Da (im)propriedade da manutenção do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação, à luz das inovações trazidas pelo vigente Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105, de 16 de março 2015)

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23/08/2018 às 18:19
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Crítica ao efeito suspensivo ope legis da apelação no NCPC, vez que, após ser possível o julgamento antecipado parcial do mérito, decisões sobre matérias iguais estão experimentando efeito suspensivo e "não suspensivo" (a depender apenas do seu momento).

DA (IM)PROPRIEDADE DA MANUTENÇÃO DO EFEITO SUSPENSIVO OPE LEGIS NO RECURSO DE APELAÇÃO, À LUZ DAS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO VIGENTE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI Nº. 13.105, DE 16 DE MARÇO 2015)

RESUMO

Considerando que o vigente Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105, de 16 de março 2015) trouxe, em seu art. 356, a possibilidade do julgamento antecipado parcial do mérito e que o recurso oponível contra esta decisão é o agravo de instrumento (§5º), instaurou-se um paradoxo quanto à diferenciação no tratamento de duas tutelas de mesma natureza (mérito), simplesmente por divergir o momento processual em que cada uma delas se passa. A decisão proferida em meio ao curso do processo (interlocutória, passível de agravo) experimentará efeito suspensivo ope judicis, ao passo que o mesmo pronunciamento em fase final (sentença) será, em regra, suspenso (ope legis) quando da interposição do recurso de apelação, independentemente de qualquer comprovação acerca da necessidade/pertinência desse efeito suspensivo. Ou seja, o questionamento que se faz é: se tanto o julgamento antecipado parcial quanto a sentença versam sobre o mérito do processo, por qual razão o vigente Código de Processo Civil manteve o efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação, mas não fez o mesmo com o agravo de instrumento interposto contra as mesmas matérias? À luz dos princípios que orientam o novo diploma Processual Civil (sobretudo o da efetividade e da razoável duração do processo), não seria mais acertado uniformizar (no contexto de apelação) a dinâmica adotada quanto ao efeito suspensivo do agravo de instrumento (ope judicis)? Ou o melhor caminho seria, noutro sentido, também atribuir efeito suspensivo ope legis ao agravo de instrumento, quando a matéria sub judice se correlacionasse com o julgamento de mérito (em amparo à segurança jurídica)? Eis a problemática que se pretende abordar, a fim de se avaliar sobre a propriedade (ou não) da opção do legislador pela manutenção do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação.

Palavras-chave: Processo Civil. Recursos. Princípios e efeitos recursais. Efeito suspensivo (ope legis e ope judicis). Julgamento antecipado parcial do mérito. Apelação.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.

2 FUNDAMENTOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

3 PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO.

3.1 Princípios em espécie.

3.1.1 Princípio do devido processo legal:

3.1.2 Princípio do impulso oficial:

3.1.3 Princípio da duração razoável do processo:

3.1.4 Princípio da boa-fé processual:

3.1.5 Princípio da ampla defesa:

3.1.6 Princípio da legalidade:

3.1.7 Princípio da eficiência (economia processual):

3.1.8 Princípio da efetividade:

3.1.9 Da segurança jurídica como princípio implícito do novo Código de Processo civil:

3.1.10 Conclusão:

4 DO SINCRETISMO PROCESSUAL E OS SEUS DESDOBRAMENTOS NA NOVA SISTEMÁTICA POSITIVADA.

5 DECISÃO E REVISÃO.

5.1 Princípios recursais.

5.1.1 Princípio do duplo grau de jurisdição:

5.1.2 Princípio da dialeticidade ou discursividade:

5.1.3 Princípio da singularidade (unirrecorribilidade ou unicidade) e princípio da fungibilidade:

5.2 Efeitos dos recursos.

5.2.1 Efeitos devolutivo, translativo, substitutivo (expansivo e ativo), regressivo e efeito obstativo (ou impeditivo):

5.2.2 Efeito suspensivo:

5.2.2.1 Efeito suspensivo da apelação no Código de Processo Civil de 1939 (Lei nº. 1.608/1939):

5.2.2.2 Efeito suspensivo da apelação no Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº. 5.869/1973):

5.2.2.3 Efeito suspensivo da apelação no Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº. 13.105/2015):

6 ANÁLISE CRÍTICA DO EFEITO SUSPENSIVO OPE LEGIS CONFERIDO/MANTIDO PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO CONTEXTO DA APELAÇÃO

6.1 Análise crítica sob o viés principiológico

6.2 Análise crítica em observância aos fundamentos do novo Código de Processo Civil

6.3 Análise crítica em observância à inovação trazida pelo art. 356 do CPC/2015 (julgamento parcial de mérito versus sentença)

7 CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

A pesquisa que se inicia abordará o efeito suspensivo que (em regra) recai sobre o recurso de apelação[1], passando por uma análise crítica sobre essa situação que se opera ope legis, independentemente de pertinência ou não dos fundamentos recursais. No fundo, trata-se de um sopesamento de princípios recursais e gerais do processo, bem como de um estudo sobre os fundamentos do vigente código de processo civil, para se tentar alcançar um entendimento mais sólido quanto às razões de o legislador optar por essa dinâmica (ou quanto à falta delas) – o que se espera concluir após o aprofundamento nesses pilares do processo.

Importante esclarecer que, muito embora este questionado efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação conte com um histórico aparentemente homogêneo desde os Códigos anteriores, esta análise crítica ganhou relevância neste momento, especialmente, em razão: das justificativas para a edição do vigente diploma processual civil (que muito se preocupou com a celeridade, com a tempestividade e a efetividade); assim como em razão da inovação processual atinente ao fracionamento do julgamento das pretensões, positivada na forma de julgamento antecipado parcial do mérito, no art. 356 da Lei nº. 13.105, de 16 de março 2015[2].

Diante desta situação, instaurou-se um paradoxo quanto à diferenciação no tratamento de duas tutelas de mesma natureza (mérito), simplesmente por divergir o momento processual em que cada uma delas se passa. A decisão proferida em meio ao curso do processo (interlocutória, passível de agravo) experimentará efeito suspensivo ope judicis[3], ao passo que o mesmo pronunciamento em fase final (sentença) será, em regra, suspenso (ope legis) quando da interposição do recurso de apelação, independentemente de qualquer comprovação acerca da necessidade/pertinência desse efeito suspensivo.

Ou seja, o questionamento que se faz é: se tanto o julgamento antecipado parcial quanto a sentença versam sobre o mérito do processo, por qual razão o vigente Código de Processo Civil manteve o efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação, mas não fez o mesmo com o agravo de instrumento interposto contra as mesmas matérias? À luz dos princípios que orientam o novo diploma Processual Civil (sobretudo o da efetividade e da razoável duração do processo), não seria mais acertado uniformizar (no contexto de apelação) a dinâmica adotada quanto ao efeito suspensivo do agravo de instrumento (ope judicis)? Ou o melhor caminho seria, noutro sentido, também atribuir efeito suspensivo ope legis ao agravo de instrumento, quando a matéria sub judice se correlacionasse com o julgamento de mérito (em amparo à segurança jurídica)? Eis a problemática abordada adiante, a fim de se avaliar sobre a propriedade (ou não) da opção do legislador pela manutenção do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação.

Para se alcançar fundamentadas conclusões nesse sentido, a pesquisa terá o seu início nos fundamentos do novo Código de Processo Civil, com o intuito de entender quais motivos fizeram com que o legislador se dispusesse a proceder com essa alteração no modelo até então vigente (e já atualizado por diversas vezes desde a sua edição).

Além disso, este primeiro estudo também tem como propósito compreender o que se espera do modelo ora implantado.

Superado este capítulo, o estudo se desenvolverá com a análise dos princípios gerais do processo, a fim de se compreender os pilares que orientam o sistema como um todo, assim como as garantias (inclusive Constitucionais) a serem observadas quando do tratamento das características dos recursos (latu sensu). Isto se justifica para que as conclusões que se busca não se sustentem em situação de ofensa às garantias individuais das partes do processo.

Evoluindo na exposição, será traçado um breve paralelo entre a temática proposta e o sincretismo processual, no intuito de se compreender se esta dinâmica adotada pelo legislador pátrio (de execução dos julgados nos próprios autos) acabou por criar algum embaraço à concessão do efeito suspensivo ope judicis ao recurso de apelação (vez que, na prática, ter-se-ia um único processo físico para ser executado/cumprido e para ser julgado em segunda instância).

Na sequência, ingressando na temática recursal propriamente dita, será feita uma breve abordagem sobre os fundamentos, objetivos e funções dos recursos, sendo que – na sequência – será tecido um estudo sobre os principais princípios recursais, no sentido de se compreender melhor os seus parâmetros e em qual sentido estes apontam no contexto abstrato da temática em apreço. Pretende-se entender, por exemplo, se há mais elementos advogando em favor da celeridade e da efetividade ou em favor da segurança jurídica.

Feito isso, o estudo se dedicará aos efeitos recursais propriamente ditos, conceituando-os e conferindo especial destaque ao efeito suspensivo da apelação, sobre o qual será trabalhado, inclusive, um breve histórico – no sentido de se compreender a evolução da temática, desde os diplomas processuais civis anteriores.

Após, estando devidamente fixadas as diretrizes para um posicionamento mais sólido a respeito do tema proposto, o último capítulo se dedicará à análise crítica do efeito suspensivo ope legis conferido/mantido à apelação pelo Código de Processo Civil de 2015, a qual será desenvolvida por um prisma entre esta dinâmica recursal e os institutos relacionados no decorrer da pesquisa.

O que se pretende é verificar quais fundamentos, elementos, princípios e particularidades recursais apontam no sentido do legislador e quais deles (se presentes) indicam para a possibilidade ou necessidade de uma modificação legislativa (no sentido de se caminhar para a adoção do efeito suspensivo ope judicis para a apelação).

Neste capítulo, será abordada a inovação referente aos julgamentos antecipados parciais de mérito, a fim de se compreender o limiar que separa o agravo de instrumento do recurso de apelação no contexto de julgamentos de mérito.

Por fim, concluindo, após a colheita dos subsídios necessários a uma abordagem mais segura e criteriosa, adentrar-se-á à parte mais melindrosa do trabalho, consistente no posicionamento acerca da propriedade ou não da manutenção deste efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação.

Respeitados os entendimentos alinhados em todos os sentidos desta temática, espera-se alcançar uma visão mais ampla deste importante efeito recursal, fomentando o “conflito” entre os fundamentos que lhe favorecem e que lhe desaprovam – tudo isso no sentido de se contribuir com os operadores do direito e, sobretudo, com os jurisdicionados (destinatários finais das tutelas recursais).

 

 

 

2 FUNDAMENTOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

 

 

Para iniciar a analise crítica que se propõe com a realização do presente estudo, revela-se essencial o conhecimento das razões pelas quais o novo Diploma Processual Civil foi idealizado, num momento em que as mesmas matérias a serem apreciadas já se encontravam sob a minuciosa regulamentação do Código de 1973 (Lei nº. 5.869).

Somente a partir de uma análise do contexto jurídico e temporal no qual fora confeccionada a nova Lei, será possível avaliar e opinar com maior clareza sobre as opções adotadas pelos juristas envolvidos no projeto, para – aí sim – questioná-las ou aplaudi-las.

Nesse exercício de esclarecimento, duas fontes se mostram basilares ao estudioso, quais sejam: a Exposição de Motivos[4] da Lei nº. 13.105 (de 16 de março de 2015) e o próprio Ato do Presidente do Senado (nº. 379, de 2009)[5], em meio aos quais o Legislador e a Comissão nomeada pelo Senado Federal para este múnus teceram relevantes pontuações sobre a demanda que se apresentava naquele momento.

A começar pelo mencionado Ato do Presidente, este assim apontou (de forma concisa, porém esclarecedora) acerca dos questionamentos que se faziam quanto ao atual modelo processual vigente:

 

ATO DO PRESIDENTE Nº 379, de 2009

Institui Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Código de Processo Civil.

O PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL, no desempenho de suas atribuições, e

Considerando que o vigente Código de Processo Civil data de 17 de janeiro de 1973, e que desde então já foram editadas sessenta e quatro normas legais alterando-o de alguma forma;

Considerando que, à época da edição do Código de Processo Civil, em 1973, os instrumentos processuais de proteção dos direitos fundamentais não gozavam do mesmo desenvolvimento teórico que desfrutam modernamente, e que desde então se deu uma grande evolução na estrutura e no papel do Poder Judiciário;

Considerando que tanto o acesso à justiça quanto a razoável duração do processo adquiriram novo verniz ao serem alçados à condição de garantias fundamentais previstas constitucionalmente;

Considerando que a sistematicidade do Código de Processo Civil tem sofrido comprometimento, em razão das inúmeras modificações legislativas aprovadas nos trinta e cinco anos de sua vigência, e que a coerência interna e o caráter sistêmico são elementos fundamentais para irradiar segurança jurídica à sociedade brasileira;

Considerando a experiência bem-sucedida na Comissão de Juristas encarregada de elaborar anteprojeto de Código de Processo Penal;

Considerando que as contribuições oriundas da Comissão de Juristas terão, indiscutivelmente, grande valor para os trabalhos legislativos do Senado Federal,

RESOLVE:

Art. 1º Instituir Comissão de Juristas com a finalidade de apresentar, no prazo de cento e oitenta dias, anteprojeto de Código de Processo Civil. [...]

Senado Federal, 30 de setembro de 2009. Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal. Publicado no BAP 4304, de 02/10/2009[6] [grifado].

 

Como se percebe, os gatilhos que motivaram o Legislador a mobilizar-se no sentido de se criar o novo arcabouço normativo fora, primordialmente: i) a necessidade de modernização do sistema processual; ii) a demanda de alinhamento do texto processual infraconstitucional à Constituição de 1988, a qual sucedeu o modelo então vigente (especialmente no tratamento do acesso à justiça e à razoável duração do processo); iii) consequência do item anterior, tem-se, também, a necessidade de empregar maior celeridade no trâmite processual, através da nova Lei; e iv) o anseio pelo resgate à coerência normativa, que já se mostrava abalada no Código de 1973, diante das diversas modificações sofridas durante os seus anos de vigência (o que resultava na insegurança jurídica).

Tais fundamentos, portanto, foram suscitados pelo então Presidente do Senado Federal, quem nomeou a competente Comissão responsável pela apresentação do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, a qual lavrou a citada Exposição de Motivos[7], replicando a fundamentação indicada no Ato do Presidente, mas tendo a ela acrescentado outros aspectos que demandavam a revisão do modelo vigente.

Nesse sentido, assim se manifestaram os Juristas:

 

O Código vigente, de 1973, operou satisfatoriamente durante duas décadas. A partir dos anos noventa, entretanto, sucessivas reformas, a grande maioria delas lideradas pelos Ministros Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, introduziram no Código revogado significativas alterações, com o objetivo de adaptar as normas processuais a mudanças na sociedade e ao funcionamento das instituições.

[...]

O enfraquecimento da coesão entre as normas processuais foi uma consequência natural do método consistente em se incluírem, aos poucos, alterações no CPC, comprometendo a sua forma sistemática. A complexidade resultante desse processo confunde-se, até certo ponto, com essa desorganização, comprometendo a celeridade e gerando questões evitáveis (= pontos que geram polêmica e atraem atenção dos magistrados) que subtraem indevidamente a atenção do operador do direito.

Nessa dimensão, a preocupação em se preservar a forma sistemática das normas processuais, longe de ser meramente acadêmica, atende, sobretudo, a uma necessidade de caráter pragmático: obter-se um grau mais intenso de funcionalidade.

[...]

Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais. Assim, e por isso, um dos métodos de trabalho da Comissão foi o de resolver problemas, sobre cuja existência há praticamente unanimidade na comunidade jurídica. Isso ocorreu, por exemplo, no que diz respeito à complexidade do sistema recursal existente na lei revogada.

[...]

O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo.

[...]

A simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa.

[...]

Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa[8]; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão (Exposição de Motivos, p. 24-26; Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422 /00104113 5.pdf. Acesso em: 04 jan. 2018).

 

Após tecer esses pilares no quais se apoiou o anteprojeto, a Comissão de Juristas passou a uma exposição mais detida sobre os desdobramentos jurídicos de cada item elencado como prioridade do novo Diploma Processual[9] (num viés mais prático), dentre os quais se destacaram: I) a menção expressa à Segurança Jurídica esperada com o estabelecimento de uma sintonia fina com a Constituição Federal (donde deriva a necessidade de uniformização da Jurisprudência dos Tribunais Superiores)[10]; II) a opção por privilegiar o conteúdo em detrimento da forma (princípio da instrumentalidade), no contexto da decisão mais rente à realidade fática subjacente à causa; III) quanto ao maior rendimento possível a cada processo, chama a atenção o fato de que objetivou-se resolver a situação como um todo por meio do processo já levado ao judiciário[11]; IV) no que se refere à organicidade ao sistema (conferindo-lhe maior coesão), este objetivo voltou-se para a organização interna das regras e na harmonização destas entre si (evitando aquele problema que se fez presente no diploma anterior, diante do excesso de modificações pontuais); e V) por fim, na parte dedicada ao objetivo de “simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal” (este último que mais se alinha ao tema objeto deste trabalho), merecem destaques (além da extinção de diversos incidentes e expedientes autônomos para determinadas matérias[12]) as seguintes complementações:

 

O prazo para todos os recursos, com exceção dos embargos de declaração, foi uniformizado: quinze dias.

[...]

O recurso de apelação continua sendo interposto no 1º grau de jurisdição, tendo-lhe sido, todavia, retirado o juízo de admissibilidade, que é exercido apenas no 2º grau de jurisdição. Com isso, suprime-se um novo foco desnecessário de recorribilidade.

[...]

Todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na apelação. Ressalte-se que, na verdade, o que se modificou, nesse particular, foi exclusivamente o momento da impugnação, pois essas decisões, de que se recorria, no sistema anterior, por meio de agravo retido, só eram mesmo alteradas ou mantidas quando o agravo era julgado, como preliminar de apelação. Como novo regime, o momento de julgamento será o mesmo; não o da impugnação.

[...]

O agravo de instrumento ficou mantido para as hipóteses de concessão, ou não, de tutela de urgência; para as interlocutórias de mérito, para as interlocutórias proferidas na execução (e no cumprimento de sentença) e para todos os demais casos a respeito dos quais houver previsão legal expressa. Previu-se a sustentação oral em agravo de instrumento de decisão de mérito, procurando-se, com isso, alcançar resultado do processo mais rente à realidade dos fatos.

[...]

Vê-se, pois, que as alterações do sistema recursal a que se está, aqui, aludindo proporcionaram simplificação e levaram a efeito um outro objetivo, de que abaixo se tratará: obter-se o maior rendimento possível de cada processo (Exposição de Motivos, p. 33-34; Disponível em: https://www 2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/00104113 5.pdf. Acesso em: 04 jan. 2018) [grifado].

 

Foram estes, portanto, os fundamentos sob os quais a Comissão idealizou o novo Código de Processo Civil.

À luz das demandas apontada pelo Legislador, os Juristas entenderam pela necessidade da adequação ou da inserção desses mecanismos jurídicos à sistemática Processual brasileira, tendo eles – todavia – mantido os institutos que se revelavam resolutivo e adequado no Diploma anterior (de 1973). Segundo esclareceram:

 

Nas alterações das leis, com exceção daquelas feitas imediatamente após períodos históricos que se pretendem deixar definitivamente para trás, não se deve fazer “taboa rasa” das conquistas alcançadas. Razão alguma há para que não se conserve ou aproveite o que há de bom no sistema que se pretende reformar. Assim procedeu a Comissão de Juristas que reformou o sistema processual: criou saudável equilíbrio entre conservação e inovação, sem que tenha havido drástica ruptura com o presente ou com o passado. [...] O Novo CPC é fruto de reflexões da Comissão que o elaborou, que culminaram em escolhas racionais de caminhos considerados adequados, à luz dos cinco critérios acima referidos, à obtenção de uma sentença que resolva o conflito, com respeito aos direitos fundamentais e no menor tempo possível, realizando o interesse público da atuação da lei material. Em suma, para a elaboração do Novo CPC, identificaram-se os avanços incorporados ao sistema processual preexistente, que deveriam ser conservados. Estes foram organizados e se deram alguns passos à frente, para deixar expressa a adequação das novas regras à Constituição Federal da República, com um sistema mais coeso, mais ágil e capaz de gerar um processo civil mais célere e mais justo (Exposição de Motivos, p. 37; Disponível em: https://www2. senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/00104113 5.pdf. Acesso em: 04 jan. 2018).

 

Como se vê, o projeto idealizado não teve como fundamento exterminar o sistema processual até então vigente. Diferente disso, com “equilíbrio entre conservação e inovação”, buscou-se sanar as deficiências do diploma anterior e a ele agregar valores passíveis de se alcançar satisfação e segurança ao jurisdicionado; inovação, simplicidade e praticidade aos operadores do processo; além de zelar pelos ditames da Constituição Federal promulgada em 1988 (posteriormente ao texto originário do Código de Processo Civil então vigente).

Em síntese, foram estes os fundamentos do novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015), dos quais a análise crítica pretendida com o desenvolvimento deste trabalho não poderá se olvidar.

 

3 PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO

 

 

Uma vez realizadas as necessárias ponderações sobre os fundamentos que ensejaram a nova sistemática processual civil brasileira, mostra-se pertinente prosseguir na análise proposta com uma visão geral acerca dos Princípios do Processo.

Nesse contexto, cumpre-nos salientar, a priori, que os princípios colocados em destaque pelo novo código são eivados de forte influência Constitucional, num modelo intitulado pela majoritária doutrina[13] como “neoconstitucionalismo” e “neoprocessualismo”.

Sobre o neoconstitucionalismo, o insigne jurista Pedro Lenza o define como:

 

[...] não mais apenas atrelar o constitucionalismo á ideia de limitação do poder político, mas, acima de tudo, buscar a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da experiência de concretização dos direitos fundamentais (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 62).

 

Aplicando-se esta visão Constitucional ao Processo Civil vigente, surge a ideia de neoprocessualismo, pela qual o processo, em síntese, não mais se limita a um enumerado de normas procedimentais, cuja finalidade esgota-se na mera observância da sua regulamentação. Diferente disso, trata-se o novo Processo de um instrumento para se alcançar um objetivo maior (uma finalidade que sobeja a formalidade), qual seja, de assegurar o cumprimento das premissas constitucionais. Nas palavras de Elpídio Donizetti:

 

A evolução desse entendimento, principalmente em face da atual e saudável constitucionalização dos ramos do direito defende o estudo do direito processual e partir de uma nova premissa metodológica do neoconstitucionalismo. Embora seja apenas uma visão evoluída do período instrumentalista do processo, alguns processualistas acreditam tratar-se de uma nova fase processual, denominando-a neoprocessualismo.

Esse fenômeno da constitucionalização dos direitos e garantias processuais além de retirar do Código de Processo a centralidade do ordenamento processual (descodificação), ressalta o caráter publicístico do processo; isto é, o processo distancia-se de uma conotação eminentemente privada deixa de ser um mecanismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para realizar Justiça.

Hoje, o processo tutela uma ordem superior de princípios e valores que estão acima dos interesses controvertidos das partes, voltados à realização do bem comum. A preponderância do interesse público sobre os interesses privados conflitantes manifesta-se em diversos pontos da nova dogmática processual. Como se verá adiante, o novo Código de Processo Civil positivou diversos princípios constitucionais, além de regras destinadas à maximização dos direitos e garantias fundamentais. O objetivo da nova legislação é harmonizar os procedimentos às normas elencadas no texto constitucional, incorporando os princípios e as regras constitucionais à codificação processual (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 27-28).

 

Eis, portanto, a ótica sob a qual o arcabouço principiológico tem sido encarado na nova sistemática processual, pelo que os conceitos meramente procedimentais outrora vislumbrados estão cedendo lugar a uma visão mais instrumental e finalística do regramento Processual Civil.

Fixado esse pressuposto para a compreensão do novo modelo, passemos a uma sucinta exposição acerca dos princípios propriamente ditos, com destaques para aqueles que mais se relacionam com a análise que se fará posteriormente, concernente aos efeitos recursais – sobretudo ao de apelação.

 

3.1 Princípios em espécie

 

No atual sistema (após as modificações/complementações trazidas pelo novo CPC), a melhor doutrina e jurisprudência têm listado os seguintes princípios como orientadores do Direito pátrio: Princípio do Devido Processo Legal; Princípio da Ação (da demanda ou da inércia) e do impulso oficial; Princípio da Inafastabilidade; Princípio da Duração Razoável do Processo; Princípio da Boa-fé Processual; Princípio da Cooperação; Princípio da Igualdade; Principio do Contraditório; Principio da ampla defesa; Princípio da Função Social; Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; Princípio da Proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido restrito); Princípio da Razoabilidade; Princípio da legalidade; Princípio da Publicidade; Princípio da eficiência; Princípio da Lealdade; Princípio da Motivação; Princípio da Cronologia; Princípio da Imparcialidade; Princípio do Juízo Natural; Princípio do Duplo Grau de Jurisdição; Princípio da Identidade Física do Juiz; Princípio da Efetividade; Princípio da Adequação; Princípio da Improrrogabilidade; Princípio do dispositivo e inquisito (inquisitivo); Princípio da instrumentalidade das formas; Princípio da persuasão racional (ou do livre convencimento motivado); Princípio da verdade real; Princípio da oralidade; Princípio da liberdade das partes no processo; Princípio da congruência; Princípio da economia processual; Princípio da eventualidade ou da preclusão; Princípio da isonomia; Princípio do juiz natural; Princípio da primazia da resolução do mérito; Princípio do acesso à justiça; Princípio da não surpresa; Princípio da fundamentação das decisões judiciais.

Dentre estes – muito embora todos tenham os seus reflexos diretos ou indiretos no tratamento de toda e qualquer temática envolvendo a ótica processual – mostra-se mais pertinente ao objeto desta pesquisa conferir destaques para os seguintes princípios:

 

3.1.1 Princípio do devido processo legal:

 

A começar pela exposição dos princípios mais gerais e abertos do direito, assim como ressaltando para a ótica constitucional do atual processo civil, revela-se apropriado assinalar como primeira figura o Princípio do devido processo legal

Nesse viés de instrumentalidade do processo (para um fim maior do que a sua análise em si mesmo), este pilar do direito pátrio pode ser definido da seguinte forma:

 

O preceito constitucional que disciplina “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF/88, art. 5º, inciso LIV) é a base do Direito Processual Constitucional e de todos os princípios fundamentais que regulam o processo. Originário do inglês due process of law, traduz no direito das partes a um processo e a uma sentença devidamente fundamentada (na legislação e nos fatos colacionados aos autos), representando a possibilidade de acesso à jurisdição, de deduzir pretensão e de se defender amplamente; ou seja, a manifestação de igualdade das partes, a garantia do jus actionis, o respeito ao direito de defesa e, por fim, o contraditório. O princípio do devido processo constitucional tem ainda como fundamento e alcance a invalidação de leis, normas e atos arbitrários que restrinjam direitos fundamentais sem justificativa plausível e relevante (ZANDONA FREITAS, Sérgio Henriques. Aplicabilidade de princípios constitucionais do processo no recurso de agravo no Direito Processual Civil. Meritum, 2008, Vol.3(2), pp.33-59[14]).

 

No mesmo sentido, Elpídio Donizetti define este princípio nos seguintes termos:

 

Apesar de não estar expressamente previsto no novo CPC, o devido processo legal encontra fundamento no art. 5º, LIV, da Constituição Federal. Ele é considerado como o postulado fundamental do processo, preceito do qual se originam e para o qual, ao mesmo tempo, convergem todos os demais princípios e garantias fundamentais processuais, como a ampla defesa e o contraditório, que serão estudados neste capítulo. O devido processo legal é, ao mesmo tempo, preceito originário e norma de encerramento do processo, portador, inclusive, de garantias não previstas em texto legal, “mas igualmente associada à ideia democrática que deve prevalecer na ordem processual”. Diz-se, nesse contexto, que o devido processo legal é cláusula geral, aberta, geradora de princípios vários e autônomos, incidentes sobre toda e qualquer atuação do Estado, e não exclusivamente sobre o processo jurisdicional. O devido processo legal é o princípio que garante o processo regido por garantias mínimas de meios e de resultado, ou seja, com o emprego de técnicas adequadas e conducentes à tutela pretendida (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 34).

 

Em complemento a essa exposição sobre o princípio em análise, o ilustre jurista assim o subdivide:

 

O devido processo legal apresenta duas dimensões: material (ou substantiva) e formal. Em uma concepção formal, o devido processo legal nada mais é do que o direito de processar e ser processado de acordo com as normas preestabelecidas para tanto, preceitos estes também criados de acordo com um devido processo previamente determinado (devido processo legislativo). Porém, o art. 5º, LIV, da CF/1988, ao prever que “ninguém será provado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, não se limitou a consagrar a necessária observância às regras que regem o processo. A garantia constitucional vai além. Em uma perspectiva substancial (substantive due processo of low), o devido processo legal é a exigência e garantia de que as normas sejam razoáveis, adequadas, proporcionais e equilibradas. Corresponde, para muitos, ao princípio da proporcionalidade. O processo devido é aquele “regido por garantias mínimas de meios e de resultado, com emprego de instrumental técnico-processual adequado e conducente a uma tutela adequada e efetiva” (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 35).

 

Como se percebe, o princípio do devido processo legal pressupõe a conciliação de duas vertentes essenciais ao alcance da finalidade jurisdicional, quais sejam a obediência à boa técnica formal (predeterminada por um conjunto de normas positivadas pelo legislador), cumulada com o respeito a um equilíbrio substancial/material das tutelas a serem aplicadas ao indivíduo. Resumidamente, este princípio pressupõe que o processo (judicial, para esta análise) deve se orientar por normas e que estas devem assegurar garantias constitucionais às partes. Trata-se do viés técnico, em harmonia com a aludida visão neoconstitucionalista e neoprocessualista.

Mais adiante, este princípio será ponderado face ao tema problema, a fim de se compreender se o questionamento acerca do efeito suspensivo ope legis do recurso de apelação harmoniza as duas citadas premissas do devido processo legal ou se, diferente disso, ele estaria frustrando a proporcionalidade entre normas técnicas e garantias substanciais do processo. Melhor dizendo, a pergunta a ser feita será: o aludido efeito suspensivo automático (ope legis) mantém o equilíbrio entre as partes do processo ou privilegia uma delas, em razão de uma disposição meramente técnica do processo?

À luz deste e de todos os demais institutos a serem estudados no decorrer da exposição, é que esta indagação poderá ser respondida com maior clareza. Prossigamos!

 

3.1.2 Princípio do impulso oficial:

 

Relacionado de forma menos direta com tema (porém relevante), este princípio orientador do processo legal pátrio (extraído do art. 2º do vigente CPC[15]) tem o seu cerne na necessidade do julgador, após provocado, sequenciar o feito até a solução do litigio posto sub a sua apreciação.

Ou seja, apesar do magistrado não poder, em regra, deflagrar um processo para solucionar questões alheias (diante do princípio da inércia), a ele é conferido o poder-dever de impulsionar os atos processuais/procedimentais, até que se consume o resultado da demanda às partes nela envolvidas.

Tal disposição, como dito, não mantém relação direta com o tema problema, mas não deixa de tocá-lo, ao trazer consigo a indicação tácita de que do processo se espera celeridade e satisfatividade – elementos que, estes sim, são pertinentes para a apreciação desse efeito suspensivo herdado do código de 1973 e mantido pelo atual legislador (2015).

 

3.1.3 Princípio da duração razoável do processo:

 

Com grande relevância à análise proposta, este princípio (da duração razoável do processo) traz consigo uma reflexão acerca da prestação jurisdicional garantida às partes.

No texto Constitucional que o ensejou, verifica-se o imperativo de celeridade ao trâmite relacionado à pretensão do jurisdicionado. Ipsis litteris:

 

Art. 5º. [...]

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituica o/constituicaocompilado.htm; Acesso em 30 jan. 2018).

 

Reiterando nesse sentido, o novo Código também preconiza:

 

Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (Disponível em: http://www.planal to.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm; Acesso em 30 jan. 2018).

 

Como se vê, a celeridade na prestação jurisdicional é elemento presente na visão processual, tanto do Constituinte quanto do legislador infraconstitucional.

Todavia, este preceito orientador do direito pátrio está inserido num contexto maior e sistemático, cuja apreciação não pode se dar de forma isolada e absoluta. Ou seja, essa celeridade pregada pelos supracitados dispositivos encontra limitações nos seus próprios diplomas normativos, a exemplo da cautela demandada pelo mencionado princípio do devido processo legal, instituído pelo art. 5º, LIV, da Constituição Federal.

Trata-se, pois, de um cenário de celeridade versus obediência às demais garantias conferidas às partes do processo. A própria nomenclatura “razoável” (duração do processo) evidencia que tal preceito requer cautela em sua aplicação.

Tal situação, conforme assinalado acima, demanda uma reflexão sistemática do conjunto normativo, conforme o faz, com maestria, o processualista Alexandre Freitas Câmara:

 

A solução da causa deve ser obtida em tempo razoável (art. 4º do CPC; art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República), aí incluída a atividade necessária à satisfação prática do direito (o que significa dizer que não basta obter-se a sentença em temo razoável, devendo ser tempestiva também a entrega do resultado de eventual atividade executiva). A garantia de duração razoável do processo deve ser compreendida, então, de forma panorâmica, pensando-se na duração total do processo, e não só no tempo necessário para se produzir a sentença do processo de conhecimento. Busca-se, então, assegurar a duração razoável do processo, sendo relevante destacar o compromisso do Código de Processo Civil com esse princípio constitucional. Há uma nítida opção do ordenamento pela construção de um sistema destinado a permitir a produção do resultado do processo sem dilações indevidas. Vale destacar, porém, que se todos têm direito a um processo sem dilações indevidas, daí se extrai que ninguém tem direito a um processo sem as dilações devidas. Em outros termos, o sistema é comprometido com a duração razoável do processo, sem que isso implique uma busca desenfreada pela celeridade processual a qualquer preço. E isto porque um processo que respeita as garantias fundamentais é, necessariamente, um processo que demora algum tempo (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 8).

 

Diante dessas ponderações, resta claro que há um limite tênue entre celeridade e imprudência, o que torna o princípio da duração razoável do processo objeto de detido cuidado em cada circunstância de sua aplicação.

Destarte, será com esta ótica que a celeridade processual e os seus respetivos limites deverão ser apreciados quando da avaliação pela pertinência (ou não) da opção do legislador pela manutenção do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação.

 

3.1.4 Princípio da boa-fé processual:

 

Também pertinente ao tratamento do tema em apreço, apresenta-se o princípio da boa-fé processual (diretamente relacionada à boa-fé objetiva). Tal pilar do processo civil destina-se a vedar que a parte subverta mecanismos assecuratórios de direitos (em sua essência) para promover entraves ilegítimos na condução do processo.

Nas palavras da melhor doutrina:

 

A boa-fé processual orienta a interpretação da postulação e da sentença, permite a imposição de sanção ao abuso de direitos processuais e às condutas dolosas de todos os sujeitos do processo, e veda seus comportamentos contraditórios (FPPC, enunciado 378). Pense-se, por exemplo, no caso de um juiz ter indeferido a produção de uma prova requerida pelo demandante, ao fundamento de que tal prova se destinaria a demonstrar um fato que já estaria comprovado. Posteriormente, o pedido é julgado improcedente, ao fundamento de que aquele mesmo fato não estaria provado, sendo do autor o ônus probatório. Essas são condutas contraditórias e, por isso mesmo, contrárias ao principio da boa-fé objetiva [...] (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 9-10).

