta maneira, o texto faz referência aos direitos fundamentais de maneira geral, não se restringindo apenas a alguns direitos fundamentais.

Verifica-se que a intenção do legislador ao estabelecer tal norma, é destacar que os direitos fundamentais são normas de caráter preceptivo e não meramente programático, assim a lei infraconstitucional deve se deslocar no âmbito dos direitos fundamentais, e não o inverso, conforme Paulo Gustavo faz referência ao posicionamento de Canotilho.{C}[20]

         O sistema democrático Brasileiro demonstra sua atenção e cuidado com os indivíduos, pois não deixa estes à mercê do legislador aguardando que seus direitos fundamentais possam ter eficácia somente à partir de legislação infraconstitucional, ou seja, dependendo do querer do legislador de tornar-se realmente efetivo ou não os direitos fundamentais positivados na Constituição.

Portanto, os magistrados devem fazer aplicação da norma constitucional para solucionar a lide sob sua apreciação. Neste sentido a Constituição Federal Brasileira autoriza a concretização dos direitos fundamentais ainda que persistente a falta de comando legislativo (art. 5 º, § 1º). [21]

Assim as normas constitucionais fundamentais devem ser aplicadas, não tendo que aguardar a regulamentação do legislador esclarecendo ou reafirmando o que a Constituição já assegurou elencando como direito fundamental.

Todavia, a afirmação acima não pode ser interpretada de maneira absoluta, pois a própria Constituição “faz depender de legislação ulterior a aplicação de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados entre os direitos fundamentais”.[22]

Desta maneira como não há nada absoluto, certas normas de direitos sociais que são consideradas como direitos fundamentais, podem realmente carecer de regulamentação, sendo omisso o Estado caso não regulamente o direito que a Constituição estabeleceu.

Via de Regra, as normas que consolidam os direitos fundamentais democráticos e individuais, são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, no passo que as que definem os direitos econômicos e sociais tende a ser também na Constituição, porém especialmente as que se reportam a uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta.[23]

Desta feita, quando a norma de direito fundamental não abarcar os elementos mínimos indispensáveis para a aplicabilidade imediata, nos casos em que a aplicação do direito pelo magistrado causar infringência à competência reservado do legislador, ou no caso de a Carta Magna expressamente remeter a concretização do direito ao legislador, disciplinando que somente será exercido na forma mencionada em lei, o princípio da Aplicabilidade Imediata terá de ceder.{C}[24]

Isto posto, nota-se que a Aplicabilidade dos direitos fundamentais é a regra que a Carta Magna traz. Em contra partida, em certos casos, alguns direitos fundamentais sofrem restrições quanto à sua eficácia, pois não são autoaplicáveis necessitando da intervenção do Legislador.

1.1.4 FUNÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

São diversas as funções desempenhadas pelos direitos fundamentais no corpo social e na ordem jurídica. Assim a doutrina traz classificação para compreensão destas funções, com base na teoria dos quatro status desenvolvida por Jellinek e ainda na distinção dos direitos de defesa e prestação e também o direito de participação.

1.1.4.1       TEORIA DOS QUATRO STATUS DE JELLINEK

A doutrina disciplina com base na teoria dos quatro status de George Jellinek, à respeito das funções que os direitos fundamentais desempenham dentro do conjunto de normas jurídicas em vigência de determinado país.

No final século XIX, doutrina dos quatro status foi criada, sendo primeiro, o chamado status subjectionis ou status passivo, que se define como sendo a posição do indivíduo de subordinação aos Poderes Públicos, sendo titular de deveres para com o Estado.[25]

Desta forma, este primeiro status mostra que a função do direitos fundamentais não são apenas em face do Estado, mas que também os indivíduos possuem deveres diante do Estado, tendo este a autoridade e capacidade de vincular os indivíduos, por intermédio de regras e proibições.

O status libertatis ou negativo, configura os limites que o indivíduo tem para atuar livre da imposição estatal, ou seja, em contra partida com o primeiro status, aqui o Estado deve se abster de suas ingerências, e respeitar o espaço de liberdade dos indivíduos.

