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Amigos, amigos, negócios à parte

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Até porque amigos são pessoas que confiamos e sabemos que sempre estarão ao nosso lado para o que der e vier, não é mesmo? Só que não!

"COM AMIGOS NÃO PRECISA DE FORMALIZAÇÃO"

"Até porque amigos são pessoas que confiamos e sabemos que sempre estarão ao nosso lado para o que der e vier, não é mesmo?"

Só que não!

Um dos princípios que norteiam o Código Civil é a boa-fé na contratação, isso porque nosso Código preza pela liberdade na contratação, de modo que as partes estipularão os termos de sua negociação e consequentemente se submeterão às mesmas, como modo de garantir os direitos e interesses de todas.

FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

E porque realizamos um contrato senão para garantir o cumprimento efetivo por todas as partes contratantes? Qual seria a função do contrato na sociedade? Qual seria sua finalidade social?

Há quem diga que a função social do contrato é de um lado a proteção dos contratantes dentro da relação pactuada e doutro lado a imposição contra terceiros/proteção de terceiros, de modo que este último deve respeitar a relação constituída dentro dos parâmetros conhecidos.

Por muito o principio de que os “acordos devem ser respeitados” foi obedecido de forma que se você concordasse e assinasse estaria submetido aos exatos termos contratados. Esse principio valoriza as cláusulas pactuadas como um direito entre as partes, sendo que o não cumprimento destas violam as obrigações ali descritas, quebrando o pactuado.

Acontece que esse princípio passou a ser relativizado, porque por vezes o pactuado acaba violando direitos básicos da pessoa, do comércio, de terceiros, do interesse público e até mesmo ocasionando o sofrimento de uma parte e favorecimento abusiva doutra.

Gustavo Tepedino ao falar da teoria da confiança diz que a função social importa na

“imposição aos contratantes de deveres extracontratuais, socialmente relevantes e tutelados constitucionalmente. Não deve significar, todavia, uma ampliação da proteção dos próprios contratantes, o que amesquinharia a função social do contrato, tornando-a servil a interesses individuais e patrimoniais que, posto legítimos, já se encontram suficientemente tutelados pelo contrato”.

Apesar da essencialidade do contrato como forma de proteção contratual e extracontratual dos direitos dos contratantes, o que dizer quando uma ou ambas as partes passam a aderir ao contrato por interesses diversos que não os previstos?

BOA FÉ NA FORMAÇÃO, EXECUÇÃO E CONCLUSÃO DOS CONTRATOS

O artigo 422 do Código Civil prevê que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

Quando se fala de confiança contratual a questão é que todas as partes contratantes devem agir de maneira leal, confiando na expectativa proposta pelo outro.

Não existe contrato se não existir a mínima confiança entre as partes. Desde o momento que uma parte oferta a outra um bem, até a execução e término do contrato, as partes possuem uma relação de confiança entre si.

Esse famoso ditado “amigos, amigos, negócios à parte” nada mais é do que uma necessária advertência aos que confiam demais. Não estou falando que você deva desconfiar de tudo e de todos, pelo contrário, devemos saber viver em harmonia com a sociedade de forma a respeitar e confiar no próximo, entretanto, acima de tudo, devemos ser precavidos diante de nossos direitos e deveres, posto que a responsabilidade vem, cedo ou tarde.

MÚLTIPLAS VERDADES

Infelizmente, aquele que investe seus bens em certa relação negocial, confiando na amizade e na pessoa, pode acabar quebrando o elo de ligação por meio do comportamento desastroso da outra.

Numa sociedade cada vez mais acelerada e mais coabitada, não há como ter uma única verdade, em virtude que a “verdade” acaba sendo enxergada de partir da própria realidade do individuo.

Torna-se necessário, senão urgente, proteger a confiança depositada numa relação negocial, até como forma de garantir que as relações feitas entre “amigos” não sejam quebradas por meio de comportamentos contraditórios e até mesmo por conta dos “avessos” da vida.

PROTEGENDO A CONFIABILIDADE DAS RELAÇÕES

“Vou vender meu carro para meu amigão de anos, nem precisa fazer contrato não, eu confio nele!”

(meses depois) “Ô Dra. aquele meu amigo não me pagou nenhuma parcela ainda e não consigo mais nem contato com ele, e agora?”

Pois é, lamentavelmente isso é mais comum do que se imagina. Acredite! Seu amigo, parente, colega de trabalho, vizinho e assim por diante, qualquer deles podem não cumprir o que lhe prometeram e, ao final, você sobrar de mãos vazias, sem patrimônio e sem qualquer valor considerável a receber.

A confiança nada mais é do que uma orientação de nossa conduta, onde nos relacionamos com maior proximidade somente daqueles nos quais se baseia uma confiabilidade mutua. Leoni Lopes diz:

A boa-fé nos negócios jurídicos impõe a aplicação da ideia de confiança e responsabilidade, pelas quais, se uma das partes com sua manifestação de vontade suscitou na outra parte uma confiança, no sentido objetivamente atribuível à dita declaração, esta parte não pode impugnar este sentido e pretender que o negócio jurídico tenha outro sentido, diverso daquele esperado razoavelmente pelo destinatário da declaração. Isso quer dizer que as declarações de vontade devem ser interpretadas conforme a confiança que hajam suscitado de acordo com a boa-fé.

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A fase pré-contratual é tão importante quanto sua execução e término, isso porque é o momento onde as partes se preparam para assinar um acordo de vontades, criando direitos e deveres para ambas.

O individuo que confia acaba por se colocar numa posição mais vulnerável e para compensar essa vulnerabilidade, cabe ao ordenamento jurídico garantir minimamente a segurança para o desenrolar das atividades do indivíduo.

E assim também é o entendimento dos Enunciados do Centro de Estudos Jurídicos do Conselho Nacional de Justiça:

Enunciado 24: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.”

Enunciado 25: “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual.”

Enunciado 26: “A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civilimpõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.”

Enunciado 363: “Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação.”

Um contrato não deve ser visto como afronta a ninguém, pelo contrário, é a garantia de cumprimento de todos os direitos e deveres nele previstos. Um contrato não pode ser evitado como forma de garantir a confiabilidade do outro, mas sim visto como forma de desenvolver ainda mais essa relação.

Qualquer vinculo negocial/contratual merece ser protegido, caso contrário estará descoberto aos infortúnios e surpresas da vida. Entretanto, como Pablo Neruda já dizia: “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.”


Bibliografia

OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Novo Código Civil anotado – arts. 1o a 232. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 217-218.

Gustavo,Tepedino, Novos princípios contratuais e a teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers, in Temas de Direito Civil, t. 2, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 251, nota 14.

Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. (Código Civil)

Raphael Manhães Martins . O Princípio da Confiança Legítima e o Enunciado N. 362 da IV Jornada de Direito Civil. http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/956/1129

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Sobre a autora
Lauren Juliê Liria Fernandes Teixeira Alves

Graduada em Direito pela Universidade de Cuiabá/MT. Especialista em Direito Contratual pela Universidade Estácio de Sá. Especializanda em Direito da Proteção e Uso de Dados pela PUC Minas. Membro ANPPD®.Advogada e Sócia nominal da Teixeira Camacho & Brasil Advogados. Presidente da Comissão da Jovem Advocacia da 10ª Subseção da OAB/MT. Colunista da Aurum Software. Já foi professora do Curso de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso Campus de Barra do Bugres. Administradora do Blog contratualista.com e Instagram @papodecontratualista

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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