Capítulo VII – OS ENTES REGULADORES
1. A descentralização setorial
O autor explica que o tipo de descentralização que produz órgãos reguladores independentes é um fenômeno novo, que se insere nos processos de reforma administrativa empreendidos em vários países, especificamente no que se tem denominado de reordenamento da Administração por setores orgânicos, encontrando-se enriquecida com densos estudos técnicos já produzidos.
Neste sentido, a transformação das estruturas administrativas hierarquizadas e piramidais em estruturas em rede, acompanha a evolução da própria sociedade, ao passar das tradicionais formas estamentais e hierarquizadas, monoclasses ou biclasses, às modernas conformações mutáveis e flexíveis, pluriclasses, de modo que estas só podem ser concebidas em função da cambiante multi-configuração de interesses e de papéis hoje desempenhados pelas pessoas.
Em suma o autor explica que não apenas a função reguladora, é uma inovação no Direito Público contemporâneo, como também o são os órgãos desenvolvidos para exercê-la: os genérica e indiferentemente denominados de entes, autoridades ou agências administrativas reguladoras independentes, ou como denominação similar que se lhes dê nos vários sistemas em que são adotados.
2. Aspectos questionados dos órgãos reguladores
O autor explica, em síntese, que quatro são os aspectos mais polêmicos suscitados quanto a esses entes reguladores, que, em razão de suas peculiaridades fortemente inovativas no Direito Público e de sua franca proliferação em todos os sistemas jurídicos nos últimos trinta anos, concentradamente nas décadas finais do século passado, são aproximadamente os mesmos e neles similarmente tratados: sua natureza jurídica, sua compatibilidade com a concepção radical e positivista da separação de Poderes, sua legitimidade nas democracias e a, assim denominada, independência.
3. A questão da natureza jurídica dos órgãos reguladores
O autor destaca que a primeira questão toca o próprio enquadramento juspolítico dos entes reguladores: ou como órgãos do Estado ou como órgãos da sociedade.
Embora exista uma impressionante diversidade de modelos em todo o mundo, que vão desde as entidades privadas reguladoras, passando pelo modelo híbrido dos Quangos britânicos, até o regime público administrativo prevalecente da Europa continental, que também é o de nosso país, o autor explica que a tendência parece ser a de instituir esses entes estatais com as características reconhecidas às autarquias tradicionais, diferenciadas por um certo reforço de sua autonomia para bem exercerem as peculiaridades da função administrativa regulatória, um fato que as mantém no âmbito científico tradicional do Direito Administrativo.
4. A questão da separação dos poderes
O autor explicita que o hibridismo das atribuições concentradas setorialmente, de natureza normativa, administrativa e judicativa, todas absolutamente necessárias ao exercício da função de regulação setorial econômica e social, tal como até aqui exposto, encontrou, nos países que a adotaram, ao instituírem seus respectivos órgãos reguladores, o questionamento de sua compatibilidade com o princípio da separação de poderes.
Neste sentido, o autor afirma que a descentralização administrativa setorial, de natureza não-política, despertou receios de que a acumulação de diferentes funções nos órgãos reguladores violasse a sacralidade do princípio. Primeiro, porque o entendimento dessa doutrina não pode deixar de ser histórico, ou seja, consoante com circunstâncias políticas de cada Estado e em cada época, uma vez que o que nela se sustenta é, fundamentalmente, a necessidade de descentralizar o exercício do poder estatal, diluindo-o entre órgãos ou conjunto de órgãos independentes entre si. Segundo, porque se evidencia que o núcleo de validade do princípio concentra-se, em última análise, no processo de separação de funções.
Por fim, o autor conclui dizendo ser afirmativa quanto à perfeita compatibilidade da função reguladora e dos órgãos que a desempenham autonomamente com o conteúdo permanente reconhecido do princípio da separação de poderes, ainda porque sob este enfoque científico, em acréscimo, esses institutos podem e devem ser considerados como uma nova e criativa manifestação contemporânea aperfeiçoada do clássico princípio.
5. A questão da legitimidade
O autor ensina que se costuma criticar o fato de que estão sendo criadas entidades sui generis que exercerão uma variedade de poder normativo estatal, ínsito no conceito de regulação, sem a investidura política democrática que a tanto as intitule.
