INTRODUÇÃO
A presente abordagem tem por escopo análise da gratuidade na Lei 1.060/50 e, agora, perante o Código de Processo Civil, seja para o Rito Comum ou para o Rito Especial regido pela Lei 9.099/95 como meio de acesso à justiça.
Em específico, serão abordados: possibilidade, momento oportuno, pedido, impugnação, indeferimento e o meio de pretensão de reforma por recurso de agravo de instrumento, apelação ou, até mesmo por mandado de segurança.
INAFASTABILIDADE E ACESSO À JUSTIÇA
O uso da máquina judiciária para a resolução de controvérsias tem por pressuposto a inviabilidade ou impossibilidade de resolução de conflitos entre partes por via extrajudicial, consoante direito fundamental firmado na Constituição Federal, artigo 5º, XXXV, logo, “não têm apenas direito à jurisdição – diante da ordem jurídica brasileira, têm direito à jurisdição com cobertura universal a ser prestada por um juiz natural” (Marinoni, 2017, p. 187), pois, diz o artigo, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, cujo qual se encontra reproduzida na Lei 13.105/2015, o Código de Processo Civil, conforme seu artigo 3º. Daí entende-se o dever do “Estado, portanto, conceder a gratuidade, eximindo os hipossuficientes da obrigação de recolher custas e de arcar com despesas processuais” (Cambi, 2017, p. 163). Nesse sentido, Artemio Zanon entende se “tratar de uma meta da justiça que o interessado viabilize a preservação de seu direito. O Estado coloca à disposição do jurisdicionado a máquina do aparelhamento judiciário de que dispõe”.
Tal disposição é pospositiva das Constituições de 1946 e 1967, artigos 141, §4º e 150 §4º, respectivamente, bem como da Emenda Constitucional 01/1969, em seu artigo 153, §4º.
Em que pese a previsão constitucional e processual civil, o requisito inicial para o acesso, após as formalidades jurídicas, se faz mediante o desembolso de valores para a manutenção da ação judicial, seja no início, como obriga o Código de Processo Civil, artigo 82, seja em fase recursal conforme a Lei 9.099/95, artigos 42 e 55.
Por isso, o ordenamento jurídico pátrio prevê a isenção de custas processuais, honorários sucumbenciais, periciais, dentre outros para que aquele que se encontre em hipossuficiência financeira possa ter o mesmo direito, mesmo que representado por advogado particular, seja pessoa física ou jurídica, o que se compreende como um direito fundamental de segunda geração.
Atualmente, a possibilidade se encontra disposta no Código de Processo Civil, na seção IV do Capítulo II, a partir do artigo 98 até 102, o que antes estava previsto na derrogada Lei 1.060/50.
Logo, o pedido possui formalidade processual a ser cumprida, bem como o tempo oportuno para tanto, seja para o rito comum ou para o rito especial perante a Lei 9.099/95.
DA POSSIBILIDADE
Atualmente, em via processual, o pedido pode possui sua força nas provas trazidas para demonstrar a hipossuficiência financeira. Destaca-se que esta não é atrelada ao rendimento do peticionário, mas, sim, quanto a possibilidade de desembolsar determinada quantia para impulsionar a marcha processual, independentemente da quantia auferida pela pessoa física ou jurídica.
Nesse sentido a vetusta jurisprudência aponta que no ano de 1953 no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi proferido pelo Desembargador Horácio Braga: “A lei não exige a condição de miserabilidade para a concessão do benefício. É apenas mister demonstrar a impossibilidade de custeio da ação sem prejuízo do sustento próprio, ou da família”.
Destaca-se que na vigência da Lei 1.060/50 a pessoa jurídica foi albergada por força jurisprudencial, nesse sentido Embargos De Divergência Em Recurso Especial Nº 388.045 - RS:
[...] II- Com relação às pessoas jurídicas com fins lucrativos, a sistemática é diversa, pois o onus probandi é da autora. Em suma, admite-se a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, com fins lucrativos, desde que as mesmas comprovem, de modo satisfatório, a impossibilidade de arcarem com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade.
Posteriormente foi solidificado o entendimento sumular nos termos do verbete 480 do Superior Tribunal de Justiça, pois: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.
Atualmente, nos termos do artigo 98, a “pessoa natural ou jurídica está possibilitada perante a benesse, seja brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”. E, por fim, nos termos do §4º, artigo 99 do CPC, a “assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça”.
MOMENTO OPORTUNO
Caso o peticionário opte pelo rito comum, o pedido pode ser formulado “na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso”, fulcro artigo 99 do Código de Processo Civil. Ou quando for “superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso”, conforme o §1º.
Se optado pelo rito especial previsto na Lei 9.099/95, tal pedido encontra o momento oportuno quando da utilização da via recursal, ainda com base no citado artigo 99 do Código de Processo Civil, haja vista a expressa determinação de recolhimento de preparo, in verbis:
Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. § 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.
Nos termos da Lei, existe, ainda, a responsabilidade sucumbencial:
Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.
Por isso, havendo pretensão recursal e impossibilidade de recursos, este é o momento oportuno no rito especial regido pela lei 9.0999/95
PEDIDO
Nos termos da Lei 1.060/50, era bastante a simples afirmação de incapacidade financeira mediante documento particular “sem prejuízo próprio ou de sua família”, o que gozava da devida presunção, nos termos de seu §1º, conforme alteração trazida pela Lei 7.510/86.
Ainda que a lei conferisse tal prerrogativa mediante a simples afirmação, a atual Constituição Federal consignou a gratuidade “aos que comprovarem insuficiência de recursos”, fulcro artigo 5, LXXIV.
Logo, restando dúvida quanto à possibilidade da concessão da benesse, necessário que haja a comprovação, o que encontra apoio na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, anteriormente citados, Embargos De Divergência Em Recurso Especial Nº 388.045 - RS:
III- A comprovação da miserabilidade jurídica pode ser feita por documentos públicos ou particulares, desde que os mesmos retratem a precária saúde financeira da entidade, de maneira contextualizada. Exemplificativamente: a) declaração de imposto de renda; b) livros contábeis registrados na junta comercial; c) balanços aprovados pela Assembléia, ou subscritos pelos Diretores, etc.
O atual ordenamento também aponta a presunção de veracidade a “alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”, porém, entende-se sua relatividade, o que possibilita ao magistrado solicitar documentos para conhecer a capacidade financeira do peticionário, conforme o artigo 99, §2º.
IMPUGNAÇÃO
Se por um lado a gratuidade beneficia o agraciado, por outro, ela desinteressa a parte contrária, que em possibilidade de êxito de sua pretensão se vê obstado em restituir custas que adiantou, conforme determina o §2º do artigo 82 do Código de Processo Civil. E, especialmente, ao patrono vencedor, que deixará de angariar a verba sucumbencial, ao menos pelo prazo prescricional, nos termos do §3º do artigo 98:
Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
Essa previsão não retira a obrigatoriedade do litigante beneficiário de arcar com as despesas processuais, no entanto, “o que realmente faz a diferença é o fato de que, nos casos de gratuidade de justiça, a exigibilidade do pagamento das custas e honorários fica suspensa pelo prazo de cinco anos, do trânsito em julgado da decisão que fixou a sucumbência” (NERY, 2015, p. 473).
Por isso, a peça impugnatória da benesse concedida é a medida hábil para aquele irresignado. Antes a impugnação da gratuidade concedida era feita através de incidente conforme previa a Lei 1.060/50:
Art. 6º. O pedido, quando formulado no curso da ação, não a suspenderá, podendo o juiz, em face das provas, conceder ou denegar de plano o benefício de assistência. A petição, neste caso, será autuada em separado, apensando-se os respectivos autos aos da causa principal, depois de resolvido o incidente.
Em prol da economicidade de celeridade o Código de Processo Civil inovou a impugnação mediante contestação em sede de preliminar, conforme o artigo 337, inciso XIII.
Obviamente, quando o pedido for feito no curso da demanda ou em sede de apelação, entende-se necessário que o interessado se manifeste sem necessidade de incidente.
Portanto, considerando a aplicação subsidiária da processualística comum a especial, quanto esta silente, entende-se possível que a impugnação seja feita de modo simplificado de igual forma.
INDEFERIMENTO
Feito o pedido “se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, o juiz, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas”, conforme o artigo 5º da Lei 1.060/50. Caso entenda necessário, o julgador solicitará documentação complementar,
No Código de Processo Civil (art. 99, §2º) “juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos”.
