Resumo: Trata-se de um estudo elaborado na seara do Direito Administrativo no qual foi feito recorte para se analisar a intervenção do Estado na propriedade particular em busca de identificar a real deficiência de políticas públicas e o mínimo amparo ao proprietário de bem imóvel tombado, pois, acredita-se que o ônus da conservação e preservação do imóvel sobrecai no proprietário do bem sem que este tenha ajuda financeira do maior interessado na preservação que é o Estado. Objetiva-se demonstrar que o poder público não possui políticas públicas eficazes, já que o tombamento é forma de intervir na propriedade particular e salvaguardar o interesse público, para auxiliar e amparar o proprietário de bem imóvel tombado e para isso buscou-se confrontar (a partir do estudo de artigos específicos que integram a Constituição Federal de 1988 e do Decreto Lei 25 de 1937) as responsabilidades inerentes ao Estado, no que diz respeito a subsidiar o proprietário na preservação e conservação do bem tombado, além de descrever a responsabilidade desse na conservação do bem tombado.
Palavras-chave: Estado, intervenção, tombamento
Abstract: It is a study elaborated in the area of Administrative Law in which a cut was made to analyze the intervention of the State in private property in search of identifying the real deficiency of public policies and the minimum protection to the owner of immovable property, it is believed that the burden of conservation and preservation of the property surpasses the owner of the property without the latter having financial assistance from the largest stakeholder in the preservation that is the state. The objective is to demonstrate that public power does not have effective public policies, since tipping is a way of intervening in private property and safeguarding the public interest, in order to assist and support the owner of immovable property, and for this we sought to confront from the study of specific articles that integrate the Federal Constitution of 1988 and of Decree Law 25 of 1937) the inherent responsibilities of the State, with respect to subsidizing the owner in the preservation and conservation of the property listed, in addition to describing the responsibility of this in the conservation of the asset.
Keywords: State, intervention, safeguarding
Introdução
O Direito Administrativo Brasileiro trás em seu escopo vários poderes administrativos utilizados de forma imperativa para manter a ordem social do Estado e, dentre tais poderes, pode-se observar o Poder de Polícia que é empregado de forma discricionária para intervir na propriedade particular do indivíduo.
Neste trabalho abordou-se a intervenção supra e as deficiências de políticas públicas e o mínimo amparo ao proprietário de bem imóvel tombado. Dessa forma objetiva-se demonstrar que o poder público não possui políticas públicas eficazes para auxiliar e amparar o proprietário de bem imóvel tombado.
Material e Métodos
Utilizou-se análise doutrinária acerca do tema em questão aplicando-se o método indutivo para constatação do objetivo específico bem como a pesquisa que irá elucidar de forma explicativa os motivos expostos no objetivo específico.
Confrontou-se, ainda, os deveres inerentes a cada parte da relação à partir do estudo dos dispositivos legais que abordam o tema.
Resultados e Discussão
Falar sobre a intervenção do Estado na propriedade particular requer uma base sólida e ampla compreensão sobre formação do Estado e suas transformações sofridas desde seu gênesis até a presente data considerando a dinâmica cultural dos povos. A partir dessa compreensão torna-se mais claro a utilização do poder de polícia do Estado para se intervir, por meio de tombamento, naquela propriedade particular em prol da coletividade.
Na era medieval a disputa sobre a terra se dava de forma tão constante que fazia-se necessário uma organização e delimitação dos espaços que eram utilizados para vários cultivos objetivando que seu dono pudesse sobreviver em um tempo onde as pessoas se digladiavam por uma gleba de terra. A necessidade de sobrevivência sempre fez com que houvesse uma dinamicidade cultural do ser humano que com a capacidade de raciocinar começa compreender a necessidade de se unirem para juntos serem mais “fortes” e consequentemente alcançarem seus objetivos em comum surge aí, para Thomas Hobbes, o Contrato Social (gênesis do Estado) que de forma bem resumida equivale dizer que o indivíduo “abre mão” de parte de sua liberdade, que entrega e confere poderes limitados ao Estado para que este possa cuidar de seus interesses comuns e punir aqueles indivíduos que transgredirem as leis afixadas no Contrato Social.