Para ele, existe novamente um erro de apreciação relativamente simples: as agências reguladoras independentes são entes dotados de funções administrativas e não de funções políticas, o que as caracterizam como órgãos administrativos e não como órgãos políticos, de modo que as atribuições normativas que lhes são cometidas, contidas na função reguladora, embora sejam materialmente normativas, são, como já se expôs, de espécie distinta da função legislativa, esta sim, uma função política, ainda porque a função reguladora não se destina a produzir normas legais, mas meras normas reguladoras.
O autor explica que a unidade das duas funções no mesmo órgão apresentou historicamente o inconveniente de criar executivos imperiais e hegemônicos, ao passo que a duplicidade de órgãos para desempenhar as duas funções em separado tem concorrido em benefício da sociedade e das liberdades públicas, porque permite um corte definidor preciso de dois planos de legitimação:
a) o plano da legitimação política – que se atinge pela representação democrática e pela eficiência política;
b) o plano da legitimação administrativa – que se atinge pela participação democrática e pela eficiência técnica;
Com efeito, para o autor, a idéia de processo como instrumento de legitimação na Filosofia moderna, especialmente na ética política, fruto da racionalidade argumentativa, tem merecido a atenção dos mais conspícuos pensadores do Direito contemporâneo.
O autor finaliza este tópico observado que parece residir na experiência da regulação um dos mais nítidos prenúncios da passagem juspolítica de uma democracia da representação para uma democracia da eficiência.
6. A questão da independência
O autor destaca que a discussão sobre a independência dos órgãos reguladores, suscita dois importantes aspectos: o do alcance do que deva ser a autonomia e o sentido de sua imparcialidade.
a) autonomia – embora se deva reconhecer que se trata de um conceito polissêmico, como tantos outros no Direito, parece suficiente lembrar que, no caso das agências reguladoras, além das tradicionais características autônomas de que gozam as autarquias, em geral, há essa outra e com nova dimensão de autodeterminação que resulta da abertura, pela lei, de um espaço decisório deslegalizado em seus respectivos setores de atuação.
b) imparcialidade – ela deve ser considerada como a própria finalidade de se lhes outorgar essa autonomia qualificada aos órgãos reguladores, pois tal característica será imprescindível para que os agentes reguladores cheguem à definição do interesse geral, que devem retirar dos fatos e fazer prevalecer, sopesando, balanceando, ponderando todos os interesses em jogo, inclusive interesses públicos genéricos, sem considerá-los subjetivamente, ou seja, em função das pessoas que os deduzam ou defendam, uma vez que a lei deslegalizadora não contém, por conceito, qualquer predefinição de interesses públicos específicos interferentes sobre a matéria da regulação.
O autor frisa ainda que como a seleção técnica é incompatível com o emprego dos institutos eleitorais disponíveis, próprios para a seleção política, como exemplificativamente ocorre com a investidura de magistrados, é fundamental que essa nova e especial legitimidade dos dirigentes das agências reguladoras deva se fundamentar nas premissas da democracia substancial, ou seja: não mais pela legitimidade corrente, permanentemente aferida na eficiência de seu desempenho, inclusive através dos mecanismos da participação democrática.
Por fim o autor sistematiza o conhecimento da questão afirmando que quanto à independência, necessária para que se garanta o exercício politicamente neutro exigido pela função de regulação, deve ser entendida com um conteúdo restrito a quatro processos: a independência dos gestores, a técnica, a normativa e a gerencial, orçamentária e financeira.
Capítulo VIII – A REGULAÇÃO NO BRASIL
1. Método e princípios básicos
Neste tópico o autor destaca que existe uma diversificada gama de modelo de funções e de órgãos reguladores no mundo e também no Brasil. Não obstante, é possível destacar, um rol consistente de características essenciais que possa servir de padrão a partir do qual se poderá avaliar a eficiência operativa hipotética de órgãos destinados ao exercício de funções de regulação.
O autor explica que se aplicam à regulação no Brasil, uma série de princípios básicos da regulação, entre eles:
1 – Competência regulatória (a partir da deslegalização e da adoção de funções híbridas);
2 – Independência regulatória (a funcional, a dos agentes e a financeira);
3 – Participação regulatória (pela publicidade e pela processualidade aberta).
