Friedrich Nietzsche foi um filósofo alemão do final do século XIX que, por meio de seus textos críticos sobre religião moral, cultura, filosofia e ciência, contribuiu e revolucionou a filosofia. Após a sua morte, seus escritos ficaram sob os cuidados de sua irmã, Elisabeth, que pode tê-los alterado para que estes se adequassem mais à ideologia antissemita. Por esse motivo, Nietzsche é muitas vezes associado ao militarismo alemão e ao nazismo, embora estudiosos atuais venham tentando contornar esta situação. Uma de suas ideias mais notáveis, juntamente com “a morte de Deus”, é o perspectivismo.
O tema do perspectivismo, que consiste em “‘uma metáfora visual’ que ele utiliza, a princípio, em referência à dimensão epistêmica, mas que comporta também profundas consequências hermenêuticas e práticas. ” (Gori, 2014) atrai a atenção dos estudiosos. É tomado como uma das teorias fundamentais nietzschianas, embora não esteja presente de maneira expressiva em suas obras e figure apenas em sua fase mais madura. Sua relevância deve-se ao fato de esta teoria estar muito presente nos estudos gnosiológicos de Nietzsche, estes muito presentes em suas obras. O perspectivismo opõe-se de certa forma à tendência positivista de atribuir valor às coisas.
1. Perspectivismo Gnosiológico
Gnosiologia nada mais é do que o estudo sobre o conhecimento humano. Dessa forma, o perspectivismo de Nietzsche, que tem como máxima: “não existem fatos, mas somente interpretações”, quando aplicado à gnosiologia, acaba por pautar a possibilidade de conhecimento humano. Para Nietzsche, o mundo pode ser interpretado de várias maneiras, e o que determina essa interpretação são os nossos instintos, suas vantagens e desvantagens. Nossos instintos tentam dominar e se impor sobre todos os outros como única interpretação correta.
Há uma impossibilidade de se reduzir o perspectivismo Nietzschiano apenas às teorias de conhecimento, afinal, o próprio conceito de interpretação já conduz ao âmbito da moral e da ética. Para Nietzsche, a tendência humana de querer impor seu próprio ponto de vista é instintiva. O perspectivismo não pode ser reduzido apenas à gnosiologia, muito embora exista uma relação significativa entre ambos, e seja até possível sustentar que este nasce a partir das observações acerca do conhecimento feitas por Nietzsche.
Nietzsche também apresenta outra teoria que se relaciona ao perspectivismo: o falsificacionismo, isto é, a teoria que diz que a relação homem-mundo é feita através do homem e da razão, de forma que a razão interprete de forma simples o que foi sentido pelo organismo. Isso quer dizer que a “verdade” entendida por esse processo é uma verdade pragmática, que não representa a complexidade real do que está se tentando compreender e apresenta-se apenas de forma funcional. Para Nietzsche, o conhecimento não passa de uma série de deduções, nas quais o ser humano fixa expectativas.
Para o homem, a falsidade de uma ideia não necessariamente implica em uma objeção contra ela. Isso acontece pois tendemos a tê-las como indispensáveis, e baseado nisso que Nietzsche discorda de que o que há de mais seguro no mundo é o seu caráter errôneo, pois para ele a verdade não deve ter mais valor que a aparência, afinal, se não fossem as aparências não sobraria nada, e dessa forma seria impossível fazer a oposição entre o verdadeiro e o falso. O perspectivismo Nietzschiano reflete sobre as teorias de conhecimento e trata claramente das questões de valores e da interpretação do mundo a partir da moral, trazendo assim a ideia de perspectivismo moral.
2. Perspectivismo moral
Para Nietzsche, da mesma maneira que a verdade, o caráter moral de um fenômeno não é intrínseco a ele, e sim atribuído após uma sucessiva interpretação. Visto que a interpretação moral é atribuída, então esta depende de quem a julga e pode receber inúmeras interpretações. Dessa forma, não existe um fenômeno bom ou mal em si, pois estas interpretações variam de pessoa para pessoa.
O perspectivismo e a moralidade são temas que se relacionam com ainda mais destaque nos escritos póstumos de Nietzsche. Para ele, por exemplo, o bem e o mal não existem em si, mas sim nas perspectivas do homem, e, portanto, um julgamento é sempre condicionado. Além disso, o filósofo deve negar a existência do fenômeno moral e se manter além do julgamento moral, deve evita-lo. Isso porque, para Nietzsche, o julgamento moral é tão enviesado quanto o religioso, e indicia um sinal de ignorância e a incapacidade de distinguir entre o real e o irreal.
No aspecto da atribuição de caráter moral às ações, Nietzsche refere-se a isso como “Introdução de Sentido”, e acontece em ambos os perspectivismos. A natureza em si não apresenta valores; estes são invenções do ser humano e, portanto, não podem ser interpretados com valor e caráter absolutos.
Para o filósofo, existe um caráter perspectivo da existência, e não se pode considerar um valor universal que confira validade e sentido à esta. Nietzsche não pretende que os juízos que foram criados sejam descartados, mas sim que todos coexistam de forma que nenhum possa ser caracterizado como verdadeiro de forma absoluta. Ele pretende que todas as possibilidades possam ser igualmente respeitadas e valoradas, e que se imponham umas às outras apenas de maneira relativa.
Afirmar que o perspectivismo de Nietzsche é válido apenas no âmbito gnosiológico é ignorar que seu valor diz respeito essencialmente à sua dimensão prática, e consequentemente ignorar sua aplicação no campo da ética. Estes dois aspectos do perspectivismo estão intimamente ligados, e é de sua importância de o desenvolvimento de uma filosofia moral parta desta reflexão epistemológica.
As reflexões acerca do perspectivismo não são apenas importantes para o plano moral, mas devem também ser levadas em conta sob outros planos. Para isso, é relevante que se entenda que o individualismo desta teoria não significa que um indivíduo pode afirmar sua teoria em detrimento das outras. Além disso, a existência de múltiplos juízos sobre um mesmo assunto não banaliza a discussão e não a torna sem sentido.
Cabe afirmar também que o perspectivismo não pode ser considerado a doutrina epistemológica de Nietzsche, uma vez que este na verdade questiona a existência de um verdadeiro e falso absoluto. O perspectivismo é, na realidade, a justificativa pela qual o autor se sente impedido de desenvolver tal doutrina.