O Licenciamento Ambiental de cemitérios em atividade antes de abril de 2003 face ao direito real de uso de sepultura

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Apresenta-se análise do relevante conflito estabelecido entre a obrigatoriedade de licenciamento ambiental dos cemitérios anteriores a 2003, conforme exigência do CONAMA, em face do direito real de uso de sepultura nestes cemitérios.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca abordar aspectos conflitantes de dois temas que aparentemente não guardam relação, mas que se afetam profundamente e possuem relevante interesse público.

O licenciamento ambiental de cemitérios em funcionamento antes de abril de 2003 é tema extremamente controvertido, atraindo para si atenção de geólogos, biólogos, químicos, engenheiros, profissionais do direito, ciências sociais e vários outros, enquanto que o direito de uso da sepultura ou jus sepulchri, é presumidamente um direito essencial, exercido inequivocamente em situação de relevante interesse público, notadamente em cemitérios, muitos deles em funcionamento antes de abril de 2003.


2 LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O licenciamento ambiental é procedimento administrativo, pelo qual o poder público submete empreendedores que usem ou impactem de alguma forma recursos naturais, ao cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, assim como tolerar ações do próprio poder público.

A Resolução 237/97 do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 1º, I, estabelece o conceito de licenciamento ambiental: 

Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. 

Para Fiorillo (2011), o licenciamento ambiental “é o complexo de etapas que compõe o procedimento administrativo, o qual objetiva a concessão de licença ambiental.” Conclui ainda, que “é dividido em três fases: a) licença prévia (LP); b) licença de instalação (LI); e c) licença de funcionamento”. Nas palavras de Édis Milaré (2016), o licenciamento possui papel de extrema relevância e grande responsabilidade dos envolvidos: 

“o licenciamento constitui importante instrumento de gestão do ambiente, na medida em que, por meio dele, a Administração Pública busca exercer o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico”. 

Não há dúvidas que o processo de licenciamento ambiental possui grande complexidade, em especial quando se trata de cemitérios em funcionamento antes de abril de 2003. 


3 LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE CEMITÉRIOS 

A Administração, assim como grande parte da sociedade, não destina especial atenção aos empreendimentos deste setor, vendo-os na maioria das vezes como verdadeiro campo-santo, num prisma religioso e sagrado. Todavia, muito mais do que um lugar destinado a receber restos mortais para inumação, os cemitérios constituem relevantes empreendimentos, sejam públicos ou privados, administrados por prefeituras, empresas ou entidades religiosas e que notadamente guardam estreita relação com as questões ambientais, haja vista ser a terra sua maior matéria prima, responsável, na maioria das vezes por receber os despojos cadavéricos.

A fim de regulamentar o licenciamento ambiental deste setor, o CONAMA editou a Resolução 335/03, por meio da qual estabeleceu também diversos conceito, indispensáveis para melhor compreensão da norma e da atividade. Novas e substanciais alterações vieram no curso dos últimos anos, destacando-se para fins deste estudo, a Resolução 402/08, responsável por alterar o art. 11, que obrigou os órgãos licenciadores municipais e estaduais a estabelecerem até dezembro de 2010 os critérios necessários para adequação dos cemitérios já existentes em abril de 2003, período em que a resolução entrou em vigor.

A Constituição em seu art. 23, incisos VI e VII, fixou competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteção do meio ambiente, sendo que em seu parágrafo único estabeleceu que Lei Complementar disporá sobre a cooperação entre os entes da federação. No que concerne a matéria ambiental, a LC 140/11 fixou então normas regulamentares quanto à essa competência comum.

Neste sentido, a LC 140/11, em seu art. 9º, XIV fixou como competência dos municípios a realização de licenciamento ambiental das atividades e empreendimentos, aqui se encaixando a atividade de cemitérios. O licenciamento de deverá ser realizado pelos estados na hipótese de interesse publico além da municipalidade, impacto ambiental em dois ou mais municípios, se estiver localizado em área pertencente a dois municípios e também se o município não possuir o aparato necessário, assim como será realizado pela União caso o interesse abarque dois ou mais estados.

O art. 15 da Resolução 335/03 estabelece ainda o poder de sanção da Administração, que sem prejuízo das penalidades previstas na lei 9.605/98, poderá exigir “imediata reparação dos danos causados, bem como a mitigação dos riscos, desocupação, isolamento e/ou recuperação da área do empreendimento”.

Relevante questão é a relação do poder de sanção concedido à Administração no licenciamento de cemitérios com a imprevisível fixação de parâmetros para licenciamento. O Brasil possui 5.570 municípios e mais 27 estados, ou seja, o leque de possíveis parâmetros para licenciamento de cemitérios, cuja competência foi outorgada ao ente federado responsável pelo licenciamento, torna inseguro o ambiente jurídico dos empreendedores e pode afetar o cidadão que necessita fazer uso do direito de sepultura do qual for titular.

