A interpretação do Benefício do Prestação Continuada sob a égide constitucional

Exibindo página 1 de 4
28/11/2018 às 14:26
Leia nesta página:

Este artigo analisa os requisitos para a concessão do BPC, benefício previsto no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência social (Lei nº 8.742/1993), bem como a flexibilização do critério da renda inferior a ¼ (um quarto) do valor do salário mínimo.

Resumo: Este estudo tem por fim específico analisar a efetivação do direito à assistência social no Brasil por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), positivado na Constituição Federal no art. 203, inciso V, e regulamentado pelo art. 20. e seguintes da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/93). Segundo esta lei, é assegurado o pagamento de um salário mínimo mensal ao idoso e à pessoa com deficiência que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O presente artigo objetiva compreender as implicações da flexibilização do critério objetivo na concessão do BPC, ante o julgamento da Reclamação nº 4374, relativa ao parâmetro de aferição da condição de hipossuficiência econômica do indivíduo. Para tanto, serão estudados, detalhadamente, os requisitos necessários à concessão do benefício, tanto do ponto de vista estritamente legal, quanto do jurisprudencial.

Palavras-chave: Assistência Social – Benefício de Prestação Continuada – Critério Econômico - Flexibilização.


1. INTRODUÇÃO

A Seguridade Social, nos termos do art. 194, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A Assistência Social, por sua vez, está prevista no art. 203. da Constituição e visa atender as necessidades básicas dos indivíduos em situação de risco e vulnerabilidade social, garantindo-lhes o mínimo existencial.

O objeto de estudo do presente trabalho é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto no inciso V do art. 203. da Constituição e infraconstitucionalmente regulamentado pela Lei nº 8.742/1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). O referido benefício garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência ou idoso que comprovem não ter meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da disposição legal.

O art. 20 define os requisitos para a concessão. Segundo o parágrafo 3º, “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a um ¼ (um quarto) do valor do salário mínimo”.

Ocorre que tal critério, se isoladamente aplicado, distoava e ainda distoa da realidade brasilera, permitindo que casos de flagrante vulnerabilidade social fossem excluídos do alcance do benefício constitucionalmente assegurado, muito embora a jurisprudência tenha flexibilizado os parâmetros para a concessão do benefício.

Somente em abril de 2013, que a questão, uma vez já considerada constitucional, foi novamente analisada pelo STF, no julgamento simultâneo dos REs 567.985/MT e 580.963/PR, com reconhecida repercussão geral, bem como da Rcl 4.374/PE. Por fim, sua inconstitucionalidade foi tendo, por fim, sido declarada incidentalmente a inconstitucionalidade do parágrafo 3° do art. 20. da Lei Orgânica da Assistência Social, sem pronúncia de nulidade, permitindo a utilização de outros meios de prova para aferição da miserabilidade.

Nesse sentido, estudar-se-á no presente trabalho uma evolução sistemática do conceito e aplicabilidade da Assistência Social no Brasil, especificamente quanto ao Benefício Assistencial de Prestação Continuada.


2. REFERENCIAL TEÓRICO

O Benefício de Prestação Continuada - BPC, objeto deste estudo, está previsto no artigo 194, caput, da Constituição da República, e também no art. 20. da Lei 8.742/1993.

As fontes dos direito a serem exploradas, por excelência, serão a lei, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem como os entendimentos doutrinário e jurisprudencial.

Serão abordados inúmeros posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais no sentido de que o critério de aferição de miserabilidade de ¼ de salário mínimo não deve ser isoladamente aplicado.

Nesse sentido, o STF, ao julgar a Reclamação nº 4.374, posicionou-se pela necessidade de avaliação no caso concreto do real estado de miserabilidade das famílias com entes idosos ou deficientes. Além disso, segundo a Turma Nacional de Uniformização, o dipositivo previsto no Estatuto do Idoso que determina a exclusão de benefício de valor mínimo recebido por outro idoso do grupo familiar também se estende ao benefício de cunho previdenciário.

Ademais, para além de toda a mobilização jurisprudencial, o Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe uma importante evolução legislativa, ao desconsiderar como absoluto o critério de renda inferior a ¼ de salário mínimo na aferição de miserabilidade. A mudança é significativa, visto que determina uma análise mais apurada na via administrativa, que deverá levar também em conta critérios sociais na avaliação do pedido.


