O uso da inteligência policial na produção de provas durante o inquérito policial

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29/11/2018 às 14:10
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6. A INTELIGÊNCIA E A SEGURANÇA PÚBLICA

Infelizmente, o Código de Processo Penal (CPP) e o Código de Processo Penal Militar (CPPM) têm apenas alguns poucos tópicos sobre a investigação criminal, que a maioria dos operadores jurídicos, como juízes e promotores de Justiça, professores e outros juristas, considera suficiente para aferição do cumprimento do princípio do devido processo legal.

Na verdade, não existe um saber consolidado sobre a investigação criminal, como ocorre na metodologia científica.

6.1. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL COMO SABER NÃO-CONSOLIDADO

O CPP e o CPPM têm orientações muitíssimo genéricas a respeito. Por exemplo, estabelecem coisas do tipo “ouvir o indiciado”, “ouvir o ofendido” etc., mas não há critérios de confiabilidade do testemunho, técnicas de oitiva etc.

A quase totalidade do que é materialmente a investigação criminal está tão‑somente na mente das pessoas que a realizam.

Ora, como podemos aperfeiçoar algo que não está consolidado como um saber específico, devidamente controlado, documentado, analisado, avaliado, discutido, compartilhado etc.? Como geralmente isso não é feito, diariamente esse saber se perde, juntamente com excelentes policiais – especialistas em suas áreas (seqüestro, entorpecentes, roubos e furtos de cargas, falsidade documental, crimes informáticos etc.), quando se aposentam ou drasticamente sucumbem no cumprimento do dever.

A disseminação de outros paradigmas de investigação no âmbito das polícias, atualmente, faria muito mais pela investigação criminal do que qualquer estudo dogmático-jurídico.

Assim, podemos adaptar e aplicar à investigação criminal, com resultados bastante significativos, vários conhecimentos consolidados da “investigação” de inteligência (operações de inteligência) e da investigação científica (pesquisa científica).

A segurança pública teria resultados muito mais efetivos se os atores jurídicos envolvidos de uma forma ou de outra com a investigação criminal, como policiais e promotores de Justiça, substituíssem parte considerável de suas cargas horárias destinadas à dogmática jurídica por disciplinas como metodologia da pesquisa para ciências humanas ou sociais, métodos quantitativos para ciências humanas, métodos de pesquisa para “Justiça Criminal e Criminologia” e atividades de inteligência (análise, contra-inteligência e operações de inteligência).


7. CONCLUSÃO

A sociedade brasileira é marcada pelo individualismo, pela competição e pelo conflito; é uma sociedade não igualitária. Isso leva aos crimes contra a propriedade, o que caracteriza a violência brasileira.

Não se tem nos nossos rincões traços de violência institucional, como nos países do Oriente Médio entre judeus e palestinos, ou no caso dos Estados Unidos da América, onde ainda existem conflitos entre brancos e negros. O que se tem aqui é uma violência circunstanciada que tem a ver com as diferenças sociais.

Claro que temos traços de corrupção em nossa sociedade que remontam à nossa colonização. Outrossim, passamos, todos nós brasileiros, por um momento de transição em nossa sociedade, que muito quis e não pode expressar seus sentimentos durante um longo período de ditadura.

Não há dúvida que o período democrático iniciou-se há mais de duas décadas, mas ainda é pouco em se tratando de inovações jurídicas que visem a desemperrar a máquina estatal que caminha a passos lentos, enquanto a criminalidade realmente atua de forma globalizada e também sem a obrigatoriedade da contraprestação cabível aos governos e órgãos estatais.

Existe também a tendência de qualquer ente (organizacional ou individual) de se relacionar com o meio ambiente e desta relação ficam impressões, significados, que coletados e buscados podem ser considerados informe, informação, apreciação ou estimativa.

Isto não é diferente com o homem, ser social clássico que extrapola os limites das relações com o meio ambiente. Todo contato que possui alimenta dados por meio das pessoas e demais coisas, sendo que estes, por muitas vezes, perpetuam e multiplicam estes dados por si só.

