O trabalho e sua ressignificação ao longo da história

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06/11/2018 às 12:32
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Análise da mudança na significação e no conceito do trabalho - desde a pré-história até a pós modernidade e o momento presente - e como isso tem refletido na construção de um novo ideal de labor na sociedade.

INTRODUÇÃO

Para que haja uma clara compreensão do momento atual e das imbricações do mundo do trabalho e a vida humana, necessário fazer uma imersão nos diversos acontecimentos e transformações ocorridas na humanidade. Desde o abandono do sentimento coletivo primitivo que unia os indivíduos, à construção da moral individualista e, novamente, a retomada por um ideal mais cooperativista e coletivo, pensado num bem estar social. Conforme se constatará a seguir, ao longo da história a relação do indivíduo com seu labor vem se modificando de acordo com os acontecimentos e valores cunhados por cada período social. Sobre essas transformações é que se dará a análise.


 1. A PRÉ-HISTÓRIA E O CONCEITO DE TRABALHO PARA OS GREGOS.

Quando se procura demonstrar a significação do trabalho ao longo dos períodos da história, é preciso levar em conta o sentido do trabalho como valor numa sociedade, numa determinada época. É o homem que atribui valor a determinada coisa. Assim, a compreensão da mutabilidade da significação e representação do trabalho para a humanidade é viés que faz-se necessário se compreender.

O ser humano tanto transforma o ambiente em que está imerso, como é transformado por esse ambiente, sendo um ser biopsicossocial e histórico. Nesta senda, significa dizer que há influências biológicas, psicológicas e sociais ao longo da historia para a formação do indivíduo dinâmico e mutável.

Na visão do homem primitivo, o trabalho por conta própria servia apenas para sua sobrevivência, com o fito de se autotutelar. A caça e a coleta foram os primeiros modos de subsistência do Homo sapiens que tinha como instinto retirar da natureza seu sustento, imersos numa rotina nômade.

Estes povos antigos andavam em bandos que migravam entre as regiões em busca de alimento. Internamente havia pouca diferenciação política, não havendo líderes permanentes. Havia pouca possibilidade de acumulação, pois os bens restringem-se ao que a pessoa conseguiria carregar.

Notava-se nessas sociedades a divisão do trabalho baseada no gênero e idade, geralmente com mulheres cuidando de coleta enquanto homens caçavam. Porém, esses papéis não eram rigidamente definidos. Aqui, o conhecimento tradicional e o aperfeiçoamento das ferramentas se davam pela interação do homem com o ambiente que o cercava e assim aprimorar o nível de suas habilidades.

Divide-se a pré-história em 3 períodos: o Paleolítico, ou idade da pedra lascada, que se estendeu por 2 milhões de anos; o Neolítico ou período da pedra polida, que teve início há mais de 10 mil anos e a Idade dos metais, por volta de 5.000 a.c. (Braick, Mota, 2007, pg. 28).

A coleta e a caça como meio de subsistência foi dando lugar ao sedentarismo. O ser agora passou a procurar moradia próxima aos rios e terras férteis para o plantio e com isso, não mais vagar em busca da subsistência. A consciência da transformação daquilo que se dispunha na natureza para a criação de utensílios de auxílio no dia a dia deu ao homem a percepção do seu poder de transformador do meio.

Da transformação entre o período da pedra lascada, o período da pedra polida e, da Idade dos metais nota-se a mudança dos materiais empregados na formação dos utensílios auxiliadores utilizados pelo homem do período. Tal situação estava relacionada ao acúmulo de experiências e percepções desenvolvidas por estes indivíduos no seu constante contato e alteração do meio.

Nos dizeres de Patrícia Ramos Braick e Myriam Becho Mota:

Os últimos 100 mil anos do período Paleolítico assistiram ao aperfeiçoamento dos artefatos, num processo de crescente elaboração cultural que deu origem ao arco, a flecha, às lanças e a utensílios variados de argila, osso e dentes. Além disso, as modificações dos ambiente terrestre se refletiam nos hábitos dos homens, contribuindo para a sedentarização de alguns grupos, isto é, sua fixação em determinadas regiões. (2007, pg. 29)

Com isso, esta primeira forma humana de organização social foi aumentando e se tornando complexa. Agora os homens poderiam dispor de conhecimento para domar animais para criação e entender da terra e do clima para produção de seus próprios alimentos. O homem aqui já não esperava pura e simplesmente a natureza, ele, aos poucos, aprendia a dominá-la, sendo trabalho no sentido de mudança do meio a que se estava situado.

