Reparação do dano moral nos acidentes de trânsito.

Responsabilidade do Estado à luz do novo Código Civil

Exibindo página 4 de 5
29/11/2018 às 14:00
Leia nesta página:

5. SITUAÇÕES ESPECÍFICAS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO

5.1. DANOS MORAIS – ESPECIFICAÇÃO

Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico. Jamais afetam o patrimônio material. E para que o reconheçamos basta que se atente, não para o bem sobre que incidiram, mas, sobretudo, para a natureza do prejuízo final. Seu elemento característico é a dor, tomado o termo em seu sentido amplo, abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos quanto os morais propriamente ditos. Danos morais seriam, então, os decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à integridade corporal etc.

A reparação dos danos morais é garantida pelo art.5º, V, da Constituição Federal e também pelos art(s). 186. e 927 – caput do Novo Código Civil, prevendo-se o direito à indenização em decorrência de sua violação. Como é sabido, os danos morais não têm sua reparação fundada na existência de prejuízos aritmeticamente aferíveis ou orçáveis através de perícias, intervenção de especialistas de outras áreas ou por qualquer outra maneira matemática de fixação, pois neles se vislumbra a possibilidade de composição de uma afronta direcionada exclusivamente aos atributos psíquicos da vítima, e que, por isso mesmo, não pode ser definida economicamente como pagamento pela dor experimentada, mas sim como meio efetivo de alcançar ao lesado subsídios pecuniários para buscar, como melhor lhe aprouver, a recuperação da moralidade injustamente abalada.

A profunda dor, a forte consternação, a violenta depressão, são elementos muito angustiantes que desequilibram uma vida, abalando por completo a estrutura do ser humano no momento em que o mesmo perde um ente querido ou também sofre lesões graves, às vezes irreversíveis ou com seqüelas permanentes. O Direito Positivo Brasileiro admite a reparabilidade do dano moral (RT 633/116, 641/182 e 642/130), eis que todo e qualquer dano causado a alguém deve ser indenizado, de tal obrigação não se excluindo o mais importante deles, que é o dano moral, que deve autonomamente ser levado em conta. O dinheiro possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma, lenir a dor com a perda de um ente querido pela indenização (RT 497/203 e 517/207).

Vale lembrar que os danos morais são devidos, independentemente da reparação de outra natureza (VI ENTA, tese número três), tendo o TJBA, em acórdão inserido na RT 613/184, decidido que:

A reparação do dano moral através de uma indenização que não é a reparação do pretium doloris. Ela é uma reparação satisfatória. Menos que um benefício para o ofendido do que um castigo para quem o ofendeu levianamente. A função satisfatória da indenização deve ser estimada em dinheiro. Um único evento pode constituir um leque de prejuízos de natureza diversa, a justificar cada um uma verba reparatória, sem margem à ocorrência de reparar duas vezes a mesma perda.

A 3ª Câmara Civil do TAMG, j.11/10/83, na Apelação Civil 23.103, entendeu que “O dano moral pede reparação autônoma, que se destaca da indenização devida por dano de outra natureza”.

Assim, mesmo que a parte peça reparação por outros danos, nada impede que a mesma peça cumulativamente, reparação pelos danos morais, que podem aparecer associados aos de natureza material, ambos originados de um só ou de vários eventos lesivos. A súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça acabou de vez com as discussões que antes havia acerca da possibilidade de tal cumulação: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. Nesse sentido: STJ-RT 683/188 e COAD 70.904. Terminaram-se assim as acirradas discussões jurisprudenciais sobre o tema, persistindo, pois, o entendimento no sentido da cumulabilidade dos danos materiais e morais oriundos do mesmo fato delituoso, lembrando-se que os danos morais têm caráter compensatório e não ressarcitório.

Acórdão inserido na RT 683/79 é no sentido de que:

O dano moral pressupõe dor física ou moral, e se configura sempre que alguém aflige outrem injustamente, sem com isso causar prejuízo patrimonial. O dano estético, que se inscreve na categoria de dano moral, por sua vez, pode gerar indenização a título de dano material, por participar de aspectos de um e de outro.

ARNALDO RIZARDO, in “A reparação nos acidentes de trânsito”, 3ª Edição, RT, pp. 129. e 130, sustenta que:

De sorte que o dano se caracteriza como a diminuição ou a subtração de um bem jurídico. E o bem jurídico é constituído não só de haveres patrimoniais e econômicos, mas também de valores morais, quais sejam a honra, a vida, a saúde, o sofrimento, os sentimentos, a tristeza, o pesar diante da perda de um parente.

WILSON MELO DA SILVA, in “Da responsabilidade civil automobilística”, p.471, com toda propriedade elucida que:

Quando se fala em reparação do dano moral, não ocorre aos adeptos da reparação do mesmo a imoralidade de se “comprar” ou de se “pagar” o pranto de alguém com a moeda somente. A reparação aqui consistiria, segundo Wachter, “em contrabalançar a sensação dolorosa infligida ao lesado por uma contrária sensação agradável”. A dor, dúvida não há, encontraria lenitivo e compensação na alegria. O dinheiro entraria aí, não de maneira direta, mas indiretamente, com o objetivo único de se propiciar ao lesado, com a sua ajuda ou por meio dela, algo que pudesse amenizar a angústia e os sofrimentos do moralmente ferido.

Lembram MAZEAUD & MAZEAUD, que com a composição dano moral “conquanto não se alcance um ressarcimento em sentido estrito, tem-se uma sanção civil e, sobretudo, uma satisfação pelo dano sofrido”.

O 1º TACivRJ, na Ap. Cív. 44.186, decidiu que:

Todo e qualquer dano causado a alguém ou ao seu patrimônio deve ser indenizado, de tal obrigação não se excluindo o mais importante deles, que é o dano moral, que deve autonomamente ser levado em conta. O dinheiro possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma, lenir a dor com a perda de um ente querido pela indenização, que representa também punição e desestímulo do ato ilícito.

O Ministro Oscar Correa, conforme acórdão do STF, inserido na RTJ 108/287, ao discorrer sobre o dano moral, destacou que:

Não se trata de pecúnia doloris, ou pretium doloris, que se não pode avaliar e pagar; mas satisfação de ordem moral, que não ressarce prejuízo e danos e abalos e tribulações irreversíveis, mas representa a consagração e o reconhecimento pelo direito, do valor da importância desse bem, que é a consideração moral, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege.

A 6ª Câmara Cível do TACivRJ, na Ap. Civ. 2.648/95, cujo acórdão fora publicado aos 11/07/95, entendeu que: “Dano moral por deformação permanente pode ser justamente fixado em 300 salários mínimos”. (COAD 73.581).

Entretanto, a reestruturação devida com base neles obedecerá a procedimentos dissociados e inconfundíveis, sem que isto caracterize bis in idem, já que os motivos que levam à composição de cada um são absolutamente diferentes e geram conseqüências específicas. Assim, de acidente de veículos cujo resultado sejam lesões deformantes em pedestre, condutor ou tripulante, a indenização dos danos materiais compreenderá o pagamento de despesas médicas, hospitalares, lucros cessantes etc., em limites numéricos traçados a partir de elementos aritméticos de fácil compreensão. Todavia, desse episódio exemplificativo também resultaram ofensas à moralidade da vítima, que teve alterada a condição estética e psicológica em função das deformações provocadas pelo evento e das conhecidas repercussões que isso causa no campo do relacionamento interpessoal e da auto-estima. Logo, ao lesante tocará a obrigação de reparar os males psicológicos através do cumprimento da condenação pecuniária que for infligida pelo juízo, cuja finalidade primacial é a de alcançar à vítima formas de minimização dos reflexos psíquicos negativos experimentados por força da ocorrência lesiva, o que será feito segundo critérios que não cabe a terceiros sondar, eis que atrelados ao livre arbítrio do lesado. Acórdão inserido na RT 726/309 entendeu possível a inclusão de tratamento psicológico, desde que tal necessidade venha atestada e indicada pelo perito, o que é perfeitamente viável, eis que tais despesas se incluem naquelas possíveis de serem ressarcidas pelo causador do evento danoso.

