RESUMO: O artigo, desenvolvido a partir de uma pesquisa bibliográfica, objetiva lançar um novo olhar sobre Direito Penal após as novas descobertas neurobiológicas, tendo como eixo principal a culpabilidade finalista confrontada com a provável inexistência de liberdade irrestrita no atuar humano. O livre-arbítrio é essencial na determinação do grau de responsabilidade dos indivíduos e na aplicação das leis penais. Entretanto o progresso neurotecnológico evidencia que a plenitude da consciência muitas vezes não é absoluta tendo como consequência admitir a inexistência da liberdade no agir do homem. No âmbito do Direito Penal implicações destas descobertas podem ter serias repercussões. O estudo inicia com um breve apanhado histórico sobre a origem do Direito Penal e sua relação com o livre arbítrio, seguido por uma explanação pontual sobre algumas das Escolas Penais, antes de discutir a possível construção de novos conhecimentos no âmbito do Direito Penal a partir das descobertas das ciências neuronais, a Teoria Finalista de Hans Welzel, coluna vertebral do Direito Penal Brasileiro e sua afirmação “o poder agir de outro modo” são confrontadas com os resultados das experiências neurociêntificas desenvolvidas por Benjamin Libet.
Palavras-chave: Culpabilidade. Cérebro. Liberdade. Agir.
RÉSUMÉ: L’article, réalisé à partir d’une recherche bibliographique, objective lancer un nouveau regard sur le Droit Pénal après les récentes découvertes neurobiologiques, avec pour axe principal la culpabilité finale confrontée à la probable inexistence de liberté totale dans l’action humaine. Le libre arbitre est essentiel dans la détermination du degré de responsabilité des individus et dans l’application des lois pénales. Cependant, le progrès de la neurotechnologie met en évidence que la conscience pleine n’est souvent pas absolue, avec pour conséquence admettre l’inexistence de liberté dans l’action humaine. Dans les limites du Droit Pénal les implications de ces découvertes peuvent avoir de sérieuses répercussions. L’étude commence par un bref aperçu historique sur l’origine du Droit Pénal et ses rapports avec le libre arbitre, suivi par un commentaire succinct sur quelques-unes des Ecoles Pénales, avant de discuter la construction possible de nouvelles connaissances dans le cadre du Droit Pénal à partir des découvertes des sciences neuronales, la Théorie Finaliste de Hans Welzel, colonne vertébrale du Droit Pénal Brésilien et son affirmation sur “le pouvoir d’agir d’une autre façon” sont confrontées aux résultats des expériences neuroscientifiques réalisées par Benjamin Libet.
Mots clés: Culpabilité. Cerveau. Liberté. Action.
Trabalho orientado pelo Prof.: Me. Armando Duarte Mesquita Jr. em 2018.
1 INTRODUÇÃO
Pensar sobre a reordenação do saber, impulsiona o movimento de constante construção e desconstrução do conhecimento que acompanha a humanidade ao longo dos tempos. Nesse sentido, este artigo propõe uma reflexão de como a neurociência e suas recentes descobertas, operam modificações no entendimento cientifico e social a respeito do livre-arbítrio, e consequentemente, de qual forma seus reflexos poderão atingir o Direito Penal.
Uma trajetória conflitante segue o tema livre-arbítrio através da história. Por esse ângulo, a utilização do pleno agir humano, como o principal pilar orientador da compreensão do fundamento material da culpabilidade se vê diretamente confrontada pela neurociência e suas recentes descobertas, uma vez que comprovam existir ativação cerebral antes mesmo que o indivíduo tenha plena consciência do ato que está por vir. Tal premissa faz ressurgir dúvidas sobre a total eficácia do que está sendo posto como lei.
Neste contexto justificou-se eleger como problema: Qual o provável impacto causado pela Neurociência e seus avanços, como as experiências desenvolvidas por Benjamin Libet, em negar a existência do livre-arbítrio diante da aplicabilidade do “poder agir de outro modo”, pilar do Finalismo de Hans Welzel?