O sedentarismo, as novas formas de conhecimento adquiridas, as experiências do contato com a natureza permite-se a validação da complexidade da nova forma de organização social agora em aldeias e pequeno comércio, ainda que sem moeda propriamente dita.

Nota-se o avanço da divisão no trabalho: no período inicial, quase inexistente, se dava apenas para diferenciar as tarefas atribuídas ao homem e aquelas atribuídas às mulheres, não havia, portanto, trabalhadores especializados e produção do excedente. Com a formação das aldeias já se abre para a especialização dos que deixaram de serem agricultores e passaram a serem artesãos, já sendo necessária uma visão de produção de excedente para o comércio.

Com o aumento da complexidade das relações humanas foi dando espaço a outras formas de identidade do trabalho, na medida em que os homens passaram a agrupar-se e a cambiar bens como a forma do que mais tarde se denominou “mercadoria”. A união de algumas aldeias, a formação de cidades, foi dando formação aos impérios e civilizações que se estenderam por todo o território do globo. Não foi diferente na Grécia Antiga.

Sob a perspectiva de trabalho na Grécia antiga, os escravos, devedores ou prisioneiros de guerras eram mão de obra e cada cidade-estado tinha sua própria forma político-administrativa de gerir-se. Nas palavras de Patrícia Ramos Braick e Myriam Becho Mota:

De acordo com o filósofo Aristóteles (que escreveu uma Constituição de Atenas, no século IV a.c.), a sociedade ateniense estava dividida em eupátridas ou “bem nascidos”, ou seja os membros da aristocracia que podiam reivindicar ancestrais prestigiosos, georgói, camponeses, e demiurgói, ou artesãos. Estes três grandes grupos comporiam a classe dos cidadãos. Para ter a cidadania, isto é, gozar de direitos políticos e possuir terras era preciso ter pais e mães atenienses. Os metecos (estrangeiros) e os escravos não eram considerados cidadãos. As mulheres e crianças tinham uma cidadania restrita, pois não podiam participar da vida política. (2007, pg. 76)

O tempo dedicado à pólis, à contemplação do homem considerado “livre” tinha posição mais digna que o labor, uma vez que somente as pessoas que não precisassem se ocupar das atividades ligadas ao campo das necessidades poderiam dar vazão ao que se entendia por ócio: o espaço para o pensamento político/racional.

Tratava-se de uma nítida separação entre o mundo do "labor", ou o mundo da "necessidade" e o mundo regido pela "razão". O trabalho para esta civilização desocupava o “físico” das atividades mentais e reflexivas. Logo, o ócio seria um estado do ser – o estado de estar livre da necessidade de trabalhar e ter a possibilidade de dedicar-se às ideias e ao espírito, na contemplação e busca da verdade, do bem e da beleza.

Para que isso pudesse ser feito, os gregos tinham que dispor de outros para fazer o trabalho braçal. Os escravos faziam essas vezes, portanto. Os trabalhos nos campos, nas minas de minérios, nas olarias, na construção civil, e os domésticos eram executados por escravos. Na Grécia Antiga uma pessoa tornava-se escrava de diversas formas podendo ser através da captura em guerras ou a escravidão por dívidas.

É próprio do povo grego esse processo de reflexão sobre si mesmo, sobre o espaço público e o privado e a importância da pólis, sobre suas características, sobre seu modo de vida e de fazer arte, com essa investigação histórica que se pode aferir a existência e de que maneira se via e se construía o papel do homem na Grécia antiga.