Jurisprudência nesse sentido temos o julgado de 27/11/96 da 3ª Câmara Cívil do TARS na Apelação Civil nº 196179501:

ACIDENTE DE TRÂNSITO – LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS – DANOS PSÍQUICOS. No caso, os danos psíquicos da vítima dizem respeito apenas aos resquícios do prejuízo psicológico, à sua intensidade, indenizáveis mediante tratamento especializado. Sendo mínimo o grau do dano psíquico, o tempo de duração do tratamento deve adequar-se à situação avaliada, já que a tendência moderna é pela terapia breve. Apelo provido em parte.

A quantificação dos danos morais, em face do que se disse há pouco, carece de balizadoras objetivas, tabeladas ou matemáticas, ficando a critério do juízo o seu arbitramento na sentença para a fixação do montante reparatório, a nosso ver, de acordo com as particularidades de cada caso específico, perquirindo-se a situação fática de cada caso, devendo o arbitramento corresponder a um valor fixo (RDP 185/198). É claro que a tarefa de defini-lo não estará livre de fatores que interferem no maior ou no menor elastério da condenação, que, a propósito, jamais poderá ultrapassar os limites concretizados pelo próprio autor da demanda ao atribuir valor à causa. Tampouco poderá ser, a sentença, fator de enriquecimento sem causa de uma das partes ou de empobrecimento injustificado do adversário, porque então estar-se-ia burlando os objetivos da reparabilidade idealizada pelo legislador com o advento da Constituição de 1988. Cada vez mais os Tribunais preocupam-se em limitar as condenações a patamares equilibrados, evitando aquilo que noutros países (como exemplo, Estados Unidos da América) é comum, ou seja, a demasiada carga condenatória impingida ao causador de danos à moralidade alheia. Em verdade, decisões dessa natureza não contribuem para a humanização das relações interpessoais, o mesmo ocorrendo em se tratando de sentenças benévolas ou simbólicas, porque de ambos os casos se extrai o descumprimento da vontade do ordenamento jurídico, cujo conteúdo é pautado pela busca da equidade e da justiça em cada pronunciamento. Ao lesante, o dever de recompor e a necessária reprimenda; ao lesado, a completa reparação; tais efeitos somente serão alcançados, porém, mediante atuação circunspecta e sóbria do Poder Judiciário, que ao mesmo tempo não seja demasiado rígida nem exageradamente plácida a ponto de fazer da decisão algo inadequado, injusto ou inócuo. O escopo da indenização in casu, não é propiciar lucro ao ofendido, mas tão somente a efetiva reparação dos danos que a mesma tiver sofrido, tendo Pontes de Miranda, in “Tratado de Direito Privado”, § 3.111, n.8, afirmado que: “Com a indenização, o que se tem por fito é o ofendido não ficar mais pobre nem mais rico”.

A 2ª Câmara Civil do TJSC, na Apelação Civil 40.510, decidiu que:

Na liquidação de dano decorrente de ilícito civil, de que venha resultar ofensa à integridade física ou à saúde de pessoa natural, o Código Civil nem sempre consagra diretrizes para a determinação, quando os admite, para a reparabilidade dos danos morais. Quando cabíveis estes e havendo pedido expresso, o magistrado, a partir ou não de precedentes anteriores, deve arbitrar o montante, segundo critério justo e discricionariedade fundamentada. Nada impede, por outra parte, que, na hipótese de dano moral, se o pedido for ilíquido, não possa o julgador estabelecer respectivo montante na própria sentença. Tal fato não há de importar em julgamento ultra petita, existindo elementos para tanto. E essa providência mais se impõe se for bastante largo o interregno de tempo entre o fato e a apreciação de suas conseqüências. Qualquer espírito lúcido, presente tal quadro processual, é induzido a estimar na fase final da cognição a quantia devida. (COAD 73.316).

Não há dúvida de que o autor na sua petição inicial da ação de indenização deverá indicar um valor pretendido a título do dano moral, conseguindo através de cálculos, ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema, embora não fique o Juiz adstrito a tal pedido, cabendo-lhe a devida fixação do quantum devido a título de reparação do dano moral, que poderá, à evidência, ser alterado em grau de recurso.

A 4ª Câmara Civil do TACivRJ, j.18/03/92, na Ap. Cív. 10.499/91, posicionou-se no sentido de que: “A reparação do dano moral deve ter um caráter punitivo, e também compensatório. Assim o seu arbitramento deve recair no arbitrium boni viri do juiz”. (COAD 58.876).

Em acidentes de trânsito, os casos mais comuns de danos à moralidade decorrem das seqüelas produzidas por lesões físicas sofridas pelos envolvidos. Afora atingirem imediatamente a parte estética da pessoa, os reflexos nocivos podem persistir indefinidamente no tempo ou até tornarem-se permanentes, levando ao ofendido vergonha, depreciação íntima e um inextinguível sentimento de perda, capaz de levar ao desespero e à aflição que atormentam a existência. A perda estética muitas vezes produz efeitos mais deletérios do que os simples danos patrimoniais sofridos, consubstanciando, indubitavelmente, variante principal do gênero danos morais em eventos de trânsito. Na prática, tem-se mostrado freqüentes condenações à reparação de danos morais consistentes na perda da visão, em aleijões que comprometem a esfera estética e motora, em lesões neurológicas que acarretam dificuldades de fala, audição ou de entendimento e assim por diante. A mera existência de reação negativa da sociedade e/ou das pessoas que convivem com o atingido, ante o estado físico ou mental estabelecido a partir do evento lesivo, já é suficiente para evidenciar a presença de afronta à moralidade, eis que ocasiona humilhação, revolta e depreciação à vítima, merecedora, por isso mesmo, de recursos pecuniários hábeis a proporcionar a minimização de tais reflexos deletérios.

Cabe frisar que o dano estético capaz de levar à procedência de demanda reparatória de danos morais deve ser extenso o bastante para ser percebido pelo comum das pessoas. Pequenas cicatrizes ou ferimentos não podem ser adjetivados como geradoras de direito à reparabilidade, pois não chegam a causar repercussões subjetivas e objetivas nefastas, salvo quando verificadas em vítimas cujas atividades corriqueiras ou profissionais estivessem ligadas ao uso de imagem pessoal perfeita, como ocorre no caso de modelos e manequins. Em relação a estes, por óbvio, afora os lucros cessantes provocados pelo episódio e as previsíveis conseqüências patrimoniais negativas ante a redução dos ganhos normais do ofício, restará caracterizado o abalo psíquico em função do sofrimento íntimo derivado da maculação de estética cultivada como meio de vida, e do afeamento corporal que sobrevém ao fato lesivo. As verbas não se confundem, eis que, enquanto uma delas tem por fundamento a operação algébrica de apuração da diminuição dos rendimentos ou o desembolso de numerário, a outra repousa sobre a circunstância da presença de sofrimento subjetivo em razão da afronta à integridade corporal. Possível, é, assim a reparação de lesões deformantes, a título de dano moral (STF – RT 688/227).

A 3ª Turma do STJ, no Resp. 41.492-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 30/05/94, entendeu que: “Indenização relativa ao dano moral abrangerá a pertinente ao dano estético, ressalvadas eventuais repercussões econômicas”.

A 4ª Turma do STJ, no Resp. 377.148-RJ, rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 01/08/2006, p.451, entendeu:

ACIDENTE RODOVIÁRIO. PASSAGEIRO. LESÕES GRAVES E IRREVERSÍVEIS. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. É admissível a cumulação dos danos morais e danos estéticos quando, apesar de derivados do mesmo evento, suas conseqüências podem ser separadamente identificáveis.

A 3ª Turma do STJ, j. 03/10/95, no Resp. 57824-8-mg, rel. Min. Costa Leite, entendeu que: “Afirmando o dano moral em virtude exclusivamente do dano estético, não se justifica o cúmulo de indenizações. A indenização por dano estético se justificaria se a por dano moral tivesse sido concedida a outro título”.