É mister fazer um recorte nas funções desempenhadas pelo “garantidor” da ordem e ampliar a visão sobre o que diz respeito aos poderes administrativos que são inerentes às suas atividades, tendo em vista que esse é o foco deste trabalho, assim, cientes da formação e dos poderes conferidos ao Estado iniciaremos os trabalhos contextualizando o significado do poder de polícia que segundo Hely Lopes Meirelles: “é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos, individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado (MEIRELLES, 2004, pág. 129)” e que brilhantemente “traduz” de forma menos técnica dizendo que:
É o mecanismo de frenagem que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que se faz parte de toda administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional. (MEIRELLES, 2004, pág. 129)
Ou seja, o Estado tem a discricionariedade de intervir na propriedade privada no momento em que entender ser necessário para garantir que seja estabelecida ordem social (de interesse coletivo) quando as ações dos particulares forem divergentes do que estabelece o poder estatal. Isso significa dizer que o particular poderá sofrer intervenção do Estado em sua propriedade de maneira que aquele escolherá a melhor forma de intervir, uma vez que, também é discricionário escolher entre: desapropriação; servidão administrativa; requisição; ocupação temporária; limitação administrativa e tombamento.
Os doutrinadores adotam a divisão supra para melhor entender a dinâmica de cada uma das intervenções e como o foco é o tombamento as analises serão sobre esse assunto que pode ser encontrado em legislação geral (constituição) e legislação específica (decreto lei número 25/37, lei do Tombamento) que como pode ser observado possui 81 anos considerando o ano hodierno que é 2018. Assim essas duas legislações serão base para distinguir os responsáveis por promover a salvaguarda e proteção dos bens de interesse público.
Marília Rangel Machado em seu artigo, escrito para o livro Mestres e Conselheiros: Manual de Atuação dos Agentes do Patrimônio Cultural esclarece a genealogia da palavra tombamento e diz:
A origem da palavra tombamento está relacionada à história portuguesa e significa inventariar, arrolar ou inscrever nos arquivos do TOMBO, designação dada a uma das torres da muralha que cercava Lisboa na Idade Média, tendo esta torre a função de guardar documentos. O rito do tombamento repete a ideia da palavra: inscrever bens inestimáveis de natureza cultural e de caráter exemplar em livros do tombo dando a eles uma condição social especial. (MACHADO, 2009, pág. 52)
Esse trecho do artigo demonstra o quão é importante o ato de tombamento na história da civilização, pois, é a forma que se encontrou de garantir, para a posteridade, a preservação do bem imóvel tendo em vista seu valor e importância social. Vale ressaltar que é subjetivo valorar a importância de um imóvel e por isso o “rito” de tombamento pode ser proposto por uma das duas partes a seguir: Poder Executivo e o proprietário do imóvel.
Para que um imóvel seja tombado, tendo como proposta a iniciativa do particular, este deverá procurar o órgão responsável para a realização do tombamento, dessa forma, deverá procurar o Poder Executivo que indicará o departamento responsável para dar início à salvaguarda do imóvel que passará por avaliações que apontarão a possibilidade da proteção e o rito para chegar ao tombamento.
Assim, para que se possa fazer um tombamento o Poder Executivo, seja em qual âmbito for (Federal, Estadual ou mesmo Municipal), deverá manter um conselho, criado por decreto, podendo ele ser normativo, deliberativo ou mesmo com as duas funções integradas. Tal conselho deverá ser paritário com integrantes do poder público e integrantes representando a sociedade que reunir-se-ão periodicamente para decidirem sobre os assuntos de base cultural. Tais reuniões deverão ser registradas em atas e mantidas em local adequado para futuras consultas de órgãos como o IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico) e o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional).