À respeito do status civitatis, preleciona Paulo Gustavo in verbis:

Em algumas situações, o indivíduo tem o direito de exigir do Estado que atue positivamente, que realize uma prestação. O indivíduo se vê com a capacidade de pretender que o Estado aja em seu favor. O seu status é, assim, positivo (status civitatis).[26]

À vista disto, podemos compreender à luz do status positivo, que este traz uma obrigação para o Estado, isto é, em certas ocorrências para que o direito fundamental seja efetivo, o Estado terá o encargo de agir positivamente, realizando assim prestações à favor do indivíduo.

Já o quarto status, o ativo, por seu lado, indica que os indivíduos são detentores de um poder, de uma capacidade de influir na formação da vontade do Estado.

Desta feita, o indivíduo exerce uma ação que irá refletir diretamente na vontade final do Estado. Um exemplo de fácil visualização deste status, é quando é exercido o direito de voto, no exercício dos direitos políticos, onde os vários indivíduos demonstram a sua vontade, formando assim a vontade Estatal.

1.1.4.2       DIREITOS DE DEFESA

É caracterizado como direito de defesa, aqueles direitos que visam a restrição da ação do Estado. Por conseguinte, impõem ao Estado uma conduta de não interferir na autodeterminação do indivíduo.

Deste modo, Paulo Gustavo explica como os direitos de defesa estão contidos na nossa ordem jurídica, in verbis:

Na nossa ordem jurídica, esses direitos de defesa estão contidos, em grande medida, no art. 5º da Constituição Federal. A título de exemplo, enquadram-se nessa categoria de direitos fundamentais o de não ser obrigado a agir ou deixar de agir pelos Poderes Públicos senão em virtude de lei (inc. II), não ser submetido a tortura, nem a tratamento desumano ou degradante (inc. III), a liberdade de manifestação de pensamento (inc. IV), a liberdade de crença e de exercício de culto (inc. VI), a liberdade de expressão artística, cientifica e intelectual (inc. IX), a inviolabilidade da vida privada e da intimidade (inc. X), o sigilo de comunicações (inc. XII), a liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão (inc. XIII), a liberdade de locomoção (inc. XV), a liberdade de associação para fins lícitos (inc. XVII), a proibição de penas de caráter perpétuo (inc. XLVII, b), entre outros.{C}[27]

Logo, os direitos de defesa exigem do Estado uma conduta negativa frente ao indivíduo no exercício desses direitos. Portando o Estado não pode desempenhar ações que violem tais direitos, como por exemplo tolher a instituição de religiões.

Dessarte, os direitos fundamentais considerados como direitos de defesa, também se apresentam como um impedimento para que o Estado não possa abolir determinadas normas, como por exemplo, abolir o direito de propriedade de um indivíduo que a adquiriu conforme a lei então vigente, ou seja, isto posto podemos verificar a função garantidora que os direitos de defesa apresentam.

Por consequência, no caso de o Estado violar esses direitos de defesa, surge então para o indivíduo lesado, buscar proteção na ordem jurídica, devendo o Estado ser compelido a reparar tal lesão. Então nesse ponto poderá incidir o princípio da responsabilidade civil do Estão, obrigando este a sutar o ato lesivo ou anular o já praticado, devendo ainda haver compensação pecuniária ao indivíduo.

1.1.4.3 DIREITOS A PRESTAÇÕES        

Os direitos fundamentais a prestação desempenham uma função protetiva. Por meio de prestações o Estado eleva o indivíduo que recebe a prestação ao mesmo estado dos demais indivíduos, ou seja, com o fornecimento de prestações atua reduzindo as desigualdades.

Desta maneira, enquanto os direitos de defesa visam abstenção estatal, os direitos a prestação exigem uma conduta positiva do Estado, uma prestação.

1.1.4.4 DIREITO À PRESTAÇÃO JURÍDICA        

Há direitos fundamentais prestacionais que se satisfazem por meio de uma prestação de natureza jurídica por parte do Estado.