Nos dizeres de Mario Sergio Cortella, no livro intitulado “Qual a sua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética”, o filósofo aduz que:

“no campo da filosofia a noção mais forte em relação à definição de humano é dada por Aristóteles, que, no século V a.C, diz: “O homem é um animal racional”. Ou seja, o que define a humanidade de alguém – e, portanto, a sua dignidade – é a capacidade de dedicar-se ao pensamento e não às obras manuais. A tal ponto que, no mundo escravocrata da filosofia e da ciência gregas, não se faziam trabalhos manuais. Platão, um dos maiores pensadores da história, desprezava o trabalho manual. De tal modo que ele achava que, quando se estabelecessem os infernos, aqueles que deveriam ficar juntos com os escravos lá, eram os pintores, os escultores, todos aqueles que fossem da elite, mas que desenvolvessem alguma atividade com as mãos. O mundo da antiguidade, que é a base da nossa sociedade ocidental, coloca o trabalho como um castigo do ponto de vista moral-religioso ou uma concepção de castigo a partir da vontade dos deuses na cultura grega...”. (Cortella,2017, pg.19)

Nesta senda, importa apresentar as ideias de Aristóteles, no livro Política:

Devemos admitir que não podemos considerar como cidadãos todos aqueles que são necessários à existência da cidade; por exemplo, crianças não são cidadãos no mesmo sentido que um adulto; este é cidadão absolutamente, enquanto as crianças o são incompletamente. Com efeito, nos tempos antigos, entre algumas nações a classe dos artífices era constituída de escravos ou estrangeiros e é por essa razão que a maioria deles hoje tem essa origem. A melhor forma de cidade não deverá admitir os artífices como se fossem cidadãos; mas se forem admitidos, então nossa definição de virtude não se aplicará a todo cidadão e homem livre, mas apenas aos cidadãos isentos das atividades servis. Aqueles que prestam seus serviços nas necessidades da vida aos indivíduos são escravos, e os que trabalham para o público são artífices ou assalariados (Aristóteles, 2010, pg. 121).

Portanto, a disposição da sociedade grega, principalmente da utilização da mão de obra escrava proporcionou o pensamento filosófico de uma aristocracia que justificava em suas leis uma forma de dominação que validava a exploração de determinada parte da polis.  

Nos dizeres de Hannah Arendt, na Grécia clássica, nem o labor, nem o trabalho eram tidos como suficientemente dignos para construir o bios politikos, além do mais:

“...o trabalho escravo pôde desempenhar papel tão importante nas sociedades antigas, e o seu desperdício e improdutividade passaram despercebidos, é que a antiga cidade-estado era basicamente um <<centro de consumo>>, ao contrário das cidades medievais, que eram principalmente centros de produção...”. (Arendt, 2009, pg. 132)

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Portanto, neste ponto é possível perceber que o trabalho, já o influxo de valoração do trabalho humano ao longo das civilizações e da construção do papel do homem como ser social. Num período primitivo o trabalho visto como mecanismo de auto subsistência, longe de excedentes foi sendo valorado em outra significação à medida que as mudanças históricas no seio social se davam passando a ser, na ascensão grega, seara relegada àqueles que não estariam determinados ao pensamento e a reflexão.


2. DO TRIPALIUM À DIGNIFICAÇÃO DO HOMEM ATRAVÉS DO TRABALHO: A MUDANÇA DE PARADIGMA.

A origem da palavra trabalho vem do latim tripalium, nome dado a um instrumento formado por três estacas de madeira, usado na Antiguidade pelos romanos para torturar escravos. Punição e suplício estavam intimamente ligados à ideia de trabalho que se estende do período antigo ao medievo.

O sistema escravista de produção do Império Romano foi dando lugar ao sistema servil de produção, que iria predominar na Europa feudal. O Feudalismo teve origem com a crise do Império Romano, em razão da insegurança gerada pelas invasões dos povos germânicos.

A sociedade medieval era estática, dividida em estamentos. Havia a camada da nobreza feudal, o clero, os servos e pequenos artesãos. Já aqui se constata uma divisão clara de quem trabalha sejam artesão ou servos, (patamar inferior da pirâmide social), quem faz parte de uma nobreza feudal (aqui se inclui os nobres cavaleiros).