Fica evidente quando recebemos ligações telefônicas de bancos ou empresas com os quais nunca tivemos contato, porém, os mesmos já possuíam informações sobre a nossa pessoa. Da mesma forma, pessoas que nunca vimos na vida já ouviram falar a nosso respeito.

Trata-se de privilégio de informação, ou melhor, utilizando-se uma linguagem mais moderna, privilégio de conhecimento.

As atividades de inteligência nada mais são do que sistemas de gestão da informação, ou, numa visão mais ampla e atual, sistemas de gestão do conhecimento.

Apesar das expressões sistema de inteligência e atividade de inteligência possuírem uma aura mítica, e isso deve-se às experiências repressivas e traumatizantes dos serviços de informação durante a época do regime militar no Brasil, as atividades de inteligência podem ser reconduzidas ao método científico, como também aos sistemas de investigação.

A Administração Pública brasileira e também privada detêm uma imensa “massa de informações” com a qual o Ministério Público e as Receitas estaduais, municipais e federal têm que lidar cotidianamente, seja quanto aos seus trabalhos forense ou fiscal, seja quanto ao estabelecimento e execução de suas políticas e estratégias institucionais (execução orçamentária, gestão de seus recursos humanos, financeiros e materiais, planos gerais de atuação, relacionamento com outras instituições etc.).

Certamente viola o princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, Constituição Federal) que tais órgãos públicos trabalhem com essa “massa de informações” de maneira meramente empírica, acarretando grande desperdício de recursos humanos, materiais e financeiros.

Os órgãos públicos, portanto, devem utilizar-se de métodos, técnicas e ferramentas adequadas para lidar com as informações necessárias ao desempenho de suas finalidades.

Não importa se serão utilizados os métodos, as técnicas e as ferramentas do que se convencionou denominar de atividades de inteligência, pois, diante da crescente complexidade dos fatos com os quais os órgãos públicos lidam e a necessidade de sua atuação sistêmica, o certo é que devem utilizar algum sistema de gestão da informação, superando a fase individualista e amadorística de muitos servidores públicos e alcançando a racionalidade gerencial exigida pelo princípio constitucional da eficiência.

Os modelos estatais de atividade de inteligência ou de sistema de inteligência constituem uma certa ordenação, adequação e organização de métodos, técnicas e ferramentas de gestão da informação, especialmente destinados ao processo decisório governamental ou na produção de provas.

Vimos também como esses modelos foram adaptados para também atender à produção probatória necessária, por exemplo, à atuação de órgãos policiais em investigações criminais.

Diante de novas demandas sociais quanto à eficiência dos serviços públicos e de situações cada vez mais complexas, os órgãos públicos devem, portanto, valer-se de novos métodos, técnicas e ferramentas.

Assim, o que pretendemos com esta obra que acabamos de finalizar é mostrar a importância e viabilidade técnica e jurídica de se utilizar as operações e técnicas de inteligência policial como meios probantes na persecução penal.

Para isto basta que os mais diversos bancos de dados existentes nas organizações públicas e privadas se comuniquem, gerando dentro desse processo democrático e socializante meios adequados para o bom trabalho dos órgãos policiais, com o fito de melhor instruir o inquérito penal, possibilitando um melhor resultado nos trabalhos de polícia judiciária.

Neste contexto, abordamos o uso das ferramentas de inteligência policial para as suas corretas aplicações durante o inquisitório policial, facilitando o trabalho da polícia investigativa nos indiciamentos calcados em fortes indicativos de autoria e materialidade e, conseqüentemente, possibilitar uma segura e eficiente ação penal.

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Por fim, a escolha do tema deveu-se, principalmente, a polêmica que o envolve, uma vez que há uma maioria que defende o uso da inteligência policial apenas como subsídio capaz de formar uma decisão ou como elemento imprescindível para uma tomada de decisão.