 

No mesmo sentido:

 

A boa-fé processual também deve orientar a atuação jurisdicional, ou seja, tanto as partes, como o juiz, devem atuar conforme os princípios éticos, de forma a propiciar a rápida e efetiva solução da lide (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 39) [grifado].

 

Por fim, imperioso citar as lições de Humberto Theodoro Júnior (ainda sob a vigência do diploma processual de 1973), segundo o qual:

 

A Lei, pois, não tolera a má-fé e arma o juiz de poderes para atuar de ofício contra a fraude processual (art. 129). “A lealdade processual é conseqüência da boa-fé no processo e exclui a fraude processual, os recursos torcidos, a prova deformada, as imoralidades de toda ordem”. Para coibir a má-fé e velar pela lealdade processual, o juiz deve agir com poderes inquisitoriais, deixando de lado o caráter dispositivo do processo civil (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 34) [grifado].

 

Como se percebe, esse princípio basilar do processo civil versa sobre a total vedação de a parte valer-se do uso dos institutos positivados no processo civil para alcançar objetivos meramente protelatórios, imorais e distorcidos de uma forma geral. Trata-se, em sua essência, da vedação ao abuso de direitos processuais por parte do litigante.

 Nesse particular, segue uma indagação, cuja resposta se mostrará pertinente ao objeto da pesquisa: fere o princípio da boa-fé processual a parte que se vale do direito de apelar, assentando-se em tese objetivamente infundada, como simples forma de protelar o processo (tendo em vista o efeito suspensivo “ope legis”)? Em sendo positiva a resposta, o efeito suspensivo “ope legis” deveria ser repensado ou ele se manteria incólume, por razões que superariam esses casos específicos?

Ao final da pesquisa, espera-se responder com maior propriedade a indagação ora apresentada.

 

3.1.5 Princípio da ampla defesa:

 

Estabelecido primordialmente no art. 5º, inciso LV, da CF/88[16], este princípio preconiza (em síntese) que a parte de um processo tem o direito de se manifestar contrariamente aos atos com os quais não está de acordo, assim como de ter a respectiva manifestação valorada pelo juízo.

Nas palavras de Elpídio Donizetti:

 

O princípio da ampla defesa/amplitude do direito de ação nada mais é, portanto, do que o direito da parte de impugnar o que não lhe é afeito (alegações, documentos, fundamentações) e de reagir aos atos que lhe são desfavoráveis – reage-se à petição inicial, contestando; reage ao alegado na contestação replicando; reage-se à sentença, recorrendo (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 45) [grifado].

 

À luz desses esclarecimentos, pode-se extrair a seguinte indagação, que reflete diretamente no tema deste estudo: a retirada do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação representaria violação a esse princípio da ampla defesa?

Mais uma vez, a formação dessa resposta passa por um sopesamento de princípios, pelo que será sugerida somente adiante, à luz dos demais institutos jurídicos que influenciam o debate em voga.

 

3.1.6 Princípio da legalidade:

 

Quanto à legalidade, ela consiste, basicamente, na necessidade de se orientar as ações das partes e do juízo segundo os ditames da legislação vigente. Nos dizeres de Alexandre Freitas Câmara:

 

O princípio da legalidade deve ser entendido como uma exigência de que as decisões sejam tomadas com apoio no ordenamento jurídico. Não incumbe ao judiciário fazer a lei, mas interpretar e aplicar a lei que é democraticamente aprovada pelo Legislativo [...] (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 15).

 

Para a temática em apreço, este princípio se mostra relevante, na medida em que frustra qualquer margem para o magistrado não conferir (como regra) efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação.

Ou seja, independentemente do que se conclua sobre a pertinência ou não do efeito em questão, o fato é que ele somente poderia ser eventualmente modificado mediante uma mudança na legislação vigente, vez que o art. 1.012 do novo CPC é taxativo em afirmar que: “A apelação terá efeito suspensivo[17].

Sendo assim, por ora, eis a prática a ser adotada pelo juízo perante o caso concreto, de modo que essa dinâmica processual somente pode ser modificada por opção do legislador infraconstitucional.

 

3.1.7 Princípio da eficiência (economia processual):

 

Especialmente relevante para o tratamento do tema proposto, este princípio (positivado no art. 8º do vigente CPC[18]) tem por pressuposto que a condução do processo deve ser realizada de modo a alcançar a satisfação de quem de direito com o menor número de atos possíveis (sem, contudo, ignorar qualquer preceito inerente ao devido processo legal).

No conceito de Alexandre Freitas Câmara:

 

Este é princípio que tradicionalmente era conhecido como princípio da economia processual, e sua incidência no sistema processual decorre do art. 37 da CRFB. Pode-se compreender a economia processual como a exigência de que o processo produza o máximo de resultado com o mínimo de esforço. É este o princípio que legitima institutos processuais como o litisconsórcio facultativo, a cumulação objetiva de demandas, a denunciação à lide etc. É que se deve entender por eficiência a razão entre o resultado do processo e os meios empregados para a sua obtenção. Quanto menos onerosos (em tempo e energias) os meios empregados para a produção de resultado (e desde que seja alcançado o resultado constitucionalmente legítimo), mas eficiente terá sido o processo (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 16).

 

Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:

 

[...] Justiça tardia é, segundo a consciência geral, justiça denegada. Não é justo, portanto, uma causa que se arrasta penosamente pelo foro, desanimando a parte e desacreditando o aparelho judiciário perante a sociedade (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 37).

 

Num linguajar mais simples, o processo deve ser literalmente eficiente ao jurisdicionado, não o obstaculizando com formalidades desnecessárias e infundadas.

Empregando este princípio ao objeto específico da pesquisa, o ponto controvertido consiste em se entender se o efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação afronta à eficiência que se espera do processo ou se trata de observância à ressalva de que a eficiência não pode atropelar o alcance do resultado constitucionalmente legítimo.

Eis o que se espera responder adiante.

 

3.1.8 Princípio da efetividade:

 

Na medida em que o princípio da eficiência busca minimizar os entraves formais à tutela perseguida, o princípio da efetividade consolida questões formais com questões de direito material.

Nos dizeres de Elpídio Donizetti:

 

Conquanto não previsto expressamente no texto constitucional tampouco no Código, o princípio da efetividade decorre do devido processo legal (cláusula geral) e constitui um metadireito (direito sobre direito), que garante que todos os demais direitos se efetivem. O processo efetivo, aliás, é um dos três pilares que sustentam a nova dimensão do processo justo: a tutela efetiva, célere e adequada. De acordo com o princípio da efetividade, àquele que tem razão, o processo deve garantir e conferir, na medida do possível, justamente o bem da vida a que ele teria direito se não precisasse se valer do processo. Por essa razão, o princípio da efetividade é também denominado de princípio da máxima coincidência possível. Assim como o princípio da celeridade, o processo efetivo não se limita ao provimento formal: a efetividade abrange também (e principalmente) os meios executivos capazes de concretizar o direito material (efetividade em sentido estrito). Vale destacar, no entanto, que processo efetivo não é sinônimo de processo célere. O processo efetivo perdurará pelo prazo compatível como a complexidade do direito discutido. Será célere sempre quanto possível. Há a efetividade virtuosa – que leva em conta todas as garantias inerentes ao processo – e a malsã, que prioriza tão somente a celeridade. À guisa de exemplo, cite-se o caso do processo que transcorreu com a máxima celeridade, outorgando a prestação jurisdicional sem sequer facultar ao réu a produção de provas. Pelo prisma da celeridade, o processo até poderia ser efetivo. Todavia, com base em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não se reputa efetivo o processo, na medida em que cerceou garantias processuais do réu, o que pode inclusive ensejar a nulidade do processo (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 59).

 

À luz desses ensinamentos, poder-se-ia dizer que o efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação violaria a efetividade, na medida em que coloca um entrave aos meios executivos capazes de concretizar o direito material, independentemente da pertinência do recurso apresentado.

Este raciocínio, todavia, deve ser apreciado com extrema cautela, na medida em que se pode estar diante da efetividade virtuosa ou da efetividade malsã, entre as quais há um tênue liame a se cruzar.

 

3.1.9 Da segurança jurídica como princípio implícito do novo Código de Processo civil:

 

Finalizando este capítulo, mostra-se essencial trazer à baila este princípio da segurança jurídica, implicitamente apresentado pelo novo Código, como corolário da aludida visão ora adotada de “neoconstitucionalismo” e de “neoprocessualismo”.

Muito embora esteja previsto de forma mais concisa no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988[19], tal princípio (segundo a melhor doutrina) sobeja a letra fria do seu texto Constitucional e ganha um aspecto mais amplo, a ser observado de forma extensiva em toda a condução do processo civil.

Em contundente artigo sobre o tema, Eduardo Luiz Penariol definiu a amplitude deste princípio nos seguintes dizeres:

 

Eis, que tal termo tem uma aplicabilidade muito ampla, e sua existência deve ser compreendida como a base do estado democrático de direito, pois no desenvolvimento de uma sociedade é indispensável a segurança em todos os diversos setores, algo assim que não poderia ficar distante das relações jurídicas, e como tratado no presente trabalho na atividade jurisdicional do estado, através do poder judiciário.

Pois, quando analisamos o próprio sentido do estado de direito que tem como condão principal propiciar o bem estar do cidadão e o seu desenvolvimento em sociedade, com a pacificação social, sendo, portanto imprescindível a presença das consequências da aplicação do instituto da segurança jurídica, em suas diversas dimensões visando propiciar a estabilidade e sentimento de confiança para sociedade.

[...]

Com isso comungamos do entendimento de Paulo de Barros Carvalho[8] que o coloca como um sobreprincipio dentro da concepção de um estado democrático de direito, ainda segundo este o principio da segurança jurídica mesmo de forma implícita tem o condão de um norteador para o ordenamento se efetivando através de outros princípios. Podemos ainda refletir que a aplicação da segurança jurídica, impõe a garantia dada pelo Estado em favor ao cidadão de que as normas de direitos, entre outras atividades estatais propiciem ao cidadão um sentimento de confiança e estabilidade como garantia em um estado democrático de direito. 

Ainda como traz Araujo[9] o instituto da segurança jurídica deve ser evidenciado sob dois aspectos, no primeiro como principio constitucional, colocado entre os direitos e garantias fundamentais, já em um segundo como se vê é uma clausula pétrea.

[...]

Com isso comungamos do entendimento de Paulo de Barros Carvalho[8] que o coloca como um sobreprincipio dentro da concepção de um estado democrático de direito, ainda segundo este o principio da segurança jurídica mesmo de forma implícita tem o condão de um norteador para o ordenamento se efetivando através de outros princípios. Podemos ainda refletir que a aplicação da segurança jurídica, impõe a garantia dada pelo Estado em favor ao cidadão de que as normas de direitos, entre outras atividades estatais propiciem ao cidadão um sentimento de confiança e estabilidade como garantia em um estado democrático de direito. 

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Ainda como traz Araujo[9] o instituto da segurança jurídica deve ser evidenciado sob dois aspectos, no primeiro como principio constitucional, colocado entre os direitos e garantias fundamentais, já em um segundo como se vê é uma clausula pétrea. (Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11901. Acesso em: 12 mar. 2018).

Correlacionando o tema ao princípio do duplo grau de jurisdição (adiante trabalhado), o jurista ainda salienta:

 

Eis assim que sustento, a relação do duplo grau de jurisdição, com já mencionado com o instituto da segurança jurídica, e, portanto podendo nessa concepção da moderna concepção do estado de direito trazida por Wambier, quando imputa ao mesmo, mesmo sem estar previsto em texto constitucional, a ordem de um verdadeiro principio constitucional, como não deixar de citar a sua estreita ligação com o próprio principio constitucional como aludido logo acima do devido processo legal, base de todo o direito processual civil.

Nesse seguimento é indispensável trazer o aludido por Calmon de Passos[43] que além do princípio do duplo grau de jurisdição, que segundo este tem o cunho de prover um controle das decisões em 1º Instancia, relacionando também o do juiz natural que trabalharemos posteriormente. Com essas considerações, permitimos a tocar que este dever estar sempre presente no procedimento de entrega jurisdicional, onde mais uma vez ressalta o autor o perigo de dispensar ou restringir qualquer dessas garantias não é simplificar, desformalizar, agilizar o procedimento a efetividade da tutela, sim favorecer o arbítrio em benefício do desafogo de juízos e tribunais. Ao passo que somente vem a favorece-se o poder, não os cidadãos, dilata-se o espaço dos governantes e restringe-se dos governados. E com isso se instala a figura mais escancarada da anti-democracia que se pode imaginar, é nesse sentido como brilhantemente colocado pelo nobre doutrinado, que tal situação poderá colocar em xeque o próprio estado democrático de direito.

Quando nos deparamos assim com a importância do duplo grau de jurisdição no procedimento jurisdicional, nos reportamos quando a previsão constitucional sobre a organização do judiciário que o papel principal da maioria dos tribunais exerce uma função de reexame das decisões proferidas por juízes de primeiro grau, onda assim nos traz o entendimento que a nossa constituição federal coloca sim como uma garantia o principio do duplo grau de jurisdição quando trata da estrutura do poder judiciário. E nesse contexto onde a carta magna, coloca essa previsão conferindo a possibilidade de um reexame, vem a trazer uma maior confiança em sua atividade, propiciando um grau maior de estabilidade e justiça em sua atividade, e, portanto garantindo a segurança jurídica, como já mencionado no presente trabalho.

Portanto o duplo grau de jurisdição consiste na garantia ao jurisdicionado, com o cunho de proporcionar uma maior segurança, e assim de um sentimento psicológico de confiança, pois a possibilidade de recorrer, se caso vencido ter um reexame do que foi decidido, lhe impõe a segurança jurídica imprescindível nessa relação, em um estado democrático de direito. (Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_arti gos_leitura&artigo_id=11901. Acesso em: 12 mar. 2018).

 

Concluindo, o autor ainda afirma:

 

Oportuno consignar dessa maneira, que diante das varias alterações legislativas que se promove no processo civil brasileiro, se torna imprescindível um analise dessas alterações frente ao instituto da segurança jurídica, que embora pouco difundido entre os doutrinadores do direito, especialmente no que tange sua aplicação no âmbito do processo civil, merece um maior analise, pois como evidenciado no presente trabalho sua importância como um direito fundamental em um Estado Democrático de Direito.

Destacando a presença do instituto da Segurança Jurídica na Constituição Federal como devido à dimensão de sua aplicação, as sua irradiação nos mais variados ambitos de aplicação em todo ordenamento jurídico brasileiro, principalmente nos Princípios Constitucionais do Direito Processo Civil, assim devemos rever as alterações legislativas que passam por cima de importantes institutos de processo civil, almejando apenas a celeridade processual que se tornou “moda” entre os legisladores importando em deixar de analisa consequências dessas alterações a luz da segurança jurídica, que como podemos perceber é evidenciado através de importantes dispositivos constitucionais base do sistema processual civil brasileiro (Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&arti go_id=11901. Acesso em: 12 mar. 2018).

À luz dessas considerações, resta claro que a segurança jurídica é, além de uma premissa Constitucional aberta, um princípio implícito do vigente CPC, vez que a atividade judicial e a sua condução do devido processo legal se apresenta indissociável daquela (Constituição).

Isso se extrai do próprio art. 1º do CPC/2015, segundo o qual:

 

DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

(Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/l ei/l13105.htm. Acesso em: 12 mar. 2018).

 

Após essa disposição, verifica-se, ainda, alguns dispositivos que consagram claramente esta ideia de segurança jurídica, a exemplo dos artigos 3º, 7º, 9º, 10, 13 e 14, pelos quais:

 

Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. [...]

Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. [...]

Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. [...]

Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. [...]

Art. 13.  A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte. [...]

Art. 14.  A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

(Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/l ei/l13105.htm. Acesso em: 12 mar. 2018).

 

É de se destacar, todavia, que (ao lado destas disposições garantistas e orientadoras do processo) também se encontra artigos voltados à celeridade processual/procedimental[20], pelo que se instala esse paradoxo entre segurança jurídica e demais princípios voltados à breve satisfação do direito postulado pelo jurisdicionado.

Nesse cenário, a dúvida que diz respeito ao objeto desta pesquisa consiste em se posicionar quanto ao efeito ope legis conferido ao recurso de apelação nessa aludida dicotomia legal e, quiçá, Constitucional. Este efeito recursal subsiste em harmonia entre celeridade e segurança jurídica ou pende para esta, em prejuízo daquela?

 

3.1.10 Conclusão:

 

É, portanto, com este princípio que se finaliza a exposição acerca dos princípios gerais do processo, aos quais a conclusão da pesquisa recorrerá, para se posicionar acerca da propriedade ou não do efeito suspensivo ope legis do recurso de apelação. Estaria o texto do art. 1.012 do vigente CPC (num contexto sistemático) em sintonia com essa visão principiológica e Constitucional atribuída ao Processo Civil ou a manutenção desta disposição legal teria sido um lapso do legislador moderno?

Prossigamos nesta análise!

 

4 DO SINCRETISMO PROCESSUAL E OS SEUS DESDOBRAMENTOS NA NOVA SISTEMÁTICA POSITIVADA

 

 

A priori, mostra-se importante destacar que o tratamento do sincretismo se justifica no fato de que essa dinâmica processual (consolidada com a edição da Lei nº. 11.232/2005) confere total relevância ao efeito no qual determinado recurso manejado é recebido pela instância competente (sobretudo se suspensivo ou não).

Mas, antes de se evoluir nessa análise crítica, revela-se imperioso conceituar o que seria esse processo sincrético. Em apertadíssima síntese, pode-se definir o instituto como sendo a cumulação da atividade cognitiva e executiva/satisfativa em um mesmo processo.