Tendo o julgador singular de primeiro grau entendido pelo indeferimento da benesse em decisão interlocutória, o Código de Processo Civil prevê expressamente em seu rol taxativo a possibilidade de agravo de instrumento, conforme o artigo 1.015, V, “exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação”, conforme o artigo 101.
Caso o indeferimento ocorra perante o juízo ad quem, a irresignação será sustentada pelas vias ordinárias de Agravo Interno, Recurso Extraordinário ou Recurso Especial.
Tratando-se do rito especial, não existe possibilidade de interposição de agravo de instrumento, no entanto, se a decisão estiver eivada de abuso de poder e o pedido for líquido e certo, o Mandado de Segurança se mostra a ferramenta hábil para tanto, cujo qual será processada e julgada perante a Turma Recursal, seja contra o juízo a quo, ou, até mesmo, o próprio juízo ad quem, conforme depreende-se do julgamento do Mandado de Segurança diante da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Paraná:
MANDADO DE SEGURANÇA. PROFESSOR ESTADUAL. JUSTIÇA GRATUITA. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO SINGULAR. VERBA SALARIAL PERCEBIDA INFERIOR A SEIS SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPROVANTES DE DESPESAS ORDINÁRIAS NOS AUTOS. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PROVA DA SITUAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. DIREITO LIQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. [...] No caso dos autos demonstrou a impetrante, professora estadual, através de documentos hábeis que percebe renda mensal inferior a seis salários mínimos, o que aliado à declaração de pobreza e à comprovação documental de diversas despesas mensais suportadas, permite convicção segura da situação de hipossuficiência. Ordem concedida.
Mesmo diante da possibilidade de impetrar o Mandado de Segurança de se observar que a tal demanda não é sucedâneo recursal, portanto, seu uso somente se enquadra na previsão específica, nos termos da Lei 12.016/2009.
CONCLUSÃO
Considerando que o poder judiciário, usualmente, trata de conflitos de interesse, sempre se encontram os óbices e benesses aos pedidos pleiteados, em especial, à gratuidade, já que esta, como dito, beneficia o albergado e poder desinteressar a parte contrária, seja pela despesa processual, seja pelo advogado que visa a sucumbência, oportunidade que pode ser registrada a irresignação por via impugnatória e recursal.
O preparo documental é fundamental e a veracidade da alegação são os pilares para a sustentação e deferimento do pedido, posto que aquele que alega falsamente hipossuficiência financeira, “em caso de má-fé, será condenado a pagar até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa”, fulcro artigo 100, parágrafo único do Código de Processo Civil.
De igual forma as provas são fundamentais ao interessado no combate da benesse concedida, posto que a alegação de suficiência de recursos deve ser devidamente comprovada para evidenciar a probabilidade revogação.
Desse modo, seja para o deferimento ou para a cassação da da benesse em estudo, necessário conjunto probatório que evidencie a probabilidade do direito pleiteado, pois a norma não prevê a mera alegação como fundamento para concessão ou não de qualquer pedido.
Bibliografia
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Curso de processo civil completo / Eduardo Cambi... [et al.] – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
Comentários ao Código de Processo Civil/Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery, - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015
Da assistência judiciária integral e gratuita: comentário à Lei da Assistência Judiciária (Lei n. 1.060, de 5-2-1950, à luz da CF de 5-10-1988, art. LXXIV e direito comparado) Artemio Zanon. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 1990.
Novo curso de processo civil: teoria do processo civil volume 1/ Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. – 3 ed. rev. atual. e ampl.. – São Paul; Editora Revista dos Tribunais, 2017.
Recurso Especial nº 388045 / RS, Min. JOSÉ DELGADO – PRIMEIRA TURMA Disponível em: www.stj.just.br. Acesso em 22 de Outubro de 2018.
Superior Tribunal de Justiça, Súmula 480. Disponível em: www.stj.just.br. Acesso em 22 de Outubro de 2018.
Turma Recursal Única do Estado do Paraná, 2ª Turma Recursal dos Juizado Especiais, Mandado de Segurança n° 0003303-74.2017.8.16.9000. Disponível em: www.projudi.tjpr.jus.br. Acesso em 22 de Outubro de 2018.