Sob pena de se admitir uma dupla reparação sob o mesmo fundamento, tem-se que caberá a reparação do dano moral quando for impossível a correção do dano estético através de cirurgia plástica, pois sendo possível tal correção, elidindo o mencionado dano, caberá tão-somente a reparação das despesas médico-hospitalares atinentes à respectiva cirurgia. Não há, todavia, de se olvidar que na eventualidade de uma cirurgia mal sucedida, que não consiga efetivamente corrigir o dano estético, causando sofrimento, dor, angústia e preocupação à vítima, persistindo sua situação, ou seja, o dano estético, terá lugar a reparação por dano moral, para que a reparação ocorra de forma completa.

Por outro lado, existe Jurisprudência entendendo que se a parte pedir a reparação dos danos estéticos, pleiteando danos morais, estes últimos serão concedidos, sem que o sejam os primeiros, sob pena de se incidir num verdadeiro bis in idem.

Segundo acórdão da 3ª Câmara civil do TAPR, j. 20/12/94, na Ap. Cív. 72.067-4, in COAD 69.292:

Age com culpa o motorista que, sem reduzir a velocidade do seu veículo, tenta ultrapassar pela contramão de direção o outro que, corretamente posicionado à sua frente, sinalizava manobra de conversão à esquerda. A extirpação, mesmo parcial, de um órgão interno, além de comprometer a estrutura física do ser humano, pode resultar em seqüelas psicológicas insuperáveis, a ensejar indenização por dano moral.

A 4ª Câmara Civil do TJSC na Apelação Civil 45.935/95, j. 05/10/95 decidiu como:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO. DANOS ESTÉTICOS; EMERGENTES E LUCROS CESSANTES. MORTE DO CÔNJUGE E PAI. PENSÃO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. CONDENAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Na responsabilidade civil decorrente de acidente de trânsito, são devidos os danos emergentes, evidenciada perda efetivamente sofrida, ou, no dizer de Plácido e Silva, o prejuízo real ou aquilo que se perdeu, em virtude do ato praticado ou do fato ocorrido (Vocabulário jurídico, Forense, 4ª edição, volume II, p.473).

Sendo o demandante privado de renda ou ganho financeiro por não poder trabalhar em sua atividade habitual, em razão do ato praticado ou do fato ocorrido, são devidos lucros cessantes.

O dano estético no cível pode ser qualquer deformidade, ainda que mínima e que implique, sob qualquer aspecto, num afeamento da vítima ou que possa vir a se constituir numa simples lesão desgostante. A indenização deve ser independente da repercussão patrimonial que pudesse existir (JB 117/265).

É dispensável a constituição de capital quando os beneficiários da pensão foram incluídos em folha de pagamento de grande empresa prestadora de serviços públicos e notoriamente solvente (STJ, Resp. 33.163-1-RJ, Min. Athos Carneiro).

No caso de óbito, a reparação dos danos morais sofridos pelos parentes próximos ou pelo cônjuge da vítima será igualmente devida pelo causador, porque o padecimento experimentado por força da falta do ente querido constitui afronta ilegítima à esfera psíquica alheia.

A Apelação Civil n° 196208193 da 4ª Câmara Civil do TARS, j.06/02/97 entendeu:

ACIDENTE DE TRÂNSITO – DANO MORAL. Invasão de rodovia, causando colisão. Responsabilidade indenizatória reconhecida. Pensionamento devido à mãe da vítima falecida, da qual era arrimo, até o seu passamento ocorrido no curso da lide. Dano moral: cabimento da indenização pela perda do filho. Crédito que se transmite aos herdeiros na partilha do patrimônio do de cujus. Não uso do cinto de segurança como fator de concorrência para o agravamento das lesões que levaram ao evento morte. Redução da indenização, com elevação dos honorários. Provimento parcial de ambos os apelos.

Os danos atinentes à dor, tristeza e sofrimento dos entes queridos da vítima, parecem ser ressarcíveis tão-somente a título de dano moral, ainda que se sejam pleiteadas outras verbas, de caráter material, eis que cumuláveis tais danos (Súmula 37 do STJ).

A 4ª Turma do STJ, no Resp. 6.048-0-RS, rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 22/06/92, entendeu que o arbitramento do dano moral, ou seja, do quantum devido, deve ser verificado em conformidade com o nível econômico dos autores, bem como de sua falecida filha, e ainda de acordo com o porte da empresa-ré, não afastadas as condições em que ocorreram o acidente.

Por ocasião do julgamento da Ap. Cív. 195.019.641, a 6ª Câm. Cív. Do TARS, j. 14/09/95, decidiu que:

O dano moral, destinado a compor a dor pelo sofrimento e aflição, decorrente da perda de familiar, é indenizável a prudente arbítrio do julgador, que levará em consideração, além da situação dos beneficiados, também o estado financeiro dos responsáveis. Não discrepa da jurisprudência, reduzir-se o valor para 300 salários mínimos, devendo a parte do infante ser depositada em poupança. (COAD 72.532).

Acórdão inserido na RT 733/244 entendeu de fixar o valor à título de dano moral em 200 (duzentos) salários mínimos, no caso de acidente de trânsito que tenha ocasionado a morte da vítima.

WILSON MELO DA SILVA, in “O Dano Moral e sua Reparação”, Ed. Forense, 1983, p.665, elucida que:

Nas hipóteses de homicídio, o juiz teria de indagar qual o grau, maior ou menor, da afeição dos lesados para com a vítima. O pai carinhoso, solícito, inteiramente dedicado ao seu lar e à sua família, causará mais dano moral, por motivo de morte, aos que lhe são caros, que o pai de família beberrão e jogador, que o pai, pública e notoriamente, escandaloso e estróina.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não nos parece correta tal forma de análise pelo juiz, para que o mesmo chegue a uma conclusão sobre o quantum do dano moral, eis que a análise de tais questões, passadas muitas vezes no íntimo da família, importaria na outorga de direitos desiguais a uns e outros, quando a reparação pelo dano moral, não pode ser visto sob tal ótica. Seria ilógico a nosso ver, conceder-se parcela maior atinente a dano moral, quando o pai fosse mais carinhoso aos filhos, pois o que se deve verificar em tal caso, é a dor causada pela morte, a privação afetiva, material e moral ocasionada pelo ato ilícito.

Entendemos, à evidência, que a situação fática é que poderá levar a indenizações distintas. Evidentemente, que na hipótese de homicídio doloso, tal parcela deverá ser maior do que aquele ocorrido em homicídio culposo.

Lembramos que o juiz deve arbitrar o valor devido à título de dano moral, levando em conta também a situação financeira das partes. À evidência, uma empresa de transportes, com grande patrimônio, terá maiores condições de indenizar do que um motorista profissional que faça carretos com seu caminhão, vindo a ocasionar um acidente de trânsito, com a morte de alguém.

À evidência, não há necessidade de prova do prejuízo, para se pleitear a reparação atinente ao dano moral, pela morte de um ente querido, eis que a presunção in casu é no sentido de que a morte efetivamente ocasionou dano moral (RT 681/163). Qual o pai que não sofre com a perda de um filho num acidente? Qual o filho que não sofre com a perda do pai num acidente? Temos assim que o dano moral não necessita ser provado, eis que o mesmo decorre da própria morte.

No que diz respeito à reparação dos danos físicos causados em acidentes de trânsito, a mesma será feita com base no artigo 949 - caput do Código Civil, in verbis: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.

A indenização da multa no grau médio da pena criminal correspondente não tem razão de ser, eis que o delito de lesões corporais culposas, não fixa qualquer valor atinente à pena pecuniária.

Tal dispositivo cuida da incapacidade temporária, pois que a indenização será devida até quando da convalescensa da vítima, ao passo que a incapacidade permanente, total ou parcial é tratada pelo art. 950. - caput do mesmo Diploma Legal citado anteriormente.

Objetivar-se-á com a ação de indenização pleiteando reparação por danos físicos, o pagamento das despesas médicas, farmacêuticas, hospitalares e de tratamento da vítima, sofridos em virtude do acidente automobilístico da qual a mesma recebeu ferimentos. À evidência, cumprirá ao autor demonstrar em seu pedido inicial, os danos sofridos, o valor destes com os respectivos comprovantes, além da culpa de quem for figurar no pólo passivo da respectiva ação de indenização, lembrando-se que danos hipotéticos não podem ser objeto de reparação (RJTJESP 120/175), eis que esses devem ser comprovados (RT 568/167).