Em completo artigo sobre tema, Elisama de Sousa Alves assim esclarece a respeito:

 

É certo que os princípios não são algo pronto e acabado. Ao regularem as ações humanas, as quais são mutáveis e inconstantes, o princípio está passível de exceções. Essas exceções, eventualmente existentes num ordenamento jurídico, podem se desenvolverem fecundamente de forma que o fenômeno poderá dar ensejo a um novo princípio jurídico. Foi o que aconteceu com o sincretismo existente entre cognição e execução, que de exceção, passou a ser princípio.

José Miguel Garcia Medina explica magnificamente o princípio do sincretismo entre cognição e execução:

Nos casos em que se manifesta o princípio do sincretismo entre cognição e execução, as duas atividades realizam-se na mesma relação jurídica-processual. A partir desta premissa, as mais diversas formas de relação entre cognição e execução podem ser concebidas, e de fato têm sido elaboradas pelo legislador com o fito de se obter uma tutela jurisdicional mais efetiva.[29]

As dificuldades de efetivar na prática o direito assegurado fizeram com que o CPC passa-se por “minirreformas” setoriais, que ao longo do tempo mudaram praticamente toda a sistemática adotada pelo código, inclusive no que se refere a autonomia processual.

Nas primeiras reformas, o autor Humberto Theodoro já registrava a tendência de unir os dois tipos processuais (cognitivo e executivo):

Não obstante possam ser autonomamente manejados o processo de conhecimento, e o de execução, registra-se uma tendência muito acentuada a neutralizar ou minimizar a rígida dicotomia de funções entre os dois tipos básicos de prestação jurisdicional. Assim, medidas como antecipação de tutela e ação monitória permitem que numa só relação processual se realizem tanto as funções cognitivas como as executivas. O processo civil moderno assume com essa nova roupagem a natureza interdital e o juiz, então, pode decretar medidas satisfativas do direito material da parte mesmo antes de proferida a sentença definitiva sobre o mérito da causa.[30]

A Reforma de 1994 e a inserção da Ação Monitória e da antecipação da tutela foram fundamentais para a difusão do sincretismo entre as tutelas cognitivas e executórias. Já a Lei 10.444/02 generalizou a adoção do processo sincrético para a tutela executiva das obrigações de entregar coisa, fazer e não fazer, que já não estivessem consagradas em títulos executivos extrajudiciais. E a edição da Lei 11.232/05 que atende à execução de título judicial de quantia certa consolidou esta tendência. 

Ademais, em consequência das reformas processuais, o princípio da autonomia do processo de execução convive, hodiernamente, ao lado do princípio do sincretismo entre cognição e execução, tal como aduz José Miguel Garcia Medina:

Reconhece-se hoje, assim, que as atividades cognitivas e executivas podem ser realizadas num mesmo processo. Esta situação tende a se tornar preponderante, de modo que já se pode falar, atualmente, na existência de um princípio que representa esta nova configuração da relação entre cognição e execução, a que denominaremos de ‘princípio do sincretismo entre cognição e execução’. (...) O princípio do sincretismo, no entanto, não substituiu o princípio da autonomia. Os dois princípios convivem no ordenamento jurídico-processual brasileiro atual.[31]

Não há como negar, pelo exposto, a adoção, pelo legislador, do princípio do sincretismo entre cognição e execução, bem como a permanência do princípio da autonomia (ALVES, Elisama de Sousa. O sincretismo e sua efetividade processual. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out. 2015. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.54523 &seo=1>. Acesso em: 04 jan. 2018).

 

Como se vê, o princípio do sincretismo processual veio inovar na regra (então vigente) do isolado princípio da autonomia e, notoriamente, o objetivo precípuo dessa dinâmica foi conferir maior celeridade e (consequente) satisfação aos litigantes.

Nesse sentido, prosseguiu em suas considerações o referido artigo, trazendo valiosas lições doutrinárias:

 

Antes mesmo antes da Lei 11.232/2005, Humberto Theodoro já se manifestava sobre a desnecessidade do processo de execução após a sentença condenatória:

Não há razão no plano lógico, para continuar a considerar, nas ações condenatórias, a força executória como diferida, se nas ações especiais a execução pode ser admitida como parte interessante essencial da própria ação originária. Nossa proposição é que, em se abandonando velhas e injustificáveis tradições romanísticas, toda e qualquer pretensão condenatória possa ser examinada e atendida dentro de um único processo, de sorte que o ato final de satisfação do direito do autor não venha a se transformar numa nova e injustificável ação, como ocorre atualmente em nosso processo civil.[60]

Ainda sobre o assunto, o autor continua:

E também no plano prático não há razão para as duas ações sucessivas, esse ‘mecanismo’ complicado e artificial, engedrado apenas por apego às tradições vetustas do romantismo’, e que muito dificulta e atrasa a prestação jurisdicional, porquanto a necessidade de propor uma nova ação para dar cumprimento à condenação provoca uma longa paralisia na atividade jurisdicional, entre a sentença e sua execução, além de ensejar oportunidade a múltiplos expedientes de embaraço à atividade judicial aos devedores e recalcitrantes.[61]

Consta, na exposição de motivos do Projeto de Lei 3.253/2004 que deu origem a lei 11.232/2005, como fundamento para a reforma:

A efetivação forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um “tempus iudicati”, sem a necessidade de um ‘processo autônomo’ de execução (afastam-se princípios teóricos em homenagem  à eficiência e brevidade): processo ‘sincrético’ no dizer de autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário, são alteradas as ‘cargas de eficácia’ da sentença condenatória, cuja executividade para a um primeiro plano; em decorrência, ‘sentença’ passa a ser o ato ‘de julgamento da causa, como ou sem apreciação do mérito.

Guilherme Rizzo Amaral analisando o mesmo Projeto de Lei proferiu as seguintes palavras:

Com isso, visa-se uma reaproximação do processo ao direito material, relembrando a célebre lição de Chiovenda, para quem o processo precisa ser apto a dar a quem tem um direito, na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo a quem tem direito e precisamente aquilo a que tem direito. É momento de deixar de pensar no processo pelo processo, para encará-lo em sua verdadeira função: um instrumento de realização de justiça e, principalmente, de pacificação social.[62] (ALVES, Elisama de Sousa. O sincretismo e sua efetividade processual. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out. 2015. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&v er=2.54523&seo=1>. Acesso em: 04 jan. 2018).

 

Como se vê, não há dúvidas de que a satisfação/celeridade fora o objeto desta sistemática progressivamente adotada pelo legislador, de modo a unificar as atividades cognitivas e satisfativas em um mesmo arcabouço processual.

Todavia, um paradoxo que se instaurou com a edição do diploma Processual de 2015 (Lei nº. 13.105), foi que o sincretismo (s.m.j.) pode ter sido um entrave para a retirada do efeito suspensivo ope legis do recurso de apelação (contrariando a sua razão de ser, relacionada à satisfação e celeridade).

Isso porque, como ainda não se fala em uma “apelação por instrumento” (desprendendo-a do processo principal), pode-se cogitar do fato de que o efeito suspensivo a este recurso de apelação foi mantido como regra meramente para viabilizar manuseio dos autos do processo.

Melhor dizendo, como os autos do processo em que há apelação são enviados ao Tribunal, restaria inusitado se falar em efeito suspensivo como exceção, na media em que se criaria uma nova dinâmica em prosseguir com a execução no juízo a quo, enquanto o recurso fosse examinado pela instância recursal. Do ponto de vista prático, como isso se daria? Por meio de cópias dos autos no juízo de origem ou mesmo na formação de um recurso de apelação por instrumento?

Enfim, se os autos (físicos) nos quais se aprecia a apelação são os mesmos nos quais se processa a execução (ante o sincretismo adotado), como se procederia (fisicamente) após a não atribuição do efeito suspensivo ao recurso de apelação? Seria um trâmite processual distinto do convencional, confundindo-se com um agravo de instrumento (posto que teria que se formar um instrumento autônomo).

E essa indagação (sobre a possibilidade desse obstáculo físico, trazido pelo sincretismo) é tecida, especialmente, pelo fato de que os julgamentos parciais de mérito (fomentados pelo art. 356 da Lei nº. 13.105/15[21]) hoje versam sobre as mesmas matérias que desafiam apelação (mérito), mas, por serem apreciadas em momento processual diverso e serem impugnáveis por agravo de instrumento, acabam por ter o efeito suspensivo como exceção (ope judicis).

Ou seja, já estando arraigado nos operadores do direito esta ideia de que o processo é sincrético e que a apelação acarreta na remessa dos respectivos autos ao Tribunal, pode-se cogitar da hipótese de que a manutenção do efeito suspensivo ope legis do recurso de apelação ocorreu por uma mera questão física (na medida em que, como dito, ainda não se adotou a figura do recurso de “apelação por instrumento”).

Fica, portanto, consignada essa observação às particularidades verificadas ante o princípio do sincretismo nesta nova dinâmica processual (após essa modificação no conceito de sentença), a fim de que mais este elemento agregue na posterior extração das conclusões deste estudo. Não que estas indagações se confirmarão necessariamente em sua integra, mas que demandam detida reflexão, ante esta aproximação entre a natureza jurídica de sentença e dos julgamentos parciais de mérito.

 

5 DECISÃO E REVISÃO

 

 

Como pressuposto para o tratamento desta temática, revela-se essencial a conceituação do principal mecanismo de revisão das decisões judiciais, consistente no recurso.

Para Humberto Theodoro Júnior este mecanismo processual tem o seguinte fundamento:

 

“Psicologicamente – lembra Gabriel Rezende Filho – o recurso corresponde a uma irresistível tendência humana”. Na verdade, é intuitiva a inconformação de qualquer pessoa diante do primeiro juízo ou parecer que lhe é dado. Naturalmente, busca-se uma segunda ou terceira opinião.

Numa síntese feliz, o mesmo processualista resume a origem dos recursos processuais em duas razões: “a) a reação natural do homem, que não se sujeita a um único julgamento; b) a possibilidade de erro ou má-fé do julgador”.

Discute-se a propósito da natureza jurídica do recurso m chegando alguns a qualifica-lo de uma ação distinta e autônoma em relação àquela em que se vinha exercitando o processo.

A corrente dominante, no entanto, prefere conceituar o poder de recorrer “como simples aspecto, elemento ou modalidade do próprio direito de ação exercido no processo”.

Apresenta-se, também, o recurso como ônus processual, porquanto a parte não está obrigada a recorrer do julgamento que a prejudica. Mas, “se o vencido não o interpuser, consolidam-se e se tornam definitivos os efeitos da sucumbência” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 637).

 

Em complemento a esse conceito, referindo-se mais especificamente às finalidades e objetivos recursais, Alexandre Freitas Câmara leciona no sentido de que:

 

Recurso é o meio voluntário de impugnação de decisões judiciais capaz de produzir, no mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do pronunciamento impugnado.

Em primeiro lugar, pois, é preciso ter claro que o recurso é um mecanismo de utilização voluntária. É que o recurso é uma manifestação de insatisfação. Recorre contra uma decisão aquele que, insatisfeito com ela, pretende provocar seu reexame. Assim, não existe recurso obrigatório e, por isso, mesmo não se poderia considera recurso a remessa necessária (art. 496) a que certas decisões judiciais se submetem.

Além disso, impende ter claro que o recurso se destina a impugnar decisões judiciais. Atos que não provêm de um órgão jurisdicional não são atacados por recurso. E só são recorríveis pronunciamentos judiciais decisórios (e, exatamente, por isso, o art. 1.001 estabelece que “[d]os despachos não cabe recurso”).

Frise-se, aqui, porém, e desde logo, um ponto: só se admite recuso para impugnar decisão judicial, mas nem todo pronunciamento judicial pode ser impugnado mediante recurso. Existem decisões judiciais que são irrecorríveis. É o caso, por exemplo, da decisão que revela a pena de deserção (art. 1.007, §6º). É também o caso da decisão do relator do recurso especial que reputa prejudicial um recurso extraordinário (art. 1.031, §2º) (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 495).

 

Como se vê, muito embora não seja o único mecanismo capaz de rever decisões judiciais, os recursos representam a via mais comum de se atacar pronunciamento que as partes de um processo entendam estar em desconformidade com o melhor direito – seja reformando, invalidando, esclarecendo ou integrando o ato impugnado.

Estas, portanto, são as funções imediatas dos recursos, os quais – todavia – têm diversos outros objetivos mediatos, conforme bem esclarece o insigne jurista Marco Antônio Rodrigues:

 

Nos sistemas processuais civis, os recursos possuem diferentes funções possíveis. Tratamos, no conceito de recurso, de papéis que este pode imediatamente ter: a anulação, a reforma e o esclarecimento ou a integração.

Para além desses objetivos imediatos dos recursos, é possível vislumbrar distintas funções que estes podem ter. A primeira é a de controle da decisão impugnada. Pronunciamentos judiciais são atos estatais, que podem e devem ser passíveis de controle por outro órgão. A recorribilidade de um julgado é, portanto, um dos fatores de sua legitimação.

Uma segunda função é a nomofilática. Trata-se de objetivo de obtenção da adequada aplicação da norma jurídica. Ao se buscar a reforma ou a anulação de um julgado, a finalidade do recurso pode não ser diretamente a proteção da um interesse subjetivo, mas a correta observância da norma jurídica porventura aplicável ao caso. Em nosso sistema, cuida-se de um objetivo típico dos recursos especial e extraordinário, em suas funções de guarda da correta observância da lei federal e da Constituição da República, respectivamente.

Recursos também podem ter função paradigmática e uniformizadora. Isso porque o julgamento de um recurso pode se tornar um paradigma para a solução de outros casos pendentes e futuros, além de sua decisão poder uniformizar o entendimento acerca da interpretação de uma norma jurídica. Tais funções são encontradas sobretudo nos recursos especial e extraordinário, considerando o sistema de recursos repetitivos, em que a decisão do meio de impugnação será aplicável a outros casos, na forma do art. 1.040 do CPC. Ademais, o recurso especial por dissídio jurisprudencial, previsto no art. 105, III, c, da Constituição da República, também assume típico papel uniformizador.

É possível, outrossim, encontrar essas duas últimas funções em outros recursos. Por exemplo, imagine-se a apelação e que suscitado e admitido incidente de assunção de competência. Por força do efeito vinculante previsto em tal incidente pelo art. 947 do CPC, seu julgamento assume nítido papel paradigmático e uniformizador da aplicação da norma de direito em jogo (RODRIGUES, Marco Antônio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação / Marco Antônio Rodrigues. – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 8-9).

 

À luz destes esclarecimentos acerca dos fundamentos, objetivos e funções (mediatas e imediatas) dos recursos, resta evidente a relevância destes para a solução de casos concretos e para a própria formação do direito in abstrato (difuso).

Frente a isso e considerando-se que os efeitos atribuídos aos recursos impactam diretamente nas suas funções, objetivos e finalidades, mostra-se essencial que as conclusões do presente trabalho mensurem com extrema cautela as consequências de uma intervenção no consolidado instituto da apelação.

Mas, antes disso, revela-se importante embrenhar um pouco mais nas particularidades do instituto recursal, mediante o estudo dos seus princípios e efeitos.

 

5.1 Princípios recursais

 

Muito embora o terceiro capítulo tenha se dedicado ao estudo dos princípios inerentes ao processo civil, esta temática principiológica merece um especial destaque no contexto recursal, vez que este traz consigo institutos específicos às suas particularidades.

Os mais importantes, numa análise geral, são: princípio do duplo grau de jurisdição; princípio da taxatividade; princípio da voluntariedade; princípio da proibição da reformatio in pejus; princípio da dialeticidade ou discursividade; princípio da preclusão consumativa e complementaridade; princípio da singularidade, unirrecorribilidade ou unicidade; princípio da fungibilidade; e princípio do aproveitamento dos recursos ou da primazia do mérito recursal[22].

Para o objeto deste trabalho, todavia, mantêm maior pertinência junto à problemática apresentada apenas os princípios do duplo grau de jurisdição, da dialeticidade ou discursividade e, brevemente, os princípios da singularidade (unirrecorribilidade ou unicidade) e da fungibilidade, conforme se esclarece adiante.

 

5.1.1 Princípio do duplo grau de jurisdição:

 

De início, mostra-se importante relembrar que o objeto desta pesquisa consiste na análise crítica do efeito suspensivo ope legis conferido ao recurso de apelação. Tal temática guarda sintonia direta com o princípio do duplo grau de jurisdição, visto que os efeitos atribuídos aos recursos (sobretudo ao de apelação) têm o poder de majorar ou de mitigar os efeitos desta segunda análise do caso sub judice.

Melhor dizendo, o recurso recebido no efeito suspensivo resulta na aplicação plena do duplo grau de jurisdição, ao passo que a não concessão desse efeito, por vezes, acaba por diminuir a relevância da reanálise do caso em instância recursal, vez que uma execução (ainda que provisória) da decisão atacada pode tornar a tutela final prejudicada ao jurisdicionado.

Mas, uma vez citada a relevância deste princípio e a sua ligação direta aos efeitos recursais sob exame, não se pode olvidar de tecer um breve conceito sobre ele (o qual, registre-se, não destoa muito da literalidade de seu nome). Segundo leciona Marco Antônio Rodrigues:

 

Chega a ser inerente ao indivíduo que deseja se insurgir em face de um ato que seja contrario a seus interesses, como fruto de seu inconformismo. Da mesma forma, a falibilidade humana impede que haja decisões judiciais isentas de erro, seja de aplicação do Direito ao caso (error in iudicando), seja de cumprimento das regras procedimentais (error in procedendo).

Nesse contexto, surge o princípio do duplo grau de jurisdição, que gera grande controvérsia na doutrina processual civil. Pode-se conceitua-lo como o direito à revisão das decisões judiciais por órgão jurisdicional hierarquicamente superior, na forma e cumpridos os requisitos previstos em lei (RODRIGUES, Marco Antônio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação / Marco Antônio Rodrigues. – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 30-31).

