CONSIDERAÇÕES FINAIS
A polêmica da eficácia do direito fundamental à assistência social comumente tem-se destinado ao Poder Judiciário. Este, ao possibilitar a flexibilização do critério econômico, assumiu contundente importância na concreta efetivação do Benefício de Prestação Continuada, justificada pelo seu alcance social e pelo seu fim protetivo, encarregando-se de resguardar a dignidade do idoso e da pessoa com deficiência em situação de miserabilidade.
Como foi possível compreender, muitas vezes, a norma pode vir a agir contra o indivíduo, como se percebe pelo debatido critério de miserabilidade e sua completa incompatibilidade com o acesso ao mínimo necessário previsto na nossa Carta Política. Ao invés de garantir a tutela da dignidade humana, a norma acaba por criar interpretações diferentes, conforme o pensamento adotado: para os positivistas, seria critério único; para os principiológicos, trataria-se de presunção a ser analisada juntamente com outros elementos para averiguação da presença ou não, de condições dignas de sobrevivência.
Com o intuito de concretizar os objetivos da assistência social no Brasil de forma a dar uma resposta adequada às demandas sociais, a magistratura tem representado o alicerce do cidadão. Por meio de suas decisões, tem substituído a ideia do sujeito ao direito para implantar o sujeito de direito, como aquele que possui direitos, mas também garantias em face do Estado e da sociedade. O objetivo aqui é poder alcançar o mínimo de dignidade humana, sendo esta o ícone mais importante para a interpretação do benefício assistencial ao idoso e ao portador de deficiência (M. Folmann, 2012, p. 100).
A Assistência Social no Brasil integra o sistema de proteção da Seguridade Social. Visa concretizar um direito fundamental constitucionalmente garantido no art. 6º, o de conferir assistência aos necessitados, estando prevista, ainda, nos artigos 203 e 204 da Constituição da República. Infraconstitucionalmente, a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, Lei nº 8.742/1993, regulamentou o art. 203, inciso V, da Carta, ao tratar dos requisitos para a concessão do benefício assistencial. Trata-se de uma política pública para prover os mínimos sociais. Para a compreensão de sua dimensão jurídica, faz-se necessário que seus princípios sejam harmonicamente interpretados. Tanto os de natureza constitucional, quanto os securitários e os especificamente assistenciais.
Em seu artigo 20, § 3º, a referida lei menciona ser incapaz de prover o seu sustento aquela cuja renda mensal per capita do grupo familiar não ultrapasse ¼ do salário mínimo. A despeito dos embates acerca da flexibilização do critério para as famílias cuja renda ultrapassem o mínimo legal, tal presunção deve ter caráter absoluta quando se tratar da situação na qual a renda seja igual ou inferior ao patamar legal. Nesse caso, não cabe ao intérprete restringir direitos que não foram restringidos pela norma, sob pena de violar a própria legalidade, já que estaria criando parâmetro não previsto em lei para o caso.
A existência de um parâmetro objetivo eficaz e suficiente a ser observado é extremamente recente, haja vista a publicação Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 07/07/2015). Por tal razão devido a tanto tempo de inércia do legislador na edição de nova regulamentação, a Autarquia Previdenciária permanecia seguindo o critério anteriormetne estabelecido, ensejando a inevitável judicialização da questão. Assim, o o Poder Judiciário ainda vem atuando na lacuna que acabou de ser preenchida pelo legislativo, buscando efetivar os direitos sociais insculpidos constitucionalmente.
Vale ressaltar que o ativismo judiciário não significa a negativa do papel indispensável que exerce o Poder Legislativo nas democracias contemporâneas, mas pode ser utilizado como um aliado instrumento de concretização dos direitos fundamentais sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO. Frederico. A Seguridade Social no Brasil. 5. ed. Salvador: Editora Jus Podium. 2015.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4ª ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2009. In: TSUSHIMA. Regiane Yoshie. A flexibilização do critério econômico para a concessão do benefício de prestação continuada. Monografia. Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2014.
BORCEZI. Adriana. BOCHENEK. Antônio César. Apontamentos sobre o benefício assistencial ao estrangeiro. In: Jane Lucia Wilhelm Berwanger (Coord.) Melissa Folmann (Coord.) Previdência Social nos 90 anos da Lei Eloy Chaves. Curitiba: Juruá. 2013.
ELFIN. Antônio Carlos (Org). FOLMANN. Melissa. Direitos dos Idosos: tutela jurídica do idoso no Brasil. Curitiba. LTr. 2014. p. 44.
FERRARO. Suzani Andrade. O Ativismo Judicial como Instrumento de Interpretação e Efetivação do Direito Previdenciário como Direito Fundamental Social. Revista Brasileira de Direito Previdenciário. ano IV, n. 21. Porto Alegre: Lex Magister. 2011. ISSN 2179-9148.
FOLMANN, Melissa. SOARES, João Marcelino. Benefício Assistencial ao Idoso e ao Portador de Deficiência (LOAS): teoria e prática. Curitiba: Juruá. 2012.
________. O Benefício Assistencial Social Previsto na CF/88, Artigo 203, V, à Luz da Lei nº 12.435/2011. Revista Brasileira de Direito Previdenciário. ano I. n. 4. ago/set/2011. Porto Alegre: Lex Magister. 2011. ISSN 2179-9148.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 20. ed. Rio de janeiro: Impetus, 2015.
KERTZMANN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 14. ed. rev. ampl e atual. Salvador: Jus Podium. 2016.
LAZZARI, João Batista. PEREIRA, Carlos Alberto de Castro... [et. alt.]. Prática Processual Previdenciária: Administrativa e Judicial. Rio de Janeiro: Conceito Editorial Jurídico. 2010
MARTINS. Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 24. ed. São Paulo: Atlas. 2007.
ORVATH JUNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin. 2010. p. 126-127 apud SOUZA.Wedley Tony Gehring Leandro de. Direito à Assistência Social. In SAVARIS, José Antônio (coord). Direito Previdenciário: Problemas e Jurisprudência. Curitiba: Alteridade Editora, 2014.
PIOVESAN. Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad. 2012. p.300.
________, SAVARIS, José Antônio. (Organizadores). Curso de Especialização em Direito Previdenciário. v.1. Curitiba: Juruá: 2007.
_______. (Organizadores). Curso de Especialização em Direito Previdenciário. v.2. Curitiba: Juruá: 2007.
SANCHES. Adilson. Advocacia Previdenciária. 4.ed. São Paulo: Atlas S.A. 2012.
SANTOS, Marisa Ferreira. Direito Previdenciário: Sinopses Jurídicas. 8. ed. v. 25. São Paulo: Saraiva. 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang e MARINONI, Luis Guilherme, et.out. Curso de Direito Constitucional. 2.ed.rev.atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012.
SAVARIS. José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 4. ed. Curitiba::a: Juruá. 2012.
______. Direito Processual Previdenciário. 5. ed. rev. atual. Curitiba: Alteridade Editora. 2014.
SERAU Jr. Marco Aurélio Serau. COSTA (Coord.) José Ricardo Caetano (Coord.) Perícia Biopsicossocial: o bom exemplo que vem da Lei Orgânica da Assistência Social. In Benefício Assistencial – Lei n. 8.742/1993: temas polêmicos. São Paulo: LTr. 2015.
SOUZA, Wedley Tony Gehring Leandro de. Direito à Assistência Social. In SAVARIS, José Antônio (coord). Direito Previdenciário: Problemas e Jurisprudência. Curitiba: Alteridade Editora, 2014.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário: Regime Geral de Previdência Social e Regras Constitucionais de Regimes Próprios de Previdência Social. 14. ed. rev. atual. Niterói: Ímpetus. 2012.
Notas
1 Entretanto, a cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento. (F. Amado,2015, p. 53).
2 Disponível em https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciarepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=2621386&numeroProcesso=587970&classeProcesso=RE&numeroTema=173. Acesso em 28/10/2016.
3 Apesar da Lei nº 10.741/03 fixar a idade de 60 anos como paradigma para a qualificação da pessoa como idosa, o benefício assistencial restou limitado aos idosos necessitados com mais de 65 anos.
4 No mesmo sentido: Enunciado 25 das Turmas Recursais de Minas Gerais (1ª Região); Súmula nº 46 da Turma Recursal do Espírito Santo (2ª Região); Enunciado nº 12 da Turma Recursal do Mato Grosso do Sul (3ª Região); Súmula nº 20 das Turmas Recursais de Santa Catarina (4ª Região). (FOLMANN, Melissa, Op. Cit. p. 79).
5 Nas palavras do autor, para que o menor de 16 anos receba o amparo assistencial, tendo em vista que o infante não poderá trabalhar em razão de sua tenra idade (salvo a partir dos 14 anos na condição de aprendiz), é imprescindível que algum membro do grupo familiar deixe de laborar para cuidar dele, ou então que seja crucial a contratação de terceiro para isso . Aliás, quando o pedido for proposto por menor de idade, será obrigatória a intervenção do Ministério Público na condição de fiscal da lei, ante a presença de interesse de incapaz, conforme jurisprudência remansosa (F. Amado, 2015, p. 54).
6 Similar entendimento demonstrou a Súmula 33 das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul (4ª Região): Súmula 33: “A exigência de incapacidade para a vida independente como requisito ao deferimento do benefício assistencial de que trata o art. 20. da Lei 8.742/93 não deve ser interpretada literalmente, sob pena de restringí-lo aos portadores de deficiência prejudicados em sua capacidade de locomoção, o que não se ajusta ao plexo de princípios constitucionais que norteiam a assistência social.”
7 Disponível em https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=212717. Acesso em 28/10/2016.
8 A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de Março de 2007, é o primeiro e único Diploma internacional sobre direitos humanos aprovado pelo Congresso Nacional com força de Emenda à Constituição Federal, conforme §3º, do Art. 5º, da própria Carta Constitucional.
9 Lei nº 13.146, de 07/07/2015.
10 Disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4439489. Acesso em 06/04/2016.
11 RE 580.963/PR. Rel Min. Gilmar Mendes, julgado em 18/04/2013.
12 PEDILEF 052360-21.2011.4.05.8201, Relator Juiz Federal Gláucio Maciel, DOU 21.06.2013.
Abstract: This study aims to examine the specific purpose to analyze the realization of the right to social assistance in Brazil through for the “Continued Assistance Benefit (BPC)”, which, in turn, is regulated by art. 20. and following of the Organic Law of Social Assistance (LOAS - Law nº. 8,742 / 93). According to this law, the benefit ensures the payment of a monthly minimum wage to the elderly and the disabled person to prove you do not have means to provide for their own maintenance or to have it provided by their family. The present article objectives to understand the implications of smoothing the objective requirement on the concession of the BPC, considering the judgment of Reclamation 9474, about the assessed parameter of poverty conditions of which person. For that, will be analyzed the requirements of the concession of the benefit; and finally an analysis of the subject, by both strictly legal and jurisprudential view.
Keywords: Social Assistance - Continued Assistance Benefit – Economic Parameter – Smoothing