5.2. PUNITIVE DAMAGE

Ainda que já tratado anteriormente requer que se faça um breve histórico acerca do dano moral no Direito Brasileiro. Assim, assevera-se que o ordenamento jurídico nacional vigente reconhece a indenização por dano moral, considerando tema de status constitucional, mais precisamente, direito fundamental nas formas insculpidas no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, cuja dicção é a seguinte:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação;

Nem sempre foi assim. No mundo como um todo, somente os danos patrimoniais eram sujeitos à reparação, tratando-se de um dos princípios fundamentais do Direito, neminen laedere.

Com o passar dos tempos, as sociedades mais desenvolvidas e melhor politicamente organizadas, passaram a exigir tratamento especial aos danos morais, tornando-se estes também danos juridicamente reparáveis.

Aos poucos, as indenizações por dano moral começaram a aparecer, ainda que timidamente nos foros e Tribunais pátrios, seja em razão de relações de consumo frustradas, seja em virtude de causas diversas.

A discussão deixou de ser em relação à incidência ou a instrumentalização do dano moral, passando, então, a se fixar num antigo problema: o quantum indenizatório.

Mesmo vestindo, em muitos casos, a capa da responsabilidade objetiva, a questão do quantum não perdeu sua elevada carga de subjetividade, dadas as dificuldades inerentes a sua fixação.

Eis que aos 30 de outubro de 1997, ocorreu em São Paulo o IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, oportunidade em que o tema dano moral foi debatido. Na ocasião os participantes do encontro, por unanimidade, apresentaram a seguinte conclusão, identificada como conclusão 11: "Na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendo-se ao nexo de causalidade inscrito no art. 1.060. do Código Civil, levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado”.

Aparentemente, a conclusão acima é capaz de satisfazer as necessidades dos operadores do Direito, tratando-se de um bom critério para a fixação do quantum indenizatório.

Apenas aparentemente. O problema não está na conclusão 11, mas na conclusão que a precede, a número 10: "À indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório".

Desnecessário que dizer que a conclusão 10 informa a 11, viciando sua interpretação e tornando sem sentido os alegados critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Entender que a indenização por danos morais deve limitar-se ao caráter compensatório, ou melhor, apenas compensatório, é o mesmo que negar a eficácia jurídico-social dos danos morais.

Com efeito, mais importante do que compensar a vítima, os danos morais servem, ou deveriam servir, para punir o ofensor. É a rigorosa penalização do ofensor que deve ser levada em conta quando da procedência de um pedido de indenização por danos morais, fixando-se o quantum conforme a mencionada conclusão 11, de tal sorte que, quanto mais rico e poderoso for o ofensor, maior deverá ser a indenização.

Não obstante, por motivos ignorados e incompreensíveis, os Tribunais brasileiros, de uma forma geral, aplicam o direito de forma diversa, emprestando à avaliação do dano moral inteligência tímida.

Ao avaliar o dano moral é extremamente relevante ter-se em conta o fator desestímulo do ofensor, a punição visando à pacificação social, a difusão da cidadania e a transformação dos comportamentos.

A avaliação dos danos morais é tema que permite ao juiz bailar sobre o ordenamento jurídico estando mais próximo do sentimento de fazer verdadeiramente a Justiça. E fazer justiça é, sobretudo, punir quem ofende outrem e o próprio sistema legal. Somente com a interpretação arejada do juiz, o verdadeiro intérprete da lei, a questão será devidamente abordada e, com ela, aparados os eventuais exageros, o bem-estar social.

Por isso é que ora se afirma que talvez em nenhuma outra matéria o arbítrio prudente e sábio do juiz tem especial guarida e importância, razão pela qual ora se registra, com respeito, mas contundentemente, pela timidez dos dias correntes, críticas à forma pela quais os Tribunais tratam a avaliação do dano moral no país.

A Jurisprudência às vezes vai além da doutrina, outras vezes ela fica para trás. Ora ela construiu praticamente tudo, em grande parte à revelia dos doutos. No campo do dano moral, deu-se o contrário: a Doutrina recomendava, mas o juiz não concedia. Por que essa timidez? Provavelmente por dois motivos.

O primeiro é fruto de um positivismo jurídico exacerbado. Foram gerações de juízes formados numa linha muito positivista, só de enxergar o texto expresso da lei. Para superar o positivismo jurídico tradicional não é preciso apelar para o direito natural. Um positivismo crítico que se valha dos princípios que estão disseminados pela ordem jurídica teria, por certo, sido mais fértil. Uma terceira via que garanta o Direito e principalmente a Justiça.

Um segundo ponto está na dificuldade de avaliar o dano moral. Como isso é muito difícil, o juiz fica tentado a não avançar, entendendo ser melhor parar por ali sem chegar à execução. É a conseqüência daquele argumento da tese negativista, segundo o qual é impossível mensurar e avaliar a dor moral.

O positivismo exacerbado é um mal que precisa ser urgentemente reparado no Direito brasileiro, sob pena de se ter um sistema legal de ficção e um Poder Judiciário que não reflete sobre Direito, limitando-se a mera aplicação formal e literal da lei.

Daí, o equívoco de se enxergar na indenização por dano moral caráter meramente compensatório. O excesso de prudência do Poder Judiciário pode ser traduzido como medo de refletir o Direito e, a partir desta reflexão, aplicar as normas jurídicas consoante o princípio, encartado na Lei de Introdução ao Código Civil, de que elas devem ser, sempre, aplicadas com vistas ao seu fim social.

Em relação ao caso específico dos danos morais, é possível enxergar o vício em sua fonte, qual seja, a natureza compensatória dos mesmos.

Já é tempo de se ver a natureza punitiva dos danos morais. Aos que acham imoral receber dinheiro por dano moral cabe a ressalva de que é ainda mais imoral deixar o dano irressarcido ou ressarcido de forma pífia, permitindo a odiosa impunidade do causador do dano.

Tão ou mais importante do que a compensação da vítima é a punição, concreta, efetiva e rigorosa, do causador do dano. Quem causa um dano moral tem de ser efetivamente punido pelo injusto causado, e punido de tal forma que ele, o ofensor, sinta o peso negativo da sua conduta, servindo a condenação, ainda, como exemplo a fim de intimidar eventuais ofensores ou mesmo motivar a mudança comportamental.

Sendo impossível mensurar a honra de uma pessoa, é sem sentido imaginar uma indenização por dano moral apenas em caráter compensatório, haja vista que a compensação pelo injusto sofrido não advém do quantum recebido pela vítima, mas, sim, da condenação em si.

À vítima, basta a condenação judicial do ofensor para seu conforto espiritual, posto que a sua moral não tem preço. Um real não é pouco nem um milhão de reais é muito, dada a já comentada natureza subjetiva que se esconde por detrás da questão do dano moral e que é, sem dúvida, seu elemento mais complexo, seu ponto nevrálgico.

Compensação existe no plano material, em que se pode mensurar os prejuízos materiais da vítima pelos danos causados pelo ofensor. Conforme o caso concreto, além de reparar os prejuízos decorrentes da sua incúria procedimental, o ofensor se vê obrigado a indenizar a vítima por outras somas, estipuladas por critérios objetivos e com base nos prejuízos materiais, como o caso dos chamados lucros cessantes, a compensação por excelência.

Logo, coerente a afirmação ora sustentada que, na arena do dano moral, a compensação da vítima existe no exato momento em que o Estado-juiz reconhece a injusta violação do seu direito, condenando expressamente o ofensor. O quantum recebido à guisa de indenização não perde a essência compensatória, mas também não se limita exclusivamente a ela, uma vez que sua mais importante característica é a punição, ou seja, a natureza punitiva.

Nesse sentido, já está na hora de se introduzir no Brasil a doutrina norte-americana do Punitive damage e sua co-irmã, a Exemplary damage, às vezes chamadas no direito pátrio, sem muito rigor científico, de Teoria do Desestímulo.

A cartilha da doutrina do Punitive damage é simples e bastante eficaz. Segundo suas letras, o causador do injusto, dos danos materiais e especialmente morais, tem de ser efetivamente punido. A título de punição ou a título exemplar, a Exemplary damage, o fato é que o causador do dano não pode passar impune por sua conduta ilícita.