3. O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA NO CENÁRIO POLÍTICO/SOCIAL BRASILEIRO

A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), instituiu a tradicional prestação pecuniária assistencial, conhecida como Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esta lei regulamenta o art. 203, V, da Constituição, que prevê o benefício. Não se trata, tecnicamente, de benefício previdenciário, não obstante seja concedido pelo próprio INSS, em virtude do princípio da eficiência administrativa.

Nas palavras de Fábio Zambitte Ibrahim (2015, p. 17):

[...] Não é benefício previdenciário devido à sua lógica de funcionamento: não carece de contribuição do beneficiário, bastando a comprovação da condição de necessitado. Veio substituir a renda mensal vitalícia, que era equivocadamente vinculada à previdência social, em razão de seu caráter evidentemente assistencial. Ainda hoje esta prestação é frequentemente denominada ainda de renda mensal vitalícia ou amparo assistencial.

Analisando a garantia constitucional do BPC regulamentada através da LOAS, norma infraconstitucional, compreende-se que as diversas previsões normativas garantem o referido benefício àqueles que não dispõem de meios de prover o próprio sustento nem tê-lo provido por sua família, devido a miserabilidade - a renda mensal per capita não ultrapassar a ¼ do salário mínimo – e que atendam a outro requisito indispensável: ser portador de alguma deficiência considerada de longo prazo ou pessoa idosa a partir de 65 anos.

Nesse sentido explica Sérgio Pinto Martins (2007, p. 497):

Trata-se de um benefício de trato continuado, que é devido mensal e sucessivamente. São beneficiários desse direito os idosos ou os deficientes que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O beneficiário não precisa ter contribuído para a Seguridade Social, desde que não tenha outra fonte de renda.

Nesse contexto o cidadão, para poder gozar do benefício assistencial, precisa comparecer a uma agência do INSS – Instituto Nacional de Seguro Social, comprovar sua qualidade de idoso (documental) ou deficiente (perícia), bem como, que, dividindo-se a renda familiar por cada membro da família, o resultado individual resulte em até ¼ do salário mínimo (Melissa Folmann, 2012, p. 12).

Pelo entendimento estatal, a concessão do benefício somente será feita ao brasileiro, inclusive ao indígena, desde que não amparado por nenhum outro sistema de previdência social, ou ao estrangeiro naturalizado e domiciliado no Brasil não coberto por sistema de previdência no país de origem (F.Z. Ibrahim, 2015, p. 18).

De acordo com Frederico Amado (2015. p. 53), a concessão do benefício de prestação continuada independerá de interdição judicial do idoso ou da pessoa com deficiência, ao passo que a interdição, por si só, não vinculará o INSS, haja vista as suas causas não serem exatamente idênticas aos pressupostos do BPC, não tendo o condão de vincular a autarquia federal previdênciária, que não foi parte no processo de interdição.

Segundo o Autor, o benefício não gerará gratificação natalina nem instituirá pensão por morte, tendo índole personalíssima, devendo ser revisto, pelo menos, a cada dois anos a fim de se verificar se as condições de concessão ainda persistem, podendo ser cassado a qualquer momento, desde que não satisfeitas as condições legais (caráter precário).1 Ainda, segundo Ivan Kertzman (2016, p. 485), não é pago abono anual em relação aos benefícios de LOAS. É devido, entretanto, o pagamento de resíduo a herdeiros e sucessores, na forma da lei civil.

3.1. Estrangeiro

Existe divergência a respeito da possibilidade de estrangeiro perceber benefício assistencial. Os argumentos a favor da concessão dizem respeito ao termo cidadão utilizado no art. 1º da LOAS que numa acepção mais aberta considera todo indivíduo integrado à sociedade independente de ser nacional e exercer direito político (princípio da universalidade aplicado a seguridade social) e por o Brasil adotar objetivos fundamentais de construção de sociedade livre, justa e solidária. Já os argumentos contrários, dizem respeito a interpretação ao conceito de cidadania adotado na LOAS como restritivo, de modo que só deve ser concedido a quem exerça direitos políticos e por falta de reciprocidade em relação à concessão dos benefícios assistenciais pelos outros países.

Deste modo, o termo termo cidadão pode ter duas acepções à luz da Constituição: uma mais aberta e que considera nacional todo aquele integrado à sociedade, independentemente de serem nacionais, e outra mais restrita, que considera apenas aquele que exerce direitos políticos. Parte da dotrina defende que, pelo princípio da universalidade, o primeiro conceito é que deveria ser adotado.

