Aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho

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16/08/2018 às 16:01
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Após a reforma trabalhista questiona-se: é possível a aplicação deste incidente de ofício, pelo juiz? Entenda mais sobre isso e quais seriam os reflexos dessa motivação.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo principal analisar em que medida o incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, prevista no art. 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (alteração introduzida através da Lei n.° 13.467/17), é compatível ou não com os princípios e peculiaridades do Processo do Trabalho.

Diante da introdução do artigo citado acima, foi assentada a discussão que insurgiu quando houve o advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), consubstanciada na sua aplicação ou não ao processo do trabalho quanto ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, no qual adotou o que vinha sendo entendimento majoritário, ou seja, positivou a utilização do incidente previsto no CPC/15 no processo do trabalho. Todavia, o art. 855-A da CLT, diferente do que era uníssono, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, não excetuou a possibilidade de haver o incidente de ofício pelo juiz trabalhista, fazendo que o tema não se tornasse algo pacífico e ultrapassado.

Desse modo, há a contrariedade da norma com o que vinha sendo aplicado e defendido. O próprio TST, através da Instrução Normativa n.° 39, demonstrou ser favorável à aplicação do incidente previsto nos artigos 133 ao 137 do CPC/15 ao processo do trabalho, porém, fez questão de ressalvar a possibilidade de haver a instauração do aludido incidente de ofício pelo juiz.

Ademais, aqueles que defendiam a inaplicabilidade do CPC/15 ao processo do trabalho no tocante ao tema reforçaram seus argumentos, os quais já repudiavam a impossibilidade de haver a instauração do incidente de ofício pelo juiz. Nesse sentido, importante ressaltar o enunciado n.° 109 da 2° jornada de direito material e processual do trabalho, editado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, o qual ratifica a possibilidade do juiz instaurar o incidente de ofício, contrariando o que prevê o art. 855-A.

Como pode ser observado, apesar de haver uma norma regulamentando a forma como deve ser aplicada o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, esta se mostra, pelo menos em parte, contrária ao que os aplicadores do direito defendem, deixando de prevê algo que era ponto pacífico quando se tratava do tema.

Desta feita, é de extrema importância ainda haver indagação sobre o tema, uma vez que, inobstante previsão legal, nada impede a existência de insegurança jurídica em relação à aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, do contrário, se mostra existente.

No primeiro capítulo do presente trabalho busca-se abordar acerca de questões conceituais da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de que haja um entendimento prévio do que é a desconsideração, o motivo que faz com que ela ocorra e a possibilidade de que esta seja invocada diante dos requisitos de direito material. Serão abordados os requisitos mais comuns que ensejam a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, dentro das duas teorias explicam aplicação do referido instituto, quais sejam, a teoria maior e a teoria menor.

No capítulo subsequente, será abordado acerca das questões processuais do incidente de desconsideração da personalidade jurídica prevista nos artigos 133 ao 137 do CPC/15, esmiuçando cada qual deste artigos para que possa ser estudado as características do incidente a ser aplicado no processo civil.

Por fim, o terceiro e último capítulo irá discutir o ponto mais importante do presente trabalho, qual seja, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho e a compatibilidade do incidente previsto no art. 855-A da CLT como os princípios e peculiaridades do processo do trabalho. Serão analisados alguns princípios essenciais ao tema, como os princípios da proteção do trabalhador, da razoável duração do processo, da celeridade processual e da economia processual, bem como, a forma como era aplicada a desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho antes e depois do CPC/15 e da IN n.° 39 do TST, e como deverá ser sua aplicação com o advento do art. 855-A a CLT, ressalvando uma eventual possibilidade de haver a aplicação do incidente de ofício pelo juiz.

O método utilizado no presente trabalho será através de técnicas de pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial.

Assim sendo, o método de análise do trabalho de conclusão de curso será o dedutivo, iniciando-se os estudos dos institutos da desconsideração da personalidade jurídica e do incidente previsto no CPC/15, bem como sua aplicação ao processo do trabalho, nos termos da inovação legislativa introduzida a CLT através da Lei 13.467/17, a fim de se alcançar o objetivo do presente trabalho, qual seja, a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica prevista nos artigos 133 ao 137 do CPC/15 ao processo do trabalho, conforme prevê o art. 855-A da CLT, de forma que seja compatível com os princípios e peculiaridades do deste ramo.