Pune-se com rigor o causador do dano, sendo esta punição, aquilatada em dinheiro, diretamente voltada à vítima (nada mais justo, de sublinhar). Em alguns casos, além da vítima, instituições de caridade podem ser premiadas com a punição do ofensor.

Nunca é demais repetir: à vítima, a compensação nasce da condenação do ofensor. Assim, nesse sentido, tanto faz um real como um milhão de reais, já que a moral, a honra e a intimidade da pessoa são bens imateriais, que não têm valor econômico. Não obstante, para que a condenação do ofensor tenha algum valor jurídico, é mister que a indenização seja fixada em valor respeitável, elevado mesmo, para que o ofensor sinta, concretamente, os efeitos do injusto, tendo sua punição, também, natureza exemplar (Exemplary damage).

Desnecessário dizer que o apregoado critério punitivo não poderá deixar de considerar a fortuna patrimonial do ofensor. Quanto maior esta for, maior deverá ser a indenização, para que esta possa surtir algum efeito prático. Indenizações de pequena monta não constituem punição alguma ao ofensor abastado.

Com o fenômeno da Exemplary damage, a indenização por dano moral também atende o fim social de que trata a Lei de Introdução ao Código Civil, uma vez que, supostamente, influenciará os demais membros da sociedade a não praticarem eventos danosos similares aos cometidos pelo ofensor e devidamente punidos pelo Estado-juiz.

Mesmo que se queira emprestar a natureza compensatória ao dano moral, esta só poderá existir se não excluir a natureza punitiva, tendo-se em conta que o acréscimo patrimonial do ofendido não será exatamente uma compensação, mas o exercício pleno da Justiça.

Assim, põe-se verdadeira pá de cal no argumento daqueles que entendem ser imoral ganhar algum ou muito dinheiro a partir de um evento típico de dano moral.

Mais imoral do que indenizar o dano moral é deixar o dano irressarcido, é deixar o causador do dano impune. Um autor italiano deu uma explicação muito boa. É um equívoco ver imoralidade na exigência de uma indenização por dano moral. O que é imoral é trocar a honra por dinheiro, é vender amor e ceder amor em troca de dinheiro, isso sim é imoral. Mas não é absolutamente imoral receber-se algum dinheiro porque a honra foi violada. Está defendendo-se a honra e não praticando um ato imoral.

É que, se é verdade que a dor não tem preço, também é verdade que algum valor pecuniário ajuda a amenizar essa dor. O dinheiro sozinho é evidente que não dá a felicidade, mas que ele ajuda a criar uma situação mais favorável para se enfrentar a dor, não há a menor dúvida.

Daí, a conclusão imperativa que, observado o critério da proporcionalidade (conforme a citada conclusão 11), desta feita com as lentes do Punitive damage, ao lado da natureza compensatória, o valor da indenização deve ser razoavelmente expressivo, para que não seja apenas simbólico, promovendo, às avessas, a injustiça.

Em síntese: para que se compense efetivamente a vítima e, ao mesmo tempo, se tenha exemplarmente punido o injusto do ofensor, é necessário que a indenização por dano moral venha a pesar no seu bolso, servindo a ele e à sociedade, como um poderoso fator de desestímulo.

Portanto, é necessário que se introduza urgentemente no Brasil o Punitive damage, senão por norma específica própria, ao menos pela analogia ou, mesmo, o Direito comparado.

Não se pode mais aplicar o Direito, mesmo o Civil, sem as tintas altruísticas da Constituição Federal de 1988. Mesmo em sede de danos exclusivamente patrimoniais é infeliz a lei brasileira ao não consignar, à conduta ilícita do ofensor, a tão defendida natureza punitiva.

Errado o senso do Direito brasileiro de que a reparação não pode servir para punir o autor do dano, senso este clássico e que não mais atende aos reclamos e necessidades da sociedade contemporânea.

Classicamente, como dito, a função da responsabilidade civil é reparar o dano e não punir seu causador. Trata-se, pois, de verdadeiro dogma da responsabilidade civil clássica, conforme dispõe o artigo 403 do Código Civil: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Com outras palavras, a indenização não pode ir além daquilo que efetivamente se perdeu.

É a lei, e todo o aparato judiciário, servindo para imantar de suposta legitimidade o domínio de uns poucos sobre muitos. Amarrando-se a atuação do Poder Judiciário, não raro conveniente ao estado lamentável das coisas, o legislador impuro houve por bem defender valores particulares, deixando de lado as aspirações mais coletivas e sociais, capazes de fazer, ao menos no plano judicial, o equilíbrio social que não existe no mundo dos fatos.

Dá-se isso porque no plano dos danos materiais, a lei desconsidera, infelizmente, o problema do dolo e a graduação da culpa. Tal não se pode dar no plano do dano moral, pois ao lesado mais importante do que a eventual compensação, na verdade consolo, é o aspecto punitivo do ofensor.

Posto isto, defende-se a introdução do Punitive damage no sistema jurídico brasileiro, reclamando do Estado-juiz mais seriedade e compromisso no tratamento da avaliação do dano moral, revestindo-o com o manto do aspecto punitivo a fim de que se tenha promovida a Justiça e, exemplarmente, edificada uma luta pela cidadania, que começa, sempre, pelo respeito a moral, honra e dignidade das pessoas.

Por analogia, através de mecanismos do Direito comparado ou, ainda, pela aplicação sistêmica do ordenamento jurídico pátrio (começando pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no artigo 1º, III, da Constituição Federal), há de ser feita profunda reflexão sobre o tema, tendo-se por certo, firme e valioso o sentimento de que o Direito serve para a busca incessante da Justiça.

5.3. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA

Este verbete destina-se ao estudo da legitimidade para propor e para suportar demandas tendentes à recomposição patrimonial ou moral originada de acidentes de trânsito com veículos de via terrestre. Em princípio, a situação não traz maiores percalços, tendo em vista o fato de que legitimado a ajuizar a ação é aquele que suportou o prejuízo ou experimentou a afronta à moralidade, enquanto integrante correto do pólo passivo é a pessoa que deu causa ao surgimento dos referidos danos. Entretanto, limitar a isso a discussão seria simplificar por demais uma questão que por vezes é integrada por outros elementos importantes e que devem ser necessariamente levados em consideração quando da definição de quem esteja apto a litigar em um dos pólos da relação processual.

Inicialmente, merece alusão o teor do artigo 3º, do Código de Processo Civil: “Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”. Percebe-se claramente a intenção do legislador no sentido de somente considerar legitimadas as pessoas que efetivamente estiverem vinculadas imediata ou mediatamente ao evento danoso e que tenham suportado as suas conseqüências nefastas, pois do contrário não haverá aquilo que se denomina interesse de agir, cuja falta leva à extinção do processo sem julgamento do mérito por carência de ação do pretenso demandante, e, sendo ilegítima a parte passiva, provoca o encerramento da lide também sem apreciação do direito invocado pelo sujeito ativo.

No que diz respeito à legitimidade ativa, um princípio basilar tem de ser enfatizado: somente pode demandar pela indenização dos danos materiais ou reparação das afrontas morais aquele que efetivamente suportou os efeitos lesivos do ato civilmente ilídimo gerador da responsabilidade civil do agente. De plano são afastados os que não tiverem sido atingidos, ainda que de maneira reflexa, pelas conseqüências deletérias do episódio, pois isto caracteriza falta de interesse econômico ou moral para figurar no pólo ativo do litígio. Como regra, o proprietário do veículo é o maior prejudicado pela ocorrência de danos materiais quando ocasionados por terceiro cuja atuação estiver eivada de culpa. Assim sendo, provando a condição de titular dominial, e imputando a outrem a produção dos danos, estará o dono legitimado a demandar em busca do preenchimento das lacunas deixadas pelo sinistro. A condição de proprietário é demonstrada através do correspondente certificado ou pelos meios ordinários, como recibo de pagamento com firma reconhecida, contrato particular de compra e venda, demonstração de que houve a tradição com ânimo de transferir o domínio etc. Quando tratar-se de documento particular sem firma reconhecida e houver discussão em torno da veracidade de seu conteúdo ou acerca da data do negócio jurídico, a prova deverá ser complementada através de testemunhas ou outros elementos hábeis a esclarecer a questão, tudo no âmbito da própria demanda em que restou alegada pelo réu a ilegitimidade ativa do demandante.