Neste sentido também entende Orvath Júnior (2010, p. 126, 127):

Outro argumento pela extensão do deferimento do benefício de prestação continuada ao estrangeiro seria o valor da dignidade humana constitucionalmente expressado como objetivo fundamental da nossa república, como se vê no art. 3º da CF/88. Por outro lado, e a corroborar opinião contrária à concessão do benefício assistencial aos estrangeiros, é o argumento de que o conceito de cidadania adotado pela LOAS é restrito e de que não há reciprocidade na concessão de tal benefício por outros países.

Marisa Ferreira dos Santos (2012, p. 247), entende que o disposto no Decreto nº 6.214 (art. 7º) assegura aos estrangeiros o benefício de prestação continuada, desde que naturalizados e domiciliados no Brasil, e que não percebam qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro, salvo o de assistência médica e no caso de recebimento de pensão especial de natureza indenizatória, observado o disposto no art. 4º, VI.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Deste modo, cabe ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), preliminarmente, analisar se o estrangeiro cumpre os requisitos exigidos pela Lei para deferir o pedido de concessão. No entanto, diante da condição de estrangeiro não naturalizado, os pedidos direcionados à autarquia tem sido negados com base no art. 1º da Lei 8.742/93, sendo o status de estrangeiro razão para a resposta negativa. A vinculação ao princípio da estrita legalidade impede a ampliação de interpretação por parte do INSS (Borcesi, Adriana, et alt., 2013, p. 27).

Nas palavras de SAVARIS (2012, p. 57):

Desamparado, o estrangeiro busca no judiciário o deferimento que não obteve na via administrativa. O judiciário é responsável pela interpretação sistemática do ordenamento jurídico e pode ampliar ou restringir a aplicação do benefício sempre atento aos valores fundamentais inerentes à organização do Estado, especialmente do Poder Judiciário, nos moldes expressos nas Constituições.

De acordo com o Autor, existe urgente necessidade de uma interpretação sistemática do Poder Judiciário, sobretudo nas lides previdenciárias, uma vez que esta “apresenta singularidades que justificam, em certa medida, a condução do direito processual a partir de critérios outros que não os previstos pelo processo civil comum. É certo que as raízes do processo previdenciário se encontram nas regras inscritas nas lei processuais civis. Mas as normas de processo civil oferecem respostas insuficientes ou inadequadas para alguns problemas tipicamente previdenciários e isso porque não levam em conta a singularidade da lide previdenciária.”(Grifo nosso).

Neste sentido, a Turma Nacional de Uniformização sedimentou entendimento de que não impede a concessão do benefício assistencial o fato de o assistido ser estrangeiro legalmente residente no Brasil. Ressalte-se que o artigo 5º da Constituição Federal garante aos brasileiros “[...] e aos estrangeiros residentes no país [...] a fruição dos direitos e garantias individuais em iguais condições aos nacionais.

São os seguintes julgados:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA A ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO. 1. O artigo 6º e o artigo 203 da Constituição Federal não limitam o amparo assistencial aos brasileiros, sendo direito fundamental de todos os que residem neste país, desde que preenchidos os demais requisitos legais. 2. Recurso do INSS desprovido.

(5026041-19.2014.404.7100, Quarta Turma Recursal do RS, Relatora p/ Acórdão Marina Vasques Duarte de Barros Falcão, julgado em 01/07/2015).

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO A ESTRANGEIRO LEGALMENTE RESIDENTE NO PAÍS. POSSIBILIDADE. 1. A condição de estrangeiro legalmente residente no Brasil não impede a concessão de benefício assistencial ao idoso ou deficiente, pois a Constituição Federal, no art. 5º, assegura ao estrangeiro residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em igualdade de condição com o nacional. (IUJEF 2007.70.95.014089-0, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Rony Ferreira, D.E. 17/09/2008). 2. Recurso conhecido e desprovido. Uniformização mantida.

(IUJEF 0002066-76.2009.404.7052, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relatora Luísa Hickel Gamba, D.E. 28/06/2011)

Muito embora exista plausibilidade nos argumentos supracitados, a celeuma ainda não resta pacificada no âmbito dos tribunais superiores. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de conceder a estrangeiros residentes no país o benefício assistencial previsto no art. 203, inciso V, da Carta da República. 2

Por isso, impende citar os argumentos desfavoráveis à concessão. A ampliação da cobertura do benefício pressupõe novos riscos. Estes, por sua vez, dependerão da criação ou elevação das contribuições. Contudo, só terão validade as disposições destinadas à ampliação se houver previsão normativa das fontes de custeio para estas novas prestações. Sem a regra de contrapartida, a seguridade social jamais poderia oferecer proteção. Nesta atividade legislativa, dados estatísticos, demográficos, econômicos e institucionais certamente devem ser observados (A. Borcesi, 2013).