Diante destas questões, susceptíveis a estudos muito mais aprofundados, surge importante conflito, já que os serviços prestados por cemitérios são de caráter essencial, notadamente público, delegado muitas das vezes ao particular por meio de permissão ou concessão, visando prestar à população o indispensável serviço de inumação de restos mortais, susceptíveis de serem surpreendidos com restrições ao exercício deste essencial direito por conta das sansões aplicadas ao empreendedor pela Administração no curso do licenciamento ambiental.

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Faz parte da cultura dos cidadãos brasileiros a inumação num mesmo túmulo da maioria dos mortos de uma família, e se considerarmos que este cemitério, em atividade antes de abril de 2003, possa ser poluidor e, portanto, causador de impacto ambiental e sem condições de cumprir as diretrizes fixadas pelo licenciador, estaria, em tese, sujeito a paralisação de suas atividades. Caso isso ocorresse, estaria se impondo ao titular do direito de uso da sepultura restrição do exercício do essencial direito de inumar seus mortos juntamente dos demais familiares. Há que se buscar solução para este possível conflito.

Na lição de Hely Lopes Meireles (2006), a prestação de serviço público se dá pela Administração ou por alguém em seu lugar, tal como permissionários e concessionários de serviço público. A inumação de cadáveres é serviço cuja característica essencial é uma construção doutrinária bastante sólida. Não há dúvidas de que a não prestação de serviços de sepultamento pode causar incalculáveis danos. 


4 DIREITO DE USO DA SEPULTURA

A regulação existente no direito brasileiro mais adequada para tratar do direito de uso da sepultura está no que dispõe o Decreto Lei 271/67, que trata sobre a concessão de uso. Todavia, o jus sepulchri também carece de regulamentação capaz de solucionar conflitos advindos do seu uso em relação aos problemas oriundos de um processo de licenciamento ambiental.

Sendo o titular de uma sepultura detentor de direito real de uso, e, tendo adquirido esta condição anterior à Resolução CONAMA 335/03, não poderia sofrer restrição ao exercício do seu direito sob o argumento de ausência de licenciamento ambiental do cemitério ou descumprimento de algum dos parâmetros estabelecidos pela Administração.

Não há dúvidas que a edição de norma regulamentadora de licenciamento ambiental de cemitérios pelo CONAMA resulta do dever Constitucional do Estado de zelar pelo meio-ambiente, todavia, o direito de uso da sepultura, assim como a indispensável necessidade de se sepultar devem ser aspectos a considerar num processo extremamente complexo de licenciamento ambiental, como é o caso de cemitérios antigos. 


5 CONCLUSÃO 

A realização de estudos interdisciplinares para desenvolvimento de parâmetros alcançáveis é outro ponto importante, já que de nada adiantará a fixação de obrigações inexequíveis, especialmente se considerarmos que a maioria dos cemitérios no país são públicos, antigos e sujeitos a licenciamento, não podendo a Administração impor ao administrado que creme ou sepulte em outros cemitérios.

Frisa-se também que os órgãos licenciadores devem se preocupar com os aspectos sustentáveis, não somente ambiental, mas ter detida atenção às questões econômicas, de modo a não causar dano ao empreendedor, dificultando-o de prosseguir na atividade, realizando os investimentos necessários.

A busca permanente para que atividades deste setor, sejam elas geridas pelo público ou privado, estejam alinhadas às boas práticas ambientais é fundamental, mas é necessário que o direito do cidadão fazer uso ao direito de sepultura também não seja obstaculizado.

As questões aqui estabelecidas merecem especial cuidado, há aspectos conflitantes dos direitos ambiental, administrativo, penal, canônico e constitucional. Os órgãos ambientais não possuem a solução definitiva, daí a importância de se estabelecer amplo debate com todos setores da sociedade envolvidos, a fim de se encontrar proposta que privilegie o interesse público, sem causar prejuízos aos diretamente envolvidos, auxiliando assim numa harmonização de parâmetros de licenciamento ambiental perante os entes da federação.


REFERÊNCIAS

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. – 9. Ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014

ROMANO, Rogério Tadeu. O direito de uso do jazigo e o crime de violação de sepultura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5159, 16 ago. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/59763>. Acesso em: 4 set. 2018.

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Sobre o autor
Roberto Augusto Resende Magalhães Toledo

Roberto Augusto Resende Magalhães Toledo, advogado.Me formei em direito em 2008 pela Faculdade Pitágoras em Belo Horizonte, cursei pós-graduação em Direito e Processo Civil em 2009 pela ANAMAGES, Pós-graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas pela PUC-Minas e atualmente cursando Pós-Graduação em Direito de Empresa também pela Puc-Minas. Realizei outros cursos de menor duração. Advogo para empresas desde 2009, atuando em diversas áreas do direito, destacando-se direito contatual, consumidor, trabalhista, administrativo (regulações de serviço público), tributário (tributos municipais) e ambiental (licenciamento ambiental).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Sou advogado, presto consultoria para empresas responsáveis pela administração de cemitérios, convivendo diretamente com os dilemas tratados neste artigo.

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