Tomado por base o princípio de que a legitimidade ativa encontra respaldo no prejuízo sofrido, é de se notar que nem sempre a demanda terá de ser, necessariamente, proposta pelo proprietário do veículo avariado. Há situações nas quais o verdadeiro lesado é o comodatário, o preposto, o locatário etc., porque eles é que arcaram com os ônus da recuperação material através do pagamento do conserto de bem, passando, por conseguinte, a figurar como autorizados a litigar contra o causador direto dos danos. Aliás, o titular dominial somente poderá demandar por prejuízos econômicos que tenha concretamente suportados, ou que estejam por se consumar, como na hipótese de o veículo ainda não ter sido consertado e estar aguardando pela definição do litígio judicial que busca os recursos necessários à recomposição. Está claro, todavia, que a primazia para interposição de lide indenizatória cabe àquele que comprovar a condição de dono do bem afetado e apresentar orçamentos compatíveis com a extensão das avarias produzidas, cabendo a terceiros a legitimidade unicamente quando provarem a ocorrência prévia de desembolso do valor do conserto (notas fiscais, recibos etc), ou a existência de relação jurídica que os torne responsáveis pela integridade do automotor (contrato de empréstimo, de locação etc.). Nos casos em que alguém que não o proprietário pretender litigar pela indenização dos danos provocados em veículo que conduzia ou estava sob sua tutela jurídica, necessariamente terá de fazer prova de haver arcado com os prejuízos, seja porque já consertou o bem antes de restituí-lo ao dono, seja porque está sendo instado por este a recompor as partes afetadas com o evento lesivo, como ainda na hipótese da existência do dever genérico de devolução do veículo no mesmo estado em que o recebera do titular dominial por força de contratação escrita ou verbal.

Outra maneira de alguém atestar legitimidade ativa é através da demonstração de que no momento do episódio lesivo dirigia o veículo afetado, situação associada à apresentação de orçamentos que contenham a previsão de valores necessários à recuperação. Assim agindo, a pessoa estará revelando interesse jurídico-econômico capaz de autorizar a interposição de lide tendente a alcançar o valor contido no menor dos orçamentos confeccionados. Quem está na posse ou na condição de guarda do veículo tem o dever jurídico de restituí-lo ao titular no estado em que o recebeu, circunstância que permite ao possuidor ou guardião o ajuizamento de ação contra quem venha a causar danos ao bem, eis que, do contrário, poderia o dono pleitear junto àqueles o valor necessário ao conserto do automotor danificado. Tal legitimidade, todavia, poderá ser contestada pelo proprietário do veículo por intermédio da comprovação de que os danos foram ou estarão sendo por ele suportados, e não pelo suposto interessado.

Caso aconteça o óbito do legitimado, os sucessores passam a substituí-lo na prerrogativa de litigar contra o agente provocador dos prejuízos, tomando para si todos os direitos e obrigações concernentes ao contexto formado a partir do evento. Isto ocorre porque os herdeiros continuam a história jurídica do de cujus, recebendo o ativo e o passivo – este, até as forças da herança – para apuração de haveres e débitos. Portanto, a indenização dos danos causados no automotor do obituado poderá ser reclamada junto ao responsável, figurando no pólo ativo os sucessores ou mesmo o espólio do extinto. De igual modo, caberá ao autor demandar contra o espólio do falecido, ou contra seus herdeiros, quando o causador dos prejuízos falecer deixando bens, sendo de ressaltar que estes serão constritos até atingirem quota suficiente para cobrir o valor da indenização. Se não forem bastantes ao cumprimento da obrigação judicialmente fixada, o crédito ficará em aberto e sem perspectivas de quitação, de vez que os herdeiros somente respondem por dívidas do de cujus até onde a força da herança alcançar, pois a partir daí existirá ilegitimidade passiva ad causam no que diz respeito aos sucessores, que não são responsáveis pelos débitos ficados por morte do autor da herança senão enquanto os itens patrimoniais deixados comportarem a satisfação daqueles.

Especificamente no caso de falecimento da vítima de acidente de trânsito, caberá aos herdeiros, seqüencialmente e na mesma ordem da vocação hereditária a busca da indenização dos prejuízos materiais e a reparação dos danos morais experimentados. Nunca é demais ressaltar que há limitação legal ao direito, que se esvai a partir do 5º grau, persistindo, portanto, até o 4º grau na linha colateral, embora não baste figurar nessa relação, pois o que realmente legitima o interessado é o fato de, quando do óbito do de cujus, estar na condição de efetivo herdeiro, isto é, pessoa a quem cabe um quinhão, seja por vontade da lei (herdeiros necessários e/ou legítimos), seja por disposição de última vontade do testador. Contudo, na hipótese de reparação de danos morais não bastará a qualidade de herdeiros, eis que somente estará legitimado a demandar aquele que comprovar a afetação psíquica deixada pelo passamento do ente próximo. E, ainda que muitas vezes a estreiteza dos laços contenha ínsita a presunção da ocorrência de padecimento, o afastamento dos vínculos de parentesco torna imprescindível a demonstração da existência de liame efetivo capaz de ocasionar o abalo psíquico que se pretende reparar junto ao causador do evento.

Ainda no caso de reparação de danos morais, nada impede que seja alterada a ordem de modo a torná-la diferente da elencada no direito sucessório, eis que como exceção o óbito de parente próximo ou de cônjuge nem sempre acarretará danos à seara psicológica, ficando a definição da lide condicionada à configuração concreta do padecimento pela morte de filhos, progenitores, irmãos, esposos etc. Logicamente, presume-se a depreciação subjetiva como decorrência do sinistro que culmina com resultado fatal, mas a parte adversa tem a prerrogativa de provar, por exemplo, que marido e mulher não mais conviviam há muitos anos, e que inexistia qualquer vínculo afetivo entre ambos. Do mesmo modo, poderá o demandado provar que os irmãos do falecido, autores de ação reparatória de danos morais provindos de acidente de trânsito, não mantinham bom relacionamento com este, razão bastante para levar à ilisão da pretensão contida na lide, ante a ausência de um mínimo de afetação moral a recompor. Enfim, não obstante a presença do elemento culpa ou incidência de responsabilidade objetiva, o fato do óbito não implica, necessariamente e de imediato, senão no surgimento de presunção de padecimento psíquico dos parentes ou pessoas, sendo tão menos robusta a presunção quanto mais tênue o laço de sangue. Os efeitos da referida presunção mostram-se elásticos quando a vítima é descendente, ascendente ou cônjuge de demandante, porque a relação afetiva é, geralmente, intensa e geradora de profundo sentimento de perda no caso de óbito provocado em acidente de trânsito imputável ao demandado.

Embora jamais seja realmente feito o conserto do veículo, nem por isso desaparecerá o dever de o lesante indenizar os prejuízos apurados. Mesmo quando o carro for vendido imediatamente depois do evento persistirá a legitimidade do prejudicado, porque a depreciação efetivamente aconteceu, e considera-se que o valor de venda do bem já sofreu abatimento proporcional à extensão dos danos, montante a ser reposto pelo ofensor. E, ainda que na prática essa alteração valorativa não ocorra, e o veículo seja vendido por preço semelhante ao de mercado, continuará o dono do automotor a litigar contra o lesante na busca de indenização equivalente aos prejuízos decorrentes do acidente, pois nesse caso admite-se que a inexistência do evento faria com que na alienação o lesado alcançasse preço ainda maior, e que tal incrementação valorativa seria igual ao montante necessário à reposição do status quo ante.

