Responsabilidade civil por abandono afetivo inverso

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28/11/2018 às 12:17
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Trata-se de assunto de suma importância no âmbito jurídico e social, já que estão relacionados em termo de proteção e cuidado ao idoso.

3. PROTEÇÃO DO IDOSO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O ABANDONO AFETIVO INVERSO

Garantir o direito do idoso é, antes de tudo, assegurar sua qualidade de vida, promovendo a dignidade da pessoa humana[1]. Tal dignidade foi alçada ao centro do ordenamento jurídico atual, que viabiliza a proteção dos direitos dos idosos, dando ênfase para a efetividade dos dispositivos legais que tratam sobre estes indivíduos.

3.1. Direito dos Idosos

Nos termos da lei, o Estado deve amparar a todos de forma igualitária e promover ações voltadas a garantir o acesso ao lazer, saúde, o transporte de forma gratuita ou com descontos, e a família tem o dever de cuidado, tanto financeiro quanto sentimental, já a sociedade tem o dever de pôr em pratica e garantir o que o Estado determinou como direito do idoso.

O Artigo 10 do Estatuto do Idoso[2] prevê que é obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis, ou seja, deve haver uma obrigação solidaria da família, do Estado e a sociedade com o idoso, tratando sempre o mesmo como a parte mais frágil, e prioritária.

O Estatuto do idoso foi criado no intuito de resguardar especificamente o Direito da pessoa idosa, tendo sua origem fundida de um embasamento na bioética, ele abrange todos os pontos considerados como principais para o exercício de cidadania e bem-estar do idoso, como disserta Paulo Frange:

O Estatuto do Idoso é um verdadeiro exercício bioético. Começou pelo que poderia chamar de Comissão de Bioética, já que ele é fruto de trabalho conjunto de parlamentares, especialistas, profissionais das áreas de Saúde, Direito, Assistência Social e das entidades e organizações não governamentais voltadas para a defesa dos direitos e proteção aos idosos. Tudo está contemplado no Estatuto: a saúde, a educação, a habitação, a ação do Ministério Público para acelerar processos em defesa do idoso. Poderíamos dizer que o Estatuto do Idoso representa um exercício de cidadania no resgate da dignidade da pessoa humana (contemplado na Bioética).[3]   

Atualmente, o Estatuto do Idoso é o texto exclusivo de proteção aos direitos e deveres dos idosos, é o meio o qual está estabelecido toda a proteção e o que deve ser assegurados aos mesmos, como por exemplo, a respeito da saúde, bem-estar, entre outros, sendo todos estes direitos considerados de suma importância para que o idoso tenha um envelhecimento saudável e protegido por todos, conforme o texto da Lei prevista no Estatuto do Idoso:

Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; III – em razão de sua condição pessoal.[4]

Com observação ao artigo 43 do mesmo texto legal, é notória obrigação da sociedade, do Estado e da família em zelar pelo direito de cidadania do idoso e, também dos demais direitos a serem exercidos do mesmo. Desta forma, todos são responsáveis pela eficácia da proteção às pessoas idosas, e que os meios de proteção e sanções serão aplicados sempre que estes direitos forem ameaçados ou infringidos.

Ademais, cabe ressaltar que o idoso também deve impor sua interação e inclusão no meio social, e, em situações de desrespeito aos direitos protegidos, o idoso ou qualquer pessoa tem autonomia para recorrer às autoridades competentes, sendo o Ministério Público zelador pelos direitos do idoso, atuando de forma que averigua qualquer informação de violação ou desrespeito aos direitos do idoso, tendo como os princípios já mencionados como uma base para esse devido direito, de acordo com o artigo 45 do Estatuto:

Art. 45. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 43, o Ministério Público ou o Poder Judiciário, a requerimento daquele, poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar; IV – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação; V – abrigo em entidade; VI – abrigo temporário.[5]

Com objetivo de resguardar a tutela da pessoa idosa, conforme mencionado no artigo, suportará aos entes cabíveis, determinar algumas medidas previstas no Estatuto do Idoso para inclusão social do idoso, e melhor qualidade de vida, onde será analisado qual o melhor meio para a pessoa necessitada da providência.