1 DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Para introduzir o tema proposto no presente trabalho será, em primeiro plano, explanado questões conceituais acerca dos institutos de direito material e processual aqui utilizado.

Passa-se a analisar, então, acerca do princípio da autonomia da pessoa jurídica, do conceito da desconsideração, bem como a forma que se visualiza sua possível utilização diante de questões de fato de cunho de direito material, principalmente no âmbito do Direito do Trabalho.

1.1 DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA PESSOA JURÍDICA

A criação da pessoa jurídica, mais exatamente de sociedades personificadas, veio com o intuito de incentivar o desenvolvimento de atividades econômicas produtivas e, consequentemente, aumentar a arrecadação de tributos, produzindo empregos e incrementando o desenvolvimento econômico e social das comunidades, uma vez que a falta deste instituto deixaria de limitar os riscos nas atividades econômicas, ante a responsabilidade ilimitada daqueles que seriam os responsáveis por determinada atividade econômica. [1]

Assim, trata-se a pessoa jurídica como um ente autônomo com direitos e obrigações próprias, não se confundindo com a pessoa de seus membros, os quais investem apenas uma parcela do seu patrimônio, assumindo riscos limitados de prejuízo. [2]

Essa especificidade decorre do princípio da autonomia da pessoa jurídica ou autonomia patrimonial da pessoa jurídica, tratando esta como sujeito dotado de personalidade própria com autonomia para reger seus negócios, tendo seu patrimônio autônomo em relação ao de seus integrantes. [3]

Assim, a sociedade empresária, por consequência do revestimento do princípio da autonomia da pessoa jurídica, tem determinadas características, tais como: capacidade de direitos e obrigações, podendo estar em juízo, contratar e se obrigar; individualidade, no qual não se confundi com a pessoa natural dos sócios que a constituem; autonomia patrimonial, respondendo ilimitadamente por seu passivo; e autonomia de modificação da sua estrutura, podendo adotar outro tipo de sociedade ou retirar, substituir ou colocar sócios. [4]

No mais, passa a ter titularidade jurídica negocial, sendo a responsável por celebrar negócios jurídicos, titularidade jurídica processual, sendo capazes de titularizar, ativa e passivamente, ações em juízo, bem como titularidade jurídica patrimonial, dotadas de patrimônio próprio, não se confundindo com os dos sócios, o qual responde as obrigações por esta assumida. [5]

Têm-se então que a autonomia da pessoa jurídica corresponde a um privilégio, vez que se trata de um benefício estabelecido pelo direito para assegurar-lhe a própria conservação, atingindo a finalidade social a que se destina. [6]

1.2 DO CONCEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A autonomia gerada pela personificação da pessoa jurídica é um instrumento importantíssimo da economia de mercado, contudo, esta não pode gerar iniquidades e não pode haver abuso na sua utilização, devendo haver um uso adequado deste instrumento, o que, infelizmente, é uma utopia. [7]

As sociedades empresárias, em razão do princípio da autonomia patrimonial, são sujeitos titulares dos direitos e devedores das obrigações, fazendo com que muitas vezes sejam indevidamente frustrados os interesses dos credores e terceiros por manipulações na constituição de pessoas jurídicas. [8]

Nessas situações, ao se prestigiar o princípio da autonomia da pessoa jurídica, o sócio que pratica ilícito permanece oculto se resguardando através da licitude da sociedade empresária. [9] Essa irregularidade será revelada através do julgamento do caso, onde o juiz irá afastar o referido princípio, desconsiderando a personalidade jurídica. [10]Nota-se então o intuito de utilização deste instituto, assim como preleciona FÁBIO ULHOA COELHO[11], que diz “[...] como pressuposto da repressão a certos tipos de ilícitos, justifica-se episodicamente a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária”.

A autonomia da personalidade jurídica não é, portanto, um preceito inatacável, uma vez que pode haver a sua relativização para limitar e coibir, sobretudo, o uso indevido desta. [12]

Desta feita, a desconsideração da personalidade jurídica faz com que fique de lado, episodicamente, a autonomia patrimonial da sociedade, atingindo de forma direta e ilimitada o sócio por obrigação que, a princípio, é da sociedade. [13]

1.3 ANÁLISE DAS TEORIAS QUE CLASSIFICAM A APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A possibilidade de se superar a autonomia patrimonial mediante a desconsideração da personalidade jurídica, por ser considerada uma medida excepcional, exige o preenchimento de determinados requisitos para tal, os quais, notadamente, são divididos sob dois meios de aplicação, classificados pela doutrina e pela jurisprudência como Teoria Maior e Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, demonstrados, principalmente, no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, respectivamente. [14]

1.3.1 Teoria Maior

Na Teoria Maior, a aplicação da desconsideração exige uma cautela maior, tratando esta como uma medida excepcional, a qual se exige determinados requisitos, não sendo suficiente o mero descumprimento de obrigação por parte da pessoa jurídica, necessitando um desvirtuamento de função. [15]

Considera-se uma Teoria mais consistente e melhor elaborada, ante a aplicação episódica do afastamento da autonomia patrimonial da empresa, quando caracterizada a manipulação fraudulenta e abusiva praticada através da personalidade jurídica. [16]

Para configuração da desconsideração da personalidade jurídica pela chamada Teoria Maior, o prejuízo do credor não é o suficiente, devendo ser demonstrada a existência de fraude, que consiste em ilícitos praticados sob a proteção da autonomia da pessoa jurídica, bem como no desvio da finalidade societária com intuído de obter vantagem sobre os credores, ou manipulação abusiva, que consiste na confusão patrimonial criada pelo administrador ou pelos sócios da pessoa jurídica com esta última, causando prejuízos que decorram desta ação, uma vez que estas práticas não podem ser presumidas. [17]

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O fundamento legal da Teoria Maior encontra-se previsto no artigo 50 do Código Civil[18], o qual elenca que:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. [19]

Conforme se pode visualizar, a desconsideração da personalidade jurídica prevista no artigo 50 do Código Civil só pode ser considerada em situações excepcionais e justificadas. [20]

Sendo assim, a Teoria Maior exige uma gama maior de requisitos para que a desconsideração possa acontecer, razão pela qual é denominada dessa forma. [21]

1.3.2 Teoria Menor

Contrapondo a Teoria Maior, tem-se a denominada Teoria Menor, a qual possui requisitos menos rígidos para sua utilização, bastando apenas o não pagamento de um crédito para que se aplique a desconsideração da personalidade jurídica. [22]

ANTONIO DO PASSO CABRAL e RONALDO GRAMER[23] lecionam que “a desconsideração pode eventualmente ser autorizada diante de mero obstáculo para satisfação do credor – aí, fala-se em “teoria menor””.

MARLON TOMAZETTE[24] tem posicionamento contrário à aplicação da Teoria Menor, uma vez que, para ele, “Tal teoria praticamente ignora a ideia de autonomia patrimonial das pessoas jurídicas e não se coaduna com a própria origem de aplicação da teoria da desconsideração”.

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[25] já se posicionou quanto à aplicação desta, afirmando que:

[...] a teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

Conforme exposto, a denominada Teoria Menor encontra escopo legal no Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que o objetivo é de possibilitar a reparação de danos causados ao consumidor hipossuficiente na relação com os fornecedores de produtos e serviços. [26] Vejamos o que dispõe o art. 28 do CDC:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. [27] (grifo nosso)

Como pode ser observado acima, para que haja a desconsideração da personalidade jurídica pelo Código de Defesa do Consumidor (Teoria Menor), basta ficar comprovado que a pessoa jurídica não possui bens para adimplir sua obrigação, não sendo necessário que ocorra o abuso ou desvio de finalidade. [28]

Insta salientar que, conforme o próprio STJ se manifestou, a Teoria Menor ainda encontra fundamentação legal no artigo 4° da Lei n.º 9.605/98 [29](Lei de crimes ambientais), o qual reproduz o parágrafo 5° do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor[30], reconhecendo a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica sempre quer esta for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.  [31]

Sendo assim, no âmbito de aplicação da Teoria Menor, a desconsideração da personalidade jurídica será reconhecida quando houver menos (ou nenhum) requisito para sua utilização, bastando que esta seja considerada um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados. [32]

1.4 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO DO TRABALHO

Parte da doutrina entende que o artigo 2°, § 2° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) consagra a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que prevê a desconsideração de empresas de um grupo econômico, [33]sendo considerada por alguns como a primeira norma que positivou o referido instituto. [34]

Entretanto, o artigo acima citado não deve ser encarado como a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, mas como simples solidariedade, uma vez que se trata de responsabilidade civil com responsabilização solidária das sociedades pertencentes ao mesmo grupo. [35]