Diante do fato de os Tribunais terem passado a um patamar de menor severidade quanto aos pressupostos formais de comprovação da legitimidade ativa e passiva, admitindo que a transmissão da propriedade de automotores possa realizar-se não apenas através da confecção de certificado em nome do adquirente, mas sim pela prova da ocorrência de tradição com ânimo de alienar o domínio, poderá o lesado exercer seu direito de procurar indenização por intermédio da alegação de domínio somada a algum elemento escrito em igual sentido, como recibo de compra, declaração do alienante, cheque descontado que contenha observação de origem no verso e assim sucessivamente. Ao réu é que caberá, a partir daí, combater a alegada legitimidade, tarefa que, uma vez não cumprida, levará à fixação do autor da demanda, em definitivo, na condição de legitimado. Também pouco importa que o certificado de registro do automotor, em nome do demandante, tenha sido expedido pelas autoridades competentes somente depois do acidente (mas em data aproximada do mesmo), pois isso, associado a outras circunstâncias – por exemplo, o fato de o veículo estar sendo conduzido pelo sujeito ativo quando da ocorrência – funciona como demonstração de legitimidade, que será derrubada apenas se o demandado conseguir provar que à época do episódio o bem não pertencia ao pretenso prejudicado.

Sempre é importante lembrar que em se tratando de bens móveis o domínio transfere-se pela tradição, dispensadas maiores formalidades, e, portanto, quem está na posse da coisa presumidamente é seu titular dominial, salvo prova em contrário. É bem verdade que em relação a veículos a situação apresenta-se um pouco diferente, já que a exigência de registro transformou por longo tempo tal providência em condição sine quo non de admissibilidade do ajuizamento da ação, o que vem sendo minimizado em razão do grande número de negociações feitas em que a alteração do nome do proprietário e a expedição de novo registro são medidas posteriores à efetiva translação dominial.

Em termos de legitimidade passiva, algumas questões reclamam esclarecimentos, dada a variedade de situações vislumbráveis na realidade fática das ocorrências de trânsito. Como regra, sujeitos passivos da obrigação de indenizar os danos são o proprietário do bem e o causador direto, contanto que este último tenha agido com culpa. Como exceção, terceiros serão obrigados a suportar os encargos derivados do evento, pela incidência de mandamento legal impositivo da recomposição, de forma solidária ou até isoladamente.

O documento de registro do veículo é indicativo razoavelmente seguro de titularidade. Quando menos, servirá para inverter o ônus da prova em torno desse aspecto, de tal modo que caberá ao demandado demonstrar que transferira o veículo em data anterior a do episódio danoso, pois do contrário arcará com os custos da indenização por força da presunção de domínio emergente do documento oficial. A atitude mais indicada para vítimas de acidentes de tráfego é ajuizar a demanda indenizatória de danos materiais e composição de danos morais contra o proprietário nominal do automotor e contra o motorista, ambos legitimados a figurar no pólo passivo enquanto não desfeita a relação jurídica e fática que os vinculam ao contexto danoso. Via de regra, demandar contra o motorista do veículo envolvido na ocorrência é atitude tecnicamente correta, salvo se for menor de idade e sem patrimônio capaz de cobrir as despesas impingidas à parte adversa. Isto porque o condutor culpado é agente diretamente vinculado à situação lesiva, tendo por dever jurídico repor o estado anterior das coisas mediante satisfação integral dos valores determinados em juízo.

Embora sob o prisma técnico a demanda contra o motorista possa ser interposta sem maiores percalços quanto à legitimidade passiva, não se pode deixar de incluir no ramo contrário o dono do veículo causador dos prejuízos. Surge, então, o questionamento em torno de quem seja efetivamente o titular do bem, mesmo porque pode haver interesse do verdadeiro dono em ocultar-se com a cumplicidade de outrem, que se posta à frente da situação exatamente porque insolvente e incapaz de gerar a indenização fixada judicialmente, o que funciona como uma espécie de ilícita proteção ao real – e solvente – legitimado a figurar no pólo passivo. Todavia, afora a convicção inicial no sentido de que a pessoa que tem registrado em seu nome o veículo é o titular para todos os fins, outros indicativos podem ser tomados para a definição de tão relevante detalhe.

Quem toma emprestado automotor e, após, repassa-o a terceiro para que o utilize em determinada ocasião, disso resultando acidente que provoca lesões ao patrimônio alheio, estará legitimado passivamente para figurar em qualquer ação tendente a repor o status quo ante. É que assumiu, com o contrato de comodato, a condição de guardião do bem para todos os efeitos, substituindo o proprietário na função de responsável pelo destino e pela aplicação que der ao veículo, nisso incluída a recomposição das estruturas afetadas a partir da sua indevida utilização. No caso em exame, a demanda não deverá ser proposta contra o titular dominial, porque este, ao emprestar o bem a outrem, deixou de lado momentaneamente os atributos inerentes à propriedade, transmitindo-os ao comodatário. É claro que para produzir efeitos perante terceiros a contratação terá de assumir contornos de publicidade, o que se faz através do registro do instrumento perante o serviço cartorial competente, eis que do contrário a operação não valerá senão entre as partes, sem eficácia erga omnes e apresentando-se perante as pessoas estranhas ao pacto como mera entrega do bem sem transferência das qualidades dominiais. Com isso, o proprietário poderá ser demandado como se tivesse apenas permitido o uso do automotor por outrem, o que, na hipótese da superveniência de sinistro, deixa espaço para a verificação da existência de culpa nas modalidades in eligendo et in vigilando, geradoras de responsabilidade civil.

Optando por afirmar a presença de comodato entre o réu e a pessoa que aparece como titular no certificado de propriedade, o autor da ação terá de demonstrar a veracidade de sua assertiva, tarefa de que se poderá desimcumbir mediante apresentação de cópia do contrato registrado. Entrementes, ainda que o instrumento não tenha sido objeto de registro, ou mesmo que inexista instrumento escrito em função de o pacto ter sido verbal, não estará o lesado por isso impossibilitado de acionar aquele que entende ser comodatário. Isto porque o instrumento registrado é indispensável apenas nos casos em que o réu pretende esquivar-se da responsabilidade civil que lhe é imputada na demanda, tarefa cumprida através da apresentação de contrato com eficácia contra todos; a falta de registro ou a contratação verbal, todavia, não funcionarão como óbice à propositura de lide contra o comodatário, porque nesse caso a prova da existência da contratação ficará a cargo do demandante, e este não pode ser cerceado em seu direito de buscar indenização somente porque entre o dono e o comodatário não se instrumentalizou a avença. Entendimento contrário traria incontornável obstáculo à realização do justo, porque ao lesado deve-se oportunizar, por sua própria conta e risco, o ajuizamento da ação contra quem entenda ser responsável pela reestruturação das afetações patrimoniais e morais que lhe foram infligidas.

Recibo de transferência em cópia reprográfica sem autenticação não produz efeitos liberatórios em favor do réu que tenciona provar a transferência do veículo em data anterior ao sinistro. Somente através de complementação testemunhal robusta do indício representado pelo documento, ou por intermédio de outros elementos escritos que porventura tenha poderá o demandado evitar a caracterização de sua legitimidade para figurar no pólo passivo. Como o registro é um dos passos de formalização da translação dominial – embora a tradição com ânimo de transferir gere a troca de titularidade – caberá ao réu produzir prova indesmentível em torno de sua legitimidade, sob pena de prevalecer a verdade emergente do certificado de propriedade. Isto não significa que o adquirente deixará de ser reconhecido como tal e perderá o direito de transferir para seu nome o veículo; apenas deve-se ressaltar a circunstância de que o lesado não pode ficar à mercê de infindável discussão em torno de quem seja o responsável pelo bem para fins da indenização que pretende alcançar. Assim sendo, ao juízo cabe limitar a ao máximo, sem cercear o direito de defesa, a discussão quanto à legitimidade passiva, atribuindo-a àqueles que não conseguirem, de maneira cabal e insofismável, provar não mais terem liames dominiais em relação ao bem causador do sinistro.

