O Imposto de Renda da Pessoa Física no Brasil e sua progressividade à luz dos princípios da isonomia e capacidade contributiva

13/08/2018 às 12:36
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O presente trabalho teve por objetivo analisar a historicidade do Imposto de Renda da Pessoa Física no Brasil e entender como os princípios da isonomia e da capacidade distributiva influenciam no modelo de Imposto existente hoje.

1. Introdução
A desigualdade social sempre se apresentou como um problema central nos países em desenvolvimento econômico. No Brasil, os índices de pobreza e desigualdade têm apresentado resultados alarmantes, sendo a má distribuição de renda um dos, se não o principal fator contribuinte para tal situação.
O Estado tem um papel de extrema importância na distribuição de renda pois busca, por meio de políticas e serviços públicos e regulamentação da economia, moderar as desigualdades existentes. Os impostos são uma importante ferramenta do governo para arrecadar dinheiro e financiar as políticas públicas, sendo o Imposto de Renda o maior imposto em arrecadação das últimas décadas.
A progressividade consiste na adequação da alíquota à capacidade contributiva do contribuinte, de modo que o contribuinte com maior renda não apenas pagará mais, como também retirará maior porcentagem de sua renda para pagar o tributo. O estudo da progressividade do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física faz-se necessário pois este é o tributo mais importante para a arrecadação, além de ser o de melhor possibilidade de aplicação da progressividade.
O trabalho consiste inicialmente na análise histórica do Imposto de Renda da Pessoa Física no Brasil, passando depois por suas características da atualidade. Serão então estudados os princípios da isonomia e da capacidade contributiva e seu papel na progressividade, concluindo-se então com o papel da progressividade na redistribuição de renda no país.


2. O Imposto sobre a Renda da Pessoa Física no Brasil

2.1. Histórico
A maioria dos pesquisadores e estudiosos atribuem a criação do Imposto de Renda ao primeiro-ministro inglês William Pitt, no ano de 1799. Na época, a Inglaterra encontrava-se ameaçada pela França de Napoleão Bonaparte e precisava angariar recursos para a guerra. O tributo não foi bem recebido pela população, e em 1815, com a derrota de Napoleão, ele foi suspenso, retornando somente em 1842. Mas a ideia do imposto de renda expandiu-se para outros países, e o tributo tornou-se a principal fonte de recursos.
No Brasil, a primeira disposição sobre o assunto surgiu no reinado de D. Pedro II com o artigo 23 da Lei 317/1843, que instituiu um imposto progressivo sobre os vencimentos recebidos dos cofres públicos.
Art. 23: Fica creada a seguinte contribuição extraordinária durante o anno desta lei.
§ 1º. Todas as pessoas que receberem vencimentos dos Cofres Públicos Geraes, por qualquer título que seja, ficão sujeitas a uma imposição, que será regulamentada pela maneira seguinte:
 De 500$000 a 1:000$000 2 por cento
 De 1:000$000 a 2:000$000 3 por cento
 De 2:000$000 a 3:000$000 4 por cento
 De 3:000$000 a 4:000$000 5 por cento
 De 4:000$000 a 5:000$000 6 por cento
 De 5:000$000 a 6:000$000 7 por cento
 De 6:000$000 a 7:000$000 8 por cento
 De 7:000$000 a 8:000$000 9 por cento
 De 8:000$000 para cima 10 por cento.

§ 2º. Ficão exceptuados da regra estabelecida no paragrapho antecedente os vencimentos das praças de pret de terra e mar, e os vencimentos dos militares em campanha.
§ 3º. Na palavra vencimentos se comprehendem quaesquer emolumentos que se perceberem nas Secretarias, ou Estações Publicas.
§ 4º. O Governo estabelecerá o modo de arrecadar-se esta nova imposição.

O Imposto apresentava uma série de problemas que prejudicavam sua efetividade. O universo de contribuintes era reduzido apenas àqueles que recebiam seus vencimentos dos cofres públicos, e destes, poucos auferiam renda. A extensão territorial também era um impeditivo à implementação de um imposto de tamanha complexidade. O imposto, então, foi suspenso após dois anos, mas já foi o suficiente para o estabelecimento de um movimento pioneiro a favor do imposto sobre a renda.
Com a Guerra do Paraguai, o governo imperial se viu diante da necessidade de uma nova reforma no sistema tributário, e o imposto sobre a renda foi mais uma vez considerado. O artigo 22 da Lei 1507/1867 instituiu o imposto sobre vencimentos, ao qual todos aqueles que recebiam vencimentos vindos dos cofres públicos estavam sujeitos, exceto pessoas com renda abaixo de 1:000$000.
Art. 22. Todas as pessoas, que receberem vencimentos dos cofres públicos geraes, provinciaes ou municipaes, comprehendidos os pensionistas, jubilados e aposentados, ficão sujeitas ao imposto de 3% sobre os mesmos vencimentos, exceptuados os inferiores a 1:000$000.

O imposto foi logo extinto, e foi implementado e retirado diversas vezes até ser definitivamente extinto em 1910.
O primeiro Ministro da Fazenda do período republicano, Rui Barbosa, foi forte defensor da implementação do Imposto de Renda no Brasil. Em um relatório datado de 1891, Barbosa fala sobre a importância de um imposto direto e justo, e traça as diretrizes de sua proposta. O imposto incidiria sobre as rendas advindas de bens imóveis; do exercício de qualquer ofício; de empregos públicos; e de títulos, ações, juros de dívidas hipotecárias. Estariam isentas pessoas cujo vencimento não fosse superior a 800$000; membros dos corpos diplomáticos de outros países; as sociedades de socorro mútuo e beneficência; e os juros das apólices de dívida pública na posse de estrangeiros não residentes no país. Rui Barbosa foi ainda contra o arbítrio do fiscal ser o único meio de determinação da renda, e sugeriu a declaração do contribuinte como ponto de partida, além da busca por outros meios para se auferir a renda. Apesar de seus esforços, o Imposto de Renda não foi instituído.
No ano de 1922, o imposto sobre a renda já estava consolidado em outros países, exercendo importante papel nas receitas tributárias destas nações. Com isso, os Congressistas perceberam aos poucos a relevância do imposto na arrecadação de recursos e para a implementação de um sistema tributário mais justo, e a resistência ao tributo foi perdendo força. Em dezembro do mesmo ano, o deputado Antônio Carlos sugeriu a substituição de uma série de impostos dispostos na Lei Orçamentária sob o título de Imposto de Renda por um que recaísse sobre a renda global. O Imposto de Renda no Brasil então foi instituído no dia 31 de dezembro de 1922, no artigo 31 da lei 4625.
Art.31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem.
1. As pessoas não residentes no paiz e as sociedades com sede no estrangeiro pagarão o imposto sobre a renda liquida, que lhes for apurada dentro do território nacional.
2. É isenta do imposto a renda annual inferior a 6:000$ (seis contos de reis), vigorando para a que exceder dessa quantia a tarifa que for annualmente fixada pelo Congresso Nacional.
3. Será considerado liquido, para o fim do imposto, o conjunto dos rendimentos auferidos de qualquer fonte, feitas as deducções seguintes:
1. impostos e taxas;
2. juros de dívidas, por que responda o contribuinte;
3. perdas extraordinarias, provenientes de casos fortuitos ou força maior, como incêndio, tempestade, naufrágio e accidentes semelhantes a esses, desde que taes perdas não sejam compensadas por seguros ou indenizações;
4. as despezas ordinárias realizadas para conseguir assegurar a renda.
4. Os contribuintes de renda entre 6:000$ (seis contos de reis) e 20:000$ (vinte contos de reis) terão deducção de 2% (dous por cento) sobre o montante do imposto devido por pessoa que tenha a seu cargo, não podendo exceder, em caso algum, essa deducção a 50% (cincoenta por cento) da importância normal do imposto.
5. O imposto será arrecadado por lançamento, servindo de base a declaração do contribuinte, revista pelo agente do fisco e com recurso para autoridade administrativa superior ou para arbitramento. Na falta de declaração o lançamento se fará ex-officio. A impugnação por parte do agente do fisco ou o lançamento ex-officio terão de apoiar-se em elementos comprobatorios do montante de renda e da taxa devida.
6. A cobrança do imposto será feita cada anno sobre a base do lançamento realizado no anno immediatamente anterior.
7. O Poder Executivo providenciará expedindo os precisos regulamentos e instrucções, e executando as medidas necessarias, ao lançamento, por forma que a arrecadação do imposto se torne effectiva em 1924.
8. Em o regulamento que expedir o Poder Executivo poderá impor multas até o Maximo de 5:000$ (cinco contos de réis).

O Imposto de Renda instituído em 1922 seria devido anualmente por toda pessoa física ou jurídica residente no território nacional e incidiria sobre o conjunto líquido dos rendimentos de qualquer origem. Este tributo sofreu inúmeros aperfeiçoamentos, logo tornou-se o tributo mais conhecido do país, e, desde 1979, é o primeiro em arrecadação. Em 1991, a Secretaria da Receita Federal passou a aceitar a declaração em disquetes, e em 1997 a entrega passou a também ser feita via internet. A partir de 2013, a entrega também passou a ser feita via dispositivos móveis, como celulares e tablets.  

2.2. Conceito
O Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas (IRPF) é um tributo que incide sobre a renda e os proventos de contribuintes residentes no Brasil ou no exterior, mas que recebam rendimentos de fontes no Brasil. As alíquotas variam de acordo com a renda do indivíduo, de modo que pessoas de baixa renda não são alcançadas pelo tributo.
O artigo 153, da Constituição Federal determina que o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza é competência da União, e ainda versa sobre os princípios que devem ser seguidos na aplicação do tributo.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[…]
III - renda e proventos de qualquer natureza;
[...]
§ 2º O imposto previsto no inciso III:
I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;
  [...]

Os critérios de generalidade, universalidade e progressividade constituem desdobramentos do princípio da isonomia tributária. A Generalidade significa que qualquer pessoa que aufira renda e proventos de qualquer natureza deve se submeter à imposição tributária, sem discriminação ou privilégio. Já a Universalidade determina que nenhuma forma de renda advinda do trabalho, do capital ou de ambos pode ser deixada de fora do campo de incidência do tributo. A Progressividade será tratada mais adiante.
O montante arrecadado pelo Imposto de Renda não tem destinação específica como outros tributos, mas compõe as receitas orçamentárias que serão investidas em políticas públicas. Também por isso, o Imposto de Renda é um dos tributos mais importantes na luta contra a desigualdade social e pela redistribuição de renda no país. 


3. A Progressividade e os Princípios

3.1. Princípio da Isonomia ou Igualdade Tributária
A igualdade entre as pessoas está prevista no artigo 5º da Constituição Federal, e consiste não apenas em um direito, mas também em um princípio do ordenamento jurídico brasileiro reiterado em diversos outros momentos do texto constitucional. No campo específico da tributação, este princípio é particularizado pelo artigo 150, II da CF, o qual veda ao Estado o tratamento desigual entre contribuintes em situações equivalentes por razão de ocupação, função ou denominação jurídica dos rendimentos.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[…]
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
[...]

 Este princípio implica inicialmente em dois desdobramentos. O primeiro é o fato de que, diante de uma determinada lei, qualquer pessoa que se encaixe na hipótese legalmente descrita estará sujeita ao mandamento legal. Nesse caso, o princípio refere-se ao aplicador da lei, ou seja, o aplicador da lei não pode fazer diferenciações a fim de decidir se as pessoas estarão ou não sob o comando legal.
O segundo desdobramento diz respeito ao legislador. Justamente com base no princípio da igualdade é vedado ao legislador tratar situações iguais ou equivalentes de maneiras diferentes. Dessa forma, todos são iguais não apenas perante a lei, mas também perante o legislador.
Por outro lado, a igualdade não apenas consiste em tratar os iguais de maneira igual, como também os diferentes de maneira diferente. Desse modo, o foco das discussões passa a ser a identificação destas desigualdades, e de que maneira elas devem determinar um tratamento igual ou desigual. Esta diferenciação deve ser feita com base no princípio da capacidade contributiva, ou seja, pessoas com a mesma expressão econômica serão tratadas de maneira igual. É ainda importante que o legislador e o aplicador da lei diferenciem quando lhes for obrigatório e não diferenciem quando lhes for vedado, uma vez que ambos os casos consistem em violações do princípio da isonomia e possivelmente do princípio da capacidade contributiva.

3.2. Princípio da Capacidade Contributiva
O princípio da capacidade contributiva prevê que os impostos, sempre que possível, devem ser pessoais, e a tributação deve acontecer com base na capacidade contributiva do indivíduo, como previsto no artigo 145, § 1º da CF.
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
[…]
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
   [...]

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Este princípio tem por base o fato de que não é eficaz cobrar muito de quem tem pouco, e se assim fosse cobrado, a lei de incidência perderia sua eficácia. Entretanto, o princípio também visa preservar o contribuinte, de modo a não permitir que tributos excessivos e incompatíveis com sua capacidade contributiva comprometam sua subsistência ou o livre exercício de sua profissão. O trecho “sempre que possível” se refere tanto à personalização quanto à contribuição de acordo com a capacidade contributiva, uma vez que determinados impostos, por suas características, podem ter tal princípio excepcionado.
Com base também no princípio da isonomia, o princípio da capacidade contributiva determina que, ao adequar a contribuição à capacidade do contribuinte, faz-se necessária uma cobrança que respeite as desigualdades. Já em situações de pessoas com capacidades iguais, além do direito a um tratamento igualitário, existe também o direito que cada um deles possui de não ser tributado mais do que sua capacidade contributiva permite.

3.3. A Progressividade e o Efeito Redistributivo
Um tributo pode ser considerado progressivo quando sua alíquota atribuída a uma “unidade tributável” aumenta conforme a renda aumenta. Isso implica não apenas na maior contribuição daqueles com maior renda, como também na maior “perda” porcentual da renda dos mais abastados.
A progressividade justifica-se com base nos princípios tributários, especialmente os que foram anteriormente mencionados (isonomia e capacidade contributiva). Busca-se, com tais princípios e com os tributos, a transformação social e a diminuição das desigualdades, de modo a redistribuir a renda efetivamente. A distribuição da renda líquida (posterior à tributação) somente será mais desigual que a distribuição da renda bruta (anterior à tributação) se a incidência do imposto na renda bruta for mais desigual.
A progressividade e a incidência desigual do imposto contribuem para um efeito equalizador da distribuição de renda, também conhecido como efeito redistributivo do imposto.


4. Considerações Finais
O Imposto de Renda não possui uma destinação exata de seus lucros. Aquilo que é arrecadado passa a fazer parte das receitas orçamentárias do país, podendo ser destinado para as mais variadas políticas públicas que visam beneficiar a população e reduzir a desigualdade social. Exatamente por ser o imposto de maior arrecadação e ter destinação livre, o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física no Brasil é tão relevante e a progressividade se faz necessária.
O efeito redistributivo é um elemento importante no combate à desigualdade, e é possibilitado pela progressividade, que, por meio de uma desigualdade na arrecadação da renda bruta, propicia uma menor desigualdade na distribuição da renda líquida, e arrecada mais dinheiro daqueles que podem provê-lo.

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