 

Como se vê, este princípio consagra o direito à revisão de decisões judiciais (geralmente, por órgãos colegiados), de modo a evitar que eventuais equívocos do juízo de origem subsistam em prejuízo do jurisdicionado.

O que resta saber (no contexto desta pesquisa) é se o efeito suspensivo ope legis do recurso de apelação é uma situação inerente ao cumprimento deste princípio ou se (à luz dos demais princípios e disposições processuais) sobeja o seu objeto. Ou seja, pretende-se avaliar se a modificação desta dinâmica suspensiva do recurso de apelação teria o condão de ferir este princípio, ou se continuaria a lhe atender, quando avaliada a hipótese por um viés mais sistemático do ordenamento jurídico.

É com esta interrogação, que prosseguimos no estudo.

 

5.1.2 Princípio da dialeticidade ou discursividade:

 

Com sutil, porém relevante, reflexo à problemática apresentada, este princípio é conceituado por Elpídio Donizetti nos seguintes termos:

 

[...] O princípio da dialeticidade, como o nome de regularidade formal, figura como requisito de admissibilidade recursal. Caso o recurso não aponte os motivos de reforma da decisão recorrida (os fundamentos de fato e de direito), o tribunal dele não conhecerá. Vê-se que a regularidade formal – ou dialeticidade – se manifesta, além da observância a outros requisitos apontados no Código, com a impugnação específica da decisão recorrida (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017 – p. 1307).

 

Por sua vez, Marco Antônio Rodrigues assim o define:

 

Recursos devem trazer as razões do inconformismo do recorrente, não sendo possível que não tenham a devida fundamentação. No Código de Processo Civil, esse princípio pode ser extraído das exigências de regularidade formal dos recursos. É o que se verifica nos arts. 1.010, III; 1.016, III; 1.012, §1º; e 1.029, III. Nesses dispositivos encontram-se, entre as exigências formais dos recursos de apelação, agravo de instrumento, agravo interno e recursos especial e extraordinário, respectivamente, a necessidade de indicação das razões para reforma ou anulação do julgado.

Note-se, contudo, que o princípio da dialeticidade acaba por ser uma decorrência do próprio direito fundamental ao contraditório, previsto no art. 5º, LV, da Constituição da República. Quando alguém recorre, é fundamental, para que os recorridos se defendam, que aquele indique por que quer ver a decisão anulada, reformada ou integrada. Caso contrário, os recorridos não têm como adequadamente postular a manutenção do julgado. Analogicamente, seria como um réu ter de contestar uma demanda sem que o autor lhe indicasse a causa de pedir.

Na realidade, pode-se afirmar que a discursividade é uma garantia tanto para as partes como para o Poder judiciário – e para a sociedade, portanto. Se o recurso não contém as razões do inconformismo do recorrente, o recorrido não tem como se defender plenamente de tal meio de impugnação. Ademais, sem essas razões, não há como o próprio Judiciário decidir com cognição plena se o recurso deve ser acolhido. Se o órgão julgador depende das razões recursais para a apreciação do recurso, conclui-se que o princípio em discussão assume um caráter de garantia á própria sociedade, sendo uma exigência ao bom exercício da função jurisdicional (RODRIGUES, Marco Antônio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação / Marco Antônio Rodrigues. – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 39-40).

 

Como se extrai destes ensinamentos, este principio visa garantir que as pretensões recursais tenham a mínima coerência jurídica e que atendam determinadas formalidades previstas em lei, sob consequência de não conhecimento do meio de impugnação apresentado pelo recorrente.

Conforme assinalado acima, a situação criada por este princípio mantém um reflexo ao tema em questão, tendo em vista que uma das críticas ao efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação é proveniente do inconformismo do recorrido de ver os efeitos da decisão (que o favorecia) serem suspensos, não obstante o total disparate da tese do recorrente.

Ou seja, um questionamento que se faz é que, por mais descabidas que sejam as razões recursais, a simples apresentação de uma apelação já impediria que o vencedor do processo de origem executasse o objeto da sentença.

E é na atenuação desta crítica que este princípio atua. Em sendo totalmente prejudicado o recurso manejado, ele (em atenção à dialeticidade) não seria conhecido em sede de juízo de admissibilidade, de modo que, nem sempre, o efeito suspensivo ope legis colocaria o recorrido em posição de desvantagem perante o recorrente.

Trata-se este princípio, portanto, de um mecanismo mitigador desta crítica. Porém, resta avaliar a abrangência e a eficácia deste filtro ao qual se submete os recursos manejados. Seria ele satisfatório, no contexto das apelações?

 

5.1.3 Princípio da singularidade (unirrecorribilidade ou unicidade) e princípio da fungibilidade:

 

Encerrando o estudo dos princípios recursais, faz-se apenas uma breve consideração acerca destes dois princípios, os quais podem ser conceituados nos seguintes termos:

 

Singularidade

Em decorrência do princípio da singularidade ou unirrecorribilidade, cada decisão comporta uma única espécie de recurso. De regra, não se admite a divisão do ato judicial para efeitos de recorribilidade, devendo-se ter em mente, para aferir o recurso cabível, o conteúdo mais abrangente da decisão no sentido finalístico. Exemplo: no caso de a sentença conter uma parte agravável – na qual se decidiu questão incidente – e uma apelável – na qual se decidiu a lide –, o recurso mais amplo (apelação) absorve o menos amplo (agravo de instrumento).

[...]

Fungibilidade

Como decorrência do princípio da singularidade, analisado no tópico anterior, a impugnação do ato judicial deve ser realizada por meio do recurso adequado para tal mister, sob pena de inadmissão da via recursal utilizada por ausência de um dos requisitos de admissibilidade (cabimento).

Não obstante, em certas situações em que há dúvida objetiva a respeito do recurso cabível para impugnar determinada decisão, admite-se o recebimento de recurso inadequado como se adequado fosse, de modo a não prejudicar a parte recorrente por impropriedades do ordenamento jurídico ou por divergências doutrinárias e jurisprudenciais.

A essa possibilidade de conversão, de troca de um recurso por outro, dá-se o nome de fungibilidade, não contemplada expressamente no CPC/1973, mas que ganha força no novo Código (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017 – p. 1302-1303).

 

O ponto no qual se pretende tocar com a exposição destes dois princípios consiste no fato de que, apesar da proximidade conferida pelo novo Código de Processo Civil entre o recurso de apelação e de agravo de instrumento (sobretudo no contexto das decisões parciais de mérito), continua havendo (em regra) um único recurso cabível contra cada decisão (princípio da singularidade).

Apesar de óbvia essa assertiva, ela se mostra pertinente, na medida em que poderia se argumentar que o recurso de apelação poderia ser recebido sem o efeito suspensivo, visto que enfrenta matérias de mérito igualmente atacáveis por agravo (quando no contexto das decisões parciais de mérito). Ou seja, após as modificações que resultaram na possibilidade do fracionamento do julgamento de mérito, poderia se cogitar da fungibilidade entre os recursos.

Todavia, neste caso (s.m.j.) atuariam os dois princípios em referência, no sentido de vedar tal entendimento, vez que (apesar do código ter confundido determinadas matérias objeto de apelação e de agravo) ele é muito claro no sentido de qual recurso seria cabível em cada momento.

Sendo assim, a singularidade e a falta de requisitos para a fungibilidade impediriam a não atribuição do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação. Ou seja, até “segunda ordem”, as disposições legais são no sentido desta dinâmica processual vigente: efeito suspensivo ope judicis para o agravo de instrumento e efeito suspensivo ope legis para o recurso de apelação.

Eventual modificação desta regra passaria por alteração legislativa e não apenas jurisprudencial.

 

5.2 Efeitos dos recursos

 

Apesar de muito já ter sido dito acerca do efeito suspensivo (atribuído especialmente ao recuso de apelação), mostra-se indispensável ao prosseguimento deste estudo um breve aprofundamento na conceituação propriamente dita deste instituto jurídico, vez que se trata do cerne desta análise crítica apresentada.

Aproveitando o contexto, também se revela pertinente citar brevemente os demais efeitos recursais, vez que podem se relacionar, ainda que indiretamente, com as conclusões que se pretende alcançar.

Seguem, portanto, breves considerações acerca dos efeitos: devolutivo; translativo; substitutivo (expansivo e ativo); obstativo (ou impeditivo); regressivo; e suspensivo.

 

5.2.1 Efeitos devolutivo, translativo, substitutivo (expansivo e ativo), regressivo e efeito obstativo (ou impeditivo):

 

Muito embora estes se tratem de efeitos extremamente relevantes ao contexto recursal, serão eles citados apenas de forma breve e sintética, tendo em vista que se relacionam apenas indiretamente com a problemática em estudo. Basta, portanto (neste momento), que se guarde o conceito básico dos mesmos, assim trazidos pela melhor doutrina:

 

Efeito devolutivo

Efeito devolutivo é o efeito de transferência da matéria impugnada ao órgão julgador do recurso. Devolver, para fins de efeito de recurso, significa transferir. Tal expressão possui raízes históricas, em função de, nos regimes monárquicos absolutistas, todo o poder pertencer ao rei, que podia delegá-lo a seus agentes, como os juízes. Se houvesse recurso, este era dirigido ao monarca, cuja competência era a ele devolvida para apreciar a questão (RODRIGUES, Marco Antônio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação / Marco Antônio Rodrigues. – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 88).

 

Efeito translativo

O efeito translativo, como dito, constitui uma particularidade do efeito devolutivo, entendido como a possibilidade de o julgamento recursal extrapolar os limites do que foi efetivamente impugnado. Como existe relação entre esses efeitos, alguns doutrinadores costumam afirmar que o efeito translativo relaciona-se com a extensão (dimensão horizontal) e profundidade (dimensão vertical) do efeito devolutivo. [...] Como a interposição do recurso devolve as matérias que, mesmo não impugnadas, se relacionam com o objeto do recurso, devolve também as matérias de ordem pública, pois estão ligadas aos pressupostos processuais e às condições para o provimento final, que são antecedentes lógicos da própria análise do mérito (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017 – p. 1330-1331).

 

Efeito substitutivo

[...] Consiste ele na força do julgamento de qualquer recurso de substituir, para todos os efeitos, a decisão recorrida, nos limites da impugnação. Trata-se de um derivativo do efeito devolutivo. Se ao órgão ad quem é dado reexaminar e redecidir a matéria cogitada no decisório impugnado, torna-se necessário que somente um julgamento a seu respeito prevaleça no processo. A última, portanto, isto é, a do recurso, é que prevalecerá (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 654).

 

Efeito regressivo

É o efeito que o recurso possui de possibilitar o reexame da decisão recorrida pelo seu próprio órgão prolator. Viu-se anteriormente que os recursos levam, em geral, a questão recorrida a outro órgão, que será competente pare rever a matéria atacada nos limites da impugnação. Isso é uma decorrência do duplo grau de jurisdição. No entanto, os recursos também podem possuir o efeito de levar ao reexame do pronunciamento atacado pelo próprio órgão jurisdicional que prolatou a decisão. Trata-se do efeito regressivo, que depende de o recurso ser admitido para que se produza (RODRIGUES, Marco Antônio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação / Marco Antônio Rodrigues. – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 92).

 

[Efeito obstativo ou impeditivo]

[...] O primeiro destes é o efeito impeditivo. É que a interposição de recurso admissível produz, como consequência, um impedimento à preclusão da decisão recorrida ou ao seu trânsito em julgado. Trata-se, pois, de um efeito estabilizador da decisão. É que, uma vez interposto recurso admissível – isto é, recurso que preencha todos os seus requisitos de admissibilidade –, a decisão recorrida não se estabiliza, não se torna firme (não havendo que se falar nem em preclusão da matéria decidida nem em formação – se for o caso – de coisa julgada). Evidentemente, porém, este efeito só se produz se o recurso for admissível, mas não se é ele inadmissível (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 509).

 

Conforme se verifica dos citados ensinamentos, mostra-se essencial compreender a extensão dos efeitos recursais, a fim de que se dimensionem os impactos desde a sua interposição até a decisão que o sucede. Pelo fato do recurso de apelação (objeto da pesquisa) ser passível de submeter-se a todos os citados efeitos, tornam-se pertinentes estes apontamentos, para fins de contextualização da temática proposta.

Também importante, revela-se a compreensão citada acima, de que os mencionados efeitos são produzidos apenas nas hipóteses em que recebido o meio de impugnação. Uma vez preclusa a matéria, por exemplo, não há que se falar nessas consequências do manejo recursal. Isto, por consequência, é um limitador de eventuais efeitos prejudiciais em recursos não cabíveis/prejudicados.

Todavia, com ainda mais relevância (ao presente trabalho) do que os citados efeitos, revela-se a análise do efeito suspensivo, ao qual se submete especialmente (e automaticamente – ope legis) o recurso de apelação. Vide adiante.

 

5.2.2 Efeito suspensivo:

 

Conforme se extrai do próprio título deste trabalho, o ponto central de estudo reside no efeito suspensivo atribuído ope legis (por força de lei) ao recurso de apelação. Como dito, isso se justifica no confronto principiológico, especialmente entre a necessidade de se resguardar a segurança jurídica da tutela destinada às partes, sem – contudo – abdicar-se da razoável duração do processo, da efetividade, dentre outros princípios que prezam pela celeridade processual/procedimental.

Mas, antes de se prosseguir nesta explanação, mostra-se essencial tecer um breve conceito acerca do que seria este efeito suspensivo propriamente dito.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart[23]:

 

Há decisões que somente produzem efeitos depois de escoado o prazo recursal para sua impugnação – como, por exemplo, a sentença. Nestes casos, afirma-se que o recurso é recebido no efeito suspensivo, embora este não suspenda propriamente os efeitos da decisão recorrida (uma vez que ainda não foram gerados), mas evita que a decisão produza efeitos até o julgamento do recurso. Em outras situações, a decisão produz efeitos desde logo – como, por exemplo, a decisão interlocutória concessiva de tutela antecipatória. Nessa situação, o eventual efeito suspensivo que o tribunal pode dar ao recurso de agravo por instrumento efetivamente suspende os efeitos da decisão recorrida. Note-se que a segunda hipótese é completamente diferente da primeira. Entretanto, em ambas se costuma aludir a efeito suspensivo do recurso.

Na realidade, quando se afirma que determinado recurso possui efeito suspensivo, não se permite que a decisão que por ele possa ser recorrida produza efeitos após sua publicação. Uma decisão impugnável por recurso que possui efeito suspensivo somente pode produzir efeitos após escoado o prazo recursal, ou a partir do momento em que a parte aceitar ou renunciar ao direito de recorrer.

É preciso notar que o chamado efeito suspensivo deve ser pensado como algo que deve conciliar dois polos: o da segurança – evitando que a decisão impugnada produza efeitos na pendencia de recurso que pode revertê-la, e o da tempestividade – que objetiva impedir que o tempo do processo prejudique a parte que tem razão, e assim estimular a interposição de recurso sem qualquer fundamento. Se o efeito suspensivo privilegia a segurança, sua não previsão serve para dar ênfase à necessidade de tempestividade. São as circunstâncias de direito substancial que devem iluminar a eventual dispensa do efeito suspensivo. Porém, como muitas das vezes é necessário considerar as particularidades do caso concreto, costuma-se também deixar ao juiz a possibilidade de conferir efeito suspensivo ao recurso. Nesse caso, o efeito suspensivo é denominado ope iudicis (por exempli, a possibilidade de o juiz dar efeito suspensivo ao agravo – art. 558 do CPC), em oposição ao efeito suspensivo que é atribuído pela lei a determinado recurso (efeito suspensivo ex lege; por exemplo, o efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação – art. 520 do CPC) (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. v. 2. 8. ed. rev. atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 527).

 

Ao que se verifica desse entendimento firmado pelos eméritos juristas, o efeito suspensivo (entendido como óbice à consecução dos efeitos de uma decisão) relaciona-se indissociavelmente da ideia de segurança, em contraponto à tempestividade (“[...] que objetiva impedir que o tempo do processo prejudique a parte que tem razão, e assim estimular a interposição de recurso sem qualquer fundamento”). Ou seja, há um paradoxo nítido entre segurança jurídica e princípio da efetividade.

Em complemento a esse conceito e com o intuito de amadurecer o respectivo debate, cita-se adiante considerações sobre o efeito suspensivo já sob a égide do novo Código, a começar pela lição de Marco Antônio Rodrigues, segundo o qual:

 

Efeito suspensivo

Trata-se do efeito de sustação da eficácia da decisão recorrida. O art. 995 do CPC prevê que os recursos não possuem efeito suspensivo, salvo disposição legal ou judicial em sentido contrário. Diante de tal previsão, constata-se que o efeito suspensivo pode ser ope legis ou ope iudicis. É ope legis, quando decorre da própria lei, ou seja, a lei prevê que o recurso goza de efeito suspensivo. É o caso, por exemplo, da apelação, que, via de regra, o possui, por força do art. 1.012, caput, do CPC.

Nos últimos tempos, a tendência do processo civil, contudo, é pela ausência do efeito suspensivo ope legis, e por sua concessão ope iudicis. Cuida-se do efeito suspensivo por força de decisão judicial, ou seja, competirá ao órgão julgador analisar se é caso de concessão ou não daquele efeito. A concessão desse efeito por pronunciamento judicial é uma tendência das reformas ocorridas no regime dos recursos ao longo do tempo, pois permite ao Judiciário avaliar se há uma efetiva necessidade de suspender os efeitos da decisão atacada ou não, evitando que em casos desnecessários tal suspensão se produza.