Vale ressaltar que o Estado de Minas Gerais possui um programa de distribuição de imposto voltado para a proteção do Patrimônio Cultural de forma genérica, dessa forma, o recurso pode ser investido no tombamento de imóveis que deverá preencher todos os requisitos do ICMS Cultural (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Assim o valor do imposto recebido pelo Estado de Minas Gerais irá compor o valor a ser repassado pelo ICMS Cultural e para se entender como funciona o ICMS Cultural segue o rito: o Estado de Minas arrecada e recebe da União sua quota parte dos impostos gerados no seu território que subdivide para ser distribuídos; o Estado repassa ao IEPHA que mantém o CONEP (Conselho Estadual do Patrimônio) que delibera sobre as ações de salvaguarda do Patrimônio Cultural a serem desenvolvidas dentro do Estado Mineiro elaborando uma cartilha com as normas a serem seguidas, assim, cada município que tenha interesse de receber o recurso financeiro disponibilizado pelo Estado deverá manter seu próprio conselho e suas normas de proteção patrimonial que servirá de subsidio para manter o bem tombado.
Tempestivamente deve-se lembrar de que para se receber o recurso o município deverá alcançar pontos que serão computados a cada item cumprido, dessa forma quanto mais pontos o município tiver mais recursos receberá. O grande problema dessa forma de pontuação e de distribuição é que a porcentagem repassada continua a mesma enquanto a quantidade de municípios interessados em receber o recurso aumenta a cada ano, assim, o valor rateado entre os municípios não são suficientes para se fazer a salvaguarda de um bem imóvel tendo em vista que está previsto em lei que os bens tombados deverão manter suas características.
Por se tratar de bens com valor histórico não será qualquer empresa que poderá prestar serviços de conservação, dessa forma, os serviços prestados são de alto valor econômico, o quê inviabiliza o tombamento tendo em vista que o proprietário é quem deverá arcar com os custos de salvaguarda, assim, muitos desistem já que após o tombamento o bem não poderá sofrer mudanças.
Até mesmo para o Poder Público há uma grande dificuldade de se fazer obras de restauração visto que são projetos complexos e muito burocráticos. Empresas devem participar de processos licitatórios e como a concorrência entre as que existem são muito grande algumas abaixam muito o valor para conseguir vencer a licitação, assim, não suportam o peso da obrigação de arcar com o valor da obra, e em algumas situações sua margem de lucro não é o suficiente para se manterem no mercado altamente concorrido.
Lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro que a constituição aduz que:
Aos Municípios foi dada a atribuição de ‘promover a proteção de patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual’ (art. 30, inciso IX). Vale dizer que eles não têm competência legislativa nessa matéria, mas devem utilizar os instrumentos de proteção previstos na legislação federal e estadual. (PIETRO, 2016, pág.177)
Nessa mesma doutrina Di Pietro chama a atenção para os efeitos do tombamento no qual “... resultam para o proprietário obrigações positivas (de fazer), negativas (não fazer) e de suportar (deixar de fazer). (pág. 183)”. Com isso o leitor é remetido ao art. 19 da lei 25/37 no qual se pode ler:
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa. (sic)
Aqui percebe-se qual a obrigação do proprietário do bem tombado bem como as consequências (punição) aplicada ao indivíduo que não seguir as indicações no artigo em tela. Assim, mesmo sabendo que a responsabilidade do município é de promover subsídios para a proteção do patrimônio de interesse público (art. 30, inciso IX. CF/88) o proprietário poderá sofrer sanções (art. 19. DL 25/37) caso não consiga preservar sua propriedade.
Cada município possui sua própria lei que visa a salvaguarda do patrimônio cultural de seu território bem como políticas públicas de subsídios, assim, por meio de seu órgão responsável pela proteção (Conselhos municipais de proteção do Patrimônio Cultural) ele tem a responsabilidade de promover forma específicas de conservação. Como dito anteriormente o município pode participar do ICMS Cultural para angariar recursos a serem investidos em sua cultura, mas a burocracia para ser receber o recurso é muito grande o que inviabiliza tanto investimento.
