Inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil

30/10/2018 às 18:23
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família - sucessões - união estável - princípios - inconstitucionalidade;

INTRODUÇÃO

As uniões civis são comuns em um âmbito social, por isso merecem atenção ao tratar de sua regulamentação. Nesse quesito, mesmo sendo altamente quantitativas tais uniões no Brasil, não ocorreu em 1916 o devido regulamento pelo Código Civil, uma vez que era entendido como matéria estranha ao Direito de Família, sendo assim, só haviam efeitos referente a obrigações.

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a família tinha sua origem unicamente pelo casamento solene e formal. Por conseguinte, aquelas relações extramatrimoniais - também chamadas de concubinatos - eram tratadas desiguais. Nesse ponto, ocorria privilégio de uma forma de união em detrimento de outra. Sendo desse modo havia ferimento direto aos princípios constitucionais.

Porém, mesmo com as desigualdades de direitos - inclusive no atual Código Civil/ 2002 - houve aumento de relações conjugais que não formalizaram solenemente o casamento, o que trouxe uma normalização na cultura da sociedade. Portanto, devida necessidade de regulamentação, resultou-se em taxar tais uniões em lei, sendo então denominadas de União Estável.

Ademais, ainda no atual Código Civil, principalmente no tocante ao artigo 1790, a lei trouxe diferenciações quanto ao tratamento de direito sucessórios originários do casamento e o originário pela união estável. Desde então, houve diversas discussões em prol do reconhecimento dos mesmos direitos para aqueles que advém de união estável.

Por fim, no ano de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgou Recurso Extraordinário e declarou o seguinte: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil.”.

Posto isto, o presente artigo aborda o conceitos da união estável como entidade familiar pela Constituição Federal frente aos direitos sucessórios.

CONCEITOS BÁSICOS DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

Doutrinariamente, define-se sucessões pela transferência de direitos e deveres (obrigações) de uma pessoa para a outra. Sendo tal transferência devida originariamente ao fato de morte, de modo que a transmissão possa ser feita inter vivos ou mortis causa, como devidamente taxado no artigo 1.786, do Código Civil.

Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.

Nesse ponto, o Direito de Família normativa as relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges ou companheiros, ascendentes, descendentes parentes e inclusive os quesitos de tutela e curatela.

No que tange a união estável, o autor Carlos Roberto Gonçalves traz que “é de todos os ramos do direito [Direito de Família], o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas proveem de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável”

Por fim, com base na formação dos humanos perante a sociedade, a legislação federal ampara a importância da família trazida faticamente por meio de normas e princípios.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REFERENTES À INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1790 - CÓDIGO CIVIL DE 2002

Tais princípios são guias da conduta humana sendo pontos iniciais de todo o ordenamento jurídico, inclusive no que tange ao direito de família e sucessões, como demonstrado a seguir.

Dignidade da Pessoa Humana

Encontrado no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988, esse princípio primazia no tocante a democracia e também é a base da comunidade social e familiar, abrangendo diversos valores morais que norteiam a sociedade.

Desse modo, ensina-se que a dignidade é o ato de respeitar o indivíduo em patamar de igualdade de direitos com os seus próximos.

Igualdade

Como previsto no artigo 5º da Constituição Federal há informação direta que todos são iguais perante a lei, sendo assim significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Nesse ponto, o artigo 226 da Constituição Federal demonstra que mesmo as  formações familiares não sendo as mesmas, elas ainda se encontram hierarquicamente iguais no que tange a proteção jurídica e as garantias de direitos e deveres familiares e, consecutivamente, direitos e deveres sucessórios.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

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§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Liberdade

Sob o Estado Democrático de Direito, a liberdade é um dos elementos essenciais da pessoa humana, nesse ponto Paulo Gustavo Gonet Branco ensina que:

As liberdades são proclamadas partindo-se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca da autorrealização, responsável pela escolha dos meios aptos para realizar suas potencialidades. O Estado democrático se justifica como meio para que essas liberdades sejam guarnecidas e estimuladas – inclusive por meio de medidas que assegurem maior igualdade entre todos, prevenindo que as liberdades se tornem meramente formais. O Estado democrático se justifica, também, como instancia de solução de conflitos entre pretensões colidentes resultantes dessas liberdades (BRANCO, 2012, p.298).

A liberdade então taxada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002¹ determina que:

Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.

Sendo assim, tais cônjuges tem o poder libertário de escolha para selecionar aquela conjunção familiar que julgar ser melhor, não podendo o Estado intervir ou influenciar nessa liberdade de escolha, inclusive indiretamente por meio de benefícios dentre uma opção de constituição familiar e outra.

Vedação ao retrocesso social

Ao tratar de matérias decorrentes da Constituição, não há possibilidade de retroceder em seu alcance jurídico, ou seja, é consolidada a proteção quando a possível redução - parcial ou não - de direitos já estáveis e instalados na sociedade.

CONCLUSÃO

Até a decisão do Superior Tribunal Federal em 2017 declarando a união estável de valor isonômico ao casamento solene haviam discussões sobre tal divergência que atingiam diretamente ao direito sucessório.

Em primeiro quesito cabe enfatizar violação a princípios constitucionais da igualdade, dignidade da pessoa humana, liberdade e vedação ao retrocesso social. Nesse ponto, vale-se ressaltar que os contratos sociais - como por exemplo constituições familiares - são fundamentados na democrática liberdade de escolha amparada pela Constituição Federal.

Em prosseguimento ao dito, a validade do artigo 1.790 do Código Civil de certo modo influenciou e desestimulou a autonomia de escolha dos cônjuges. Isso ocorreu devido ao casamento solene e formal trazer certas vantagens que a união estável deixava de receber e reconhecer alguns direitos e deveres.

Sendo assim, é sabido que não cabe ao Estado beneficiar ou não a forma de constituição familiar que cada cônjuge há de acreditar ser o mais adequado para vos. Portanto, tal inconstitucionalidade está aqui demonstrada. Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal formalizou tal decisão²

²“No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.”

Por fim desta hermenêutica, incluiu-se o regime de União Estável em todos os entendimentos que se referem ao direito sucessório do cônjuge de modo que o ordenamento jurídico foi alinhado ao princípios constitucionais mantendo sua primazia de atualidade frente às necessidades advindas de mudanças da sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Vol. 6 - Direito De Família - 15ª Ed. 2018. 2013.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito Das Sucessões - Vol. 7 - 12ª Ed. 2018.

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