O direito à desconexão como direito fundamental do trabalhador

10/08/2018 às 01:06

Resumo:


  • O conceito de "direito à desconexão" emerge como uma resposta aos desafios impostos pela conectividade constante e a dificuldade de separar a vida profissional da pessoal, especialmente em um contexto onde as tecnologias de comunicação permitem que empregadores acionem seus empregados a qualquer momento.

  • Esse direito busca proteger o tempo de descanso e lazer do trabalhador, garantindo que ele possa se desligar das atividades laborais após a jornada de trabalho, sem a pressão de estar sempre disponível para o empregador, o que é essencial para a saúde física e mental do indivíduo.

  • Embora ainda não haja uma legislação específica no Brasil que regule o direito à desconexão, decisões judiciais e alterações legislativas, como a Lei nº 12.551, já reconhecem a necessidade de limitar a jornada de trabalho e garantir períodos de descanso, indicando uma tendência de proteção a esse direito.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo trata brevemente do mais novo direito à desconexão ao trabalho como norma de direito fundamental do trabalhador, ante essa nova realidade de mercado vivenciada pelos avanços nos meios tecnológicos e de comunicação remota, virtual e instantânea.

Na sociedade atual, o excesso, a instantaneidade e a velocidade com que as informações se disseminam, a facilidade dos instrumentos eletrônicos de comunicação remota (e imediata) e as redes sociais não nos deixa ficar alheios aos fatos e notícias que acontecem no mundo.

Por essa razão, não é mais provável que alguém esteja desconectado do mundo real (ou virtual). Mas isso tem consequências nas relações laborais, porque hoje é impraticável se desconectar dos patrões, dos chefes ou dos superiores, os quais invariavelmente se utilizam desses meios de comunicação para acionar os seus subordinados acerca de assuntos relacionados às atividades da empresa, mesmo fora do horário e do ambiente de trabalho.

A utilização de smartphones, telefones móveis, tabletes, palmtops, notebooks, ultrabooks, pager ou outro instrumento tecnológico de comunicação remota consente ao trabalhador acessar seu e-mail, ou receber mensagens de forma instantânea ou ainda telefonemas do patrão a qualquer momento, admitindo a realização de trabalho em benefício da empresa, ainda que em horário de descanso do trabalhador, e portanto, extrapolando a jornada de trabalho contratada com a empresa.

Essa nova realidade ameaça um dos direitos que levou anos para ser conquistado pelos trabalhadores: a limitação da jornada de trabalho. A prestação de trabalho de forma parcelada, em razão da interrupção frequente dos períodos de repouso do trabalhador, ainda que por poucos minutos, pode caracterizar a submissão, em tempo integral, do trabalhador a seu empregador.

O excesso de conectividade à disposição do empregador em períodos sem restrição, seja qual for o ramo da atividade empresarial desenvolvida, é prejudicial à vida do trabalhador, violando normas de higiene, meio ambiente e saúde dos empregados, por conseguinte afronta normas de direitos fundamentais tais como o direito ao lazer, à privacidade, ao descanso, ao não trabalho, à limitação da jornada, o que causa inexoravelmente doenças e stress ao empregado.

Pois bem. No rol (exemplificativo) do art. 6.º da CF/88 estão previstos os mais relevantes direitos sociais, dentro os quais o direito ao trabalho, à saúde, ao lazer, dentre outros igualmente relevantes. Nessa perspectiva, podemos afirmar que o direito à desconexão laboral é um dos mais novos direitos fundamentais do cidadão.

Assim também pensam os juristas Almiro Eduardo de Almeida e Valdete Souto Severo:

“No que diz respeito aos direitos à limitação da jornada e à desconexão do trabalho o projeto é claro: o trabalho é direito fundamental social contido no art. 6.º da constituição. O direito a trabalhar não exclui, porém, o direito ao descanso, ao lazer, ao convívio familiar e social — enfim, o direito ao não trabalho. É preciso pontuar: não estamos aqui tratando do lazer como um fim em si mesmo.”.

Se desconectar para viver em tranquilidade com liberdade de locomoção com os seus familiares e amigos, expressão do direito ao lazer, ao descanso, à paz, ao de está livre e “ficar de boa”, é ao final e ao cabo, externação do direito à felicidade, este já expressamente consagrado pela nossa Suprema Corte no julgamento do RE n. 477554/MGO, onde ficou estabelecido que o “direito à busca da felicidade, é verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana.”.

O direito à desconexão do trabalho é o direito a se desconectar das atividades laborais ao término de uma jornada de trabalho, é direito a descansar, a não trabalhar, a trabalhar menos, a trabalhar dentro da jornada previamente estabelecida com o patrão, usufruindo efetivamente das horas de lazer e repouso, para revitalização das energias para o dia seguinte de labuta, é direito à limitação da jornada de trabalho, gozando das horas inter e intrajornadas, do tempo livre, a fim de ter uma vida normal fora do ambiente de trabalho.

