RESUMO: O presente texto tem por objetivo principal analisar as novas disposições da Lei nº 13.721, de 02 de outubro de 2018, que altera o Código de Processo Penal, Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941, para estabelecer que será dada prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva violência doméstica e familiar contra mulher ou violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.
Palavras-Chave. Direito Processual Penal. Lei nº 13.721/2018. Violência doméstica. Familiar. Mulher. Criança. Adolescente. Idoso. Pessoa com deficiência. Exame de corpo de delito. Prioridade.
INTRODUÇÃO.
Em vigor desde o dia 03 de outubro de 2018, a Lei nº 13.721, que alterou o artigo 158 do Código de Processo Penal, estabeleceu que será dada prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva violência doméstica e familiar contra mulher ou violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.
Art. 158. Quando a infração penal deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva:
I - violência doméstica e familiar contra mulher;
II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.
Sem intenção exauriente, pretende-se apresentar as definições legais de violência doméstica e familiar contra mulher ou violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência, uma abordagem na classificação de crimes em transeuntes e não transeuntes, um breve comentário sobre o exame de corpo de delito e ao final apresentar algumas considerações acerca daquilo que acontece na prática durante o tempo necessário para a realização dos exames nas repartições públicas.
DAS DEFINIÇÕES LEGAIS
A legislação penal nos últimos tempos começou a apresentar conceitos legais, doutrinariamente chamada de interpretação autêntica contextual, neste contexto, a iniciar-se pelos conceitos de criança e adolescente, a teor do artigo 2º da Lei nº 8.069/90, segundo o qual criança é toda pessoa de zero a 12 anos incompletos e adolescente, é toda pessoa de doze, inclusive, até aos dezoito anos.
A Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, define inúmeras modalidades de violência doméstica ou familiar.
Assim, tem-se definida no artigo 7º, a descrição da violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, a saber:
I - violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde.
II - violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
III - violência sexual, entendia como qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter, ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
IV - violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
V - violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Já o estatuto do idoso, Lei nº 10.741, de 2003, define pessoa idosa como sendo de idade igual ou superior a sessenta anos de idade.
A lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que define a inclusão da pessoa com deficiência e a conceitua no artigo 2º como sendo aquela em que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Recentemente, o Estatuto da Juventude, Lei nº 12.852, de 05 de agosto de 2013, em seu artigo 1º, §1º, conceituou jovens como sendo aquelas pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade.
Por sua vez, a Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, introduziu no § 2º do artigo 121, a qualificadora do feminicídio, quando o homicídio for praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino, quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou ainda menosprezo ou discriminação à condição de mulher, com pena será de reclusão de 12 a 30 anos.
DOS CRIMES TRANSEUNTES E NÃO TRANSEUNTES
Segundo a doutrina brasileira, infrações penais que deixam vestígios - delicta facti permanentis - e outras infrações penais que não deixam vestígios - delicta facti transeuntis.
Assim, é possível afirmar que crimes como de lesão corporal, homicídio, por exemplo, deixam vestígios.
Outros crimes como calúnia, difamação ou injúria, quando praticados verbalmente, não deixam vestígios. Estes são chamados de delicta facti transeuntis.
DO EXAME DE CORPO DE DELITO
Corpo de deito pode ser conceituado como sendo um conjunto de sinais ou vestígios deixados pela infração penal, logo em face da conduta perpetrada são deixados elementos sensíveis e perceptíveis da infração penal.
O Código de Processo Penal, em seu artigo 158, aduz que quando a infração penal deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
O exame de corpo de delito é feito diretamente pelo perito por meio de inspeções pessoais ou realizado por meio de testemunhas, por exemplo, quando os vestígios desaparecem, não sendo possível realizá-lo diretamente.
Tão importante que é o exame de corpo de delito nas infrações que deixam vestígios, cuja ausência nos autos do processo o legislador erigiu à categoria de nulidade insanável, art. 564, III, b, do Código de Processo Penal.
O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
Na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as quais tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora.
DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
A meu sentir, andou bem o legislador pátrio ao definir a prioridade na realização do exame de corpo de delito para as vítimas de crimes de violência doméstica ou familiar, quando mulher, ou ainda crimes praticados contra criança, adolescente, idoso ou pessoa portadora de necessidade especiais.
Costuma-se, às vezes, quando uma vítima desse tipo de delito é levada ao Instituto Médico legal para realização do exame de corpo de delito, aguardar horas a fio para ser atendida, acontecendo o fenômeno da revitimização.
Imagina-se uma vítima de estupro ficar aguardando por longo tempo para ser atendida pelos órgãos de persecução penal, num verdadeiro ato atentatório à sua dignidade de pessoa humana, aliás duplamente agredida, vilipendiada, ultrajada, devendo o Estado adotar medidas urgentes e céleres para diminuição do seu sofrimento.
É comum às vezes, o autor da infração penal sair da Unidade Policial primeiro que a vítima ou até mesmo sair antes do policial responsável pela lavratura do boletim de ocorrência, num verdadeiro contrassenso e agressão a todo sistema da lógica administrativa.
Chega-se ao ridículo quando se depara com familiares da vítima num momento de profundo desespero, de fragilidade, procurando por um amigo ou parente que trabalha nos órgãos de Segurança Pública para intervir junto à repartição responsável na realização de perícias, buscando efetividade na liberação de cadáveres ou realização de exames periciais em pessoas vivas, numa indubitável ofensa aos princípios da eficiência administrativa e da humanidade.
E a situação se agrava ainda mais quando o profissional responsável pela realização do exame, por exemplo, de conjunção carnal ou necropsia, estando de plantão no IML, se encontra prestando serviços no mesmo horário em outra Unidade Hospitalar, caracterizando, sem tese, ato de improbidade administrativa previsto na Lei nº 8.429/92, devendo ser penalizado também o superior hierárquico que sabendo da situação desviante, queda-se, inerte, e não adota medidas legais para sanação das irregularidades.
Por fim, reafirma-se, inexoravelmente, que não se trata de um mero favor dos agentes públicos, senão um dever funcional, imperativo e impostergável, sob pena de prevaricação por ofensa a expressa disposição legal e cometimento de infração administrativa, a realização dos exames de constatação da materialidade do delito, em especial agora com a nova ordem normativa que determina a realização com prioridade dos exames de corpo de delito em vitimas de crime que envolva violência doméstica e familiar contra mulher ou violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência, consoante normas cogentes da Lei nº 13.721, de 2018.