Com efeito, o efeito suspensivo ope iudicis é uma forma de tutela provisória, uma providência cautelar a ser concedida inicialmente em favor do recorrente. Note-se que o art. 995, parágrafo único, do CPC traz regra geral acerca de concessão ope iudicis de tal efeito, instituindo dois requisitos: a probabilidade de provimento do recurso, ou seja, o fumus boni iuris na tese do recorrente, e o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, da imediata produção de efeitos da decisão recorrida – o periculum in mora.

Quando o efeito suspensivo é ope legis, decorre do cabimento do recurso. Ou seja, a mera possibilidade de uso do recurso, em função de sua previsão legal, já retira a eficácia da decisão que será recorrida. Exemplificativamente, foi proferida uma sentença numa demanda, sendo cabível apelação sujeita ao efeito suspensivo por força de previsão geral do art. 1.012. Em tal hipótese, a mera incidência da previsão legal desse efeito para a apelação faz com que desde a origem a sentença não produza eficácia. Enquanto o prazo para recorrer estiver em curso, a decisão não terá efeito, em virtude do efeito suspensivo decorrente de lei. Só quando acabar o prazo recursal em branco – ou caso ofertado o recurso, apenas após sua decisão e sem que seja cabível outro recurso com efeito suspensivo ope legis em face desta –, a decisão produzirá seus regulares efeitos.

A regra do sistema do CPC/2015, porém, é o efeito ope iudicis, decorrente de determinação judicial. É o que se encontra para o agravo de instrumento, com base no art. 1.019, I; para a apelação nos casos em que esta não possui efeito suspensivo por força de lei, como na previsão do art. 1.012, §§1º. e 3.º; para os embargos de declaração, com fulcro no art. 1.026, §1.º. (RODRIGUES, Marco Antônio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação / Marco Antônio Rodrigues. – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 85-87).

 

Como se percebe, à luz do atual diploma Processual Civil, a regra se posiciona em desfavor do efeito suspensivo, o qual deveria ocorrer apenas por um juízo cautelar de admissibilidade recursal (salvo importantes exceções, como o recurso de apelação).

Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara também leciona:

 

O terceiro e último efeito que a interposição de um recurso pode produzir é o efeito suspensivo. É que a interposição de um recurso pode ser um obstáculo à produção de efeitos da decisão recorrida. Pense-se, por exemplo, no caso da apelação (dotada de efeito suspensivo) que se interponha contra uma sentença que anula um casamento. Pois a interposição do recurso faz com que a sentença seja ineficaz (e, por conseguinte, antes de seu julgamento o casamento permanece apto a produzir efeitos, mantidas as partes no estado de casadas). Do mesmo modo, se é dotado de efeito suspensivo, o recurso interposto contra decisão de cunho condenatório, não se admitirá, antes de seu julgamento, a instauração da fase de cumprimento provisório da sentença (e é exatamente por isto que o art. 520 estabelece que “[o] cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo”). É que só no caso de ser o recurso contra a decisão condenatória desprovido de efeito suspensivo será possível promover-se, desde logo, a execução (provisória) da decisão judicial.

No direito processual civil brasileiro a regra geral é que o recurso não tenha efeito suspensivo (art. 995, caput). Há, porém, recursos dotados de efeito suspensivo ope legis (isto é, por determinação legal). É o que se dá naqueles casos em que a lei expressamente estabelece ser o recurso dotado de efeito suspensivo, como se tem na hipótese de apelação (art. 1.012) e dos recursos especial e extraordinário interposto contra decisão proferida no julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 987, §1º).

[...]

É importante, aqui, estabelecer uma distinção entre os casos de efeito suspensivo ope legis e ope iudicis. Naqueles casos em que o efeito suspensivo produz-se por força de lei (efeito suspensivo ope legis), a decisão recorrível nasce ineficaz. Significa isto dizer, em outros termos, que prolatada a sentença ela já não é capaz de produzir seus efeitos e, nesta hipótese, a interposição do recurso não produz, propriamente, a suspensão dos efeitos da decisão recorrida (já que tais efeitos já estavam suspensos). Em casos assim, nos quais o recurso é dotado de efeito suspensivo ope legis, a interposição de recurso não suspende os efeitos da decisão, mas prolonga sua suspensão, fazendo com que a decisão recorrida permaneça incapaz de produzir efeitos. Pode-se dizer, então, que, nesses casos de efeito suspensivo ope legis, este não é propriamente um efeito da interposição do recurso, mas um efeito da recorribilidade (já que o mero fato de ser recorrível a decisão já obsta a produção de efeitos da decisão). Nesta situação, caso o recurso venha a ser interposto tempestivamente, a decisão recorrida permanecerá ineficaz até que o recurso seja julgado. De outro lado, porém, se o recurso é, por força de lei, desprovido de efeito suspensivo, a decisão por ele impugnável produz seus efeitos desde o momento em que se torna pública (como se dá nos casos previstos no §1º do art. 1.012, que expressamente faz referência a “produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença” que se enquadra em algum dos casos ali enumerados). Nestas hipóteses, atribuído o efeito suspensivo por decisão judicial (efeito suspensivo ope iudicis), a decisão – que vinha produzindo efeitos – deixará de produzi-los. Pois em casos assim, o efeito suspensivo é, mesmo, um efeito da interposição do recurso, pois só a partir da decisão concessiva da eficácia suspensiva é que a decisão judicial estará com sua eficácia suspensa (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 511-512).  

 

Não resta, pois, dúvidas de que o vigente diploma processual civil caminhou no sentido de tornar o efeito suspensivo uma hipótese de exceção, conferindo preferência à análise casuística ope iudicis.

Tal conclusão, aliás, pode ser extraída do próprio texto do art. 995 da Lei 13.105 (CPC 2015), pelo qual:

Art. 995.  Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.

Parágrafo único.  A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso (BRAGA, Sérgio Murilo Diniz. Novo Código de Processo Civil 2015. 1. ed. – Belo Horizonte: Editora Líder, 2015, p. 160). 

 

Em comentário sobre este dispositivo, Elpídio Donizetti acrescenta (traçando um paralelo junto ao código de 1973):

 

Conforme interpretação, a contrario sensu, do art. 497 do CPC/73, somente os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo. Pode-se asseverar, então, que “sempre que o texto silencie, deve entender-se que o recurso é dotado de efeito suspensivo”.

De acordo com o NCPC, a concessão do efeito suspensivo ao recurso dependerá de previsão específica em lei ou de decisão judicial nesse sentido, a qual poderá se pautar em requerimento apresentado por uma das partes, desde que demonstrado o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e a probabilidade de provimento do recurso. Entende-se probabilidade de provimento como uma espécie de juízo de admissibilidade: não se trata do mérito do recurso, mas de potencial capacidade de julgamento pelo órgão colegiado (DONIZETTI, Elpídio. Novo código de processo civil comentado (Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. 1. ed. – Belo São Paulo: Atlas, 2015, p. 755). 

 

Como se vê, muito embora o novo Código tenha se mantido conservador em algumas hipóteses, ele se mostrou mais aberto à possibilidade de execução (provisória) das decisões proferidas, prezando pela tempestividade e efetividade do processo[24].

Resta saber, antes de se debruçar sobre as conclusões do tema problema, se esta postura representa uma tendência histórica progressiva (que poderá culminar na adoção generalizada do formato ope iudicis da análise do efeito suspensivo) ou se tratou apenas de uma modificação isolada nesta última transição entre o CPC de 1973 e o de 2015.

Façamos um breve retrospecto, com foco no recurso de apelação (objeto da pesquisa).

 

5.2.2.1 Efeito suspensivo da apelação no Código de Processo Civil de 1939 (Lei nº. 1.608/1939):

 

Sem maiores delongas, traz-se adiante a literalidade do pretérito texto legal (Lei nº. 1.608/1939), segundo o qual:

 

Art. 829. Serão devolutivos e suspensivos, ou sómente devolutivos, os efeitos da apelação. Recebida a apelação no efeito sómente devolutivo, o apelado poderá promover, desde logo, a execução provisória da sentença, que correrá nos autos suplementares.

Art. 830. Serão recebidas no efeito sómente devolutivo as apelações interpostas das sentenças:

I - que homologarem a divisão ou a demarcação;

II - que julgarem procedentes as ações executivas e as de despejo;

III - que julgarem a liquidação da sentença.

§ 1º Nas ações ordinárias em que a execução da sentença depender de liquidação por arbitramento ou por artigos, será devolutivo o efeito da apelação para o fim exclusivo de autorizar a liquidação na pendência do recurso.

§ 2º Nos demais casos, receber-se-à a apelação em ambos os efeitos (Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decr eto-lei-1608-18-setembro-1939-411638-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 mar. 2018).

 

Pelo que se extrai dos citados dispositivos, o diploma processual de 1939 não se diferia muito do código vigente. Muito embora continha no caput do citado art. 829 as figuras do efeito devolutivo-suspensivo ou somente devolutivo, o art. 830 deixava claro que esta última hipótese (somente efeito devolutivo) tratava-se de exceção – semelhante ao conteúdo do §1º, do art. 1.012, do Código de 2015[25].

Traçando-se, contudo, um comparativo entre o pretérito Código face ao atual, verifica-se uma sutil modificação, no sentido de se abrir modestamente as hipóteses de execução provisória das sentenças.

 

5.2.2.2 Efeito suspensivo da apelação no Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº. 5.869/1973):

 

Também valendo-se dos ditames legais previstos no Código de 1973, tem-se que este disciplinou os efeitos do recurso de apelação nos seguintes moldes:

 

Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:

I - homologar a divisão ou a demarcação; 

II - condenar à prestação de alimentos; 

III - julgar a liquidação de sentença; 

IV - decidir o processo cautelar; 

V - rejeitar os embargos opostos à execução (art. 739). 

Art. 521. Recebida a apelação em ambos os efeitos, o juiz não poderá inovar no processo; recebida só no efeito devolutivo, o apelado poderá promover, desde logo, a execução provisória da sentença, extraindo a respectiva carta (Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5869-11-janeiro-1973-357991-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 30 mar. 2018).

 

Novamente, não há dúvidas de que o efeito suspensivo permaneceu como regra, operando-se o juízo deste efeito ope iudicis apenas às escassas hipóteses excepcionais, disciplinadas nos incisos do art. 520. Estas elevaram, porém de forma tímida, à luz das inúmeras possibilidades de matérias sub judice.

 

5.2.2.3 Efeito suspensivo da apelação no Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº. 13.105/2015):

 

Por fim, disciplinando esta dinâmica do recurso de apelação, o vigente Código de Processo Civil foi ainda mais taxativo ao asseverar no caput do art. 1.012 que: “A apelação terá efeito suspensivo[26].

Ocorre que, já no §1º, o mesmo dispositivo também elencou algumas hipóteses de exceção a esta regra, caminhando no mesmo sentido dos diplomas anteriores:

 

Art. 1.012. [...]

§ 1o Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:

I - homologa divisão ou demarcação de terras;

II - condena a pagar alimentos;

III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;

IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;

V - confirma, concede ou revoga tutela provisória;

VI - decreta a interdição.

§ 2o Nos casos do § 1o, o apelado poderá promover o pedido de cumprimento provisório depois de publicada a sentença.

§ 3o O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1o poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:

I - tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la;

II - relator, se já distribuída a apelação.

§ 4o Nas hipóteses do § 1o, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at o2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 20 mar. 2018).

 

Vislumbrando apenas este dispositivo isoladamente, não haveria razão para maiores surpresas (visto que reflete a lógica dos diplomas anteriores) e poderia se dizer, inclusive, que o legislador inovou em algumas possibilidades de não concessão deste efeito suspensivo ope legis.

O que chamou atenção, no entanto, foi que, diante dos fundamentos para a edição do novo Código (com um viés intimamente ligado à celeridade e eficiência) o meio jurídico aguardava uma mudança mais sensível neste contexto.

Conforme crítica apresentada por Alexandre Ávalo Santana e Nilton César Antunes da Costa (em compilado de artigos sobre o novo CPC):

 

Ainda no âmbito do recurso de apelação, na fase em que tramitava o Projeto de NCPC (versão do Senado-Projeto 166/2010), destacava-se, como importante alteração, o fim do efeito suspensivo automático provocado pela interposição da apelação, o que, inclusive, havia sido mantido e aprimorado pela comissão parlamentar na Câmara, até a versão apresentada e, novembro de 2012 (Relatório entregue pelo Deputado Sérgio Barradas).

Nesse contexto, Rogério Licastro Torres de Mello destaca que Projeto “apresentava sensibilíssima e positiva modificação relativamente aos efeitos em que recebido o recurso de apelação: este seria recebido em regra apenas no efeito devolutivo (e não mais no efeito devolutivo[27], em regra), o que significaria que toda a sentença seria, ab initio, passível de requerimento de cumprimento provisório desde sua publicação em primeiro grau. De modo que pudesse produzir efeitos práticos independentemente de recurso de apelação interposto pela parte prejudicada, e a suspensão dos efeitos da sentença poderia ocorrer somente mediante pedido expresso da parte, demonstrando-se a existência de dano de risco irreparável O efeito suspensivo da apelação seria, assim, excepcional)” (Wambier... [et al.], coordenadores. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.2.241-2.242)

Ocorre que, apesar dos indiscutíveis avanços em matéria recursal, lamentavelmente, o Novo CPC, trouxe em seu bojo a manutenção do efeito suspensivo automático (ope legis) da apelação, contido no Art. 1.012 do NCPC.

Assim, a par dos diversos pontos positivos da Nova Codificação, prevalece na doutrina o entendimento segundo o qual manutenção do efeito suspensivo contraria a onda de avanços que permeiam o Novo Código de Processo Civil e que se alinham com a ideia de se implementar um processo mais eficiente, eis que, nos termos do que dispõe o art. 8º do novo CPC, a eficiência emerge como princípio que deverá nortear da prestação da tutela jurisdicional.

Nesse prisma, a nosso ver, o fim do efeito suspensivo automático da apelação repercutiria uma situação processual deveras justa, uma vez que, por meio de uma inversão simples, técnica e altamente positiva, seria possível, de uma só vez, reconhecer o valor da atividade cognitiva exercida pelo julgador de primeiro grau e transferir ao sucumbente (parte vencida) o ônus de arcar com os efeitos deletérios que o transcurso do tempo causa ao processo e aos litigantes.

Diante disso, por tratar de importante inovação, esperava-se que fosse suprimido o efeito suspensivo automático da apelação nos moldes trazidos no relatório apresentado pelo relatório do Deputado Sérgio Barrados, o que não ocorreu, destoando deste cenário de evidentes avanços trazidos pelo Novo CPC.

Por fim, nas hipóteses em que o efeito suspensivo não é automático (“ope judicis”), dependendo de requerimento e decisão judicial concessiva. O NCPC elencou regras claras quanto aos requisitos para o pedido de efeito suspensivo “ope judicis”, valendo-se da evidência e/ou urgência, bem como não deixou desamparado o interessado quanto à sua formulação por meio de petição ao órgão “ad quem” quando o recurso ainda estiver sendo processado em primeiro grau de jurisdição, cujo endereçamento deverá ser feito diretamente ao tribunal, que designará um relator que se tornará prevento, inclusive, para o recebimento do recurso em segunda instância, ou tal pleito poderá se dar posteriormente quando o recurso já foi distribuído ao tribunal, hipótese em que o pedido será formulado diretamente ao relator designado.

Ainda, é relevante registrar que o §2º do art. 1.012 do NCPC destacou objetivamente a data da publicação da sentença como sendo o marco do termo inicial de sua eficácia nos caso em que o recurso de apelação é dotado de apenas efeito devolutivo (SANTANA, Alexandre Ávalo; ANDRADE NETO, José de. Novo CPC: Análise Doutrinária sobre o novo direito processual brasileiro. Vol. 3. 1. ed. Campo Grande: Contemplar, 2016, p. 617-619).

 

Como se vê, a manutenção do efeito suspensivo como regra à apelação causou estranheza a grande parte dos juristas, tendo em vista que se mostrou em desalinho com o texto inicial do anteprojeto (que mais prezava pela tempestividade e eficiência).

Referido texto inicial, registre-se, assim tratava da matéria:

 

Art. 908. Os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão.

§ 1o A eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se demonstrada probabilidade de provimento do recurso.

§ 2o  O pedido de efeito suspensivo durante o processamento do recurso em primeiro grau será dirigido ao tribunal, em petição autônoma, que terá prioridade na distribuição e tornará prevento o relator.

[...]

Da Apelação

Art. 923. Da sentença cabe apelação.

Parágrafo único. As questões resolvidas na fase cognitiva não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final.

Art. 924. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

I – os nomes e a qualificação das partes;

II – os fundamentos de fato e de direito;

III – o pedido de nova decisão.

Art. 925. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1o Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, resolvidas ou não pela sentença.

§ 2o Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3o  Nos casos de sentença sem resolução de mérito e de nulidade por não observância dos limites do pedido, o tribunal deve decidir desde logo a lide se a causa versar sobre questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento.

Art. 926. A apelação será interposta e processada no juízo de primeiro grau; intimado o apelado e decorrido o prazo para resposta, os autos serão remetidos ao tribunal, onde será realizado o juízo de admissibilidade.

Art. 927. As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

Art. 928. Atribuído efeito suspensivo à apelação, o juiz não poderá inovar no processo; recebida sem efeito suspensivo, o apelado poderá promover, desde logo, a execução provisória da sentença (Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010, p. 206, 208-209; Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496296/000895477.pdf?sequence=1. Acesso em 20 mar. 2018).

 

Pelo que se vê, a regra adotada no anteprojeto seria o efeito ope legis apenas devolutivo, ao passo que o art. 928 trazia em seu bojo a previsão do efeito suspensivo ope judicis.

Tal dinâmica, contudo, não prosperou, de modo que, ante o modelo atual, a crítica aponta no sentido da escassez de matérias passíveis de execução provisória na pendência do recurso de apelação (ainda que impertinentes as razões deste).

Poderia se dizer, portanto, que o posicionamento tradicional quanto a este instituto jurídico (da apelação) prevaleceu por opção do legislador.