3.2.  Abandono Afetivo no Direito Brasileiro

A sociedade tem como base as famílias, sendo que fica bem claro que sua desestruturação prejudica a todos a sua volta, sendo que na atualidade do Direito de Família, uma grande preocupação gira em torno das relações de afeto entre pais e filhos, bem como seu papel no desenvolvimento da criança. De acordo com a autora Grace Regina Costa[6], o abandono afetivo pode ser compreendido como “omissão de cuidado, de criação, de educação, de companhia e de assistência moral, psíquica e social que o pai e a mãe devem ao filho quando criança ou adolescente. ”.

A sociedade brasileira[7] vem de um modelo de família nuclear burguesa, patriarcal, com suas relações que obedeciam a uma hierarquia, com regras, crenças e padrões autoritários e relações de subordinação, sendo que qualquer família que fugisse a este padrão era tachada como diferente desestruturada e inadequada. Na família moderna, porém, foram quebrados vários mitos e paradigmas, onde as inter-relações ocorrem, de maneira mais igualitária, respeitando-se a individualidade e a subjetividade, com noções de mérito, dívida e delegação de tarefas entre seus membros. Segundo afirma a autora Maria Berenice Dias:

O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.[8]

A família, porém, continua sendo fundamental para todo o sujeito, sendo que, sob proteção da Constituição Federal, tem como objetivo a dignidade da pessoa humana de onde nascem todos os outros direitos, deixando a família de ter apenas uma função produtiva e reprodutiva, passando a ser uma entidade de afeto e de solidariedade, organizada em relações pessoais, cujo principal foco é o desenvolvimento da pessoa humana, tendo como função primordial criar e manter um ambiente propício aos relacionamentos significativos, incluindo a pessoa na comunicação, não podendo nenhum outro sistema parcial substitui-la.

O abandono afetivo[9], todavia, caracteriza-se pela omissão dos pais com relação ao dever de convivência, zelo e assistência afetiva e moral, sendo que o Estatuto da Criança e do Adolescente tipifica como crime o abandono moral do filho menor de dezoito anos, prejudicando lhe o desenvolvimento psicológico e social.

No âmbito jurídico, o tema afeto não possui ordenamento jurídico, todavia, tornou-se polêmico ao adentrar a vida das pessoas em sociedade e influencia-las de maneira geral, seja positiva ou negativa, sendo necessário analisar o caso concreto de forma prudente e cautelosa. Embora o Princípio da Afetividade não esteja expresso em nosso ordenamento jurídico, encontra-se implícito em inúmeras disposições positivadas em nossa Constituição Federal[10]: na igualdade de filhos, independente de origem, na adoção; no reconhecimento da união estável, na família homo afetiva, na liberdade de decisão sobre o planejamento familiar, dentre outros.

Sendo, portanto, o Abandono afetivo a base para que também possam responsabilizar os filhos pelo abandono em face de seus pais, pois é por meio deste que norteiam a mesma aplicabilidade em inverso, tratando-se de um mecanismo de analogia. Isto é, uma forma de integração do Direito, uma vez que não a lei que discipline objetivamente o abandono afetivo.

3.2.1 Abandono Afetivo Inverso

De acordo com dados do Censo Demográfico do IBGE, o total de idosos no Brasil, atualmente, representa 8,65 da população brasileira, divididos na seguinte proporção por regiões: Norte: 5,79%; Nordeste: 8,42%; Centro oeste: 6,13%; Sudeste: 9,55% e Sul: 8,55%[11].

O aumento da população idosa constitui tema de debate entre pesquisadores, gestores sociais e políticos de vários países do mundo. Como evidenciado por diversos estudos, a população brasileira, também, vem envelhecendo de forma rápida. Neste sentido, os dados demográficos mostram a necessidade urgente dos gestores e políticos brasileiros observarem o panorama dessa transição, e, em conjunto com a sociedade, num breve espaço de tempo, discutirem as políticas públicas de atenção ao idoso.