Segundo a professora Vólia Bomfim Cassar, o direito a desconectar significa:

"O trabalhador tem direito à 'desconexão', isto é, a se afastar totalmente do ambiente de trabalho, preservando seus momentos de relaxamento, de lazer, seu ambiente domiciliar, contra as novas técnicas invasivas que penetram na vida íntima do empregado." (Direito do Trabalho, 6ª edição, Niterói: Impetus, 2012, fl. 660).

Portanto, o direito à desconexão é corolário do direito à saúde e ao lazer do trabalhador, não estado obrigado a ficar em regime de prontidão full time conectado e à disposição do empregador, podendo ser acionando para assuntos relacionados à empresa nas 24 horas do dia.

Nessa toada, direito a se desconectar é direito à saúde, porque o trabalhador conectado initerruptamente às atividades da empresa, respondendo a e-mails, finalizando relatórios, preenchendo planilhas de excel, marcando reuniões, respondendo a Wathssap, gerar-lhe-á forçosamente prejuízos de ordens físicas e psíquicas, além de obstar suas relações internas com familiares e amigos, privando os seus de sua convivência, o que é extremamente maléfico à família, ao casal, aos filhos, aos parentes e amigos, provocando invariavelmente transtornos psiquiátricos.

Há inclusive estudos que afirmam que empregados com esse nível de pressão e stress, submetidos a cargas excessivas de labor, acabaram por levar isso para sua vida íntima e familiar, construindo famílias dissolvidas e fracas, filhos problemáticos e fracassados, o que acaba por desencadear uma sociedade doente que padece com tantas doenças psicossomáticas, engordando o número de pessoas estressadas, ansiosas, depressivas e com síndromes do pânico e outras tantas, o que acaba por abarrotar ainda mais o nosso Sistema Público de Saúde – SUS, o que é gravíssimo.

Portanto, se desconectar dos problemas da empresa, das ordens dos superiores, para cuidar dos seus e de suas atividades pessoais é salutar a todos.

O direito ao lazer, ao descanso, à desconexão é irmandade do direito ao trabalho, são verso e reverso da mesma moeda. É por assim dizer, seu espelho invertido, é uma vertente do direito ao trabalho. O trabalho em excesso (sem descanso ou desconexão) é tão prejudicial à pessoa quanto o desemprego. Está submetido à carga exagerada de trabalho initerruptamente, sem lazer, sem vida social e familiar é nocivo à vida do empregado, e deve ser obstado por normas de proteção ao trabalhador, inclusive por regulamentação das normas que disciplinam saúde, higiene e segurança nas relações de trabalho.

Os avanços tecnológicos dos instrumentos telemáticos e informatizados é uma evolução positiva da sociedade que passou anos de pesquisa e estudos para chegar onde estamos hoje, porém os excessos, especialmente nas relações de subordinação devem ser afastados e punidos, responsabilizando as empresas que insistem em infringir as garantias e normas do direito do trabalho, sob pena de automação do trabalhador e submissão às jornadas de trabalho não intermitentes.

Nessa quadra, leciona o professor Jorge Souto Maior:

“A tecnologia fornece à sociedade meios mais confortáveis de viver, e elimina, em certos aspectos, a penosidade do trabalho, mas, fora de padrões responsáveis pode provocar desajustes na ordem social, cuja correção requer uma tomada de posição a respeito de qual bem deve ser sacrificado, trazendo-se ao problema, a responsabilidade social. Sem a perspectiva de uma verdadeira responsabilidade, cujos limites devem ser determinados pelo Estado e não pelo livre-mercado, evidentemente, a evolução tecnológica a despeito de gerar conforto estará produzindo o caos.”.

(disponível em https://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/do_direito_%C3%A0_desconex%C3%A3o_do_trabalho..pdf).

Ora, o direito à limitação da jornada a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, ao lado do gozo de férias remuneradas, do repouso semanal remunerado, os quais estão expressos no art.7.º, inciso XIII, XVII e XV, da Carta Magna de 18 de outubro de 1988, são expressões evidente da imposição e da observância à desconexão do trabalho nos períodos de descanso como norma de direito fundamental do cidadão, especialmente nas relações entre empregado e empregador.

Na França desde 01 de janeiro de 2017 vigora a Lei da Desconexão, onde há regra expressa que ampara os empregados para se negarem a responder mensagens eletrônicas (ou qualquer outro meio de comunicação instantânea) de seus chefes após o horário de expediente. Lá os empregados estão sob proteção legal do parlamento francês para se desligarem dos seus patrões nos períodos de descanso.

No Brasil ainda não existe lei específica sobre o assunto, mas já é possível prevê ao menos uma sinalização, e nesse ponto há um avanço na legislação brasileira, na medida em que recentemente houve alteração pela Lei nº 12.551, de dezembro de 2011, do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho para equiparar o trabalho à distância ao presencial.

No seu paragrafo único, o art. 6.º da CLT expressamente se refere aos “meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão” os quais se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Assim, comprovada a realização do trabalho à distância, por meio de e-mail, Wathssap ou qualquer outro aplicativo de comunicação remota, está adequadamente conformado o trabalho à distância.

Nessa pegada, a Suprema Corte Trabalhista (TST) com acerto e coragem tem decidido favorável à tese dos trabalhadores com relação ao direito a se desconectar nos períodos livres. Isso restou clarividente no julgamento do Recurso de Revista – RR n. 64600-20.2008.5.15.0127, onde consignou:

"A concessão de telefone celular ao trabalhador não lhe retira o direito ao percebimento das horas de sobreaviso, pois a possibilidade de ser chamado em caso de urgência por certo limita a sua liberdade de locomoção e lhe retira o direito à desconexão do trabalho."

(Processo: RR - 64600-20.2008.5.15.0127. Data de Julgamento: 27/06/2012, Relatora Juíza Convocada: Maria Laura Franco Lima de Faria, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/06/2012). (Grifei).

Também temos a redação da Súmula 428, do TST, que recentemente foi modificada para se adequar a essa nova visão de mundo, diz assim o seu enunciado:

Súmula nº 428 do TST: SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso.

II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso. (Grifei).

Segundo o Ministro João Oreste Dalazen, Presidente do TST, a necessidade de revisão da Súmula 428 surgiu com o advento das Leis 12.551/2011 e 12.619/2012, que estabeleceram a possibilidade eficaz de supervisão da jornada de trabalho desenvolvida fora do estabelecimento patronal, e dos avanços tecnológicos dos instrumentos telemáticos e informatizados.

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No TST as discussões trataram sobretudo acerca das tarefas que se concretizam à distância, de forma subordinada e controlada, sobre o uso de smartphones poder representar sobreaviso, se e quando atrelado as peculiaridades que revelem controle efetivo sobre o obreiro, tais como escalas de plantão ou "estado de disponibilidade”.

Há uma disposição natural de que o trabalho à distância se torne cada vez mais utilizado como forma de produção, uma vez que possui como características a economia de tempo despendida pelo empregado e a facilidade na prestação do serviço, o que pode gerar como consequência a dificuldade em determinar o que é ou não tempo de trabalho e o tempo que se está disponível para o empregador, tornando evidente a importância e a relevância da discussão acerca do direito à desconexão.

Assim, percebemos que o uso de novas tecnologias de informação e comunicação no âmbito do ambiente de trabalho já é pauta de debate nos tribunais brasileiros que analisam a complexa discussão da jornada de labor e os direitos fundamentais sociais, o que demonstra a preocupação em acompanhar as tendências do mundo atual e na forma como o Direito Trabalhista deve encarar a jornada de trabalho, tendo em vista a utilização de dispositivos digitais de forma constante.

À conclusão, é contundente categorizar que não existe mais espaço para a “escravidão virtual” pelos patrões aos seus subordinados, através dos meios de aparelhos de tecnologia e de informática, os quais, certamente, não foram idealizados para esse fim.

A regra fundante do Estado de Direito Democrático, qual seja: a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 3.º, III), as normas de saúde, higiene e ambiente do trabalho, além dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não nos deixam dúvidas de que o direito à desconexão e à limitação da jornada de trabalho, com respeito à vida social e privada, às relações individuais e familiares, ao lazer e ao descanso do obreiro, é norma de direito fundamental do trabalhador, cujo conteúdo deve ser observado por toda classe patronal, pena de voltarmos ao período sombrio da escravidão humana dos trabalhadores em pleno Século XXI, o que, indubitavelmente, não é o desejo de ninguém, porquanto o Estado, a sociedade, os patrões, as empresas, o mercado e a economia precisam de mão de obra, para além de qualificada, igualmente revitalizada, porque somente assim se produzirá, com responsabilidade social, mais e melhor, o que é de suma importância para o desenvolvimento do país.


REFERÊNCIAS

ALMEDA, Almiro Eduardo de, e SEVERO, Valdete Souto. DIREITO À DESCONEXÃO NAS RELAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO. LTr, Julho, 2014. Disponível em https://www.ltr.com.br/loja/folheie/5009.pdf.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho, 6ª edição, Niterói: Impetus, 2012, fl., 660.

MAIOR, Jorge Souto. Do Direito à Desconexão do Trabalho. Juiz do trabalho 3.ª Vara de Jundiaí/SP. Professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP, disponível em https://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/do_direito_%C3%A0_desconex%C3%A3o_do_trabalho..pdf.

SOBREAVISO. Nova redação da Súmula 428 reconhece sobreaviso em escala com celular. Disponível em:<https://www.tst.gov.br/web/guest/home/-/asset_publisher/nD3Q/content/nova-redacao-da-sumula-428-reconhece-sobreaviso-em-escala-com-elular?.

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Sobre o autor
Fagner Cesar Lobo Monteiro

Procurador do Estado e Advogado. Ex Defensor Público do Estado. Ex Assessor Jurídico Chefe de Fundação Pública. Professor e Palestrante. Pós-graduado em Direito Constitucional. Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho. Diversos artigos acadêmicos publicados em revistas e sites jurídicos. Aprovados em vários concursos públicos para carreira jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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