6. A INTELIGÊNCIA E A SEGURANÇA PÚBLICA
Infelizmente, o Código de Processo Penal (CPP) e o Código de Processo Penal Militar (CPPM) têm apenas alguns poucos tópicos sobre a investigação criminal, que a maioria dos operadores jurídicos, como juízes e promotores de Justiça, professores e outros juristas, considera suficiente para aferição do cumprimento do princípio do devido processo legal.
Na verdade, não existe um saber consolidado sobre a investigação criminal, como ocorre na metodologia científica.
6.1. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL COMO SABER NÃO-CONSOLIDADO
O CPP e o CPPM têm orientações muitíssimo genéricas a respeito. Por exemplo, estabelecem coisas do tipo “ouvir o indiciado”, “ouvir o ofendido” etc., mas não há critérios de confiabilidade do testemunho, técnicas de oitiva etc.
A quase totalidade do que é materialmente a investigação criminal está tão‑somente na mente das pessoas que a realizam.
Ora, como podemos aperfeiçoar algo que não está consolidado como um saber específico, devidamente controlado, documentado, analisado, avaliado, discutido, compartilhado etc.? Como geralmente isso não é feito, diariamente esse saber se perde, juntamente com excelentes policiais – especialistas em suas áreas (seqüestro, entorpecentes, roubos e furtos de cargas, falsidade documental, crimes informáticos etc.), quando se aposentam ou drasticamente sucumbem no cumprimento do dever.
A disseminação de outros paradigmas de investigação no âmbito das polícias, atualmente, faria muito mais pela investigação criminal do que qualquer estudo dogmático-jurídico.
Assim, podemos adaptar e aplicar à investigação criminal, com resultados bastante significativos, vários conhecimentos consolidados da “investigação” de inteligência (operações de inteligência) e da investigação científica (pesquisa científica).
A segurança pública teria resultados muito mais efetivos se os atores jurídicos envolvidos de uma forma ou de outra com a investigação criminal, como policiais e promotores de Justiça, substituíssem parte considerável de suas cargas horárias destinadas à dogmática jurídica por disciplinas como metodologia da pesquisa para ciências humanas ou sociais, métodos quantitativos para ciências humanas, métodos de pesquisa para “Justiça Criminal e Criminologia” e atividades de inteligência (análise, contra-inteligência e operações de inteligência).
7. CONCLUSÃO
A sociedade brasileira é marcada pelo individualismo, pela competição e pelo conflito; é uma sociedade não igualitária. Isso leva aos crimes contra a propriedade, o que caracteriza a violência brasileira.
Não se tem nos nossos rincões traços de violência institucional, como nos países do Oriente Médio entre judeus e palestinos, ou no caso dos Estados Unidos da América, onde ainda existem conflitos entre brancos e negros. O que se tem aqui é uma violência circunstanciada que tem a ver com as diferenças sociais.
Claro que temos traços de corrupção em nossa sociedade que remontam à nossa colonização. Outrossim, passamos, todos nós brasileiros, por um momento de transição em nossa sociedade, que muito quis e não pode expressar seus sentimentos durante um longo período de ditadura.
Não há dúvida que o período democrático iniciou-se há mais de duas décadas, mas ainda é pouco em se tratando de inovações jurídicas que visem a desemperrar a máquina estatal que caminha a passos lentos, enquanto a criminalidade realmente atua de forma globalizada e também sem a obrigatoriedade da contraprestação cabível aos governos e órgãos estatais.
Existe também a tendência de qualquer ente (organizacional ou individual) de se relacionar com o meio ambiente e desta relação ficam impressões, significados, que coletados e buscados podem ser considerados informe, informação, apreciação ou estimativa.
Isto não é diferente com o homem, ser social clássico que extrapola os limites das relações com o meio ambiente. Todo contato que possui alimenta dados por meio das pessoas e demais coisas, sendo que estes, por muitas vezes, perpetuam e multiplicam estes dados por si só.
Fica evidente quando recebemos ligações telefônicas de bancos ou empresas com os quais nunca tivemos contato, porém, os mesmos já possuíam informações sobre a nossa pessoa. Da mesma forma, pessoas que nunca vimos na vida já ouviram falar a nosso respeito.