Até a década de 70, do século XX, no Brasil[12], os idosos recebiam, principalmente, atenção de cunho caritativo de instituições não governamentais, tais como entidades religiosas e filantrópicas. No aspecto legislativo, os idosos foram mencionados em alguns artigos, decretos-leis, leis, portarias, entre outras.

Sabe-se conforme foi anteriormente ressaltado, que uma pessoa é considerada idosa quando se encontra com 60 anos ou mais de idade[13], sendo que essa faixa representa boa parte da população brasileira atual. No entanto, essa faixa etária caracteriza-se por cuidados especiais com essas pessoas, apesar desse conceito estar se transformando com o tempo. Muitos idosos, nessa faixa, já se encontram, porém, asilados e apresentando doenças físicas ou emocionais, como a depressão, muitas vezes nem tanto por doenças causadas apenas pela idade, mas provocadas pela falta de afeto ou de zelo por seus familiares e pela sociedade em geral. Nessa perspectiva é importante lembrar que:

A construção do afeto, a ajuda mútua e a compreensão são aspectos essenciais para um convívio fortalecido e agradável entre o idoso e família. Contudo, se a convivência entre ambos apresentar turbulências, podem ocorrer desentendimentos e desgastes no relacionamento, assim como, a coabitação simultânea de várias gerações de uma mesma família é mesclada a diferentes visões de mundo e de valores das quais podem surgir conflitos. Portanto, o idoso por ter reduzida flexibilidade a mudanças tem dificuldades na sua adaptação a essa nova realidade de coabitar no mesmo ambiente com pessoas de gerações distintas, o que reforça a dependência do idoso à família.[14]

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Também, nessa mesma perspectiva, a Lei N.º 10.741[15], de 1.º de outubro de 2003, que trata sobre o Estatuto do Idoso, traz em seu artigo 3º, inciso V, que uma das suas garantias é a priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência.

Essa exclusão, porém, é um fato preocupante em todo o mundo, um problema que se avoluma na medida em que cresce também o número de idosos na população, sendo que a baixa prioridade atribuída aos idosos pelas políticas públicas (assistenciais, previdenciárias e de ciência e tecnologia)[16] evidencia uma percepção inadequada das necessidades específicas deste segmento populacional.

Estando o idoso assim agregado à família, esta deverá prestar-lhe toda a assistência necessária, promover as medidas protetivas, implementar propostas preventivas com vistas à reinserção no seio familiar, reconhecendo sua participação no desempenho do papel como membro e como Cidadão sujeito de direitos e deveres na nova situação familiar, onde o idoso deverá sentir-se querido, ouvido e respeitado em sua individualidade, resgatando a cidadania desvalorizada por sua exclusão e destituição de sua posição anteriormente ocupada. Nesse diapasão, a família deverá repensar o seu papel, deixar de ser apenas núcleo econômico e passar a ser um alicerce de segurança afetiva ao idoso.[17]

A partir da valorização do afeto nas entidades familiares, surge então o debate acerca do abandono afetivo, com objetivo de ser considerado como vínculo familiar, significando ampla proteção e cuidado, buscando o melhor interesse na relação familiar, a sua falta constitui, em contraposto, gravame detestável e determinante de responsabilidade por omissão ou negligência. Assim, caracteriza-se o abandono afetivo inverso[18], também é conhecido como ás avessas ou invertido, é a ausência de afeto, o não cuidar, dos filhos para com os pais, destacando-se o fato dos pais serem idosos.

Em razão dessa problemática, os familiares passam a institucionalizar seus idosos como forma de fugir das responsabilidades oriundas de uma pressuposta incapacidade produtiva, somada com o aparecimento progressivo de doenças e dificuldades funcionais que, classifica como declínios biológicos e interferem na dinâmica da família, que passa a excluir o idoso de sua rotina e tomada decisões.

