Responsabilidade civil

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1.5 REPARAÇÃO POR DANO INDIVIDUAL

A Constituição Federal descreveu a indenização por dano moral como direito fundamental em seu artigo 5°, V e X:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...] 

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

Por sua vez, o Código Civil determinou que aquele que cometer ato ilícito, ainda que exclusivamente moral, tem o dever de reparar, sendo a indenização medida pela extensão do dano:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Após a promulgação da Constituição de 1988, o Código Civil passou por mudanças, deixando de voltar-se apenas para proteção dos bens e patrimônio, passando a proteger de forma mais abrangente a pessoa humana e sua dignidade.

Pode-se exigir que cesse a ameaça ou lesão a direitos da personalidade elencados nos artigos 11 ao 21 do Código Civil – vida, liberdade, imagem, honra, nome, integridade física e psicológica, intimidade e privacidade – e ainda reclamar pela reparação, nos termos do art. 12 da mesma lei:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

De tal forma, por serem direitos personalíssimos, poder-se-ia argumentar que a ação só deveria ser intentada pela própria vítima, impossibilitando a transmissibilidade sucessória.

Sobre o tema, importante trazer os ensinamentos da Professora Maria Helena Diniz:

Como a ação ressarcitória do dano moral funda-se na lesão a bens jurídicos pessoais do lesado, portanto inerentes à sua personalidade, em regra, só deveria ser intentada pela própria vítima, impossibilitando a transmissibilidade sucessória e o exercício dessa ação por via sub-rogatória. Todavia, diante de forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de admitir que pessoas indiretamente atingidas pelo dano possam reclamar a sua reparação, o art. 12, parágrafo único, do Código Civil veio acatar que, estando morta a vítima, terá legitimação ativa para reclamar perdas e danos por lesão a direito da personalidade, consorte sobrevivente ou companheiro (Enunciado n. 275 do CJF, aprovado na IV Jornada de Direito Civil), parente em linha reta e colateral até o 42 grau (irmão, tio, sobrinho e primo). O Projeto de Lei n. 699/2011 acrescentará a esse rol o companheiro. (DINIZ, 2012, p. 155)

Assim, vislumbra-se o papel primordial da ação ressarcitória (também chamada de reparatória ou de indenização) por danos morais. Pois, da mesma forma que os danos patrimoniais, os morais devem ser ressarcidos na extensão dos danos.

Entretanto, vários são os casos em que pessoas ou corporações utilizem de má-fé para auferir lucro e acabam lesionando direitos individuais e transindividuais.

Neste sentido, teorias para utilização da responsabilidade civil foram criadas para punir tais condutas. Criou-se a função punitiva da responsabilidade civil, afastando-se da visão clássica (apenas reparatória), que ficou conhecida como “punitive damages”. (ANDRADE, 2008)


1.6 PUNITIVE DAMAGES

Punitive damages ou, traduzindo literalmente para a língua portuguesa, significa "danos punitivos", é uma teoria utilizada no sistema jurídico do common law, pelo qual a visão clássica da responsabilidade civil, de apenas reparação pelos danos sofridos, é descartada.

Ainda em discussão contínua, mas bastante sedimentada na jurisprudência estrangeira, defende que se alguém utiliza de má-fé para auferir vantagem indevida, como, por exemplo, enriquecimento ilícito, os valores a serem indenizados tem a função de punir aquele que cometeu tal ato, desestimulando que os repita e servindo de exemplo para toda a sociedade.

O professor Andrade explica qual o contexto da criação de tal tese jurídica:

No common law, a primeira articulação explícita da doutrina dos punitive damages remonta a 1763 e é encontrada no julgamento do célebre caso Wilkes v. Wood. O nº 45 do jornal semanal The North Briton publicara um artigo anônimo de conteúdo alegadamente ofensivo à reputação do rei George III e de seus ministros. Em conseqüência, Lord Halifax, secretário de Estado do rei, determinou a expedição de mandado genérico (general warrant), autorizando a prisão dos suspeitos de envolvimento na publicação do artigo, sem identificá-los nominalmente. Foram presas 49 pessoas, dentre as quais o autor do artigo, John Wilkes, inflamado membro da oposição no Parlamento. Mensageiros do rei invadiram e reviraram a casa de Wilkes, forçando gavetas e apreendendo livros e papéis provados, sem inventaria-los. Wilkes, então, ajuizou uma action for trespass contra Mr. Wood, subsecretário de Estado, que havia pessoalmente supervisionado a execução do mandado. Demandou exemplary damages, ao argumento de que uma indenização de reduzido valor não seria suficiente para impedir a prática de condutas semelhantes. O júri estabeleceu a soma, considerável para a época, de £1000 (mil libras) a título de punitive damages. O mesmo episódio deu origem ao caso Huckle v. Money. Huckle, um modesto tipógrafo, foi detido com base no mesmo mandado genérico. Por essa razão, ajuizou uma action for trespass, assault and imprisonment. Embora os relatos do caso indiquem que ele tinha sido confinado por apenas seis horas e, nesse período, tenha recebido tratamento consideravelmente civilizado e cortês, o júri estabeleceu em seu favor punitive damages no montante de £300 (trezentas libras), quase trezentas vezes o salário semanal que ele recebia de seu empregador. Em apelação, o réu admitiu sua responsabilidade, mas sustentou que a indenização era excessiva dado o curto período de tempo de confinamento e o civilizado tratamento dispensado à vítima, assim como a baixa renda e a posição econômica desta. Essa argumentação foi rejeitada por Lord Chief Camden, que observou que, se o júri tivesse considerado apenas o dano pessoal, "talvez £20 (vinte libras) de indenização pudessem ser consideradas suficientes", mas concluiu que o júri fez bem em estabelecer exemplary damages, por entender que um policial entrar na casa de um homem com base em um mandado genérico, sem indicação do nome do investigado, para procurar evidências constitui um dos mais ousados ataques à liberdade individual. Esses precedentes assentaram as bases da doutrina dos punitive ou exemplary damages, que poderiam ser invocados para punir ofensores em casos de malícia, opressão ou fraude, ou seja, em casos nos quais o ato ilícito foi praticado de forma especialmente ultrajante. (ANDRADE, 2009, p. 168-180)

Esses precedentes assentaram a tese dos punitive damages ou também exemplary damages, uma vez que o sistema do common law é baseado nas decisões judiciais reiteradas. Segundo tal autor, a grande maioria dos tribunais de tal sistema a utilizam, tais quais Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Finlândia e Nova Zelândia.

No sistema jurídico brasileiro, muitos defendem a aplicação de tal tese. Conforme Fábio Ulhôa Coelho:

O objetivo originário do instituto é impor ao sujeito passivo a majoração do valor da indenização, com o sentido de sancionar condutas específicas reprováveis. Como o próprio nos indica, é uma pena civil, que reverte em favor da vítima dos danos. (COELHO, 2005, p. 432)

Neste sentido, a indenização punitiva só é permitida em casos em que a conduta do agente for manifestamente para obter vantagem indevida, como já dito, por exemplo, em busca de locupletamento. Nesta acepção, do caráter punitivo da reparação do dano, Carlos Alberto Bittar afirma

Adotada a reparação pecuniária – que, aliás é a regra na prática, diante dos antecedentes expostos -, vem-se cristalizando orientação na jurisprudência nacional que, já de longo tempo, domina o cenário indenizatório nos direitos norte-americanos e inglês. É a da fixação de valor que serve como desestímulo a novas agressões, coerente com o espírito dos referidos punitive ou exemplary damages [...]. (BITTAR, 2001, p. 114)

No mesmo sentido, Rui Stoco

Ademais a tendência moderna é a aplicação do binômio punição e compensação, ou seja, a incidência da teoria do valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária) juntamente com a teoria da compensação, visando destinar a vítima uma soma que compense o dano moral sofrido. (STOCO, 1999, p. 762)

Desta forma, muito são os defensores que a teoria punitive damages é aplicável no sistema jurídico brasileiro. Para eles, o dano moral não tem somente a finalidade de compensação, mas também punitivo/pedagógico.

Alguns requisitos cumulativos de sua aplicação são: dano moral, culpa grave do ofensor, obtenção de lucro com o ato ilícito. (ANDRADE, 2009)

Os causídicos de tal instituto defendem que as aplicações de sentenças com valores elevados iriam eliminar o lucro ilícito. Nas palavras do Magistrado André Gustavo Corrêa

Na grande maioria desses casos de uso indevido de imagem o ofensor obtém considerável lucro, mesmo depois de imposta a indenização do dano moral e de reparado o dano material (este, usualmente, na forma de lucros cessantes, representados por uma estimativa quase sempre imprecisa do valor de mercado da imagem abusivamente utilizada). Nestes casos, a clássica noção de reparação civil, pela qual a reparação é medida pela extensão do dano sofrido, propiciaria ao ofensor lucrar com sua atividade ilícita, em franca violação ao princípio de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza. Já a indenização punitiva, ao impedir o lucro do ofensor com a lesão, recupera, para a responsabilidade civil, a noção de eticidade. (ANDRADE, 2009, p. 168-180)

Vale ressaltar que a adoção deste instituto pode levar a um risco real de elevação das demandas judiciais, especialmente se o dano for fixado em bases individuais.