Trata-se de privilégio de informação, ou melhor, utilizando-se uma linguagem mais moderna, privilégio de conhecimento.
As atividades de inteligência nada mais são do que sistemas de gestão da informação, ou, numa visão mais ampla e atual, sistemas de gestão do conhecimento.
Apesar das expressões sistema de inteligência e atividade de inteligência possuírem uma aura mítica, e isso deve-se às experiências repressivas e traumatizantes dos serviços de informação durante a época do regime militar no Brasil, as atividades de inteligência podem ser reconduzidas ao método científico, como também aos sistemas de investigação.
A Administração Pública brasileira e também privada detêm uma imensa “massa de informações” com a qual o Ministério Público e as Receitas estaduais, municipais e federal têm que lidar cotidianamente, seja quanto aos seus trabalhos forense ou fiscal, seja quanto ao estabelecimento e execução de suas políticas e estratégias institucionais (execução orçamentária, gestão de seus recursos humanos, financeiros e materiais, planos gerais de atuação, relacionamento com outras instituições etc.).
Certamente viola o princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, Constituição Federal) que tais órgãos públicos trabalhem com essa “massa de informações” de maneira meramente empírica, acarretando grande desperdício de recursos humanos, materiais e financeiros.
Os órgãos públicos, portanto, devem utilizar-se de métodos, técnicas e ferramentas adequadas para lidar com as informações necessárias ao desempenho de suas finalidades.
Não importa se serão utilizados os métodos, as técnicas e as ferramentas do que se convencionou denominar de atividades de inteligência, pois, diante da crescente complexidade dos fatos com os quais os órgãos públicos lidam e a necessidade de sua atuação sistêmica, o certo é que devem utilizar algum sistema de gestão da informação, superando a fase individualista e amadorística de muitos servidores públicos e alcançando a racionalidade gerencial exigida pelo princípio constitucional da eficiência.
Os modelos estatais de atividade de inteligência ou de sistema de inteligência constituem uma certa ordenação, adequação e organização de métodos, técnicas e ferramentas de gestão da informação, especialmente destinados ao processo decisório governamental ou na produção de provas.
Vimos também como esses modelos foram adaptados para também atender à produção probatória necessária, por exemplo, à atuação de órgãos policiais em investigações criminais.
Diante de novas demandas sociais quanto à eficiência dos serviços públicos e de situações cada vez mais complexas, os órgãos públicos devem, portanto, valer-se de novos métodos, técnicas e ferramentas.
Assim, o que pretendemos com esta obra que acabamos de finalizar é mostrar a importância e viabilidade técnica e jurídica de se utilizar as operações e técnicas de inteligência policial como meios probantes na persecução penal.
Para isto basta que os mais diversos bancos de dados existentes nas organizações públicas e privadas se comuniquem, gerando dentro desse processo democrático e socializante meios adequados para o bom trabalho dos órgãos policiais, com o fito de melhor instruir o inquérito penal, possibilitando um melhor resultado nos trabalhos de polícia judiciária.
Neste contexto, abordamos o uso das ferramentas de inteligência policial para as suas corretas aplicações durante o inquisitório policial, facilitando o trabalho da polícia investigativa nos indiciamentos calcados em fortes indicativos de autoria e materialidade e, conseqüentemente, possibilitar uma segura e eficiente ação penal.
Por fim, a escolha do tema deveu-se, principalmente, a polêmica que o envolve, uma vez que há uma maioria que defende o uso da inteligência policial apenas como subsídio capaz de formar uma decisão ou como elemento imprescindível para uma tomada de decisão.
Porém, cresce a cada dia a tese de que inteligência policial não é só isso ante o aparato das organizações criminosas. Inteligência Policial pode sim ser usada como forma de produção de provas durante o Inquérito Policial, uma vez que relatar um Inquérito, indiciando ou não, é por si só uma tomada de decisão.
8. REFERÊNCIAS
1- SOARES, Luiz Eduardo; LEMOS, Carlos Eduardo Monteiro; MIRANDA, Rodney Rocha. Espírito Santo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
2- GOMES, Rodrigo Carneiro. A repressão à criminalidade organizada e os instrumentos legais: sistemas de inteligência. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1114, 20 jul. 2006. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/8669/a-repressao-a-criminalidade-organizada-e-os-instrumentos-legais>. Acesso em: 11 jun. 2009.
