UMA DISCUSSÃO SOBRE O CRIME DE PATROCÍNIO SIMULTÂNEO

09/09/2018 às 08:59
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE APLICAÇÃO DO CRIME DE PATROCÍNIO SIMULTÂNEO EM JULGAMENTO NO STJ.

UMA DISCUSSÃO SOBRE O CRIME DE PATROCÍNIO SIMULTÂNEO

Rogério Tadeu Romano

O site do STJ, de 6 de setembro do corrente ano, informou que a  Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso para restabelecer sentença que absolveu sumariamente um advogado acusado do crime de patrocínio simultâneo – quando o profissional defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.

O advogado atuou como procurador do município de Ferraz de Vasconcelos (SP) em processo de falência contra a empresa Incoval Válvulas Industriais Ltda., na condição de credor, e também, na mesma ação, como representante da empresa Jovi Empreendimentos Imobiliários, em ato jurídico de arrematação de imóvel da falida.

A sentença considerou que o município não é parte adversa da Jovi Empreendimentos na demanda judicial, por isso não se configurou o crime de patrocínio simultâneo, também chamado de tergiversação no Código Penal. Para o relator do recurso do advogado no STJ, ministro Sebastião Reis Júnior, foi correta a interpretação da primeira instância.

“Como o recorrente apenas apresentou proposta de arrematação de bem imóvel da massa falida em nome da empresa Jovi Empreendimentos Imobiliários, não se pode falar em conflito de interesses, porquanto tal providência, na realidade, favorece os credores da massa falida, entre eles o município de Ferraz de Vasconcelos; não visualizo, em momento algum, a atuação contra os interesses do município, que, repito, como parte credora, objetiva receber os valores devidos pela empresa falida”, fundamentou o ministro.

O relator destacou que somente a conduta de quem efetivamente representa, como advogado ou procurador judicial, na mesma lide, partes contrárias, encontra adequação típica na figura descrita no artigo 355, parágrafo único, do Código Penal.

A matéria foi objeto de discussão no REsp nº 1722255.

Diz o parágrafo único do artigo 355 do CP:

Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.

Trata-se de uma modalidade de patrocínio infiel prevista no Código anterior(artigo 209,II) e que constitui o tipo tradicional de prevaricação, configurado no direito penal italiano, como crime(artigo 361).

Duas são as modalidades previstas: patrocínio simultâneo e patrocínio sucessivo de partes contrárias, devendo se tratar de processo judicial e que o  pressuposto do ilícito  se trate de fato atinente à mesma causa. Na lição de Nelson Hungria(Comentários ao código penal, volume IX, 522), ´´ causa não deve ser interpretado em sentido demasiadamente restrito. Assim, se um indivíduo intenta, com fundamento na mesma relação jurídica ou formulando a mesma causa petendi em torno do mesmo fato, várias ações contra pessoas diversas, o seu advogado, em qualquer delas, não pode ser, ao mesmo tempo ou sucessivamente, advogado do algum réu em qualquer das outras, pois, no fundo, trata-se da mesma causa”. Assim é indiferente, pois, a unidade ou pluralidade de processos: uma ação penal e outra ação civil podem constituir a mesma causa.

Partes contrárias são pessoas com interesses antagônicos na mesma relação jurídica ainda que não constituam partes no processo. O acusado e o lesado no processo penal são partes contrárias.

Como ensinou Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, volume III, 5ª edição, pág. 554), na forma de patrocínio simultâneo, o agente de forma contemporânea defende interesses opostos(por si, ou através de terceiros, que serão os coautores). No patrocínio sucessivo(tergiversação), o agente passa de um lado para o outro, assumindo o patrocínio da parte adversária. Mas se houver o consentimento válido a antijuridicidade se exclui. Sem dúvida há crime se um procurador federal ajuíza ação de cobrança, na defesa da União, e, após, contesta a ação como advogado do  réu. Não se considerou haver tergiversação na conduta de advogados que, tendo atuado em separação consensual, de há muito concluída, passam a cuidar de interesses do devedor, em questão de alimentos, o que não constituiria dois momentos da mesma causa(RJDTACRIM 12/178; RT 700/329). Ainda não se exige que seja a defesa simultânea ou sucessiva de “partes” contrárias. Entendeu-se que está descaracterizado o crime na hipótese de advogado que funciona em autos de separação consensual como defensor de ambas as partes, e, posteriormente, assume o interesse particular de uma delas contra a outra, em ação diversa(RJDTACRIM 23/439). Considerou-se que cumprido o mandato judicial recebido do cliente e liberado, portanto, o advogado de qualquer outro compromisso com ele, não pratica o crime em tela por lhe mover, posteriormente, ação de execução(RT 495/315).

O crime é formal, ao contrário da forma prevista no caput do artigo 355 do Código Penal, e se consuma quando o agente pratica qualquer ato processual relativo ao patrocínio simultâneo ou sucessivo, de partes contrárias, não bastando o simples fato de receber mandato, não se exigindo a superveniência de qualquer outro resultado.

O tipo subjetivo é o dolo genérico, que consiste na vontade consciente de patrocinar simultânea ou sucessivamente interesses contrários na mesma causa, sendo o fim de agir ou motivo irrelevante.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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