A nota fiscal regularmente extraída em data anterior à do evento tem efeito liberatório no pertinente ao antigo proprietário, eximindo-o de qualquer responsabilidade pelos fatos ocorridos após transação, se feita a tradição real como prevista em lei, porque com esta, associada ao documento referido retro, posse e domínio trocam de titularidade (artigos 1.223 e 1.267, ambos do Código Civil). Destarte, mesmo não alterado o registro haverá legitimidade exclusivamente com relação ao novo dono, pois, conforme mencionado anteriormente, o certificado não é elemento exclusivo de prova de transferência, haja vista a amenização de seus efeitos pelos Tribunais, no que diz com a legitimidade ativa e passiva para interposição de demandas indenizatórias. No atual estágio do Direito, não se admite que alguém seja responsabilizado unicamente porque ainda figura no certificado como proprietário do bem. O registro não poderá determinar a responsabilização quando o fato danoso for estranho à vontade e ao conhecimento de quem já não mais é titular do veículo, e que se vê envolvido na relação processual somente em função da desídia do novo dono em promover a transferência formal do bem junto às autoridades competentes. O ato de registro é unilateral, cabendo ao adquirente levá-lo a cabo perante os órgãos habilitados, sendo indevido atribuir o dever de indenização àquele que assinou no verso do certificado autorizando a alteração do nome do proprietário. Atento à possibilidade de que a inércia do adquirente pudesse provocar constrangimento e percalços civis e criminais ao antigo dono, o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 233, considera infração grave “deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no artigo 123”, cominando aos infratores pena de multa e medida administrativa de retenção do veículo para regularização. Já o artigo 123, referido pelo mandamento supratranscrito, alude, no inciso I, à obrigatoriedade de expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando for transferida a propriedade.

Além das causas ordinárias de legitimação passiva para a causa, o artigo 932 - caput do Código Civil faz recair a responsabilidade civil sobre pessoas que têm relação direta com os veículos causadores dos danos e/ou com as pessoas que os conduzem no momento do fato. O mencionado dispositivo já foi alvo de análise, razão pela qual não serão feitas mais elásticas considerações, cabendo apenas reproduzir o mandamento: “São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.

Algumas hipóteses ilustram com clareza aspectos relacionados à legitimidade ativa e passiva, servindo de parâmetro para qualquer das partes interessadas. Assim, por exemplo, em se tratando de acidente envolvendo caminhão, é possível que o bem pertença a mais de um titular, a pessoa jurídica ou, ainda, que o veículo de tração seja de titularidade de uma pessoa e o restante, destinado à carga propriamente dita, seja de pessoa diversa. Havendo multiplicidade de donos, evidentemente que o lesado poderá optar por qualquer deles para figuração no pólo passivo, ou atribuir a ambos a qualidade de réus. Do mesmo modo em se tratando de pessoa jurídica, que tem legitimidade absoluta para funcionar como demandadas, sem que com isso possam os sócios também integrar a lide na condição de integrantes do pólo passivo, de vez que por expressa disposição legal a personalidade deles não se confunde com a da pessoa jurídica da qual participam. É evidente que nas situações reveladoras de malevolência, pelas quais os sócios ocultam-se por detrás da personalidade jurídica para impedir a realização plena da eficácia sentencial (por exemplo, desvio dos bens da empresa para outrem ou para si mesmos; atribuição do domínio do veículo acidentado à empresa insolvente, quando na realidade pertence ao sócio, diretor etc.), poderá ser invocada em juízo a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou disregard, que permite ao lesado alcançar os itens patrimoniais dos componentes de pessoas jurídicas que se tornam insolventes por iniciativa deliberada dos sócios ou participantes com o fim de evitar a constrição de bens capazes de levar à satisfação do débito judicialmente apurado. Trata-se de um mecanismo jurídico que aniquila o obstáculo protetivo engendrado voluntariamente pelo verdadeiro responsável pela indenização dos prejuízos e que tem por objetivo criar uma falsa aparência de domínio e de responsabilidade, transferindo para a pessoa jurídica insolvente o dever de fornecer à vítima uma reparação que jamais passará do plano abstrato em face da ausência de itens patrimoniais suscetíveis de constrição.

Quando um caminhão pertence, em partes distintas (tração e carreta) a mais de uma pessoa, qualquer delas poderá ser acionada, ainda que somente uma das porções tenha sido atingida pela ocorrência de trânsito. A solução deve-se não apenas ao prestigiamento que o legislador sempre pretende outorgar ao lesado perante o ofensor, como também – e principalmente – por força da indissociabilidade das partes componentes do veículo, eis que formam o todo de maneira juridicamente harmônica. Por isso, tanto o dono do equipamento de tração como o titular da fração destinada ao transporte da carga são solidariamente responsáveis pelos danos culposamente causados a partir do uso do automotor. Do mesmo modo, ambos os titulares estarão legitimados a demandar perante terceiros a indenização dos prejuízos causados ao caminhão por culpa destes, quando menos porque eventuais lucros cessantes atingirão não apenas o dono da parte mecânica, mas indistintivamente aqueles que dependiam do veículo para produção de renda. É claro, todavia, que no concernente aos danos materiais estará legitimado a demandar quem efetivamente tiver de arcar com as despesas de conserto.

Por fim, deve-se alertar para o fato de que a seguradora, salvo exceções especiais, não é parte legítima para constar como ré no processo de indenização de danos causados em acidentes de veículos, podendo apenas surgir como litisdenunciada, haja vista não manter espécie alguma de relacionamento jurídico com o autor da ação. Em verdade, ficará exclusivamente obrigada a reembolsar o demandado pelo valor que este pagar ao demandante em razão da decisão judicial, cabendo ao juízo, havendo denunciação da lide, decidir na própria sentença pelo reconhecimento da obrigação da seguradora de ressarcir o desembolso feito pelo réu.

Sobre o autor
Weder Grassi

Formação: Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Tecnólogo em Mecânica formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Técnico em Metalurgia formado pela Escola Técnica Federal do Espírito Santo - ETFES, atual Instituto Federal do Espírito Santo - IFES. Pós Graduado "lato sensu" (especialista): 1 - Segurança Pública - ACADEPOL PCES; 2 - Direito Processual Civil com Habilitação em Docência no Ensino Superior - RADIANTE CENTRO EDUCACIONAL; 3 - Direito Penal e Processual Penal - Faculdade Nacional - FINAC; 4 - Inteligência de Segurança Pública - Universidade Vila Velha - UVV/SENASP; 5 - Direito Público - Faculdade de Vila Velha - UNIVILA; 6 - Trânsito - Faculdade Cândido Mendes de Vitória - FCMV. Pós Graduado em nível de Aperfeiçoamento em Metalografia e Tratamentos Térmicos - Recobrimento de Ferro Fundido Cinzento com cromo e molibdênio via técnica do plasma transferido - Universidade de Pádova, Itália. Pós Graduado em nível de Atualização em Gestão de Segurança - Universidade Vila Velha - UVV. Pós Graduado em nível de Atualização em Direito Constitucional - EDUHOT Cursos Livres. Proficiente em língua italiana reconhecido pelo Governo Italiano. Diplomado em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no Estado do Espírito Santo - ADESG/ES. Experiências na área jurídica: Presidente da 1ª Comissão Processante Permanente do Depto. de Controle Interno (Corregedoria) da Guarda Civil Municipal de Vitória em 2004, onde também participou das elaborações dos Decretos Municipais PMV 11.877/04, 11.878/04 e 11.946/04. Integrante como Vogal da 1ª Câmara Processante da Corregedoria da Procuradoria Geral do Município de Vitória em 2005. Aprovado no Exame de Ordem/OAB. Outras Experiências: Trabalhador Portuário Avulso do OGMO/ES - Órgão de Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulso - de 2006 a 2010. Professor do CEDTEC em 2007. Analista de Trânsito da Prefeitura Municipal de Vitória entre 2000 e 2006. Fiscal do CREA-ES em 2000. Professor do CEFETES - Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, atual IFES, entre 1998 e 1999. Chefe da Seção de Transporte Escolar do DETRAN/ES entre 1996 e 1997. Assessor Parlamentar e Chefe de Gabinete na Câmara dos Deputados, Brasília, DF, de 1993 a 1995. Representante técnico-comercial da Falk Moto-redutores de Velocidade em 1992. Técnico de Desenvolvimento Técnico Refratário da Cia. Siderúrgica de Tubarão - CST de 1986 a 1992. Supervisor de Manutenção Refratária da Cia. Siderúrgica Paulista - COSIPA em 1986. Técnico em Metalurgia da Cia. Vale do Rio Doce - CVRD de 1985 a 1986. Escrivão de Polícia Civil, PC/ES, desde março de 2007.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada como requisito necessário à conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Público da Faculdade de Direito de Vila Velha - UNIVILA. Vila Velha, ES, 2006. Orientadora: Profª. Patrícia Bersan P. de Paiva  Gonçalves

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos