O presente artigo jurídico tem como objetivo expor brevemente sobre algumas construções doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao crime descrito no art. 273, §1º-B, II, do CPB, para o qual se aplica a pena prevista no art. 33, §4º, da lei n.º 11.343/06, como forma de reflexões necessárias para a aplicação de uma pena justa.
Uma das principais linhas de Defesa utilizadas pelos melhores advogados criminalistas, nos casos envolvendo o crime previsto no art. 273, §1º-B, II, do CPB, é referente ao questionamento sobre a constitucionalidade/legalidade da aplicação da pena (preceito secundário) para este delito.
Com efeito, nestas hipóteses, nas quais o Ministério Público imputa, inicialmente, ao Denunciado a prática do crime previsto no art. 273, §1º-B, II, do CPB, quando da confirmação de que a autoria e materialidade delitivas restam plenamente comprovadas pelas provas carreadas aos autos, especialmente testemunhais, documentais e periciais, deve o Réu ser condenado pelo citado delito (preceito primário), entretanto com a aplicação da pena prevista para o art. 33, §4º, da lei n.º 11.343/06 (preceito secundário).
Isso porque o §1º-B foi inserido no art. 273, do CPB, por força da lei n.° 9.677/98, sendo que o objetivo do legislador foi o de punir pessoas que vendem determinados “produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais” e que, embora não se possa dizer que sejam falsificados, estão em determinadas condições que fazem com que seu uso seja potencialmente perigoso para a população.
Ocorre que, para o legislador, a conduta de quem comercializa um produto não necessariamente falsificado, mas nas condições irregulares do §1º-B, deve ser punida com uma pena de 10 à 15 anos de reclusão, em manifesta violação ao princípio da proporcionalidade, tendo a jurisprudência pátria respoondido aos diversos questionamentos sobre a matéria, firmando entendimento de que a pena a ser aplicada é àquela referente ao delito de tráfico de drogas e, no caso em análise, a pena de tráfico privilegiado (art. 33, §4º, da lei n.º 11.343/06), com as respectivas disposições:
Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.
[...]
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
(...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Não é o caso de inconstitucionalidade da proibição que o tipo penal encerra (preceito primário), mas tão somente da pena cominada (preceito secundário), porque não houve, em princípio, excesso do legislador quando decidiu, segundo critério de conveniência político-criminal questionável, criminalizar as condutas de que trata o atual art. 273, do CPB, tendo a sido reiteradamente argumentado que houve excesso quanto à penalização, mas não quanto à criminalização dos fatos.
Nesse sentido, são os precedentes do TRF-4:
PENAL. ART. 273, § 1º-B, INCISOS I, III E VI, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N.º 9.677/98, QUE ACRESCENTOU O § 1º-A E § 1º-B AO DISPOSITIVO LEGAL. INVIABILIDADE. DIAS-MULTA. SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. OMISSÃO. DOSIMETRIA INCOMPLETA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INVIABILIDADE. NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA.
1. Posicionamento desta Corte Regional de que somente se justifica a aplicação da pena abstratamente cominada ao tipo penal quando a conduta imputada possa gerar grandes danos ao bem jurídico tutelado. Ausente tamanha gravidade, resta inviabilizada a aplicação da reprimenda fixada pelo legislador, eis que visivelmente desproporcional à conduta praticada, razão pela qual se tem admitido a limitação da pena a ser concretamente fixada, tomando como parâmetro o apenamento previsto para o tráfico de entorpecentes na época em que cometido o fato (art. 12 da Lei 6.368/76).
2. Fato que não implica o reconhecimento da inconstitucionalidade integral da Lei n.º 9.677/98, na medida em que a tipificação das condutas atende à escolha calcada em motivos de política criminal do contexto histórico vigente, não havendo impedimento que conduta punida administrativamente torne-se penalmente relevante, caso se verifique a ineficácia da primeira forma de repressão.
3. Comprovado que o réu, de maneira livre e consciente, internou em solo nacional produtos de origem estrangeira destinados a fins terapêuticos ou medicinais, sem registro, sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização e, ainda, adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente, resta caracterizada a conduta descrita no tipo do artigo 273, § 1º- B, incisos I, III e VI, do Código Penal.
4. Manutenção do número de dias-multa conforme pena abstratamente cominada ao delito de tráfico de entorpecentes vigente à época do fato (art. 12 da Lei 6.368/76).
5. Ausência de análise da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, caracterizando a dosimetria incompleta da reprimenda.