3.2.2 Consequências Provenientes do Abandono Afetivo Inverso

A família é fundamental para todo o sujeito, sendo que para os idosos ela se torna essencial, pois os mesmos encontram-se mais vulneráveis, fragilizados, seja por decorrência de problemas de saúde ou pelas mudanças que ocorrem nos aspectos biopsicossociais na vida do idoso. A autora traz que

O sistema jurídico estabelece uma política familiar pelo Poder Público que controla e protege a manutenção das relações familiares. Para tanto, a proteção devida à família trata-se de norma constitucional, de eficácia plena e aplicabilidade imediata, sendo certa a também tutela ao idoso por parte da família.[19]

Os novos arranjos familiares brasileiros – ocasionados por diversos fatores, seja fatores socioeconômicos, demográficos, de saúde, separações, mortalidade, viuvez, novos casamentos e migrações, reduzem a perspectiva de envelhecimento em um ambiente familiar seguro, o que faz com que muitas vezes o idoso more sozinho, com outros parentes ou em instituições de longa permanência para idosos. Têm –se uma breve conceituação da tal nova perspectiva de família:

A família que agora conhecemos é restrita ao grupo conjugal e aos filhos, em geral poucos; inclui cada vez menos parentes, agregados e protegidos. Uma larga parentela de tios, primos, padrinhos, rodeava de tal maneira o núcleo conjugal que ele se sentia parte de um todo maior. Nos moldes de hoje – em sentido estrito senso – rema conta a maré de uma sociedade concorrencial, onde a perda de um de seus poucos é absoluta e irremediável. Falta-lhe o envolvimento da grande família de outrora em que o bando de primos fazia às vezes de irmãos, e onde tios, parentes e agregados acompanhavam a criança desde o berço.[20]

A atualidade que vivemos, em uma sociedade capitalista, a pessoa idosa é considerada como incapaz para o trabalho ou para o setor produtivo, sendo que essa desvalorização da pessoa idosa gera uma discriminação, o que faz com que o idoso perca os meios de prover sua própria subsistência e suas necessidades básicas, o afastando do meio social em que vive, excluindo – o. Assim, traz ainda Ana Maria Viola de Souza que:

A sociedade contemporânea faz a colocação do idoso em sua população, esquecendo de suas necessidades, características e suas peculiaridades e elevando-o muitas vezes a esquecer-se de si mesmo para que, uma vez não sendo lembrado, não cobre nada de ninguém. Passa a não existir.[21]

A ausência afetiva além de abalar a saúde, o estado psíquico e emocional, afeta a alma.  Ainda não há uma forma de tarifar o afeto, ou melhor, a falta dele. Também não há como exigir o amor, carinho e atenção a quem tem o dever de cuidar.[22]

Destarte, a sensibilidade que antes existia em relação ao afastamento dos idosos da vida social evaporou rapidamente em vários contextos familiares, dando lugar à racionalização dos motivos, existindo expectativas e sentimentos que não podem ser compartilhados quando se chega à velhice, sendo que o principal deles é a solidão, causada como consequência do referido afastamento social, sendo observado que

A inatividade gera a solidão, não como sentimento, mas como maneira de ser em nossa sociedade. Com a aposentadoria, o idoso se afasta dos colegas de trabalho, deixando o tempo totalmente ocioso, tempo em que o idoso se sentirá mais velho. O idoso é destituído de seu papel de guardião do lar, substituído por filhos no comando, sendo despojado de suas coisas, suas lembranças, seu espaço, haja vista que os outros membros da família têm outros interesses, e a casa já não tem o mesmo aconchego de antes.[23]

Sendo assim, os fatores de risco para a institucionalização do idoso, como morar só, suporte social precário e baixa renda, associados à viuvez, aposentadoria, menor oportunidade de empregos formais e estáveis e aumento de gastos com a própria saúde, são cada vez mais frequentes no Brasil, sendo que assim, os idosos, muitas vezes são colocados às margens do convívio social, vivendo em instituições asilares, principalmente devido à fragilidade do tripé família-Estado-sociedade, que tem sido incapaz de garantir a manutenção de idosos com baixos níveis de dependência em seu domicílio.