Explicitando os princípios acima expostos, o autor frisa que a competência regulatória é a que se definirá no elenco de hipóteses de aplicação a partir do âmbito de deslegalização de matérias operado pelo legislador, envolvendo fundamentalmente as funções híbridas a serem executadas: de criar a norma reguladora, a de aplicá-las administrativamente e de dirimir administrativamente os conflitos por ela suscitados. A independência regulatória apresenta-se sob tríplice aspecto: a funcional, que se caracteriza pela inoponibilidade de recursos hierquicos impróprios às decisões, a dos agentes, que se afirma pela garantia de seus mandatos, e a financeira, que se logra pelo gerenciamento de recursos próprios. A participação regulatória se realiza pela garantia de publicidade, portanto, de plena visibilidade dos atos e dos processos de regulação; pela garantia de plena abertura processual aos administrados e pela possibilidade ou obrigatoriedade legal de tomar decisões com a participação dos administrados.
2. Os limites constitucionais à deslegalização de matérias
O autor assevera que as normas reservam à lei a disposição de determinadas matérias, uma vez que tão somente o Poder Legislativo é detentor de legitimidade para tratar de tão variados interesses públicos específicos quanto sobre direitos e obrigações dos administrados.
O legislador constitucional houve por bem limitar a disposição de legislar do Congresso Nacional quanto à opção de deslegalizar matérias, do mesmo modo que também o limitou quanto à opção de deixar de legislar, sempre que a falta de norma legal inviabilize o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogtivas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Assim, para o autor, no tocante à deslegalização, ficou vedada, excepcionalmente, ao Congresso Nacional, sempre que o Texto Magno reforçasse uma reserva legal genérica, com a expressão de uma reserva legal estrita ou, em melhores termos, de uma reserva legislativa específica.
Isto explica porque a deslegalização teve que ser constitucionalmente disposta para aqueles dois setores econômicos, já que não lhes bastaria a simples disposição legislativa ordinária.
O autor explica ainda que a Constituição de 1988 dispõe expressamente que são vedadas a deslegalização de determinadas matérias. A este fenômeno denomina reserva legal estrita, que também pode ser chamada de reserva legislativa específica. Podemos citar como exemplo destas vedações: art. 5º, VI da C.F.: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; art. 5º, XIII da C.F.: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; Art. 17, § 3º da C.F.: Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.
Da mesma forma, são também insusceptíveis de deslegalização, segundo o autor, matérias reservadas às Leis Complementares, Medidas Provisórias em que não houver urgência e relevância e as que devem ser legisladas a nível de normas com conteúdo geral. Ex.: art. 24, §§ 1º e 2º da Constituição Federal.
Na seqüência de sua exposição o autor destaca ainda que as Emendas Constitucionais que versaram sobre a quebra no monopólio das comunicações e do petróleo criaram espaço para a deslegalização constitucional das agências reguladoras.
3. Condições de aplicação da norma reguladora – a legitimação pelo devido processo da lei – a essencialidade da participação na regulação.
Neste tópico o autor destaca que mesmo que a deslegalização haja obedecido regorosamente a todas as condicionantes constitucionais para a sua validade, ainda assim a sua aplicação se sujeitará também a outros condicionamentos constitucionais, que limitam a função regulatória no desenvolver do processo legal destinado a formalizar uma decisão do Poder Público, para que possa legitimamente incidir seja sobre o status libertatis, seja sobre os direitos de propriedade das pessoas, o que vem a ser uma garantia principiológica fundamental enfaticamente expressa no art. 5º, LIV da Constituição.
O autor destaca que o que aqui se interessa é que a atividade administrativa abstrata reguladora, essa mais recente modalidade de função exercida pelo Poder Público, do mesmo modo que a atividade administrativa concreta, uma vez que ela poderá alcançar em abstrato a liberdade e a propriedade das pessoas, pelo mesmo princípio do Estado Democrático de Direito, também só se legitimará com a observância do devido processo legal.
Assim, segundo o autor, a norma reguladora, no sistema constitucional brasileiro, do mesmo modo que nos sistemas comparados, não compartilha da natureza de norma legal, nem, tampouco, da norma regulamentar, pois se trata de um terceiro gênero de ação normativa, que, distintamente daquelas formas impositivas puras, visa, antes de tudo, e preferentemente, à harmonização consensual dos interesses e ao equilíbrio das relações intersetoriais.