6. Omissão que não pode ser suprida nesta instância, sob pena de supressão de um grau de jurisdição.
7. Nulidade parcial da sentença, que contraria o princípio constitucional da individualização da pena (grifo nosso) (ACR 200670020058607, TADAAQUI HIROSE, TRF4 – SÉTIMA TURMA, 25/03/2009).PENAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. FORMA EQUIPARADA. ART. 273, § 1º-B, I, V E VI, DO CP. COMPETÊNCIA FEDERAL. INTRODUÇÃO EM TERRITÓRIO NACIONAL DE COMPRIMIDOS DE CYTOTEC. PENA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO. PARÂMETRO. DELITO DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO.
– Os crimes que afetem a saúde pública não atraem, só por isso, a competência federal. A importação de remédio de procedência ignorada, sem registro e adquirido de estabelecimento sem licença do Órgão de Vigilância Sanitária competente, no entanto, pode ser entendida como contrabando sob forma especializada. Por opção legislativa (Lei nº 9.677/98), uma conduta que antes se amoldava ao tipo previsto no art. 334 do CP passou a ser prevista em tipo penal próprio (art. 273 do CP), providência que não alterou, todavia, a competência federal para processamento e julgamento do feito.
– Quem introduz clandestinamente em solo nacional produto de origem estrangeira destinado a fins terapêuticos ou medicinais, sem registro, de procedência ignorada e adquirido de estabelecimento sem licença do Órgão de Vigilância Sanitária competente, pratica o delito capitulado no art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do CP.
– A pena do delito previsto no art. 273 do CP – com a redação que lhe deu a Lei nº 9.677, de 02 de julho de 1998 – (reclusão, de 10 (dez) e 15 (quinze) anos, e multa) deve, por excessivamente severa, ficar reservada para punir apenas aquelas condutas que exponham a sociedade e a economia popular a “enormes danos” (exposição de motivos). Nos casos de fatos que, embora censuráveis, não assumam tamanha gravidade, deve-se recorrer, tanto quanto possível, ao emprego da analogia em favor do réu, recolhendo-se, no corpo do ordenamento jurídico, parâmetros razoáveis que autorizem a aplicação de uma pena justa, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade. “A criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena, ou de qualquer modo beneficia o acusado, não pode encontrar barreira para a sua eficácia no princípio da legalidade, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta” (Fábio Bittencourt da Rosa. In Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 04). Hipótese em que ao réu, denunciado por introduzir, no território nacional, 06 comprimidos de Cytotec, medicamento desprovido de registro e de licença do órgão de Vigilância Sanitária competente (art. 273, § 1º-B, incisos I, V, e VI, do CP), foi aplicada a pena de 03 anos de reclusão, adotado, como parâmetro, o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, o qual tem como bem jurídico tutelado também a saúde pública.
– Possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito que se reconhece, seja porque o delito de tráfico foi tomado apenas como substrato para aplicação da pena, seja porque o remédio importado não era “falsificado, corrompido, adulterado ou alterado” (inciso VII-B do art. 1º c/c o parágrafo primeiro do art. 2º da Lei nº 8.072/90) (grifo nosso) (ACR 200172000036832, PAULO AFONSO BRUM VAZ, TRF4 – OITAVA TURMA, 02/03/2005).
Da mesma forma, o STJ entendeu que deverá ser aplicada a pena abstratamente prevista para o tráfico de drogas (art. 33, caput, da lei n.° 11.343/2006), qual seja, “reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”, sendo também possível aplicar para o réu que praticou o art. 273, §1º-B, do CPB, a causa de diminuição prevista no §4º do art. 33, da lei n.° 11.343/06, em analogia in bonam partem (em benefício do réu). Observe-se:
O STJ decidiu que é inconstitucional a pena (preceito secundário) do art. 273, § 1º-B, V, do CP (“reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa”). Em substituição a ela, deve-se aplicar ao condenado a pena prevista no caput do art. 33 da Lei n.° 11.343/2006 (Lei de Drogas), com possibilidade de incidência da causa de diminuição de pena do respectivo §4º. (STJ. Corte especial. AI no HC 239.363-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/2/2015 - Info 559).
Conclui-se, portanto, que, em sendo detectado caso no qual o Ministério Público impute a prática do crime previsto no art. 273, §1º-B, II, do CPB, quando da confirmação de hipótese condenatória, deve ao Réu ser aplicado o citado delito (preceito primário), entretanto com a aplicação da pena prevista para o art. 33, §4º, da lei n.º 11.343/06 (preceito secundário), perante a manifesta violação ao princípio da proporcionalidade, tendo a sido reiteradamente argumentado que houve excesso quanto à penalização, mas não quanto à criminalização dos fatos (STJ), como forma de medida de Justiça e de Proteção à Sociedade.