3 – PEREIRA, Antônio Tadeu Nicoletti. A papiloscopia no contexto da inteligência policial. Disponível em:<www.papiloscopistas.org/novosite/modules.php?...> Acesso em: 11 jun. 2009.
4 – MENEZES, Rômulo Fisch de Berrêdo; GOMES, Rodrigo Carneiro. Integração dos sistemas de inteligência. Por uma mudança de paradigmas e mitigação da síndrome do secretismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1116, 22 jul. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/8683/integracao-dos-sistemas-de-inteligencia>. Acesso em: 11 jun. 2009.
5 – NANI, Valéria. Seminário internacional: Força-tarefa e a inteligência na prevenção e repressão Criminal. Disponível em:<www.mp.sp.gov.br/.../ 33C469647212BD70E040A8C02C016C14>. Acesso em: 11 jun. 2009.
6 – RIBEIRO, Fábio Pereira. Serviços de inteligência e a defesa da nação. Jornal de Defesa de Portugal, Portugal, p. 1. - 1, 02 maio 2007. Disponível em: <buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id... >. Acesso em 11 jun. 2009.
7 - GRASSI, Weder. As funções dos órgãos de segurança pública no Brasil. Vitória, 2007. Disponível em: <https://www.aepes.com.br/aepes/show_noticia.php?id=3611>. Acesso em 07 set. 2009.
8 – SOUZA, Eduardo Pascoal de. Sobre as semelhanças e diferenças entre inteligência e investigação. Brasília. 2009. Disponível em: <www.conseg.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc...>. Acesso em 15 mar. 2009.
9 – Espuny, Herbert Gonçalves. Inteligência policial nas delegacias seccionais de SP. São Paulo. 2009. Disponível em: www.forumseguranca.org.br/.../inteligencia-policial-nas-delegacias-seccionais-de-sp>. Acesso em 13 jun. 2009.
Notas
1 As Polícias Civis desempenham o papel de polícia judiciária dos estados, relatando Inquéritos Policiais e investigando crimes e contravenções definidos por exclusão das infrações penais de competência da Polícia Federal. Somente à Polícia Civil assiste o papel constitucional de polícia investigativa estadual, encaminhando ao Poder Judiciário os Inquéritos Policiais relatados, para que se promova a devida ação penal, qualquer que seja sua natureza, pública ou privada. (GRASSI, Weder. As funções dos órgãos de segurança pública no Brasil. Vitória, 2007.)
2 A Polícia Federal exerce o papel de polícia judiciária da União, apurando as infrações penais contra a ordem política e social que impliquem prejuízo aos bens, serviços e interesses da União, tanto na administração direta quanto na indireta. Outrossim, é mister da PF a polícia marítima, aérea e de fronteiras, a repressão ao tráfico de entorpecentes e ao contrabando e descaminho, como também a outras ações delituosas de repercussão interestadual ou internacional. (GRASSI, Weder. As funções dos órgãos de segurança pública no Brasil. Vitória, 2007.)
3 Em qualquer organização a sua linha de ação é dividida em três níveis: estratégico, tático e operacional. É a maneira que qualquer ente se comporta em seu meio ambiente, o que não é diferente para um indivíduo. Qual é a pessoa que não realiza ações ou pensa questões a longo, médio e curto prazo?
4 Diz-se que o crime é organizado não quando os bandidos se reúnem em torno de uma mesa para tramar um golpe, distribuindo tarefas e planejando ações. Isso é trivial e vale para uma empresa, uma universidade, um time de futebol de várzea ou para o condomínio de um prédio. Trata-se de crime organizado quando a divisão do trabalho ilícito envolve agentes de instituições públicas. Isto é, quando articula uma rede clandestina que se apropria, privada e ilegalmente, de instrumentos, recursos materiais e intelectuais, prerrogativas e cobertura de origem estatal – ou que, por sua natureza, deveriam servir ao Estado, enquanto representante do interesse comum. (SOARES, Luiz Eduardo; LEMOS, Carlos Eduardo Monteiro; MIRANDA, Rodney Rocha. Espírito Santo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.)