A decisão do Tribunal Superior Eleitoral iniciada em 31 de agosto de 2018 e concluída em 1 de setembro de 2018 que indeferiu o registro de candidatura do ex-Presidente Lula, conferindo o prazo de 10 (dez) dias para o Partido substituir o candidato, trouxe à tona, algumas questões jurídicas bastante interessantes, e é sobre elas que se pretende neste singelo artigo comentar. Primeiramente, sobre a conclusão do voto do Ministro Fachin de considerar o ex-Presidente inelegível pela Lei da Ficha Limpa, mas permitir sua campanha em razão de decisão do comitê da ONU; em segunda lugar, o voto da Ministra Rosa Weber que apesar de reconhecer a inelegibilidade seguindo o relator Barroso neste ponto, entendeu que Lula poderia realizar campanha enquanto estivesse sua candidatura sub judice, por sua conta e risco, nos termos do art. 16-A da Lei Geral das Eleições (9504/97); finalmente, analisar-se-á a permissibilidade do partido do PT manter a propaganda eleitoral gratuita, na rádio e na TV, mas sem realizar propaganda de Lula, em razão de que foi deferida a candidatura à vice-Presidente a Haddad.
1. Conclusão do voto de Fachin
O Ministro Edson Fachin ao analisar a legislação interna do nosso país, LC 64/90 com as alterações da Lei da Ficha Limpa, anuiu com o relator Barroso que o candidato Lula é inelegível, nos termos do art. 1º, I, “e”, I e VI da LC 64/90, mas, ao conferir efeito suspensivo a essa inelegibilidade por força de medida cautelar do Comitê de Direitos Humanos da ONU, possibilitava que o candidato pelo PT permanecesse realizando campanha, inclusive tendo o seu nome mantido na urna eletrônica. Com a devida vênia, esse entendimento dava mais força a uma decisão provisória tomada por dois integrantes de um comitê composto por 18 membros, que sequer ouviu o Brasil, do que todo o arcabouço jurídico interno de um país, o que ocasionaria uma mudança nos rumos políticos do Brasil, e mais, atingiria a própria soberania do Brasil.
É bem verdade que, o Ministro Fachin proferiu o seu voto, com fulcro no art. 5, §2º, da Carta Magna de 1988, que prevê a existência de outros direitos fundamentais decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Todavia, para que isso ocorra, há necessidade de se preencher certos requisitos, e neste ponto, nos parece irretocável às objeções perfilhadas pelo relator Barroso, quais sejam: a) ausência de força vinculante dessa medida cautelar do comitê da ONU, que se traduziu numa mera recomendação não acolhida mediante decreto presidencial; b) vícios procedimentais da decisão da ONU e c) ausência de oitiva do Estado Brasileiro.
De fato, seria no mínimo estranho que, uma hipótese de inelegibilidade incorporada ao ordenamento jurídico pela primeira lei de iniciativa popular, que veio da concretude a um importante princípio constitucional da administração pública, que é a moralidade, e já aplicada a inúmeras pessoas que pretendiam se candidatar, fosse agora deixada de lado, por força de uma decisão provisória de apenas dois membros do comitê de direitos humanos da ONU que, não tem caráter jurisdicional, mas apenas administrativo e sequer ouviu o Estado Brasileiro para se inteirar dos fatos que ensejaram a condenação criminal do pretenso candidato a Presidente, bem como, da aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa.
Destarte, o voto do Ministro Fachin manteve-se solitário, já que por 6 (seis) a 1 (um) a Egrégia Corte Eleitoral não acatou a argumentação da defesa de que a decisão da ONU deveria suspender a aplicabilidade da Lei 64/90, com as alterações da Lei da Ficha Limpa que, veio ao encontro da vontade do Constituinte de 1988 de garantir que os candidatos não tivessem máculas a sua moralidade. Num momento histórico que tanto a população brasileira como os organismos internacionais cobram dos países o combate a corrupção, deixar de aplicar a Lei da Ficha Limpa de forma casuística a um candidato condenado justamente por corrupção e lavagem de dinheiro, e que se encontra preso cumprindo provisoriamente sua pena de 12 (doze) anos e 1 (um) mês seria um retrocesso e um risco a soberania de um país.
2. Voto da Ministra Rosa Weber
O voto da Ministra foi intermediário, divergindo parcialmente tanto do relator Barroso, quanto do Min. Fachin. De fato, apesar de ter a Ministra aderido ao entendimento do relator de que a decisão cautelar do Comitê de Direitos Humanos da ONU não suspendia a hipótese de inelegibilidade do art. 1º, I, “e”, I e VI da LC 64/90, portanto, para ela o candidato Lula deveria ser declarado inelegível, pretendia que à luz do art. 16-A da Lei 9.504/97 o mesmo pudesse realizar campanha por conta e risco enquanto a sua candidatura estivesse sub judice. Data vênia, sua posição não se sustenta, nem mesmo diante da Lei Geral das Eleições, cuja exegese do art. 16-A, não embasa essa posição, sendo sua compreensão do tema, a “priori”, equivocada, pelas razões que se passará a explicar.
O art. 16-A da Lei 9504/97 assim dispõe:
O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.
Realmente, numa análise perfunctória do artigo supra transcrito, pode-se chegar à mesma conclusão da Ministra Rosa Weber. Porém, uma análise mais detida não permite dúvida que o limite para realização de campanha do candidato sub judice é a decisão do TSE sobre o registro de candidatura, o que se pode inferir do próprio texto do art. 16-A da Lei 9504/97.
Quando o art. 16-A, na parte final, preconiza “ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”, evidentemente está se referindo ao processo de registro de candidatura dentro da Justiça Eleitoral, por duas razões. Primeiro, porque quem defere ou indefere o registro de candidatura é a Justiça Eleitoral (art. 2º da LC 64/90), segundo, porque, o termo “instância superior” não pode abranger o Supremo Tribunal Federal, pois, o STF não é uma quarta instância, que possa se considerar acima do TSE em matéria eleitoral, tratando-se apenas de uma Corte guardiã da Constituição, uma vez que, cabe por último a ela interpretar a Carta Magna. Neste sentido, portanto, poderá modificar a decisão do TSE tão somente, se em recurso extraordinário, manejado nos termos do art. 102, III, “a”, da CF, entender que a decisão contrariou dispositivo da CF de 1988.
Destarte, verifica-se que a intenção do legislador quando se refere a candidato sub judice, é aquele cujo registro ainda não tenha sido definitivamente julgado pela Justiça Eleitoral, ou seja, que ainda não tenha sido julgado pela máxima instância eleitoral que é justamente o Tribunal Superior Eleitoral.
Essa é irrefutavelmente a melhor exegese, não fazendo sentido permitir que o candidato com registro indeferido pela instância máxima da Justiça Eleitoral continue fazendo campanha e tenha seu nome mantido na urna eletrônica, enquanto o STF não julgue eventual recurso que tenha como argumento a afronta ao texto constitucional, o que provavelmente ocorreria após a eleição, levando a população a votar em candidato inelegível, com séria repercussão a democracia e frustrando uma expectativa criada na população em torno de uma candidatura sem qualquer viabilidade eleitoral. Essa posição de permitir a campanha eleitoral somente até que o TSE julgue o registro de candidatura também tem prevalecido na jurisprudência.
3. Permissibilidade do PT continuar com a propaganda eleitoral na radio e TV se abstendo de apresentar como candidato Lula, mesmo no período em que não ocorrer a substituição do candidato.
O Tribunal Superior Eleitoral já tinha decidido que Lula estava inelegível e que não poderia realizar campanha e que o partido teria o prazo de 10 (dez) dias para apresentar substituto, nos termos do art. 13, §1º, da Lei 9.504/97, quando então, o advogado de defesa suscitou uma questão ainda não apreciada pela Corte naquele julgamento, qual seja, a de que, enquanto não houvesse a substituição do candidato a Presidente, o Partido pudesse continuar com a propaganda a vice Presidente, de Haddad, uma vez que, seu registro de candidatura fora deferido pelo TSE. Argumentou que isso teria ocorrido no caso de Eduardo Campos.
Após uma reunião interna, o TSE decidiu permitir que o PT continue com a propaganda eleitoral ao cargo de Vice-Presidente, desde que Lula só possa aparecer como apoiador e não mais como candidato a Presidente. A legislação não disciplina essa questão, todavia, sabendo-se que a propaganda eleitoral objetiva divulgar as ideias dos candidatos, diferentemente da propaganda partidária que tem como finalidade divulgar o programa do Partido, e outrossim, considerando que os eleitores votam no cargo de Presidente, e não de Vice-Presidente, tal solução não parece a mais adequada. Entende-se que, o correto seria que enquanto não houvesse a substituição do candidato a Presidente da República pelo PT, não se permitisse qualquer propaganda eleitoral ao cargo de Vice-Presidente, uma vez que, a candidatura a este cargo não é autônoma, ou seja, ninguém pode se candidatar ao cargo de Vice de qualquer chefia do Executivo, sem que o Partido ou Coligação apresente um candidato ao Cargo de Prefeito, Governador ou Presidente.