Popularmente há que atribua a isso uma "indústria do dano moral”, outros consideram como uma “banalização do instituto”. Portanto, é imprescindível o juiz observar se aquela situação in concreto realmente fere os direitos de personalidade ou é um mero “dissabor” da vida em sociedade.

Os tribunais seguem atentos no que consideram como “banalização do dano moral”. É o caso do Tribunal de Justiça de São Paulo

DANOS MORAIS. Não caracterização. Suposta falha na prestação de serviços bancários. Situação insuscetível de gerar rasura a personalidade civil. Desgaste que não se confunde com dor moral. Banalização do dano moral que deve ser evitada. Improcedência mantida. Recurso desprovido(TJ-SP - APL: 00008962620118260077 SP 0000896-26.2011.8.26.0077, Relator: Rômolo Russo, Data de Julgamento: 23/05/2013, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/05/2013). (BRASIL, 2013, p. 1)

Importante ressaltar que, independentemente da posição quanto ao referido instituto, reclamar pelos danos é uma forma legítima de acessar o judiciário na ameaça ou lesão de direitos, nos termos do inciso XXXV do artigo 5° da Constituição Federal.

É um tema ainda bastante controvertido. O Superior Tribunal de Justiça já demonstrou entendimento que os punitive damages não são aplicados no ordenamento jurídico brasileiro. Segue o trecho da decisão que trata da matéria:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO  RECURSO ESPECIAL. CIVIL.  INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. HERDEIROS. LEGITIMIDADE. QUANTUM DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM VALOR EXORBITANTE. NECESSIDADE DA REDUÇÃO. RESPEITO AOS PARÂMETROS E JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES.

[...]

 3. A aplicação irrestrita das "punitive damages" encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de 2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002.

[...] (AgRg no Ag 850273/BA .DJe 24/08/2010). (BRASIL, 2010, p. 1)

Em tal decisão, o STJ considerou que:

Têm-se designado as "punitive damages" como a "teoria do valor do desestímulo" posto que, repita-se, com outras palavras, a informar a indenização, está a intenção punitiva ao causador do dano e de modo que ninguém queira se expor a receber idêntica sanção. (grifo meu) (BRASIL, 2010, p. 1)

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Considerou ainda que:

O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito. (grifo meu) (BRASIL, 2010, p. 1)

Assim, observa-se que o entendimento do STJ vai de encontro com o instituto do punitive damages, tendo em vista o enriquecimento do ofendido, o que seria ilícito. De tal modo, a tese é bastante discutível no Brasil. O Superior Tribunal de Justiça, órgão do poder judiciário responsável pela Constituição em interpretar a lei federal (art. 105, II, c) entende pela sua não aplicação.


CONCLUSÃO

Ao final, foi abordado especificamente sobre o objetivo deste estudo a responsabilização civil, com uma visão geral sobre o tema no que tange a responsabilidade civil, no qual restou demonstrado seus conceitos, requisitos e espécies que possibilita o dever de reparar o dano praticado por qualquer sujeito de direito contra outro, independente de que espécie e dos elementos, seja ele material ou imaterial.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral & Indenização Punitiva: Os punitive damages na experiência do Common Law e na perspectiva do Direito Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 168-180.

BITTAR, C. A. Responsabilidade Civil: Teoria e Prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil.9. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v. 2. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v.7. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 10. ed. rev. atual. e ampl. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 1 Esquematizado. Parte geral, obrigações e contratos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil: De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 9. ed. v. 2. São Paulo: Método, 2014.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. V. IV. São Paulo: Atlas, 2010.

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Sobre os autores
Matheus Mendes Neves

Estudante de Direito, Agente Penitenciario.

Jonathas Mendes Paulino

ETERNO ESTUDANTE DE DIREITO . ATUAÇÃO CRIMINAL.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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