Para que o ICMS Cultural seja depositado na conta do município ele deverá estar dentro das normas estipuladas pelo CONEP que analisa item por item para pontuar o município que receberá seu valor de acordo com sua pontuação. Após o calculo da pontuação a Fundação João Pinheiro[1] calcula quanto cada município vai receber levando em consideração, além dos pontos do CONEP, a população de cada município, assim, aquele município menor receberá menos do que o município com maior população.
O que poucos sabem é que nas diretrizes do CONEP, o município deverá investir, no mínimo, cinquenta por cento do valore recebido em patrimônio cultural, assim, o que muitos prefeitos fazem é investir a quantidade indicada em lei e o restante eles aplicam em outro setor que não o do patrimônio cultural. Essa pratica inviabiliza mais ainda já que além do valor ser escasso o restante não é bem aplicado.
Essa é uma pratica muito usual entre os gestores do executivo, pois, não há lei que os proíba de se utilizar o recurso da forma que desejasse e isso atraia muitos gestores já que o restante do valor não precisava ser “comprovado” o seu investimento, dessa forma o valor pode ser direcionado à educação, saúde, transporte e vários outros departamento sem a devida fiscalização.
Alguns municípios possuem programas para incentivar o tombamento de patrimônio, como por exemplo, o abatimento do valor do IPTU (Imposto Predial e Patrimonial Urbano) daqueles bens tombados, mas deve-se lembrar que o valor é tão pequeno que não justifica fazer o tombamento do bem só para receber um desconto no imposto supra.
Conclusões
O que se pode concluir deste trabalho é que as leis abordas estão defasadas tendo em vista a data da elaboração de tais dispositivos bem como as constantes mudanças culturais. A todo o momento vivemos constantes modificações em nosso modo de vestir, falar, comer etc, porém, as leis que regem o patrimônio tombado continua a mesma de décadas atrás onde a visão era completamente diferente do que vivenciamos nos dias atuais.
O Poder Executivo deve elaborar leis mais convincentes para tornar viável e atrativo o tombamento de imóveis tendo em vista a grande necessidade de proteger a atual memória. Além disso, deveria reajustar o valor do repasse para cada município tendo em vista que a cada ano surgem mais municípios interessados no ICMS Cultural enquanto o valor continua o mesmo.
É imprescindível maior participação do Estado no que se refere à ajuda financeira, pois, muitas vezes, o proprietário do bem tombado não suporta a obrigação de conservar seu imóvel devido às várias restrições impostas a ele. Vale ressaltar que há um embate acerca da objetiva informação das responsabilidades, já que o Estado tem suas obrigações, mas se exime das mesmas que são repassadas ao proprietário do bem tombado que é a parte frágil da relação no qual sofre mais penalidades sem receber subsídios necessários para garantir a preservação de seu bem que segundo o Estado é de interesse público.
Já que cada município possui sua própria lei de proteção ao patrimônio, que não pode divergir da lei constitucional, cada gestor deveria promover outras formas de arrecadação para repassar ao proprietário do imóvel tombado e não “sufoca-lo” com leis burocráticas que dificultem e inviabilizam o interesse em proteger seu patrimônio.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Anne Joyce Angher. 24ª Ed. - São Paulo: Rideel, 2017.
BRASIL. Decreto n. 25, de 30 de nov. de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, Brasília, DF, Nov. 1937.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 29ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.
MEIRELLES, Heli Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
WEFFORT, Francisco C. Org. Os clássicos da política. Vol. 1. 13ª Ed. São Paulo: Editora Ática, 2006.
Notas
[1]A Fundação João Pinheiro (FJP) disponibiliza em seu site os valores, do ICMS Cultural, recebidos por cada município. Os valores podem ser analisados por município, por mês e por ano. Para mais informações acessar: http://www.fjp.mg.gov.br/ na página principal acessar o link: “LEI ROBIN HOOD” localizado no canto direito. O link o redirecionará para a página específica no qual no canto esquerdo da página o internauta deverá clicar novamente na aba “Transferência” que abrirá uma subpasta com o nome: Pesquisa por Município. Logo em seguida é só escolher o município do interesse e verificar o valor recebido.