A forma servil da idade média em nada tinha a ver com o sistema escravista. O servo detinha pedaço de terra e utensílios para dali tirar o sustento da sua família e não poderia ser vendido, estando ligado à gleba se esta fosse passada para outro senhor (servo da gleba) diferente dos vilões que podiam passar pra outros feudos em busca de trabalho ou lar.

Como forma de controle havia tributos: a corveia que consistia em trabalho compulsório e gratuito nas terras do senhor em dias determinados da semana. A talha, parte da produção do que eram produzidas no manso servil, as banalidades, o uso de ferramentas e utensílios.

Não se deve olvidar, porém, que embora a vida econômica se baseasse na produção agrícola, no período da baixa idade média, a ascensão dos burgos permitiam a produção e circulação de bens entre os domínios senhoris.

Também nesse período existia o referencial religioso católico do trabalho como castigo, sofrimento e penitência do homem, ou seja, dos servos, já que o nobre não deveria trabalhar, pois a sociedade estava dividida nos estamentos com funções bem definidas.

É com o Renascimento que surge a concepção de que o trabalho é inerente ao homem e a ideia de maestria, e perfeição do artesão, que se tornava um verdadeiro mestre ao dominar o ofício desponta. Houve mudanças no plano político, artístico, moral, no comércio e com isso a valorização do Homem (humanismo).

Dessas mudanças ocorridas ao longo deste período importa dizer que o Calvinismo valorizou o trabalho ao criar uma ética favorável ao lucro, ao trabalho árduo e ao enriquecimento pessoal, o que também foi significador para a nova visão do trabalho no seio social, a saber:

A reforma religiosa na Suíça representou, antes de tudo, uma necessidade burguesa. O país estava dividido em cidades-repúblicas, como Zurique, Basileia, Berna e Genebra, todas elas importantes centros comerciais. O poder político nessas cidades estava nas mãos de uma burguesia nascente, impedida de expandir seus negócios devido às fortes barreiras impostas pela Igreja Católica. O clero combatia a liberdade econômica e o crescente lucro dos setores mercantis. A burguesia necessitava, desse modo, de novos parâmetros morais, econômicos e religiosos que legitimassem a obtenção do lucro por meio do comércio e da exploração do trabalho assalariado. (Braick, Mota, 2007, pg.192).

O sociólogo alemão Max Weber aponta a religião como elemento fundamental no processo de valorização do trabalho. Em sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o autor aponta que os protestantes consideravam a dedicação ao trabalho como uma virtude e que essa visão ajudou o capitalismo a ter sucesso em países protestantes.

Ao contrário do sentido de castigo cristão atribuído ao trabalho, na ideologia protestante surgiam os conceitos de vocação e predestinação e o espírito capitalista. Nunca a riqueza tinha sido vista de forma tão positiva o que gerou individualismo e uma nova maneira de viver uma vida disciplinada, com apego ao trabalho e valorização da poupança.

A virada de percepção também ocorre quando o individuo tem a consciência que tem o poder de satisfazer suas necessidades com o fruto do seu trabalho, entendendo “necessidade” não só como sua subsistência, mas também seu lazer, sua satisfação pessoal, seus anseios, a parte subjetiva. O trabalho passou a designar-se como um ato de dignificação do homem e salvação perante Deus, que possibilitaria riqueza e posição social.

Neste sentido, o ser torna-se digno através do trabalho, sendo a dignidade a qualidade moral que impõe respeito; traz ao homem a consciência do seu próprio valor e nobreza de espírito.

Quanto a esta valoração, importa um mergulho na letra da música “Um homem também chora”, de Gonzaguinha. A construção de um imaginário a cerca da vida e dos anseios humanos e das suas fragilidades, suas conquistas diante das dificuldades e do que a própria sociedade espera deste homem, a saber:

“... Um homem se humilha

Se castram seu sonho

Seu sonho é sua vida

E vida é trabalho

E sem o seu trabalho

Um homem não tem honra

E sem a sua honra

Se morre, se mata

Não dá pra ser feliz...”. (Um homem também chora – Gonzaguinha)

A construção da ideia de dignificação do homem através do trabalho passa a ser um dos estigmas sociais mais pungentes. Esta dignificação se estenderá à família do indivíduo trabalhador, uma vez que, no seio daquela família, seus membros estão buscando o seu sustento através do seu trabalho, do seu esforço, de forma honrada e nobre.

A ideia de que todos precisam trabalhar dignamente advém da condição de suprir necessidades como a moradia, alimentação, vestuário, lazer, consumo, de uma maneira geral. É esta a dignidade que o trabalho permite através do dinheiro. A noção de vida digna é aquela de quem tem para suprir suas vontades e suas necessidades, com o produto do seu suor afastando-se os meios torpes e indignos de se conseguir o que se almeja.

Dissemina-se, portanto, a noção de que o trabalho é a condição preponderante (e socialmente aceita) do ser humano realizar-se, uma vez que, por essa ideia, um sujeito sem trabalho seria impedido de se realizar como homem e cidadão.

Com relação a isso, fazendo um adendo na história, ante esta visão do trabalho na vida do indivíduo, o que não se deve deixar de citar é que em um tempo, na sociedade brasileira, as figuras de controle social, como o Estado e o direito, passaram a se preocupar com essa ideia da dignificação do homem através do trabalho. Ascendia então o combate à vadiagem.

O Vadio era o vagante, e está ligado à ideia de espaço público, todo aquele que não tem ocupação, trabalho, ou que nada faz. Aqui, importa destacar, houve uma certa transvalorização do termo, pois o que seria para os gregos a ideia de ócio para produção do pensar, no século XX passou a incomodar a ponto de criminalizar e se tornar um termo pejorativo: Vadio.

O Código Penal Brasileiro de 1940 retirou o tipo penal da vadiagem do seu âmbito específico, remetendo-o ao disciplinamento pela Lei das Contravenções Penais. Este Código Penal é que introduziu no Brasil a classificação bipartida dos ilícitos penais em crimes e contravenções. Assim, o tipo passou então a ser disciplinado como contravenção e prevista no art. 59 da referida lei.

Vadiagem

Art. 59 - Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita:

Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses.

Parágrafo único - A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.

O trabalho, portanto, para além da ideia de dignificação da pessoa humana, aqui estava atrelado a um meio de controle social, uma vez que sob essa ótica, aqueles que trabalham não teria tempo/necessidade de se utilizar de meios ilícitos para conseguir sua subsistência, não representando um perigo para a sociedade.

No Brasil, a preocupação com a vadiagem está intimamente correlacionada à abolição da escravatura, a imigração de trabalhadores livres, a falência de uma sociedade prioritariamente agrária e a emergência de uma sociedade com traços capitalistas.

O desenvolvimento capitalista e as novas forças sociais por ele criadas provocaram uma nova dinâmica na expansão das cidades e do mercado e na divisão da sociedade. O modo de produção feudal e a vida nos feudos foram perdendo lugar frente ao desenvolvimento das cidades, estes pontos efervescentes de trocas de mercadorias. Aos poucos se via, portanto, as mudanças na organização política e jurídica, nos modos de produzir e de comercializar, na lógica de acumulação e poupança e no trabalho, em si.

A ponte criada pelo renascimento cultural e do humanismo, das revoltas protestantes e do mercantilismo foram as bases para a construção e eclosão da indústria. O desenvolvimento industrial e a lógica fabril advinda com as revoluções industriais contribuíram para a formação e o fortalecimento de outro significado do trabalho atrelado à moral burguesa individualista. Ademais, o uso contínuo das máquinas fez com que os industriais passassem a buscar toda forma de mão de obra que pudesse baratear seus custos de produção.

Assim, o trabalho humano evoluiu da subsistência, à torpe escravidão, perpassando pelos servos da idade média. Da valorização do artífice no período renascentista, ao iluminismo da Idade moderna, desembocando na ideia de trabalho digno: aquele que enobrece o indivíduo que não estará mais relegado à vadiagem e aos vícios. Porém, as péssimas condições dos ambientes fabris não fazia jus a lógica de dignidade antes cunhada.     

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Sobre a autora
Ana Amélia Ribeiro Sousa

advogada formada pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Estácio em parceria com o Centro de Ensino Renato Saraiva – CERS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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