Um fator, contudo, merece ser trazido ao debate: e os julgamentos antecipados parciais de mérito (artigos 356, incisos e parágrafos, c/c 1.015, II, ambos do NCPC), que versam sobre as mesmas matérias de mérito, outrora atacadas somente por apelação, e que têm o efeito suspensivo como exceção (por desafiarem agravo de instrumento, ante a nova sistemática)?

Esta nova hipótese é que torna intrigante a atual sistemática, na medida em que ela manteve o conservadorismo no tratamento da apelação (com o efeito suspensivo ope legis), porém, apresentou um novo formato de julgamento de mérito, este sim com efeito suspensivo ope judicis como regra.

Será à análise deste contexto que o próximo capítulo se dedicará, com a finalidade de se extrair uma conclusão, que – num primeiro momento – permeia de uma hipótese de incoerência do legislador até uma opção deste por inovar no tratamento do processo, sem, contudo, abdicar-se dos seus pilares mais tradicionais.

À luz do que já fora exposto ate aqui e por uma análise sistemática do processo (especialmente constitucional no atual momento), é que se pretende subsidiar qual destas hipóteses se mostra mais consonante com o ordenamento jurídico em geral.

 

6 ANÁLISE CRÍTICA DO EFEITO SUSPENSIVO OPE LEGIS CONFERIDO/MANTIDO PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO CONTEXTO DA APELAÇÃO

 

 

Uma vez fixados os pilares gerais do direito processual civil, assim como da temática recursal propriamente dita (no que se vislumbra maior pertinência ao objeto deste estudo), resta abordar o viés crítico pretendido com a pesquisa, consistente na propriedade ou não desta opção do legislador pela manutenção do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação.

Num primeiro momento, mostra-se importante tecer um retrospecto sobre os efeitos recursais, evoluindo para a análise dos princípios recursais e gerais do processo, passando, inclusive, pelo sincretismo processual.

Após, é pertinente que o estudo se dedique aos fundamentos do novo Código de Processo Civil, a fim de compreender quais motivos fizeram com que o legislador se dispusesse a proceder com essa alteração legislativa do modelo até então vigente (e já atualizado por diversas vezes desde a sua edição) – o que também tem como propósito compreender o que se espera do código implantado (neste contexto).

Por fim, encerrando o capítulo, este se dedicará a tecer um paralelo entre apelação e o agravo de instrumento cabível em face das decisões antecipadas de mérito, no sentido de se ponderar sobre o limiar que separa os dois recursos (nesta situação específica) e sobre a (im)pertinência em se conferir tratamento e efeitos distintos entre ambos.

 

6.1 Análise crítica sob o viés principiológico

 

Conforme exposto oportunamente, os efeitos recursais destinam-se (dentre outras razões): i) a regulamentar o tratamento atribuído a cada recurso pelo órgão julgador ad quem; ii) a delimitar a extensão da revisão do ato recorrido; iii) bem como a deflagrar ou não a exequibilidade da decisão atacada.

 Considerando estas três particularidades citadas, a pesquisa tratou brevemente dos efeitos gerais dos recursos, para contextualizar sobre o tratamento atribuído a cada um deles e sobre a extensão da revisão do ato recorrido, sendo que, na sequência, focou especificamente no efeito suspensivo, suscitando o ponto central da crítica: a exequibilidade da decisão atacada.

Ao se questionar o efeito suspensivo de um recurso, este é o viés prático da questão: ser viável ou não a execução/cumprimento de determinada decisão enquanto ainda está em curso eventual recurso que ataque os seus termos.

Para este estudo, a crítica recaiu especificamente sobre o recurso de apelação, o qual (em regra) traz consigo esta vedação ope legis à execução provisória, de modo que ao jurisdicionado resta aguardar o (moroso) trâmite recursal para ter provido em seu favor o bem da vida pretendido com o processo.

Tendo sido esclarecido, portanto, o que se entende pelo efeito suspensivo e a sua pacífica incidência sobre o recurso de apelação, resta saber se esta opção do legislador por não adotar o formato ope iudicis se alinha aos princípios gerais e recursais do processo – o que perpassa, necessariamente, por um viés interpretativo sistemático.

Isso porque a analise isolada de cada princípio pode formar conclusões diversas em determinados sentidos, de modo que apenas uma análise global do sistema jurídico tem o condão de formar um posicionamento sólido a respeito.

Nesse sentido, mostra-se pertinente trazer os enunciados principiológicos que se alinham contrariamente e em favor do modelo recursal posto (especificamente quanto ao efeito suspensivo da apelação), a fim de se viabilizar um sopesamento entre os bens jurídicos por eles tutelados.

A começar pelo princípio do devido processo legal, tem-se que este se posiciona de forma bem comedida perante a situação. Em síntese, ele pressupõe a conciliação de duas vertentes essenciais ao alcance da finalidade jurisdicional, quais sejam: i) a obediência à boa técnica formal (predeterminada por um conjunto de normas positivadas pelo legislador); ii) cumulada com o respeito a um equilíbrio substancial/material das tutelas a serem aplicadas ao indivíduo.

À luz desses dois pilares, poderia se dizer que o respeito à boa técnica estaria garantido pela aplicação do efeito suspensivo ope legis, posto que este decorre de lei e esta é imperativo a ser atendido. Ou, noutro sentido, poderia se afirmar que este efeito ope legis não estaria alinhado ao princípio do devido processo legal, na medida em que representaria um desequilíbrio à parte do processo que se vê impedida de executar um ato decisório, em razão de infundadas irresignações manejadas pela parte vencida.

Este princípio, portanto, deve ser levado em consideração, porém não isoladamente, posto que – por si só – pode ser aproveitado tanto em favor quanto contra o efeito suspensivo ope legis do recurso de apelação.

Diferente dele, o princípio do impulso oficial (apesar de tocar o tema com um viés sutil e incidental) revela uma tendência maior ao descabimento desta dinâmica ope legis, na medida em que preza pela celeridade e satisfatividade do processo, o que certamente resta prejudicado quando da interposição de recursos infundados (porém recebidos no efeito suspensivo por força de lei).

Também nesse sentido e com robustez Constitucional, o princípio da duração razoável do processo confere força à impropriedade do efeito suspensivo ope legis, na medida em que este, notoriamente, acaba por alongar a marcha processual (por vezes, imotivadamente).

Todavia, não se pode olvidar que este princípio traz em seu bojo uma advertência que favorece a opção do legislador: não se pode confundir celeridade com imprudência. Ou seja, em nome dessa premissa essencial do processo civil pátrio (a celeridade) não se pode atropelar qualquer garantia individual.

Desta forma, há que se reconhecer que a questão permanece abstratamente controversa.

Um princípio que, diante deste contexto, poderia ser a solução para este imbróglio é o da boa-fé processual. Conforme já conceituado, este pressupõe que as partes não se valham dos institutos positivados no processo civil para alcançar objetivos meramente protelatórios, imorais e distorcidos de uma forma geral. Trata-se, em sua essência, da vedação ao abuso de direitos processuais por parte do litigante.

Pela aplicação genuína deste princípio, sequer haveria pertinência no questionamento deste efeito suspensivo, vez que os recursos manejados sempre deveriam sê-lo feito quando necessário e devidamente fundamentado. Melhor dizendo, agindo as partes segundo a boa-fé processual não haveria porquê de se questionar o efeito suspensivo, vez que os recursos manejados efetivamente seriam pertinentes.

  Ocorre que esta ideia notoriamente reside no campo da utopia, pelo que não pode ser analisado com este viés o princípio em questão. Para a realidade do processo, tal princípio serve apenas para fazer sutil defesa à impropriedade do efeito suspensivo, na medida em que este, por vezes, acaba por fomentar a má-fé processual da parte que pretende postergar o cumprimento de uma tutela que lhe desfavorece. Na medida em que esta sabe do efeito ope legis, acaba por se valer do direito de apelar, assentando-se em tese objetivamente infundada, como simples forma protelatória.

Enfim, este princípio é uma vedação a esse tipo de situação e, consequentemente, pode-se cogitar que é mais favorável à relativização deste efeito suspensivo.

Noutro giro, contrariando as tendências modificativas, o princípio constitucional da ampla defesa se mostra mais conservador perante a situação. Considerando-se que os recursos são essenciais meios de defesa e que alcançam taxa expressiva de reforma de decisões do juízo de origem, poderia se cogitar que a retirada do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação representaria violação a este pilar essencial do processo civil pátrio.

O que não se pode esquecer, contudo, é que a retirada deste efeito ope legis não significa execução indiscriminada das decisões proferidas. A ótica alternativa prevê que o recurso manejado passe pelo crivo judicial, o qual atribuirá ou não o efeito postulado (a depender da pertinência dos fundamentos articulados). Ou seja, sempre haverá um meticuloso filtro em favor da parte vencida, de modo que desta não serão retirados os meios de defesa.

A conclusão nesse sentido, é que – num viés mais conservador – este princípio da ampla defesa se apresentaria favorável ao efeito ope legis, ao passo que – por uma ótica mais liberal – poderia se dizer que o crivo do juízo seria suficiente para garantir esta premissa constitucional.

Enfim, o que se discute neste particular é a amplitude desta defesa, de modo que – mais uma vez – é a análise do conjunto de princípios que tem o condão de apontar para a pertinência ou não da atual dinâmica.

Nesse conjunto, vê-se também o princípio da legalidade, o qual não contribui para a formação do entendimento sobre a pertinência ou não deste efeito suspensivo. Ele, na verdade, é citado apenas para se deixar claro que, na legislação vigente, a dinâmica ope legis deve ser (em regra) aplicada na análise das apelações, por representar determinação expressa de lei. Ou seja, eventual modificação de entendimento deverá, necessariamente, passar por modificação legislativa.

Fica, portanto, citado este princípio apenas para fins desta importante observação.

Diferentemente, os princípios da eficiência e da efetividade (sobretudo este último) são determinantes para se formar uma cognição madura sobre o tema. Num cenário em que os processos se arrastam pelo Judiciário (por vezes sem estrutura profissional e física para dar conta dos julgamentos em tempo razoável), é inegável que ganha força a retirada deste efeito suspensivo ope legis – por ser, em determinados casos, um entrave formal à execução de decisões.

No atual cenário, o ato de recorrer tornou-se uma espécie de sobrevida à parte vencida, que sabe poder contar com o bônus de anos para que cumpra uma obrigação (muitas das vezes, sabidamente devida)[28].

Isso viola estes dois princípios, na medida em que torna o processo ineficiente e não efetivo. Neste último caso, viola a seguinte premissa lecionada por Elpídio Donizetti:

 

[...] Assim como o princípio da celeridade, o processo efetivo não se limita ao provimento formal: a efetividade abrange também (e principalmente) os meios executivos capazes de concretizar o direito material (efetividade em sentido estrito) (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 59) [grifado].

 

Ou seja, o processo deve se afastar de entraves formais, assim como deve prezar por alcançar o bem da vida nele postulado[29]. Na prática, é pressuposto desta solução jurídica que a pretensão da parte vencedora se concretize – o que, por vezes, resta frustrado, ante a avalanche de recursos infundados.

Enfim, se o processo deve ser literalmente eficiente e efetivo ao jurisdicionado (não obstaculizado com formalidades desnecessárias e infundadas), estes princípios são os principais pilares da modificação do sistema posto, sem, contudo, olvidarem-se da ressalva de que, com amparo na eficiência ou na efetividade, não se pode atropelar o alcance do resultado constitucionalmente legítimo do processo. Reitere-se, não se trata de resultados a qualquer custo, mas com meios de se resguardar as demais garantias individuais. Nas palavras do citado jurista, trata-se da efetividade virtuosa e não da malsã. E, quanto ao filtro destas duas, na prática, ele passaria pelo crivo do juízo recursal ad quem.

Dito isto, pode-se cogitar que a situação merece caminhar sem percalços no sentido da modificação legislativa. Ainda não! Há um princípio de valoração indispensável nessa reflexão, consistente na segurança jurídica.

Conforme assinalado em tópico próprio, este pressupõe:

 

[...] a aplicação da segurança jurídica, impõe a garantia dada pelo Estado em favor ao cidadão de que as normas de direitos, entre outras atividades estatais propiciem ao cidadão um sentimento de confiança e estabilidade como garantia em um estado democrático de direito. [...](Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&arti go_id=11901. Acesso em: 12 mar. 2018).

 

Ou seja, a eficiência, a efetividade, bem como os demais princípios norteadores do processo (especialmente os que fomentam a sua celeridade) não podem se distanciar da segurança que se espera do Judiciário (inclusive por força Constitucional).

Sendo assim, mais uma vez o estudo se depara com um conceito aberto, pendente de mensuração do jurista. Melhor dizendo, à luz deste princípio, resta saber se a segurança jurídica seria preservada com a aplicação do efeito suspensivo ope iudicis ao recurso de apelação ou se este fragilizaria a confiança que se encontra no formato ope legis.

Eis, portanto, mais este fator a se considerar para o alcance das conclusões que se pretende.

Auxiliando a formação destas, mostra-se pertinente trazer a lume as considerações sobre os princípios recursais propriamente ditos, os quais também concorrem para a elucidação da celeuma.

Sem delongas, passa-se à correlação com os princípios de maior relevância ao tema, a começar pelo duplo grau de jurisdição. Quanto a este, a indagação é simples: a modificação desta dinâmica suspensiva ope legis do recurso de apelação teria o condão de macular esse pilar do direito processual civil?

A resposta, salvo melhor juízo, apresenta-se negativa, na medida em que a reanálise do caso é garantida, independentemente do efeito no qual é recebido o recurso.

Destarte, não seria este princípio um impedimento à modificação do atual tratamento conferido á apelação.

Quanto ao princípio da dialeticidade ou discursividade, a valoração que dele se faz é no sentido de se indagar se haveria razão para a modificação do atual efeito suspensivo conferido à apelação. Considerando que um recurso totalmente prejudicado pode não ser conhecido, em sede de juízo de admissibilidade, com amparo neste princípio, estaria conforme entender que apenas apelações fundamentadas/pertinentes experimentariam o efeito suspensivo de fato?

Trata-se de um fator que merece ser ponderado, mas que também não tem força para afastar a pertinência da crítica que se faz (sobre o efeito ope legis), na medida em que esse filtro inerente à dialeticidade é muito aberto e tem o condão de inadmitir apenas situações totalmente esdruxulas, com as quais pouco se depara.

Apelações infundadas, porém com uma mínima retórica, acabam por ultrapassar esta barreira e obstar a execução de sentenças (por vezes, notoriamente acertadas).

Portanto, entende-se que este princípio também não atenua suficientemente a crítica.

Por fim, sobre os princípios da singularidade e da fungibilidade, a consideração que se faz é a mesma já tecida, no sentido de que a singularidade e a falta de requisitos para a fungibilidade impediriam a não atribuição do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação. Ou seja, até “segunda ordem”, as disposições legais são no sentido desta dinâmica processual vigente: efeito suspensivo ope judicis para o agravo de instrumento e efeito suspensivo ope legis para o recurso de apelação.

Eventual modificação desta regra passaria por alteração legislativa e não apenas jurisprudencial.

Por sua vez, no que se refere ao sincretismo processual, a relação que merece ser retomada é no sentido de que este poderia ser um obstáculo posto à modificação da dinâmica atual. Como dito: já estando arraigado nos operadores do direito esta ideia de que o processo é sincrético e que a apelação acarreta na remessa dos respectivos autos ao Tribunal, pode-se cogitar da hipótese de que a manutenção do efeito suspensivo ope legis do recurso de apelação ocorreu por uma mera questão física (na medida em que, como dito, ainda não se adotou a figura do recurso de “apelação por instrumento”).

Sobre esta hipótese, a crítica que se faz é no sentido de que seria uma escusa diminuta para o tratamento de um tema com tamanha relevância. Para esse impasse físico, podem-se buscar alternativas, seja com a criação de um instrumento autônomo para a apelação ou mesmo com a informatização dos processos, que já está em andamento por todo o país[30].

Ou seja, não se entende este fator como algo relevante ao enfrentamento desta celeuma.

Eis, portanto, as correlações teóricas e principiológicas a serem tecidas sobre o tema em apreço, as quais deixam claro que a matéria encontra subsídio argumentativo para se defender ambas as possibilidades (atribuição ou não do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação).

Porém, diante da realidade do judiciário (por vezes não estruturado e com acúmulo de demandas[31]) e da existência de um meticuloso filtro por parte do juízo ad quem (na hipótese de se adotar o efeito suspensivo ope iudicis), entende-se pela pertinência da modificação sugerida. As garantias individuais estariam devidamente resguardadas (posto que situações que demandam o efeito suspensivo o teria garantido pelo juízo) e, especialmente, os princípios da efetividade e da razoável duração do processo (hoje maculados com frequência) seriam observados com maior rigor em favor do jurisdicionado. Este poderia encontrar uma solução, hoje tão distante daqueles que ajuízam uma demanda.

Negar esse entendimento (com base na necessidade de segurança jurídica, por exemplo), seria o mesmo que atribuir incompetência ou imprudência ao judiciário, questionando o seu poder discricionário a ser adotado caso a caso. Destarte, entende-se que sujeitar cada hipótese específica, na forma do efeito suspensivo ope iudicis, seria o caminho mais acertado e alinhado aos princípios do processo civil, bem como Constitucionais (“neoconstitucionalismo” e “neoprocessualismo”).

Todavia, este posicionamento se trata de uma crítica particular, que pouco agrega à temática, visto que leva em consideração os mesmos princípios que já orientavam os Códigos anteriores[32]. Ou seja, este entendimento não se sustenta em nenhuma inovação do novo Código de Processo Civil, de modo que defender a alteração do efeito suspensivo ope legis com esse único subsídio principiológico seria confrontar, sob fundamentos já debatidos, os juristas que firmaram posicionamento em sentido diverso.

