No rito da Lei nº 9099/95, presentes os requisitos para a concessão da transação penal, é obrigatório o oferecimento do benefício pelo órgão do Ministério Público? E no caso de sursis processual?

02/10/2018 às 18:21

Resumo:


  • Crime é a violação de um bem jurídico penalmente tutelado, exigindo do Estado a aplicação de sanção ao violador do direito garantido por lei.

  • A Transação Penal é um instituto do Direito Processual Penal que permite a aplicação de uma solução rápida e satisfatória do conflito, evitando o processo e suas consequências.

  • O Sursis Processual é uma ferramenta processual que permite a suspensão condicional do processo em crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano, desde que preenchidos os requisitos legais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo pretende analisar se tanto o instituto da transação penal quanto o do sursis processual, se presentes os requisitos, são de oferecimento obrigatório por parte do Ministério Público.

Crime é a violação de um bem jurídico penalmente tutelado, exigindo do Estado a aplicação de sanção ao violador do direito garantido por lei.

É a partir da existência de um crime que o instituto da transação penal se evidencia, visto que a prática criminosa pode se enquadrar como delito de menor potencial ofensivo. É neste cenário, que, segundo o artigo 76 da Lei nº 9.099/95, o Ministério Público pode deixar de oferecer denúncia, aplicando ao infrator, penas restritivas de direito ou multa:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

A Transação Penal é conceituada como instituto do Direito Processual Penal que permite a aplicação de uma solução rápida e satisfatória do conflito, já que se trata de um acordo proposto pelo Ministério Público e aceito pelo acusado, nas Infrações de Menor Potencial Ofensivo. Assim, ele evita o processo e todas as consequências advindas do mesmo, dando celeridade a outros processos e aliviando o Estado de se preocupar com mais questões jurídicas, visto que o crime é ínfimo e o acordo beneficia ambas as partes.

Titularidade do Pedido

Para poder ser feita a transação penal, o acusado: não pode ter sido condenado, por sentença definitiva, anteriormente por crime que preveja pena restritiva de liberdade; não pode ter realizado outra transação penal nos últimos cinco anos; e não pode apresentar personalidade, antecedentes e conduta social negativas.

O artigo 76 da Lei 9.099/95 é bem claro ao dizer que o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, que evidencia a transação penal.

Sendo assim, o Ministério Público, na incidência de um crime de menor potencial ofensivo possui a faculdade de dispor da ação penal, respeitadas as condições previstas em lei, propondo ao infrator a aplicação de pena não privativa de liberdade, sem denúncia e sem instauração de processo.

Entretanto, o entendimento majoritário da doutrina é de que a proposição da Transação Penal não se trata de prerrogativa do Ministério Público, dependendo da discricionariedade do Parquet, mas sim de que, preenchidos todos os requisitos por parte do infrator para fazer jus à aplicação do instituto, aquele tem o dever da proposição do instituto. Fernando da Costa Tourinho Filho aborda:

“Uma vez satisfeitas as condições objetivas e subjetivas para que se faça a transação, aquele poderá converter-se e deverá, surgindo para o autor do fato um direito a ser necessariamente satisfeito. O Promotor não tem a liberdade de optar entre ofertar a denúncia e propor simples multa ou pena restritiva de direitos. Não se trata de discricionariedade. Formular ou não a proposta não fica à sua discrição. Ele é obrigado a formulá-la. E esse deverá é da Instituição. Nem teria sentido que a proposta ficasse subordinada ao bel-prazer, à vontade, às vezes caprichosa e frívola, do Ministério Público.” (TOURINHO FILHO, 2011, p. 92).

Logo, verifica-se que parte da doutrina entende não ser o instituto da transação penal uma faculdade do Ministério Público e, sim um dever quando caracterizado os requisitos necessários à sua aplicação. Nesse viés, a ausência de proposição do Parquet, reflete no direito da proposição pelo infrator ou pelo magistrado. Essa corrente é a majoritária, adotada pelos Juizados Especiais Criminais.

Nesse sentido, ensina Damásio Evangelista de Jesus:

“Desde que presentes as condições da transação, o Ministério Público está obrigado a fazer a proposta ao autuado. A expressão, hoje, tem o sentido de dever. Presentes suas condições, a transação impeditiva do processo é um direito penal público subjetivo de liberdade do autuado, obrigando o Ministério Público à sua proposição. No sentido de que se trata de um direito do autor do fato.  Caso o Ministério Público não proponha a transação ou se recuse a fazê-lo, deve fundamentar a negativa.” (JESUS, 1997, pág. 76).

Sursis Processual

Sursis Processual é uma ferramenta processual, chamada “suspensão condicional do processo”, que surgiu no ordenamento jurídico tupiniquim em 1995, especificamente na lei que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais (9.099). O art. 89 desta prevê:

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena”.

Como quase todos os benefícios penais, os pacientes que se beneficiam deste instituto deve cumprir alguns requisitos normativo: o primeiro quesito a ser observado é a não submissão do crime imputado ao paciente à justiça militar, assim como disposto no art. 90-A; no segundo, a observação trata ao quantitativo mínimo da pena que deve ser igual ou inferior a 1 (um) ano; no terceiro, o paciente não pode estar sendo processado pela prática de outro incidente criminal, nem como, pode ter sido condenado por qualquer delinquência criminosa; e o quarto e último está presente no artigo 77 do Código Penal, que trata dos requisitos autorizativos para a devida suspensão condicional da pena.

Preenchidos os requisitos, deveria o Ministério Público optar pela proposta do Sursis Processual. No entanto, importante ressaltar que o não oferecimento de tal, de imediato, não implica em recusa do MP.