Porém, cresce a cada dia a tese de que inteligência policial não é só isso ante o aparato das organizações criminosas. Inteligência Policial pode sim ser usada como forma de produção de provas durante o Inquérito Policial, uma vez que relatar um Inquérito, indiciando ou não, é por si só uma tomada de decisão.


8. REFERÊNCIAS

1- SOARES, Luiz Eduardo; LEMOS, Carlos Eduardo Monteiro; MIRANDA, Rodney Rocha. Espírito Santo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

2- GOMES, Rodrigo Carneiro. A repressão à criminalidade organizada e os instrumentos legais: sistemas de inteligência. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1114, 20 jul. 2006. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/8669/a-repressao-a-criminalidade-organizada-e-os-instrumentos-legais>. Acesso em: 11 jun. 2009.

3 – PEREIRA, Antônio Tadeu Nicoletti. A papiloscopia no contexto da inteligência policial. Disponível em:<www.papiloscopistas.org/novosite/modules.php?...> Acesso em: 11 jun. 2009.

4 – MENEZES, Rômulo Fisch de Berrêdo; GOMES, Rodrigo Carneiro. Integração dos sistemas de inteligência. Por uma mudança de paradigmas e mitigação da síndrome do secretismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1116, 22 jul. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/8683/integracao-dos-sistemas-de-inteligencia>. Acesso em: 11 jun. 2009.

5 – NANI, Valéria. Seminário internacional: Força-tarefa e a inteligência na prevenção e repressão Criminal. Disponível em:<www.mp.sp.gov.br/.../ 33C469647212BD70E040A8C02C016C14>. Acesso em: 11 jun. 2009.

6 – RIBEIRO, Fábio Pereira. Serviços de inteligência e a defesa da nação. Jornal de Defesa de Portugal, Portugal, p. 1. - 1, 02 maio 2007. Disponível em: <buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id... >. Acesso em 11 jun. 2009.

7 - GRASSI, Weder. As funções dos órgãos de segurança pública no Brasil. Vitória, 2007. Disponível em: <https://www.aepes.com.br/aepes/show_noticia.php?id=3611>. Acesso em 07 set. 2009.

8 – SOUZA, Eduardo Pascoal de. Sobre as semelhanças e diferenças entre inteligência e investigação. Brasília. 2009. Disponível em: <www.conseg.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc...>. Acesso em 15 mar. 2009.

9 – Espuny, Herbert Gonçalves. Inteligência policial nas delegacias seccionais de SP. São Paulo. 2009. Disponível em: www.forumseguranca.org.br/.../inteligencia-policial-nas-delegacias-seccionais-de-sp>. Acesso em 13 jun. 2009.


Notas

1 As Polícias Civis desempenham o papel de polícia judiciária dos estados, relatando Inquéritos Policiais e investigando crimes e contravenções definidos por exclusão das infrações penais de competência da Polícia Federal. Somente à Polícia Civil assiste o papel constitucional de polícia investigativa estadual, encaminhando ao Poder Judiciário os Inquéritos Policiais relatados, para que se promova a devida ação penal, qualquer que seja sua natureza, pública ou privada. (GRASSI, Weder. As funções dos órgãos de segurança pública no Brasil. Vitória, 2007.)

2 A Polícia Federal exerce o papel de polícia judiciária da União, apurando as infrações penais contra a ordem política e social que impliquem prejuízo aos bens, serviços e interesses da União, tanto na administração direta quanto na indireta. Outrossim, é mister da PF a polícia marítima, aérea e de fronteiras, a repressão ao tráfico de entorpecentes e ao contrabando e descaminho, como também a outras ações delituosas de repercussão interestadual ou internacional. (GRASSI, Weder. As funções dos órgãos de segurança pública no Brasil. Vitória, 2007.)

3 Em qualquer organização a sua linha de ação é dividida em três níveis: estratégico, tático e operacional. É a maneira que qualquer ente se comporta em seu meio ambiente, o que não é diferente para um indivíduo. Qual é a pessoa que não realiza ações ou pensa questões a longo, médio e curto prazo?