À vista disso, Paulo Gustavo pontifica que será objeto do direito a normação feita pelo Estado do bem jurídico tutelado como direito fundamental. Assim a prestação pode consistir em normas jurídicas penais ou normas de organização e procedimentos.{C}[28]

Assim, podemos vislumbrar a Constituição Federal em inúmeras vezes estipulando a obrigação estatal na edição de normas, como por exemplo, o artigo 5º do diploma legal supra citado, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

(...).{C}[29]

Desta maneira, conforme se verifica nos artigos legais citados, a Constituição dá o direito, deixando ao legislador infraconstitucional a responsabilidade em disciplina-la.

Em se falando em direito à organização e ao procedimento, estes necessitam não apenas de criação de lei, mas também de que estas sejam interpretadas de acordo com o direito fundamental que a justificam.[30]

Portanto, o direito de acesso à Justiça necessita de legislação que discipline a estrutura dos órgãos e crie normas processuais que torne viável a apreciação do conflito. Então as normas processuais não devem ser demasiadamente severas ponto de se tornarem um empecilho para a atuação do Judiciário no solução de conflitos.

1.1.4.5 DIREITO À PRESTAÇÕES MATERIAS        

O direito à prestações matérias se caracterizam basicamente por serem prestações positivas providas pelo Estado, seja de maneira direita ou indireta. Logo, os direitos sociais são prestados justamente através desses direitos à prestação material que os indivíduos possuem.

Deste modo, as prestações materiais são concedidas de modo a viabilizar maiores condições de vida aos mais desvalidos, ou seja, é a efetivação da igualdade material, pois se realiza a igualização de casos sociais desiguais.[31]

Pode-se demonstrar como exemplo de prestação material, os direitos sociais enumerados pela Constituição Federal em seu artigo 6º, abaixo transcrito:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015).{C}[32]

 Dentre o artigo supra citado, há outros artigos na Constituição Federal que são considerados direitos sociais. Grande parte desses direitos à prestação material, necessitam de atuação do poder legislativo para gerar efeitos plenos.

Neste raciocínio, Gonet traz seu entendimento à cerca da efetivação dos direitos à prestação, in verbis:

Os direitos a prestação material têm sua efetivação sujeita a condições, em cada momento, da riqueza nacional. Por isso mesmo, não seria factível que o constituinte dispusesse em minúcias, de uma só vez, sobre todos os seus aspectos. Por imposição da natureza do objeto dos direitos à prestação social, o assunto é entregue à conformação do legislador ordinário, confiando-se na sua sensibilidade às possibilidades de realização desses direitos em cada momento histórico. (...) A satisfação desse direitos é, pois, deixada, no regime democrático, principalmente, ao descortino do legislador.[33]

Isto posto, podemos compreender que, o constituinte originário concede o direito, deixando a cargo do legislador infraconstitucional o dever de disciplinar e estabelecer a forma como se dará a aplicação.

Ainda há uma divisão dos direitos prestacionais, sendo derivados, que é o caso citado acima, isto é, que dependem de regulamentação para a produção de seus efeitos; e os originários, que são aqueles que não dependem da interposição do legislados ordinário, pois gozam de imediata exigência.{C}[34]

 Um exemplo de direito originário a prestação, é o art. 201, §5º da CF, pois há jurisprudência pacífica no STF, sobre eficácia da referida norma, a qual entende-se ser autoaplicável. Mesma aplicação se dá com o fornecimento de medicamentos de maneira gratuita por parte do poder público, em relação aos portadores de AIDS.

1.1.4.6 DIREITO À PARTICIPAÇÃO

        

Os direitos à participação são aqueles que visam assegurar a participação de todos os cidadãos na constituição da vontade do País. Tais direitos estão elencados no artigo 14 ao 16 da Constituição Federal.

Ressalta-se que tal divisão é causa de grandes divergências na doutrina, pois há autores que defende a classificação dos direitos a participação como parte dos direitos de defesa, e outros autores em contra partida classificam como direito à prestação.

Ainda há outra divisão, a qual se adota, sendo classificado como terceira divisão de direitos fundamentais, conforme segue Paulo Gustavo Gonet Branco.

1.2 DIREITO À VIDA

1.2.1 DIMENSÃO

O Constituinte originário assegurou o direito à vida no caput do artigo 5º da Constituição federal, onde traz demais direitos fundamentais.

Desta forma, o direito fundamental à vida possui indescritível importância, uma vez que tal direito é o fator inicial para que os indivíduos possam fruir dos demais direitos.

Assim, demonstrando o quanto relevante o direito à vida é, o legislador originário deixa claro a proteção da vida ao mais frágil, como por exemplo, o art. 227 da CF, o qual aborda sobre o dever que a sociedade, a família e o Estado tem de proporcionar à criança e ao adolescente com prioridade absoluta a vida.

Ainda se ressalta os tratados internacionais, os quais o Brasil faz parte, visando a proteção à vida, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto internacional de direitos civis e políticos das Nações Unidas de 1963 e Convenção sobre direitos das Crianças de 1989, dentre outros.[35]

Em que pese não existir direitos absolutos no ordenamento jurídico brasileiro, incontroverso é, que o direito fundamental à vida é um elemento de incalculável valor e essencial, sem o qual o sujeito jamais poderá gozar dos demais direitos positivados.

Mesmo diante desta magnitude que o direito à vida se revela, este não é absoluto, pois ao vislumbrar casos concretos, quando ocorre conflitos entre direitos, sempre se sobressairá o mais relevante naquele momento, naquele caso específico, com base na razoabilidade e proporcionalidade e dentre outros critérios que se fizerem necessários caso a caso.

 1.2.2 TITULARIDADE

O titular do direito fundamental à vida, por obvio são todos os seres humanos.

O autor Paulo Gustavo Gonet Branco, pontifica em sua doutrina, sobre a titularidade do direito à vida, que esta, “preservada e encarecida pelo constituinte há de ser toda a vida humana. Não é ocioso ressaltar que somente há vida humana em seres humanos, onde não há vida não a mais serem humanos”{C}[36]

Isto posto, em decorrência da titularidade abarcar todos os seres humanos, não pode-se haver nenhuma forma de discriminação, pois se deve assegurar à vida conforme o princípio da isonomia.

Portanto o titular do direito fundamental à vida, possui o direito de existir, o qual consiste no “direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo”.{C}[37]

Desta feita, tal direito à vida, direito de existir, exige o cessar do exercício da vida de modo espontâneo.

1.2.3 DIREITO À VIDA COMO DIREITO DE DEFESA E DEVER DE PROTEÇÃO

Como já salientado, o direito de defesa visa a restrição de certas ações do Estado, bem como a não interferência na autodeterminação do indivíduo. Dessarte, o direito fundamental à vida possui esta característica, de ser considerado como um direito de defesa, visto que é defeso ao Estado atentar em face à existência humana.

Por conseguinte, o direito à vida tem dois aspectos como direito de defesa, o aspecto negativo e positivo. O primeiro se refere a abstenção do Estado de realizar condutas atentatórias contra a existência humana, e também para outros indivíduos não agredir este bem tutelado. Já o aspecto positivo, se refere à obrigação que o Poder público possui de proteção à vida, como exemplo a realização de serviços de polícia.[38]

No tocante ao dever de proteção que o Estado possui, este se concretiza com medidas, ações que o Poder público toma visando sempre salvaguardar de alguma forma o direito fundamental à vida.

Dentre as várias medidas de proteção que o Estado precisa realizar, está a proteção de indivíduos que estão sub sua tutela ou custódia de forma direita. Este é o caso de sujeitos que estão presos.  

Portanto, Estado precisa zelar de todas as formas possíveis para resguardar a vida, ainda mais estando este indivíduo privado de seu exercício de ir e vir, sob total responsabilidade estatal.

         Seguindo este posicionamento, o Supremo Tribunal Federal, condenou no RE 372.472 o Estado justamente pelo não cumprimento desse dever de proteção, fundamentando que houve omissão, gerando responsabilidade subjetiva à reparação.[39] Desta forma estando o Estado com o conhecimento de existência real de risco próximo e se omite na sua proteção, ocorre verdadeiro fracasso no dever de proclamação do direito fundamental à vida.

Abrange-se igualmente no dever de proteção, a incumbência de Investigar com todas as diligencias possíveis, todos os casos de violação a vida.

A morte de qualquer indivíduo que não seja de causa natural ou que apresente dúvidas quando a sua ocorrência, deve ser averiguada, pois “a falta de investigação séria e consequente, diminui, na prática, a proteção que o direito à vida proporciona”.[40]

O dever de proteção alcança a proibição de extraditar o sujeito suscetível à pena de morte, visto que há posicionamento do STF quanto à casos de extradição que só são realizados se houver a comutação da pena capital.

Ocorre também a proteção contra a Eutanásia, pois esta situação é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Nesse diapasão, José Afonso da Silva se posiciona:

É, assim mesmo, uma forma não espontânea de interrupção do processo vital, pelo que implicitamente está vedada pelo direito a vida consagrado na Constituição, que não significa que o indivíduo possa dispor da vida, mesmo em situação dramática. Por isso, nem o consentimento lúcido do doente exclui o sentido delituoso da eutanásia no nosso Direito.{C}[41]

Desta maneira, mesmo que para o indivíduo não haja interesse na continuidade da vida, o Estado não pode deixar de proteger a mesma, dado que não é apenas interesse individual, mas sim de toda a coletividade.

1.3 DIREITO À SAÚDE

1.3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAS

 O direito à saúde engloba todos os seres humanos, cujo cumprimento é de reponsabilidade do Estado, de promover as medidas que se fizerem necessárias para a verdadeira efetivação da saúde.  Nesta perspectiva, é o que a Lei 8.080/90 traz em seu artigo 2º, “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.”[42]{C}

Em decorrência disto, o direito a saúde é um direito público e subjetivo, que se revela como consequência inseparável do direito à vida, conforme ressaltou o Relator Ministro Celso de Mello no julgamento do Agravo Regimental 271-286-8/RS.[43]

Desta forma, pode-se entender que o direito à saúde é um dever do Poder público que, não sendo cumprido ainda que de forma parcial, ocorre uma grave omissão. Omissão esta que será trata de forma detalhada no próximo capítulo.

1.3.2 DIREITO SOCIAL À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O Constituinte originário positivou o direito à saúde no capítulo II, artigo 6º da Carta Magna, onde elenca os direitos sociais, e também trata da saúde no artigo 196 do mesmo diploma legal, in verbis:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.{C}[44]

Assim, diante do que o legislador originário positivou, Mariana Filchtiner Figueiredo esclarece:

A noção de que a saúde constitui um direito humano e fundamental, passível de proteção e tutela pelo Estado, é resultado de uma longa evolução na concepção não apenas do direito, mas da própria ideia do que seja a saúde.[45] (Grifo nosso)

Ademais, a Constituição trouxe o direito à saúde como uma norma de caráter programático, onde terá sua eficácia com a ação do Poder público por meio de políticas públicas.

Contudo, é pacífico no Superior Tribunal Federal que, embora o artigo 196 da CF tenha um caráter programático, ainda sim é dever do Poder público (União, Estados e Municípios), conceder os meios necessários à fruição desse direito, conforme salientou o Ministro Joaquim Barbosa em seu voto “Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do estado e do município providenciá-lo.”[46]

Portanto ao afirmar que a norma do art. 196 por ser um direito social, seria uma norma programática, que tão somente apontaria diretrizes a serem seguidas pelo Estado, significaria opor-se a força normativa que a Constituição possui. Por conseguinte, Gilmar Mentes pontifica a seguir:

A dimensão individual do direito à saúde foi destacada pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, relator do AgR-RE n. 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um direito público, subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional. Ressaltou o ministro que “a interpretação da norma programática não pode transforma-la em promessa constitucional inconsequente”, impondo aos entes federados um dever de prestação positiva.[47] (Grifo nosso)

Ademais o direito à saúde possui dupla fundamentalidade, em sentido formal e em sentido material. Verifica-se o sentido formal no fato de tal direito estar positivado na Constituição escrita, ou seja, no topo do ordenamento jurídico, se encontrando subordinado aos limites materiais e formais de reforma da constituição.{C}[48]{C}

Já a fundamentalidade material se demonstra em sua importância e relevância social, conforme Ítalo Roberto Fuhrmann esclarece, in verbis:

A par do escólio acima delineado, a fundamentalidade material do direito à saúde pode ser identificada na relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, que se evidencia pela importância da saúde como pressuposto à manutenção à vida – e a vida com dignidade, que implica vida saudável e com certa qualidade, portanto, como a garantia das condições necessárias ao  desfrute dos demais direitos, fundamentais ou não, inclusive em sentido da viabilização do livre desenvolvimento da pessoa e da sua personalidade.[49]

Desta feita, à vista de todo o exposto, pode-se chegar à conclusão, de que o direito à saúde possui dimensão individual, sendo um direito público e subjetivo. Assim, o direito à saúde foi reconhecido pela Carta Magna como lídimo direito fundamental.

1.3.3 DO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS COMO DEVER DE PROTEÇÃO

No exercício de cumprimento do dever de proteção ao direito fundamental à vida, surge para o Estado, dentre outras medidas de caráter protetivo, a obrigação de fornecimento de medicamentos.

Desta feita, os poderes públicos tem um dever positivo de conceder medicamentos que se mostrem indispensáveis à sobrevivência do enfermo, pois o Estado não tem apenas o dever de se abster de ações diretas contra a vida humana, mas também carrega o dever de zelar para a manutenção da vida, vida esta que deve ser de forma digna.{C}[50]

A jurisprudência pátria se mostra estável, quanto aos pedidos de concessão de medicamentos, porquanto entende que a proteção à vida e a saúde é uma obrigação político-constitucional do Estado.

O que não poderia ser diferente, visto que é atribuição do Estado proporcionar com todo o respaldo o direito à vida e à assistência médica, conforme estabelece o artigo 196 da CF/88.

Em conformidade com esta linha de raciocínio, o STF no julgamento do ARE 685230 AGR/MS, se posicionou negando provimento ao agravo regimental interposto pelo Estado de Mato Grosso do Sul, tendo por base, dentre outros fundamentos, o que segue in verbis:

Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”, e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.{C}[51] (Grifo no original)

À vista disto, podemos concluir como posição pacífica, que o Estado possui esse dever de proteção à vida e saúde, inclusive cumprindo tal obrigação com o fornecimento de medicamentos e outras medidas protetivas que se fizerem necessárias para a manutenção da vida digna, prestigiando assim o direito fundamental à vida e à saúde positivado na Carta Magna.

1.3.4 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – BREVES CONSIDERAÇÕES

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 198, o modelo de Sistema único de saúde, in verbis:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.{C}[52]

Desta forma, foi instituído uma modelo básico de organização para a aplicação do direito fundamental, constitucionalmente positivado.

Assim, o Legislador Originário inovou com um modelo totalmente distinto aos anteriores, visto que o SUS é uma rede regionalizada e hierarquizada.

Por conseguinte, criação do SUS, adveio de uma evolução de nível ordinário para nível constitucional, visto que antes da criação do SUS, era instituído pelo legislador infraconstitucional sistemas para a saúde, à exemplo do Sistema Nacional de Saúde que foi instituído pela Lei n. 6.299/75, e o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde.[53]

No que diz respeito à atribuição do SUS, a Constituição positivou algumas atribuições no artigo 200 de maneira ampla, sendo que outras atribuições são positivadas por meio de lei, através do legislador ordinário.

Deste modo, no âmbito infraconstitucional, existe a Lei 8.142/90 e Lei 8.080/90 que disciplinam o modelo do SUS, e trazem outras atribuições além das já expressas na CF. Um exemplo é o art. 6º da Lei 8.080/90, que trata dessas demais atribuições.

Ainda o art. 5º da Lei 8.080/90, dispõe sobre os objetivos do Sistema Único de Saúde, o qual segue abaixo:

Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.[54]

À vista de todo o exposto, verificamos a ação do Legislador Ordinário de disciplinar por meio do SUS, como se dará a efetivação do direito à saúde por meio de sistema único, hierarquizado, estruturado de forma descentralizada.

Ademais, o Poder Público (União, Estados e Municípios), são incumbidos de reponsabilidade solidária pela saúde, em face aos indivíduos e toda a coletividade.[55]{C}  Tal responsabilidade está expressa no artigo 23, II da Constituição Federal.

Sobre a autora
Gabriela Mattos Misquita Oliveira

Advogada atuante, OAB/MS 23.017 Pós-graduanda em Direito Público [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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