Enquanto a legitimidade dos regulamentos se presume pela investidura política dos Chefes de Poder Executivo, que os editam com autonomia política, o mesmo não ocorre com as normas reguladoras, cuja legitimidade não se funda na investidura dos agentes do órgão regulador, pois que estes são investidos administrativamente e gozam apenas de independência administrativa funcional, mas decorre tão-somente da satisfação do devido processo da lei.
Em suma o autor afirma que é através da participação, como requisito inarredável da democracia material, que se satisfaz a condição de legitimidade indispensável aos processos de produção e de aplicação de normas deslegalizadas, uma vez que, ocorrida a deslegalização, aquela condição já não mais poderá ser satisfeita pela legitimação representativa, própria da democracia indireta.
O autor explicita ainda que a técnica da regulação marca ainda o atingimento desse novo estádio evolutivo do Direito Administrativo, que bem pode ser batizado de era da motivação, resultante, de certo modo, da direta inspiração trazida por esses e outros avanços metodológicos e, particularmente, os levantados pela teoria da argumentação.
4. A criação das agências reguladoras no Brasil
O autor explicita que no Brasil, do mesmo modo que nos países que nos antecederam na adoção da regulação, a constatação do fracasso dos modelos político-econômicos estatizantes, que dominaram o século XX, e do sinistro legado da exclusão econômica de países e de populações que deixaram no mundo, foi a motivação suficiente para reentronizar a plena participação da sociedade nas atividades econômicas e para seguir um modelo de intervenção estatal leve, perfeitamente caracterizado pelos princípios já expostos em linhas passadas.
Neste contexto, segundo a explanação do autor, foram criadas as seguintes agências reguladoras, em ordem cronológica:
1 – ANEEL, criada pela Lei 9.427/1996;
2 – ANATEL, criada pela Lei 9.427/1996;
3 – ANVISA, criada pela Lei 9.782/1999;
4 – ANS, criada pela Lei 9.961/2000;
5 – ANTT, criada pela Lei 10.223/2001; e
6 – ANTAQ, criada pela Lei 10.223/2001.
5. Análise das características das agências reguladoras brasileiras
Neste tópico o autor considera os três princípios (da competência regulatória, da independência regulatória e da participação regulatória) como fundamentais ao instituto da regulação, os quais se desdobram em dez características das agências reguladoras acima listadas.
6. O CONTROLE DA REGULAÇÃO NO BRASIL
O autor, em síntese explica que a regulação, em todo o seu espectro, desde a deslegalização à aplicação concreta da norma regulatória se submete a vários sistemas de fiscalização, de provocação e de correção. O controle político é feito pelo Congresso (Assembléias Legislativas ou Câmaras Municipais) e pelo Presidente da República (Governador ou Prefeito); o controle jurídico se realiza com o caráter de universalidade que se garante no art. 5º, XXXV da Constituição; O controle financeiro-orçamentário se exerce plenamente sobre as agências e seus agentes, na forma do art. 70, caput e de seus parágrafo único, vedando-se aos Tribunais e Conselhos de Contas apreciarem o mérito dos atos regulatórios praticados nos limites da matéria deslegalizada que lhes foi afeta; o controle administrativo é instituto novo, que emerge da necessidade sentida de coordenar as atividades regulatórias das diversas agências quando atuem em setores tão próximos que possam suscitar conflitos de competência; o controle social assume papel de grande relevância na regulação pois este instituto tem vocação para o atendimento imediato dos administrados no âmbito de seus respectivos setores.
Capítulo IX – CONCLUSÕES E PROSPECTIVAS
O autor conclui toda sua exposição neste livro afirmando que a regulação, não obstante a modernidade e o ganho de legitimidade, é um instituto que vem se firmando, se desenvolvendo, sendo impossível ainda avaliar suas reais qualidades, em termos de eficiência, o que só o tempo revelará.
O autor explica que a regulação é uma realidade praticamente irreversível que possui abrangência em todas as partes do globo, apesar da perplexidade observada nos países europeus, como é o caso do Brasil.
Por fim, o autor os impõe à reflexão que: está-se, sem dúvida, diante de um impulso modernizante das instituições de governo e quem quer que tema a modernidade poderá estar se condenando à obsolência; mas, maior cautela, porém, há de se ter com os que, embora com acrescidas responsabilidades, quando sucumbem ao cultivo da neofobia não só se condenam a si próprios à mediocridade, como arrastam os que a eles buscam como fonte de conhecimento.