Como o exercício da cláusula de arrependimento não acarreta descumprimento no contrato, a compensação, eventualmente prevista para o exercício desse direito – a denominada multa penitencial – não terá a função de cláusula penal, que se refere à circunstância de uma das partes ter descumprido o contrato, no todo ou em parte.
De fato, a multa penitencial constitui mera contraprestação pelo exercício do direito potestativo de arrependimento tardio do vínculo obrigacional, razão pela qual “não há [...] direito de quem quer que seja à indenização suplementar” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pág. 292).
Assim, conforme destaca Orlando Gomes, “a multa penitencial não se confunde com a cláusula penal, que pressupõe a inexecução do contrato ou o inadimplemento de obrigações contratuais, correspondendo ao ressarcimento dos danos respectivamente provenientes”, pois “a multa penitencial nada tem a ver com a execução do contrato”, garantindo “o poder de resilir, de sorte que o contratante arrependido mais não tem a fazer do que pagar a multa, desvinculando-se por seu próprio arbítrio” (GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007, págs.225).
A multa penitencial não tem, portanto, relação com a inexecução do contrato, consistindo, portanto, no preço definido pelas partes para o exercício do direito potestativo de arrependimento, cujo valor deve ser fixado pela liberdade contratual segundo a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
Do valor da multa penitencial segundo os princípios da boa-fé objetiva e a função social dos contratos por aplicação analógica do art. 473, parágrafo único, do CC/02.
O valor correspondente ao exercício do direito à resilição unilateral do contrato fica submetido à autonomia da vontade dos contratantes, mas o exercício dessa liberdade contratual não é ilimitado, estando balizado pela boa-fé objetiva e a função social do contrato a ser resilido.
Esses limites da boa-fé objetiva e da função social do contrato são disciplinados de modo expresso no art. 473, parágrafo único, do CC/02, o qual versa sobre o direito de resilição unilateral decorrente de expressa ou implícita permissão legal, relacionado, via de regra, aos contratos de execução continuada firmados por tempo indeterminado.
Em respeito a esses princípios – boa-fé objetiva e função social do contrato –, o citado parágrafo único do art. 473 do CC/02 condiciona a eficácia do exercício do direito ao arrependimento a: a) a notificação da denúncia do contrato à outra parte; e b) o transcurso de prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos realizados para a execução das prestações objeto do contrato.
Conforme destaca a doutrina, a eventual quebra da boa-fé objetiva, traduzida pela legítima expectativa de continuidade, tornou imprescindível a previsão de prazo mínimo para a produção de efeitos da resilição unilateral, resguardando as partes do rompimento abrupto do contrato.
Não sendo respeitado esse prazo mínimo – que não é predeterminado em abstrato, mas averiguado em cada situação concreta –, a resilição se mostra abusiva e capaz de gerar prejuízos que excedem aqueles aceitos como normais pela natureza do negócio estabelecido.
Tendo esses aspectos em vista, os prejuízos a serem considerados para a fixação do referido prazo mínimo para exercício temporâneo da resilição unilateral são apenas aqueles que excedam a normalidade da natureza do negócio estabelecido, de modo algum alcançando o lucro esperado pelo contratante ou mesmo o risco inerente a qualquer negócio jurídico.
Com efeito, o ordenamento não tutela as concretas expectativas de lucro que cada operador coloca na troca contratual, pois:
[...] a simples constatação de que a operação da qual o contraente esperava lucros lhe causou, ao invés, perdas, não basta certamente, de per si, para suscitar uma reação do direito em sua tutela, visto que se orienta pelo princípio de que um certo grau de risco é indissociável de qualquer contrato, como de qualquer iniciativa econômica, e que todo contraente o deve assumir. Assegurando o respeito pelas regras do jogo de mercado, o ordenamento garante, sobretudo aos operadores, a abstrata possibilidade do lucro; garante, genericamente, as premissas e as condições formais de obtenção do mesmo. (ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 225, sem destaque no original).
Ademais, “os investimentos, para servirem de causa à eficácia do parágrafo único do art. 473, CC, devem ser irrecuperáveis, já que a possibilidade de reversão de seu uso para outra atividade, ou o fato da parte possuir outros parceiros comerciais cuja atividade possa ser desenvolvida em função dos investimentos realizados, ou, ainda, sua fácil alienação e conversão em dinheiro, não permitiram a extensão do vínculo contratual” (BONINI, Paulo Rogério. Resilição contratual: relações civis-empresariais: interpretação do art. 473, parágrafo único, CC: consequências do exercício da resilição unilateral: indenização x prolongamento do contrato. Escola Paulista da Magistratura (EPM). Cadernos Jurídicos, São Paulo, v. 16, n. 39, p. 191-199, jan./mar. 2015, sem destaque no original)
O parágrafo único do art. 473 do CC/02 oferece, portanto, subsídios para a definição analógica, por meio da aplicação da boa-fé objetiva e da função social do contrato, dos limites ao exercício da autonomia da vontade dos contratantes de preverem a multa penitencial para a previsão contratual de resilição unilateral.
Esses limites devem, assim, corresponder: a) aos investimentos irrecuperáveis – assim entendidos aqueles que não possam ser reavidos pela cessão do objeto do contrato a terceiros – realizados pelo contratante inocente; b) aos prejuízos extraordinários, que não alcançam a expetativa de lucro e não envolvem a assunção dos riscos do negócio pelo contratante desistente, pois perdas financeiras fazem parte da própria álea negocial; e c) ao prazo do exercício do direito potestativo – que deve ser hábil à recuperação dos citados valores pelo contratante subsistente.
Fonte – www.stj.jus.br