A partir dessas observações, poderia-se concluir que o Estado não está preparado para arcar com tais despesas, ante a possibilidade de se trazer reflexos negativos em vários setores, inclusive, podendo afetar a melhor efetividade dos direitos fundamentais de nacionais.

Os argumentos defendidos pela corrente que entende que os direitos fundamentais podem ser restringidos poderiam servir de embasamento para sugerir uma possível limitação de direitos dos estrangeiros face aos dos nacionais. Um mesmo princípio pode ter seu valor graduado conforme a extensão dos danos que a sua aplicação pode ocasionar envolvendo um único indivíduo ou uma pequena parcela da sociedade perante todo o restante. Contudo, como defende A. Borcesi, não se pode simplesmente tomar uma postura alheia às necessidades humanas e fechar os olhos para uma situação que nos rodeia. O verdadeiro conceito de assistência social não deve ser esquecido, embora nossas políticas públicas também deixem a desejar e sejam um fator limitador à efetividade de nossos próprios direitos fundamentais dos próprios brasileiros.


4. DO AMPARO SOCIAL AO IDOSO

O benefício assistencial é hoje concedido ao idoso com 65 anos ou mais, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção, e que esta também não possa ser provida por sua família, observado, segundo I. Kertzman (2016, p. 479):

“a) - no período de lº de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 1997, a idade mínima para o idoso era a de 70 (setenta) anos;

b) - no período de lº de janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2003 , a idade mínima para o idoso passou a ser de 67 (sessenta e sete) anos, em razão da Lei nº 9.720/98;

c) Com a aprovação do Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/03, a 01 de janeiro de 2004, a idade mínima para o idoso passou a ser 65 (sessenta e cinco) anos.”3

4.1. Componentes do grupo familiar

O benefício poderá ser pago a mais de um membro da família, desde que cumpridas todas as condições exigidas. Especificamente para o idoso da mesma família, porém já pacificado de modo diverso na Jurisprudência quanto ao deficiente, o benefício concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins do cálculo da renda familiar (art. 34, parágrafo único, Lei 10.741/03). Este tratamento diferenciado foi criado pelo Estatuto do Idoso. Assim esclarecer F.Z. Ibrahim (2016, p. 18).

O benefício poderá ser pago a mais de um membro da família, desde que comprovadas todas a condições exigidas. Contudo, para o inválido, o valor concedido a outros membros do mesmo grupo familiar passa a integrar a renda, para efeito de cálculo per capita do novo benefício requerido. Já para o idoso, o benefício concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins de cálculo da renda familiar.

Logo, se um casal de idosos carentes reside sozinho, o benefício assistencial percebido por um deles será desconsiderado como renda familiar, o que permite a concessão de dois amparos, ante a expressa determinação legal. Caso contrário, a renda per capita seria de ½ salário mínimo, o que impediria concessão da segunda prestação (Amado, Frederico, 2015, p. 49).

Com base no princípio da isonomia, as decisões judiciais tem sido no sentido de estender essa exclusão da renda, mesmo quando se tratam de benefício previdenciário de valor mínimo e em favor do deficiente (Lazzari, João Batista, 2010, p. 441), o que será objeto de posterior análise.

Frederico Amado (2015, p. 48) destaca que a existência de precedentes jurisprudenciais estendendo analogicamente a excepcional disposição do Estatuto do Idoso a qualquer benefício previdenciário no valor de um salário mínimo percebido por pessoa do grupo familiar, conquanto não haja qualquer fonte de custeio.

Ocorre aí uma flagrante agressão ao princípio da isonomia e razoabilidade ao se computar ao cálculo da renda do benefício mínimo previdenciário recebido por outro idoso da família:

Ferir-se ia gritantemente a razoabilidade e a isonomia computar o valor de um salário mínimo, recebido através de benefício previdenciário, no cálculo da renda per capita, ao passo que o mesmo valor, só porque recebido por um benefício assistencial, é desconsiderado para o mesmo cálculo. Sobretudo, se levarmos em consideração que, no primeiro caso (benefício previdenciário de idoso) houve contribuição do segurado, e no segundo (benefício assistencial de idoso) não houve aportes para o sistema. Ou seja, é ilógico que alguém que nunca contribuiu tenha tenha seu benefício assistencial excluído da renda percapita, ao passo que outrem, que contribui, tenha seu benefício previdenciário computado no cálculo. (Folmann, 2012, p. 25).

Neste caso, a mens legis do dispositivo em questão não é outra senão a proteção do idoso. O artigo em comento visa deixar intocado os valores recebidos pelos idosos, haja vista o maior dispêndio financeiro destes com a preservação de sua saúde física e mental, e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (art. 2º da Lei nº 10. 741/03). Proteção esta que restaria inatingida se não fosse excluído do cálculo da renda per capita também o benefício previdenciário mínimo percebido pelo idoso.

F. Amado (2015, p.49) expõe o entendimento do STJ sobre o assunto:

“No dia 10 de agosto de 2011, no julgamento da petição 7.203, a 3ª Seção do STJ firmou entendimento no sentido de admitir que também o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por maior de 65 anos deve ser afastado para fins de apuração da renda mensal per capita objetivando a concessão de benefício de prestação continuada.”

De acordo com a Turma Nacional de Uniformização, a exclusão de benefício de valor mínimo recebido por outro idoso do grupo familiar também se estende ao benefício de cunho previdenciário. Vejam-se alguns precedentes relacionados como art. 34. do Estatuto do Idoso4:

TNU: Concessão de benefício assistencial ao idoso. Cabe a exclusão de benefício de valor mínimo recebido por outro idoso do grupo familiar, ainda que seja de cunho previdenciário, o qual também fica excluído do grupo para fins de cálculo da renda familiar per capita.

(PEDILEF nº 2008.70.51.002814-8/PR, DJ 25.5.2010).

TNU: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. DILIGÊNCIA COMPLEMENTAR. SÚMULAS Nºs. 79. E 80 DA TNU. QUESTÃO DE ORDEM Nº 20 DA TNU. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO. 1. Pretende-se a reforma de acórdão da 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Pernambuco, o qual reformou a sentença de procedência do pedido de benefício assistencial ao idoso sob o argumento, em suma, de que a renda per capita do núcleo familiar da parte autora ultrapassa o valor legal exigido inferior a ¼ do salário mínimo. 2. O incidente não foi admitido na origem. Interposto agravo a tramitação foi determinada pela Presidência da TNU. 3. O recorrente apresenta a tese de que o acórdão ora vergastado mostra-se contrário ao das Turmas Recursais das Seções Judiciárias do Mato Grosso e do Tocantins, consoante os paradigmas: processo nº 2008.36.00.700052-6, Primeira Turma Recursal do Mato Grosso julgado em 30-05-2008; e Processo nº 200743009054087, 1ª Turma Recursal do Tocantins julgado em 13-02-2009. 4. Os julgados supramencionados demonstram, em síntese, que deve ser aplicado por analogia a regra do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso para excluir o benefício assistencial de valor mínimo recebido por pessoa integrante do núcleo familiar. 5. Considero os julgados contrapostos em condições de ensejar, em tese, juízo discrepante de interpretação frente a lei federal, vez que as premissas contrapostas guardam semelhança fática e jurídica. 6. O acórdão recorrido reformou a sentença de procedência do pleito autoral por entender não demonstrado o estado miserabilidade no caso em apreço, tendo em vista a percepção de benefícios assistenciais de valor mínimo pela companheira e pela filha deficiente do recorrente 7. A jurisprudência consolidada é no sentido da aplicação extensiva do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso na apuração da renda familiar para a concessão do benefício assistencial (LOAS), desde que o benefício seja em valor mínimo recebido por membro do núcleo familiar.

(PEDILEF nº 05008773520114058304, DJ 19.11.2015).

Igual direcionamento tomou a Súmula 20 das Turmas Recursais de Santa Catarina (4ª Região), a qual determina que “o benefício previdenciário de valor mínimo percebido por idoso é excluído da composição da renda familiar, apurada para o fim de concessão de benefício assistencial”.

Sobre a autora
Suellem Medeiros Araújo

Advogada. Consultora. Especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná – ESMAFE-PR. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Advogada. Consultora. Parecerista. Mestre em Direito pela PUC/PR. Diretora Científica do IBDP – Instituto Brasileiro Direito Previdenciário. Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/PR. Conselheira da OAB/PR. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR. Membro do Conselho Científico de Tributação da Associação Comercial do Paraná. Membro Titular do Conselho Deliberativo da OABPREV/PR. Membro do Conselho Editorial da Juruá Editora. Professora da Graduação PUC/PR. Professora da ESMAFE/PR. Coordenadora da pós Graduação em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário da PUC/PR. Autora de várias obras e artigos em direito tributário e direito previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos