Considerações sobre o Direito Regulador na ótica de Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

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Capítulo V – A FUNÇÃO REGULADORA

1. Conceito de função reguladora

O autor explica que à atividade dos subsistemas de harmonização é que se denomina de função reguladora, uma expressão que, não obstante o étimo, que a aproxima da voz vernácula regra, é, na verdade, um híbrido de atribuições de variada natureza: informativas, planejadoras, fiscalizadoras e negociadoras, mas, também, normativas, ordinatórias, gerenciais, arbitradoras e sancionadoras.

No que toca às funções administrativas, elas serão exercidas em qualquer dos campos da administração pública, tanto no campo da polícia administrativa, quanto, quanto no dos serviços públicos, no do ordenamento econômico ou no do ordenamento social, inclusive no do fomento público, envolvendo, materialmente, desde atividades de planejamento às de gestão.

Quanto às funções normativas, além da modalidade tradicional da regulamentação secundária, que produz efeitos introversos, como característica dos órgãos administrativos, segundo o autor, existem aquelas tipicamente regulatórias, que se caracterizam por seus efeitos extroversos sobre as matérias deslegalizadas e na estreita medida em que o tenham sido.

E, por fim, quanto às funções judicantes, elas podem ser exercidas sob diferentes modalidades, todas com características não jurisdicionais, como o são as atividades de conciliação, de mediação e até de arbitramento de interesses em conflito.

O autor ressalta ainda que a crescente importância dos instrumentos consensuais na governança moderna vem alicerçada em sólidas premissas: aprimorar a governabilidade pelo incremento da eficiência; reduzir o abuso de poder pela ampliação do controle da legalidade; facilitar a aceitação da decisão pela participação legitimatória; melhorar o atendimento dos interesses envolvidos, aperfeiçoando a licitude; elevar o senso de responsabilidade dos administrados sobre a res publica, resultando no aperfeiçoamento do civismo, e garantir maior aceitabilidade social, do que resulta incremento na ordem.

Finalmente, segundo o autor, abre-se este campo, da atuação reguladora, em que, não existindo um interesse público específico legalmente predefinido, todos os interesses em conflito ou potencialmente conflitivos admitem ser legitimamente ponderados e até negociados, o que patenteia a existência de uma ampla disponibilidade relativa para o exercício judicativo extrajudicial da função reguladora, não só pela conciliação e pela mediação, que são sempre possíveis, como pela via do arbitramento.

2. Normas reguladoras

O autor explica que no Direito, as normas reguladoras surgem como espécies normativas sui generis distintas das normas legais tradicionais, empregadas no Direito Administrativo. A primeira distinção está na destinação: as normas reguladoras não são preceptivas de conduta, mas preceptivas de resultados, a serem atingidos com eficiência, equilibrando, continuamente e do melhor modo interesses e valores em concorrência, que se embatem em setores críticos das relações interprivadas, assim definidos e destacados por lei.

O autor recorda, neste contexto, a importância do elemento pragmático da eficiência, um princípio sem o qual nenhuma função reguladora tem sentido, daí que, mais do que um critério de justificação dessa função, se constitui um elemento da própria essência da regulação, tanto como função quanto como norma, o que decorre de suas peculiaridades técnicas que as distinguem das normas legais.

Para o autor, as normas reguladoras são opções administrativas, abstratas (da mesma forma que as normas legais), embora formuladas com maior densidade técnica, visando à incidência sobre específicas relações interprivadas críticas que foram previamente que foram previamente deslegalizadas, voltadas, assim, não mais a aplicar uma regra legislativa predefinida, mas a equilibrar interesses e valores em concorrência, através de uma nova regra a ser administrativamente definida pelo método da ponderação.

3. A competência normativa na função da regulação

O autor assevera que está na atribuição de uma competência normativa reguladora a chave para operar em setores e matérias em que devem prevalecer as escolhas técnicas, distanciadas e isoladas das disputas partidárias e dos complexos debates congressuais, pois essas, distintamente, são métodos mais apropriados às escolhas político-administrativas, que deverão, por sua vez, se prolongar em novas escolhas administrativas, sejam elas concretas ou abstratas, para orientar a ação executiva dos órgãos burocráticos da Administração direta.

Para este, somente com o correr do tempo e a crescente complexificação da convivência social veio o reconhecimento da necessidade de se fazer essa distinção, até mesmo para evitar o grave inconveniente de cristalizarem-se na lei inúmeras decisões técnicas, tornando-as rapidamente obsoletas, desenvolvendo-se, por isso, como opção, as variedades de delegações legislativas.

Essa expansão das formas e dos limites da delegação acaba sendo um dos grandes temas do Direito Político e marca uma evolução que se confunde com a própria modernização das funções dos Estados contemporâneos.

4. Tipologia da delegação normativa

O autor explica que a delegação receptícia consiste na transferência da função legislativa ao Poder Executivo para produzir normas com força de lei, adstrita a um quadro delimitado e a um tempo determinado, fixados no ato da delegação. O Direito Constitucional brasileiro acolheu esta técnica do art. 59, IV, c/c art. 68, que trata das leis delegadas, prevendo suas condicionantes formais e materiais, e, no art. 49, V, submetendo-as a um controle político do Congresso em caso de exorbitância dos limites da delegação, o chamado veto legislativo.

Segundo o autor, a delegação remissiva, ou simplesmente remissão consiste na remessa, pela lei, a uma normatividade ulterior, que deverá ser elaborada pela Administração, sem força de lei, igualmente dentro do quadro substantivo emoldurado pela própria lei remetente.

Esta instituição, segundo o autor, é a mais antiga no Direito Constitucional brasileiro e corresponde ao poder regulamentar, atribuído tradicionalmente e privativamente ao chefe do Poder Executivo para expedir regulamentos, visando à fiel execução das leis, tal como hoje se encontra no elenco das competências do Presidente da República, no art. 84, IV, da Constituição de 1988.

Outra técnica de delegação, segundo o autor, vem a ser a desleglização, oriunda do conceito desenvolvido na doutrina francesa da délégation de matières, adotado na jurisprudência do Conselho de Estado, em dezembro de 1907, a que comentários de Maurice Hauriou, deram destaque e notoriedade, a qual, modificando postura tradicional, no sentido de que o titular de um determinado poder não tem dele a disposição, mas tão-somente o exercício, passou a aceitar, como fundamento da delegação, a retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei passando-as ao domínio do regulamento.

5. Deslegalização e seus tipos

O autor explica que a deslegalização apresenta-se com maior ou menor amplitude nos ordenamentos jurídicos contemporâneos. A lei, como conceito iluminista-racionalista, enquanto produto do Estado formalmente manifestado pelos órgãos legislativos constitucionais, parece ter atingido eu zênite como instrumento regrador de condutas sociais.

O pluralismo, ao multiplicar os centros de poder na sociedade a torna policrática fez despontar novas fontes normativas autônomas e semi-autônomas que atuam com vantagem como sucedâneas da norma legal.

No entanto, o autor ensina que quanto mais numerosas as leis, mais freqüente é a busca de saídas de subterfúgios para descumpri-las. Em suma, a hipertrofia normológica torna a sociedade, paradoxalmente, mais confusa e insegura, justificando-se a moderna resposta de um modelo de deslegalização que, como o empregado na regulação, aproxima a regra jurídica dos setores que dela necessitam, subtraindo-os aos olímpicos comandos de leis formalmente postas pelo Estado através de seus órgãos legislativos.

Por fim, recorda o autor que a deslegalização tanto pode ocorrer pela exclusão legal de um comportamento a qualquer tipo de regra, quanto pela substituição do referencial normativo, indicando uma nova fonte regradora, mas sempre com vistas à maior efetividade da norma.

Diante destas considerações, o autor deduz que a natureza da norma reguladora, por resultar de uma deslegalização, é a de uma norma de auto-regulação dirigida, ou seja, obedece a princípios e a Standards, de resto já conhecidos, por serem de longa data de corrente emprego no ordenamento jurídico econômico e social.


Capítulo VI – A FUNÇÃO DE REGULAÇÃO COMO MODALIDADE DE INTERVENÇÃO ESTATAL

1. Intervenção estatal

Segundo o autor, as intervenções estatais, embora apresentem inúmeras variedades doutrinárias, podem ser classificadas em quatro tipos quanto a seu conteúdo: a regulatória, a concorrencial, a monopolista e a sancionatória, não considerada como modalidade de intervenção o fomento público, que não tem natureza impositiva. Assim é que:

a) a intervenção regulatória se caracteriza pela imposição, por norma legal, de prescrições positivas e negativas sobre o desempenho de atividades econômicas ou sociais privadas, visando a prevalência de interesses públicos específicos legalmente definidos;

b) a intervenção concorrencial caracteriza-se pela imposição, por norma legal, da presença do Estado como empresário, em regime de competição em condições igualitárias ou privilegiais com os agentes privados, no desempenho de atividades econômicas ou sociais, visando à prevalência de interesses públicos específicos legalmente definidos;

c) a intervenção monopolista caracteriza-se pela imposição, por norma legal, da presença do Estado como empresário, afastando a competição dos agentes privados, no desempenho de atividades econômicas ou sociais, visando à prevalência de interesses públicos legalmente definidos;

d) a intervenção sancionatória caracteriza-se pela imposição, por norma legal, de sanções estatais punitivas, pelo Estado aos agentes privados, que desempenham determinadas atividades econômicas e sociais com transgressão das normas predefinidoras dos interesses públicos específicos, legalmente definidos em seus respectivos setores.

Diferentemente do quatro tipos tradicionais de intervenções estatais ditas fortes, caracterizados pela imposição à outrance, de um interesse específico predefinido pelo Estado como público, essa nova técnica da intervenção reguladora surge como uma modalidade interventiva leve, que se realiza pela imposição administrativa ao conflito, seja latente ou deflagrado, de decisões pragmáticas e ponderadas, nas quais são motivadamente considerados todos os interesses em jogo, o que inclui, por certo, os interesses públicos.

2. Regulamentação e regulação

O autor, neste tópico faz uma distinção entre regulamentação interventiva e regulação interventiva, opondo-se o antigo conceito de regulamentação ao novo de regulação:

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a) regulamentação – é uma função política, no exercício de uma prerrogativa do poder político de impor regras secundárias, em complemento às normas legais, com o objetivo de explicitá-las e de dar-lhes execução, sem que possa definir quaisquer interesses públicos específicos, nem, tampouco, criar, modificar ou extinguir direito subjetivos. É uma atribuição de estreitíssima previsão constitucional, por isso mesmo, geralmente cometida s chefes de estado ou de governo

b) regulação – é uma função administrativa, que não decorre assim, do exercício de uma prerrogativa do poder político, mas, muito pelo contrário, decorre da abertura, pela lei, de um espaço decisório reservado a uma ponderação politicamente neutra de interesses concorrentes em conflitos setoriais, potenciais ou efetivos.

Em sentido forma, as decisões reguladoras setoriais, tomadas no exercício dessa ponderação politicamente neutra de interesses concorrentes, devem obedecer ao devido processo legal, sempre informado por ampla investigação dos fatos e plena visibilidade (transparência), no qual todos os aspectos os aspectos conflitivos deverão ser amplamente equacionados e motivadamente considerados, preferentemente co aberta participação de todos os interessados.

3. Precedentes históricos da regulação como função pública

O autor explica que as exposições passadas apontam alguns exemplos históricos pioneiros da regulação enquanto função pública na criação de uma agência britânica para o setor de ferrocarris, pelo Regulation of Railways Act, de 1873, mas com mais destaque, são as referências à importante instituição norte-americana federal reguladora dos serviços interestauduais de transporte ferroviário, a Interstate Commerce Commission, em 1887, embora o exemplo pioneiro tenha sido o instituído para a navegação fluvial a vapor, nos Estados Unidos, pelo Steamboat Inspection Service, em 1837.

O foi o êxito na conciliação de tradições e de métodos de composição de conflitos setoriais que, segundo jurista em tela, fez dos Estados Unidos uma obrigatória fonte de referência histórica, doutrinária e jurisprudencial do instituto da regulação.

Por fim, o autor destaca que autores como G. Giraudi e M. S. Righetini acentuam uma diferença cultural importante, observando a origem dos órgãos reguladores independentes anglo-saxões, não encontrada nos modelos europeus e, tampouco, nos latino-americanos, que está no fato de nas culturas anglo-saxônicas, as funções surgem da iniciativa dos próprios agentes dos setores regulados, ao passo que, nas culturas jurídicas de herança continental européia, a iniciativa é do próprio Estado.

4. A função pública de solução de falhas econômicas e sociais

O autor afirma que se explica e se justifica a regulação que incide sobre setores da economia como o mecanismo governamental que assegura a eficiência econômica onde as forças do mercado não podem fazê-lo e onde se produzem distorções em relação ao modelo ideal de competição perfeita, a saber: o monopólio, a concorrência excessiva, a concorrência imperfeita e as externalidades.

Logo que se verificou que falhas econômicas produziam, por seu turno, falhas sociais, e vice-versa, o que levou a estender-se a aplicação dos métodos interventivos regulatórios a outras relações interprivadas também consideradas sensíveis pelos legisladores, como as da saúde, da educação, da seguridade social, do ambiente, e em vários outros setores, sempre que as disfunções da ordem espontânea os convencessem das vantagens de aplicá-los.

Na seqüência de sua exposição, o autor explica que uma vez que o método da intervenção administrativa reguladora tenha sido opção de um determinado País, como alternativa preferencial para a superação de conflitos, em setores e nas hipóteses rigorosamente especificadas em lei, ela proporcionará sobreposse duas ordens de resultados benéficos, na ordem micropolítica e na ordem macropolítica.

O autor destaca também que entre as falhas metódicas, que podem ser beneficialmente corrigidas pela introdução da regulação, destacam-se as seguintes:

a) a politização das decisões setoriais;

b) a excessiva formalização da democracia;

c) a pouca eficiência das prestações públicas;

d) a também pouca eficiência das proteções públicas (ou seja, o déficit na garantia administrativa dos direitos fundamentais nas relações interindividuais).

O que se pretende deixar evidenciado, nas palavras do autor, é que as soluções trazidas pela regulação enquanto função administrativa complexa, na qual concorrem várias atribuições com o mesmo escopo em um único órgão, por isso mesmo considerada como um solução original do Direito Público contemporâneo, atendem pontualmente a cada uma dessas falhas, a saber:

a) a politização das decisões setoriais se supera com a previsão de decisões politicamente neutras, abrindo-se um espaço desvinculado do partidarismo, dos embates eleitorais e da sutil corrupção política;

b) a excessiva formalização da democracia se corrige com a ampliação da democracia substancial, ampliando a visibilidade (transparência) e a participação;

c) a pouca eficiência das prestações públicas se sana pela setorialização e pela especialização da atuação oficial, na linha clássica da divisão do trabalho; e

d) a igualmente pouca eficiência das proteções públicas (ou seja, o déficit de garantia administrativa dos direitos fundamentais nas relações interindividuais) se conserta com a instituição de um sistema de intervenções de garantia nos chamados setores sensíveis, notadamente na composição extra-judicial dos conflitos setoriais, conformando como que uma primeira linha de frente na proteção de direitos, antes do apelo ao recurso extremo do Judiciário, concorrendo para desafogá-lo e permitindo que seja mais célere e se dedique, com a devida atenção que merecem, às grande questões jurídicas que ficarão pendentes.

5. A função de fomento público da regulação

O autor afirma que a função de fomento exercida pela regulação é uma conseqüência que se pode esperar da substituição das intervenções fortes (concorrencial e monopolista), características dos modelos políticos estatizantes, o que já patenteia um efetivo interesse público na abertura de novas oportunidades econômicas para a iniciativa privada.

E ainda, frisa que é o isolamento técnico dos setores sujeitos por lei à regulação que retira ou, elo menos, minimiza a influência política do Poder Executivo, assegurando a estabilidade das regras, que atrai o investimento de risco.

Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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