Nas relações sociais, principalmente nos grupos familiares, a tutela jurisdicional prestada pelo Estado não tem sido efetiva em relação ao idoso. Este necessita ser considerado um cidadão pleno, respeitado em sua dignidade, inserido no atual contexto social, cujo êxito somente ocorrerá com a proteção jurídica da pessoa humana através da tutela da família, enquanto organismo social[24]

Vale ressaltar que a unidade familiar é de suma importância na (co) existência dos idosos. Pois, é inserido na família que muitos problemas podem ser evitados nas práticas sociais, visto que um idoso amparado tende a se sentir mais seguro para enfrentar os dissabores da vida. Como já mencionado, a família, junto ao Estado[25] e à sociedade, é responsabilizada constitucionalmente pela proteção aos idosos.

Sendo assim, o idoso institucionalizado, afastado de sua família, de sua casa, de seus amigos e das relações nas quais sua história de vida foi construída, constitui, quase sempre, um grupo privado de seus projetos, podendo associar-se a essa exclusão social as marcas e sequelas das doenças crônicas que os mesmos possuem, que são os motivos principais de sua internação inclusive nas Instituições de Longa Permanência.

As leis de proteção e amparo aos idosos somente terão eficácia com a conscientização e a normatização, condicionando a família a assumir seu novo papel [...] sendo necessário compreendê-las sob o prisma da interdisciplinaridade, resgatando a característica familiar que é a afetividade.[26]

O Estatuto do Idoso dispõe:

Art. 3º: É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

[...] Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado:

Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.

§ 1o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 2o Se resulta a morte:

Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos[27]

O Abandono Afetivo Inverso se refere a uma “novidade” no campo jurídico, sendo um tema de extrema importância, porém, pouco debatido, e com um decorrer histórico antigo. A palavra “inverso” inserida no contexto do abandono se relaciona com a equação às avessas do binômio da relação paterno-filial, ou seja, os filhos devem cuidar dos pais idosos, assim como, os pais devem cuidar dos filhos na infância.

Não obstante, as discussões sobre o Abandono Afetivo Inverso não vieram para impor o afeto, mas sim para lembrar aos filhos, familiares e sociedade em geral que, aceitando ou não estas qualidades jamais estarão “livre” do dever de cuidado para com seus genitores, dever este que, tragicamente e vergonhosamente, necessitou de ser expresso em dispositivo constitucional, para que os filhos pudessem dar valor a quem lhes deu a própria vida.

A afetividade enseja o conjunto de fenômenos psíquicos que se externam na forma de emoções e sentimentos e que estreitam laços, sejam eles consanguíneos ou não. Conforme define Grace Regina Costa[28], a expressão afetividade é definida como sendo:

Formado pela junção dos termos afetivo e (i)dade, que, segundo a psicologia, é o conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre dá impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza. [...] O afeto, do latim affectus, diz respeito à afeição por alguém, inclinação, simpatia, amizade ou amor.

Destarte, além da ofensa à integridade física e psíquica resultado do abandono afetivo, esse abandono também se configura em ofensa à valor constitucional da dignidade da pessoa humana, que constitui em um bem jurídico que encontra tutela na Lei Maior e que a indenização por dano moral se destina a resguardar como será abordado em capítulo posterior.

Não obstante, a inexistência de lei específica, o abandono afetivo inverso, como decorrência do desprezo, do desrespeito ou da indiferença filial, representa fenômeno jurídico e social de relevância que merece ser discutido pelos operadores de direito. O Poder Judiciário, porém, vem se manifestando sobre as ações que tem como causa de pedir o abandono morais relacionados aos idosos, que se caracteriza pela falta de assistência moral e afetiva por parte da família, como disserta Ana Maria Viola de Souza:

Nas relações sociais, principalmente nos grupos familiares, a tutela jurisdicional prestada pelo Estado não tem sido efetiva em relação ao idoso. Este necessita ser considerado um cidadão pleno, respeitado em sua dignidade, inserido no atual contexto social, cujo êxito somente ocorrerá com a projeção jurídica da pessoa humana através da tutela da família, enquanto organismo social.[29]

O desafeto da família causa consequências na aceleração do processo de degradação para com o idoso, o que pode ocasionar problemas físicos e emocionais ao mesmo. Muitas vezes, sendo irreversíveis as consequências causadas na pessoa idosa.

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