4 Diz-se que o crime é organizado não quando os bandidos se reúnem em torno de uma mesa para tramar um golpe, distribuindo tarefas e planejando ações. Isso é trivial e vale para uma empresa, uma universidade, um time de futebol de várzea ou para o condomínio de um prédio. Trata-se de crime organizado quando a divisão do trabalho ilícito envolve agentes de instituições públicas. Isto é, quando articula uma rede clandestina que se apropria, privada e ilegalmente, de instrumentos, recursos materiais e intelectuais, prerrogativas e cobertura de origem estatal – ou que, por sua natureza, deveriam servir ao Estado, enquanto representante do interesse comum. (SOARES, Luiz Eduardo; LEMOS, Carlos Eduardo Monteiro; MIRANDA, Rodney Rocha. Espírito Santo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.)

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Sobre o autor
Weder Grassi

Formação: Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Tecnólogo em Mecânica formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Técnico em Metalurgia formado pela Escola Técnica Federal do Espírito Santo - ETFES, atual Instituto Federal do Espírito Santo - IFES. Pós Graduado "lato sensu" (especialista): 1 - Segurança Pública - ACADEPOL PCES; 2 - Direito Processual Civil com Habilitação em Docência no Ensino Superior - RADIANTE CENTRO EDUCACIONAL; 3 - Direito Penal e Processual Penal - Faculdade Nacional - FINAC; 4 - Inteligência de Segurança Pública - Universidade Vila Velha - UVV/SENASP; 5 - Direito Público - Faculdade de Vila Velha - UNIVILA; 6 - Trânsito - Faculdade Cândido Mendes de Vitória - FCMV. Pós Graduado em nível de Aperfeiçoamento em Metalografia e Tratamentos Térmicos - Recobrimento de Ferro Fundido Cinzento com cromo e molibdênio via técnica do plasma transferido - Universidade de Pádova, Itália. Pós Graduado em nível de Atualização em Gestão de Segurança - Universidade Vila Velha - UVV. Pós Graduado em nível de Atualização em Direito Constitucional - EDUHOT Cursos Livres. Proficiente em língua italiana reconhecido pelo Governo Italiano. Diplomado em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no Estado do Espírito Santo - ADESG/ES. Experiências na área jurídica: Presidente da 1ª Comissão Processante Permanente do Depto. de Controle Interno (Corregedoria) da Guarda Civil Municipal de Vitória em 2004, onde também participou das elaborações dos Decretos Municipais PMV 11.877/04, 11.878/04 e 11.946/04. Integrante como Vogal da 1ª Câmara Processante da Corregedoria da Procuradoria Geral do Município de Vitória em 2005. Aprovado no Exame de Ordem/OAB. Outras Experiências: Trabalhador Portuário Avulso do OGMO/ES - Órgão de Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulso - de 2006 a 2010. Professor do CEDTEC em 2007. Analista de Trânsito da Prefeitura Municipal de Vitória entre 2000 e 2006. Fiscal do CREA-ES em 2000. Professor do CEFETES - Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, atual IFES, entre 1998 e 1999. Chefe da Seção de Transporte Escolar do DETRAN/ES entre 1996 e 1997. Assessor Parlamentar e Chefe de Gabinete na Câmara dos Deputados, Brasília, DF, de 1993 a 1995. Representante técnico-comercial da Falk Moto-redutores de Velocidade em 1992. Técnico de Desenvolvimento Técnico Refratário da Cia. Siderúrgica de Tubarão - CST de 1986 a 1992. Supervisor de Manutenção Refratária da Cia. Siderúrgica Paulista - COSIPA em 1986. Técnico em Metalurgia da Cia. Vale do Rio Doce - CVRD de 1985 a 1986. Escrivão de Polícia Civil, PC/ES, desde março de 2007.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Inteligência de Segurança Pública da Universidade de Vila Velha – UVV, como requisito necessário para a obtenção do Grau de Especialista. Orientador: Prof. Dr. João Mariano Filho.

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