Não obstante, o artigo 10 da CLT[36], no mesmo sentido que elenca o artigo 488 da mesma legislação, prevê que “Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”, quer dizer que qualquer mudança na estrutura jurídica da empresa, incluindo uma mudança no quadro societário, não atingirá seus empregados, pois estes possuem direito adquiridos. [37]

Evidencia-se que a legislação laboral, tal qual o Código do Consumidor, pauta-se pela proteção à parte mais fraca da legislação, no caso o empregado. [38]

Diante da premissa de que o direito do trabalho tem como fundamento tutelar ou proteger o empregado frente ao poder econômico titulado pelo empregador, a Teoria Menor tem sido adotada Justiça do trabalho, uma vez que se coaduna melhor com os princípios norteadores deste ramo. [39]

Assim, a doutrina e a jurisprudência trabalhista têm adotado a Teoria Menor para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho, haja vista a aproximação ideológica e principiológica com o ramo do Direito do Consumidor. [40]A aplicação tem sido feita em face do disposto no § 5º artigo 28 do CDC, no sentido de que a simples criação de obstáculo pela pessoa jurídica é requisito suficiente para aplicação do referido instituto. [41]Nesse sentido as seguintes ementas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem aplicação no Direito do Trabalho sempre que não houver patrimônio da sociedade, quando ocorrer dissolução ou extinção irregular ou quando os bens não forem localizados, respondendo os sócios de forma pessoal e ilimitada, a fim de que não se frustre a aplicação da lei e os efeitos do comando judicial executório. Por outro lado, para que o reclamado se beneficiasse do disposto no art. 10 do Decreto 3.708/19, era necessário que comprovasse que o outro sócio excedeu do mandato ou que praticou atos com violação de contrato ou da lei, o que não é o caso. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.(AIRR-22289-2002-900-09-00) 5º Turma, Relator Min. João Batista Brito Pereira. [42]

AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A desconsideração da personalidade jurídica, nesta Justiça Especial, não encontra fundamento apenas do artigo 50, do Código Civil, mas, de igual forma, sustenta-se no artigo 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho (CLT, artigo 769) (grifo nosso), sempre que a personalidade jurídica do devedor original constituir obstáculo à satisfação dos créditos trabalhistas, hipótese configurada in casu. Agravo de petição a que se nega provimento. 2) BEM DE FAMÍLIA. O artigo 1º, da Lei n. 8.009/90, regra legal que caracteriza o bem de família, estabelece que -o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei-. Já o artigo 5º, da mesma Lei, dispõe que, -para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente-. O quadro fático demonstra que o Lote do Terreno nº 10, da Rua Manoel Coelho, objeto do auto de penhora, não é o local de residência do agravante, o que afasta a caracterização do bem como de família. Recurso desprovido. 3) INDISPONIBILIDADE DO IMÓVEL PENHORADO. A questão não foi apresentada, antes, nos embargos à execução, o que configura vedada inovação processual. Recurso desprovido. (TRT-1 - AP: 00937007620095010223 RJ, Relator: Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha, Primeira Turma, Data de Publicação: 12/03/2018). [43]

Sua aplicação nesses moldes se mostra condizente com o processo trabalhista também por força dos artigos 2°, § 2°, 9° e 455, todos da CLT, que atribuem ao juiz o poder/dever de impor a responsabilidade a todos que se beneficiem do labor do trabalhador. [44]

Sendo assim, a legislação aplicável aos consumidores será utilizada no Processo do Trabalho, uma vez em que ambos os casos tanto consumidores na relação com fornecedores de produtos ou serviços quanto os trabalhadores na relação de emprego com os empregadores são considerados hipossuficientes. [45]

Destarte, para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho, basta que esta seja um obstáculo ao ressarcimento dos trabalhadores, não exigindo o abuso ou desvio de finalidade. [46]

O presente Capítulo tratou das questões conceituais de direito material acerca de desconsideração da personalidade jurídica, passa-se a abordar sua utilização no âmbito processual, sendo, no Capítulo subsequente, analisada a aplicação deste no processo civil.

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Sobre o autor
Iago Oliveira Redivo

bacharel em direito pelo Centro Universitário Faesa, Pós-graduando em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e advogado (OAB/ES n.º 30819)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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