O presente artigo jurídico tem como objetivo expor brevemente sobre algumas interpretações e entendimentos jurisprudenciais referentes ao crime de posse ilegal de arma de fogo e/ou munições de uso permitido (art. 12, caput, da lei n.º 10.826/03), no sentido de tratarem-se de perigo abstrato / mera conduta, nos quais é irrelevante a comprovação do efetivo potencial lesivo dos referidos instrumentos.
Uma das principais linhas de Defesa utilizadas pelos melhores advogados criminalistas, nos casos envolvendo o crime previsto no art. 12, caput, da lei n.º 10.826/03, é referente à arguição de ausência de comprovação cabal de materialidade delitiva, perante a inexistência de laudo balístico ou de mecanismo/funcionamento da arma de fogo e/ou munições apreendidas no feito, especialmente quanto ao efetivo potencial lesivo dos referidos instrumentos.
Entretanto, nestas hipóteses, não há o que se falar em eventual absolvição por insuficiência de provas de materialidade delitiva, especialmente considerando a comprovação desta prova por meio do auto de apreensão e apresentação constante nos autos de inquérito policial, o qual atesta características da arma de fogo e/ou munições apreendidas em posse do Réu.
Além disso, o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14, caput, da lei nº. 10.826/03), assim como o crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12, caput, da lei n.º 10.826/03), são de perigo abstrato ou de mera conduta, visando proteger a segurança pública e paz social, sendo irrelevante a comprovação do efetivo potencial lesivo da arma, uma vez que os delitos se configuram com o simples porte/posse em desacordo com a lei. Nesse sentido, segue a jurisprudência, inclusive do STJ:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 14 DA LEI N. 10.826/03. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido tipificado no art. 14 da Lei n. 10.826/03 é de perigo abstrato ou de mera conduta, e visa proteger a segurança pública e paz social. Sendo assim, é irrelevante a comprovação do efetivo potencial lesivo da arma, uma vez que o delito se configura com o simples porte em desacordo com a legislação (precedentes). Agravo regimental desprovido. (Processo: STJ - AgRg no REsp 1423792 MG 2013/0403236-0, Orgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, Publicação: 12/03/2015, Julgamento: 3 de Março de 2015, Relator: Ministro FELIX FISCHER)
APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO (ART. 16, CAPUT, DA LEI N. 10.826/03). ÉDITO CONDENATÓRIO. INCONFORMISMO DA DEFESA. APREENSÃO DE ESPINGARDA DE PRESSÃO ADAPTADA ARTESANALMENTE PARA CALIBRE NOMINAL .22 NA RESIDÊNCIA DO ACUSADO, ALÉM DE SILENCIADOR E LUNETA ACOPLADOS. ACESSÓRIOS DE USO RESTRITO (ART. 16, INCS. XII E XVI, DO DECRETO N. 3.665/2000). POTENCIALIDADE LESIVA DO ARTEFATO BÉLICO ATESTADA POR LAUDO PERICIAL. CRIME, ALÉM DO MAIS, DE MERA CONDUTA E PERIGO ABSTRATO. DEPOIMENTO DO MILICIANO QUE PARTICIPOU DA ABORDAGEM POLICIAL EM CONSONÂNCIA COM AS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. IMPUTADO QUE INCLUSIVE ADMITIU A PROPRIEDADE DOS OBJETOS. TESE DE AUSÊNCIA DE DOLO QUE NÃO COMPORTA ACOLHIMENTO. ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 12 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO INVIÁVEIS. RECURSO DESPROVIDO (TJ-SC - APR: 20140101570 SC 2014.010157-0 (Acórdão), Relator: Rodrigo Collaço, Data de Julgamento: 23/07/2014, Quarta Câmara Criminal Julgado)
Da mesma forma, pouco importa que o artefato bélico estivesse desmuniciado ou apto para efetuar disparos, não se exigindo demonstração de ofensividade real para sua consumação, posto que, consoante apregoa o próprio Supremo Tribunal Federal (STF):
"Tratando-se o crime de porte ilegal de arma de fogo delito de perigo abstrato, que não exige demonstração de ofensividade real para sua consumação, é irrelevante para sua configuração encontrar-se a arma municiada ou apta a efetuar disparos" (STF - RHC 106346, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 02/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-210 DIVULG 24-10-2012 PUBLIC 25-10-2012).
Conclui-se, portanto, que, em sendo detectado caso no qual não se constate a apresentação de laudo balístico ou de mecanismo/funcionamento da arma de fogo e/ou munições apreendidas pela autoridade policial, trata-se de hipótese na qual a comprovação da materialidade delitiva pode ocorrer por meio do auto de apreensão e apresentação dos autos de inquérito policial, o qual atesta características dos instrumentos apreendidos, sendo considerados, ademais, delitos de perigo abstrato ou de mera conduta, visando proteger a segurança pública e paz social, sendo irrelevante a comprovação do efetivo potencial lesivo da arma, uma vez que os delitos se configuram com o simples porte/posse em desacordo com a lei (STJ), bem como que pouco importa que o artefato bélico estivesse desmuniciado ou apto para efetuar disparos, não se exigindo demonstração de ofensividade real para sua consumação (STF).