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Entretanto, caso não seja feito, a demora da defesa em exigi-lo pode levar à preclusão:

PENAL E PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. AUSÊNCIA DA ANÁLISE DAS TESES DEFENSIVAS NA SENTENÇA E AUSÊNSIA DE PROPOSTA DE SURSIS PROCESUAL. PRELIMINARES REJEITADAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. NÃO PROVIMENTO.

1- O juiz a quo não está obrigado a analisar de forma exaustiva todas as alegações defensivas. Não há que se confundir ausência de fundamentação com fundamentação sucinta.

2- Eventual possibilidade de oferecimento de sursis processual deve ser aventada antes de proferida a sentença, sob pena de preclusão.

3- Conjunto probatório que, na espécie, evidencia autoria e materialidade do delito.

4- Apelo não provido.

(Acórdão n.630156, 20070111509052APR, Relator: MARIO MACHADO, Revisor: GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, Publicado no DJE: 31/10/2012. Pág.: 251; grifo nosso);

Todavia, inúmeras decisões que levam a firmar que o Sursis Processual é um direito subjetivo do paciente, que pode ensejar até a nulidade do procedimento se não lhe for dada conveniência para gozá-lo, e assim, deve o juiz proceder ao oferecimento dessa oportunidade ao paciente, claro que na hipótese de recusa injustificada ou improcedente por parte do MP:

APELAÇÃO CRIMINAL. PROPOSTA DE SURSIS PROCESSUAL DO MP. ACEITAÇÃO PELA DEFESA. FALTA DE MANIFESTAÇÃO DO JUÍZO A QUO. DIREITO SUBJETIVO DO RÉU. SENTENÇA ANULADA.

É posicionamento sedimentado de que o oferecimento da suspensão condicional do processo é um direito público subjetivo do acusado, devendo o Juiz sentenciante se manifestar a respeito da proposta feita pelo Ministério Público e aceita pelo o réu, quando este preenche os requisitos do artigo 89 da Lei 9.099/1995, sob pena de falta de fundamentação e conseqüente nulidade da sentença.

Apelação provida. Sentença cassada.

(Acórdão n.581381, 20100310234398APR, Relator: SOUZA E AVILA, Revisor: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, Publicado no DJE: 25/04/2012. Pág.: 143) (grifo nosso)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. OFERECIMENTO DO BENEFÍCIO AO ACUSADO POR PARTE DO JUÍZO COMPETENTE EM AÇÃO PENAL PÚBLICA. O juízo competente deverá, no âmbito de ação penal pública, oferecer o benefício da suspensão condicional do processo ao acusado caso constate, mediante provocação da parte interessada, não só a insubsistência dos fundamentos utilizados pelo Ministério Público para negar o benefício, mas o preenchimento dos requisitos especiais previstos no art. 89 da Lei n. 9.099/1995. A suspensão condicional do processo representa um direito subjetivo do acusado na hipótese em que atendidos os requisitos previstos no art. 89 da Lei dos Juizados Especiais Civeis e Criminais. Por essa razão, os indispensáveis fundamentos da recusa da proposta pelo Ministério Público podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário. Além disso, diante de uma negativa de proposta infundada por parte do órgão ministerial, o Poder Judiciário estaria sendo compelido a prosseguir com uma persecução penal desnecessária, na medida em que a suspensão condicional do processo representa uma alternativa à persecução penal. Por efeito, tendo em vista o interesse público do instituto, a proposta de suspensão condicional do processo não pode ficar ao alvedrio do MP. Ademais, conforme se depreende da redação do art. 89 da Lei n. 9.099/1995, além dos requisitos objetivos ali previstos para a suspensão condicional do processo, exige-se, também, a observância dos requisitos subjetivos elencados no art. 77, II, do CP. Assim, pode-se imaginar, por exemplo, situação em que o Ministério Público negue a benesse ao acusado por consideração a elemento subjetivo elencado no art. 77, II, do CP, mas, ao final da instrução criminal, o magistrado sentenciante não encontre fundamentos idôneos para valorar negativamente os requisitos subjetivos previstos no art. 59 do CP (alguns comuns aos elencados no art. 77, II, do CP), fixando, assim, a pena-base no mínimo legal. Daí a importância de que os fundamentos utilizados pelo órgão ministerial para negar o benefício sejam submetidos, mediante provocação da parte interessada, ao juízo de legalidade do Poder Judiciário. (HC 131.108-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/12/2012. 5ª Turma).

Logo, apesar da titularidade do Ministério Público em oferecer o benefício, hoje é aceito que o Juiz, caso o MP não se manifeste sobre o direito ao sursis do réu, deixa de ser necessária sua manifestação para o deferimento do benefício, podendo o Juiz conceder o mesmo. Assim, entendemos que, por mais que seja obrigatório que o MP ofereça o benefício, sendo ele direito subjetivo do réu, caso preenchidos os requisitos e o Paquet não se manifeste ou indevidamente opte pelo indeferimento, deverá ser concedido ao réu, seja de ofício do juiz, seja a pedido da parte.

BIBLIOGRAFIA

http://oprocessopenal.blogspot.com.br/2008/04/transao-penal.html

https://jus.com.br/artigos/31194/transacao-penal-e-suspensao-condicional-do-processo#_ftn2

https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7780/Mais-que-um-direito-uma-obrigacao-sursis-processual

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 13.ª edição, São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2013.

JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos JECRIM. 4ª ed. revista e ampl.Saraiva, 1997 São Paulo, 97 pág.76

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