Desta forma, este primeiro viés crítico é tecido com o objetivo de demonstrar que os princípios e fundamentos em questão são receptivos a eventual mudança neste particular. Mesmo os juristas que não a defendem, não podem ir contra o fato de que seu entendimento comporta interpretação principiológica diversa.

Dito isto, resta esclarecer, então, se o novo Código de Processo Civil trouxe inovações capazes de fazer mudar o posicionamento tradicional mantido nos diplomas anteriores.

Entende-se que sim, a começar pelos seus fundamentos e seu anteprojeto confeccionado no Senado Federal.

 

6.2 Análise crítica em observância aos fundamentos do novo Código de Processo Civil

 

Conforme salientado em tópico específico, os gatilhos que motivaram o Legislador a mobilizar-se no sentido de se criar o novo arcabouço normativo foram, primordialmente: i) a necessidade de modernização do sistema processual; ii) a demanda de alinhamento do texto processual infraconstitucional à Constituição de 1988, a qual sucedeu o modelo então vigente (especialmente no tratamento do acesso à justiça e à razoável duração do processo); iii) consequência do item anterior, tem-se, também, a necessidade de empregar maior celeridade no trâmite processual, através da nova Lei; e iv) o anseio pelo resgate à coerência normativa, que já se mostrava abalada no Código de 1973, diante das diversas modificações sofridas durante os seus anos de vigência (o que resultava na insegurança jurídica).

Ou seja, houve uma evidente preocupação do legislador com o aspecto da efetividade e da razoável duração do processo (prezando pela aplicação dos princípios constitucionais ao processo), na medida em que é notório o descontentamento com a morosidade do judiciário (por inúmeras razões, sobretudo de ordem financeira e estrutural).

Ou seja, a simplificação do processo e o melhor aproveitamento dos seus atos, culminando na resolutividade ágil e real do mérito de uma demanda (cuja extinção não mais se fomenta por questões formais), foram temas que orientaram a ação da Comissão de Juristas responsáveis pelo anteprojeto, a qual – diante desta manifesta demanda – teceram o capítulo destinado à apelação nos seguintes moldes:

 

Art. 908. Os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão.

§ 1o A eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se demonstrada probabilidade de provimento do recurso.

§ 2o  O pedido de efeito suspensivo durante o processamento do recurso em primeiro grau será dirigido ao tribunal, em petição autônoma, que terá prioridade na distribuição e tornará prevento o relator.

[...]

Da Apelação

Art. 923. Da sentença cabe apelação.

Parágrafo único. As questões resolvidas na fase cognitiva não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final.

Art. 924. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

I – os nomes e a qualificação das partes;

II – os fundamentos de fato e de direito;

III – o pedido de nova decisão.

Art. 925. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1o Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, resolvidas ou não pela sentença.

§ 2o Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3o  Nos casos de sentença sem resolução de mérito e de nulidade por não observância dos limites do pedido, o tribunal deve decidir desde logo a lide se a causa versar sobre questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento.

Art. 926. A apelação será interposta e processada no juízo de primeiro grau; intimado o apelado e decorrido o prazo para resposta, os autos serão remetidos ao tribunal, onde será realizado o juízo de admissibilidade.

Art. 927. As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

Art. 928. Atribuído efeito suspensivo à apelação, o juiz não poderá inovar no processo; recebida sem efeito suspensivo, o apelado poderá promover, desde logo, a execução provisória da sentença (Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010, p. 206, 208-209; Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496296/000895477.pdf?sequence=1. Acesso em 20 mar. 2018).

 

Como se percebe, a regra que se alinhava aos fundamentos do novo modelo processual seria o efeito suspensivo ope iudicis. Afinal, como já mencionado, isso seria um freio àqueles que manejam recursos de apelação imotivados – culminando na celeridade e efetividade do processo no alcance de direitos de quem faz jus.

Em contrapartida, em sendo pertinente o recurso, o juízo ad quem teria/terá o condão de suspender o trâmite da via executiva, resguardando a segurança que se espera do sistema jurídico-legal.

Ocorre que, superado este entendimento inicial da comissão do anteprojeto, tal dinâmica fora sutilmente retirada do novo regramento aprovado, o que, salvo melhor juízo, apresentou-se como um conservadorismo imotivado do legislador (há décadas acostumado com o sistema aplicável à apelação).

Isso se afirma pela falta de motivação idônea para tanto, o que se confirma, não por uma mera opinião, mas pelo fato de que o legislador demonstrou indiretamente que confia plenamente no juízo ad quem quanto à análise do efeito suspensivo (ope iudicis) dos meios recursais, conforme será evidenciado no tópico subsequente.

Destarte, somando-se: i) a ausência de impedimento principiológico (na verdade, até mesmo um fomento neste contexto); ii) os próprios fundamentos do novo diploma processual civil (externados claramente no seu anteprojeto em favor desta alteração de efeito recursal); e iii) a inequívoca confiança depositada pelo legislador no juízo de admissibilidade e na atribuição de efeitos realizada pelo julgador ad quem (o que será exposto adiante); entende-se que a manutenção deste efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação ocorreu com amparo em mera tradição infundada (ou por um lapso do legislador).

 

6.3 Análise crítica em observância à inovação trazida pelo art. 356 do CPC/2015 (julgamento parcial de mérito versus sentença)

 

A razão determinante para o afloramento desta crítica ao novo diploma Processual Civil, bem como para se tecer as considerações prévias sobre a confiança do legislador acerca da segurança jurídica no tribunal ad quem (na análise do efeito suspensivo recursal), consiste na edição do citado art. 356 do vigente CPC, pelo qual:

 

Do Julgamento Antecipado Parcial do Mérito

Art. 356.  O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I - mostrar-se incontroverso;

II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355[33].

§ 1o A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.

§ 2o A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.

§ 3o Na hipótese do § 2o, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.

§ 4o A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.

§ 5o A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2 015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 21 mar. 2018) [grifado].

 

Isso ocorre porque este dispositivo legal trouxe a possibilidade de se fracionar o julgamento de mérito do processo, de modo que, na prática, há quase uma unificação da natureza jurídica de sentença e decisão interlocutória (quando esta é proferida no contexto de mérito).

Ou seja, com a edição deste artigo, sentença e decisão interlocutória são capazes de julgar as mesmas matérias, de modo que a distinção destas ocorre apenas pelo momento em que proferidas.

Segundo consta dos §§ 1º e 2º do art. 203 (CPC/2015):

 

Art. 203.  Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1o Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

§ 2o Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1o. (Disponível em: http://www.planalt o.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 21 mar. 2018) [grifado].

 

Como se conclui desses conceitos, não há mais relevância quanto à matéria passível de sentença e de decisão interlocutória, restando como divergência dos institutos apenas o fato de que a sentença coloca fim ao à fase cognitiva do procedimento comum ou extingue a execução.

Tal disposição trouxe consigo substancial modificação à dinâmica até então vigente, na medida em que os conceitos anteriores eram:

 

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. (Redação dada pelo Lei nº 11.232, de 2005)

§ 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil _03/leis/L5869impressao.htm. Acesso em 21 mar. 2018).

 

Ou seja, as decisões interlocutórias, que outrora decidiam apenas questões incidentais, passaram a decidir o mérito do processo, desde que uma fração do pleito inicial esteja madura para tanto.

Talvez ainda não esteja clara a consequência jurídica criada por esta situação! Imagine-se, pois, os recursos manejados contra estas decisões. São neles que reside a celeuma e a crítica em questão.

Em se tratando de sentença, o recurso manejado será o de apelação, ao passo que nas decisões interlocutórias de mérito (mesmo sendo a decisão idêntica a uma sentença) o recurso cabível será o de agravo de instrumento.

Ou seja, decisões idênticas e sobre as mesmas matérias experimentarão efeitos diferentes (a depender do momento em que ocorram), na medida em que o agravo de instrumento traz consigo o efeito suspensivo ope iudicis e a sentença o efeito suspensivo ope legis.

Conforme se extrai do art. 1.012 do CPC:

 

Art. 1.012.  A apelação terá efeito suspensivo. (Disponível em: http://www.p lanalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 21 mar. 2018).

 

Por sua vez, o art. 1.019 do CPC dispõe:

 

Art. 1.019.  Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:

I - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015 -2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 21 mar. 2018) [grifado].

 

Ou seja, qual a razão pra se conferir efeitos recursais diversos a decisões de idêntica natureza e impactos ao jurisdicionado? A bem da verdade, não resta explicação para esta situação, senão um lapso do legislador ou uma infeliz incoerência por ele praticada.

Ao laborar nesse sentido, ficou claro que a atribuição do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação não se sustenta na necessidade de segurança jurídica, do devido processo legal ou de nenhum outro fundamento principiológico. Isso porque as mesmas garantias devem ser asseguradas ao jurisdicionado no julgamento do agravo de instrumento que versa sobre a mesma matéria de mérito, mas que experimenta efeito suspensivo ope iudicis. E nesses casos o legislador não obstou o efeito suspensivo ope iudicis.

Eis, portanto, a derradeira e determinante situação para se entender que houve impropriedade na manutenção do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação, à luz das inovações trazidas pela Lei nº. 13.105 de 2015. Se as matérias recursais são idênticas, não há razão para se afastar do desembargador relator a discricionariedade de analisar o melhor efeito recursal aplicável a cada caso concreto.

Igualmente, à luz dos princípios gerais e recursais do processo civil e dos próprios fundamentos do código vigente, mostrar-se-ia prejudicado uniformizar a questão em sentido contrário – atribuindo efeito suspensivo ope legis ao agravo de instrumento –, visto que isso prejudicaria ainda mais a efetividade e a razoável duração do processo (ambos tidos como pedra angular do novo Código).

 

 

7 CONCLUSÃO

 

 

Com o presente estudo, buscou-se compreender os motivos para a manutenção do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação, à luz das inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil.

A crítica principal fora sobre o paradoxo instaurado pela diferenciação no tratamento de duas tutelas de mesma natureza (mérito), simplesmente por divergir o momento processual em que cada uma delas se passa. Ou seja, a decisão proferida em meio ao curso do processo (interlocutória, passível de agravo) experimenta efeito suspensivo ope judicis, ao passo que o mesmo pronunciamento em fase final (sentença) será, em regra, suspenso (ope legis) quando da interposição do recurso de apelação, independentemente de qualquer comprovação acerca da necessidade/pertinência desse efeito suspensivo.

Questionou-se, pois: se tanto o julgamento antecipado parcial quanto a sentença versam sobre o mérito do processo, por qual razão o vigente Código de Processo Civil manteve o efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação, mas não fez o mesmo com o agravo de instrumento interposto contra as mesmas matérias? À luz dos princípios que orientam o novo diploma Processual Civil (sobretudo o da efetividade e da razoável duração do processo), não seria mais acertado uniformizar (no contexto de apelação) a dinâmica adotada quanto ao efeito suspensivo do agravo de instrumento (ope judicis)? Ou o melhor caminho seria, noutro sentido, também atribuir efeito suspensivo ope legis ao agravo de instrumento, quando a matéria sub judice se correlacionasse com o julgamento de mérito (em amparo à segurança jurídica)?

Nesse contexto, o trabalho dedicou-se a avaliar sobre a propriedade (ou não) da opção do legislador pela manutenção do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação.

Feito isso, restou concluído que a questão principiológica girava em torno da efetividade e razoável duração do processo versus segurança jurídica.

Frente a essa situação, considerando-se a realidade do judiciário (por vezes não estruturado e com acúmulo de demandas) e a existência de um meticuloso filtro por parte do juízo ad quem (na hipótese de se adotar o efeito suspensivo ope iudicis), entendeu-se pela pertinência da modificação sugerida. As garantias individuais estariam devidamente resguardadas (posto que situações que demandam o efeito suspensivo o teria garantido pelo juízo, na forma de segurança jurídica) e, especialmente, os princípios da efetividade e da razoável duração do processo (hoje por vezes maculados) seriam observados com maior rigor em favor do jurisdicionado. Este poderia encontrar uma solução, hoje tão distante daqueles que ajuízam uma demanda.

Todavia, ressaltou-se que este não seria um viés determinante para a solução do imbróglio, visto que a matéria em questão também fornece subsídio argumentativo para se defender possibilidade diversa (atribuição ou não do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação).

Além disso, a questão principiológica não seria determinante para a modificação do entendimento vigente, na medida que leva em consideração os mesmos princípios que já orientavam os Códigos anteriores. Ou seja, este entendimento não se sustenta em nenhuma inovação do novo Código de Processo Civil, de modo que defender a alteração do efeito suspensivo ope legis com esse único subsídio principiológico seria confrontar, sob fundamentos já debatidos, os juristas que firmaram posicionamento em sentido diverso.

Sendo assim, este primeiro pilar da crítica foi tecido com o objetivo de demonstrar que os princípios e fundamentos em questão são receptivos a eventual mudança neste particular. Mesmo os juristas que não a defendem, não podem ir contra o fato de que seu entendimento comporta interpretação principiológica diversa.

Dito isso, a análise crítica foi sequenciada com o estudo dos fundamentos do novo diploma processual civil, o qual deu ênfase à efetividade do processo (incluindo a atividade satisfativa/executiva).

Pelo que se verificou, a Comissão de Juristas prezou pela simplificação do processo e pelo melhor aproveitamento dos seus atos, culminando na resolutividade ágil e real do mérito de uma demanda (cuja extinção não mais se fomenta por questões formais).

Sob tais fundamentos, a Comissão procedeu (no anteprojeto) com a conversão do efeito suspensivo da apelação para o formato ope judicis, o que – no entanto – não foi mantido pelo legislador (quando da aprovação definitiva do Código em 2015).

Neste contexto, concluiu-se que essa conversão (para o efeito suspensivo ope judicis) seria o caminho mais coerente aos pilares do novo CPC, apresentando-se o recuo do legislador como um conservadorismo imotivado (ou um lapso).

Por fim, reforçando essa crítica à postura do legislador e apontando para uma incoerência por sua parte, o último tópico da pesquisa se dedicou a traçar um paralelo do recurso de apelação, quando comparado com o tratamento dedicado ao agravo de instrumento interposto contra decisão antecipada parcial de mérito (art. 356 do NCPC).

Indagou-se, pois, qual a razão pra se conferir efeitos recursais diversos a decisões de idêntica natureza e impactos ao jurisdicionado, tendo se concluído que não resta explicação para esta situação, senão um lapso do legislador ou uma infeliz incoerência por ele praticada.

Como dito, ao laborar nesse sentido, ficou claro que a atribuição do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação não se sustenta na necessidade de segurança jurídica, do devido processo legal ou de nenhum outro fundamento principiológico. Isso porque as mesmas garantias devem ser asseguradas ao jurisdicionado no julgamento do agravo de instrumento que versa sobre a mesma matéria de mérito, mas que experimenta efeito suspensivo ope iudicis.

Foi esta, portanto, a derradeira razão para se apoiar uma pontual modificação legislativa no art. 1.012 do vigente CPC (Lei nº. 13.105/2015), no sentido de se fazer constar que o efeito suspensivo pode ser atribuído pelo competente Tribunal, mas apenas se presente requisitos cautelares para tanto (ope judicis).

Concluiu-se, por todo o exposto, pela impropriedade na manutenção do efeito suspensivo ope legis ao recurso de apelação, à luz das inovações trazidas pela Lei nº. 13.105 de 2015.

Considerando, por fim, o sincretismo processual, que culmina em um impedimento físico para se processar, concomitantemente, o cumprimento de sentença e o recurso de apelação, sugeriram-se alternativas, como a criação de um instrumento autônomo para a apelação (semelhante ao que ocorre com o agravo de instrumento), fazendo-se destaques para o fato de que a informatização dos processos (que já está em andamento por todo o país) eliminará qualquer inconveniente dessa natureza.

Ou seja, este fator nãos seria algo relevante ao enfrentamento da questão.

Eis, portanto, as conclusões, em meio às quais se verifica que os ditames do novo Código de Processo Civil alinham-se aos anseios da sociedade, sem mitigar as garantias individuais, porém merecem reparos pontuais, no intuito de se alcançar maior efetividade ao jurisdicionado titular de efetivo direito.

 

 

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Sobre o autor
Flávio Cabral Fialho Pereira

Advogado graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras (Unidade FADOM); Pós-Graduado em Direito Processual Civil (sob a vigência do Novo Código – Lei nº. 13.105/2015) pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Capacitando em Gestão e Direito da Saúde pela Escola Nacional da Advocacia (Conselho Federal da OAB/ENA – SATeducacional); e Cursou Modelo de Negócios junto ao SEBRAE. Em sua formação acadêmica, foi o autor das obras: “Análise da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance”; e “Da (im)propriedade da manutenção do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação, à luz das inovações trazidas pelo vigente Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105, de 16 de março 2015)”. Atuou junto ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (inclusive como conciliador), entre os anos de 2010 a 2013. Foi o representante da 187ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil no Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) de Santo Antônio do Monte (entre janeiro/2016 a 23/08/2018), órgão do qual também foi eleito para compor a diretoria, como secretário; e Conselheiro Fiscal do Centro de Memória “Dr. José de Magalhães Pinto” (entre 22/06/2017 a 23/08/2018). Atualmente, além de atuar como advogado, mantendo escritório profissional nas cidades de Santo Antônio do Monte/MG e Divinópolis/MG, exerce o cargo de Assessor Jurídico da Santa Casa de Misericórdia de Santo Antônio do Monte, bem como assessora outras instituições da área de saúde e do terceiro setor, sendo, ainda, membro titular do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Santo Antônio do Monte e Associado Fundador da Associação dos Advogados do Centro Oeste de Minas Gerais, sediada em Divinópolis.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação lato sensu em Direito Processual Civil da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus, como requisito de obtenção do título de especialista em Direito Processual Civil. Professora-orientadora: Maria Eugenia Conde.

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