Sendo assim, traçou-se como objetivo geral do estudo: estabelecer uma linha de raciocínio temporal entre o Direito Penal e o livre-arbítrio. Mas condensar a vasta historiografia sobre Direito Penal e Livre-arbítrio em um único artigo seria de uma inocência desmedida. Desenvolver um sucinto esboço histórico do conteúdo será muito mais responsável. Em continuidade a este raciocínio está o objetivo específico, qual seja: lançar um novo olhar sobre Direito Penal após as novas descobertas neurobiológicas, tendo como eixo principal a culpabilidade finalista confrontada com a provável inexistência de liberdade irrestrita no atuar humano.
Inicia-se com um breve histórico sobre a origem do Direito Penal, antes de discutir a possível construção de novos conhecimentos a partir das descobertas das ciências neuronais.
Observados os limites estabelecidos para a abordagem temática, a pesquisa será desenvolvida, dentre outros meios que se demonstrarem necessários, da seguinte forma: levantamento bibliográfico e identificação de aspectos controvertidos. Para dar seguimento a corrente de análise desta pesquisa, utilizou-se a metodologia exploratória com o intuito de atender aos objetivos propostos. Quanto aos meios de investigação concernentes a pesquisa bibliográfica buscou-se investigar os materiais publicados, a exemplo, artigos científicos, periódicos e livros para realizar o referido tema. Para Gil (2002, p. 48), este tipo de pesquisa tem “o objetivo de redefinir um problema, proporcionar uma melhor visão deste ou torná-lo mais específico, considerando que estes são amplos e poucos esclarecidos”.
2 DIREITO PENAL E LIVRE-ARBÍTRIO: UMA QUESTÃO HISTÓRICA
Atribuiu-se ao tempo a capacidade de registrar a adversidade instaurada sobre a temática, apresentando uma multiplicidade de significados que perpassam por diversas áreas do conhecimento. A medida em que o conhecimento humano avança, a liberdade da vontade conecta-se com a semente do Direito Penal, proporcionando um autêntico início para elaboração de estudos como nos informa Masson (2011, p. 53):
O ponto de partida da história da pena coincide com o ponto de partida da história da humanidade. Em todos os tempos, em todas as raças. Vislumbra-se a pena como uma ingerência na esfera do poder e da vontade do indivíduo que ofendeu e porque ofendeu as esferas de poder da vontade de outrem.
Percebe-se que a má utilização da liberdade individual é a origem da pena, além de ser considerada a causa principal da desordem sobre as regras pré-estabelecidas pelo grupo. Acreditava-se que ter consciência sobre o seu atuar e adaptabilidade perante o meio, foram características que tornaram o homem único perante aos demais seres do nosso planeta.
Na medida em que a lei é disseminada e retransmitida para sucessivas gerações, as relações de poder que encontravam na força física sua maior justificava, são transformadas, acrescentadas por normas restritivas do comportamento, fundamentadas em esclarecimentos principiológicos sobre o mundo e seus fenômenos. Tais explicações míticas religiosas revelavam o saber sobre o desconhecido existente, dando origem a uma cultura consuetudinária de raízes religiosas que servia para estreitar relações entre os integrantes de uma mesma família e de um grupo social para além dos laços consanguíneos, fazendo com que a vontade das divindades prevalecesse sobre a vontade do indivíduo de acordo com Cunha (2015, p.43):
Nas sociedades primitivas, a percepção do mundo pelos homens era muito mitigada, carregada de misticismos e crenças em seres sobrenaturais. Não se tinha conhecimento de que ventos, chuvas trovões, raios, secas etc. decorriam de leis da natureza, levando pessoas a acreditarem que esses fenômenos eram provocados por divindades que os premiavam ou castigavam pelos seus comportamentos. Essas divindades com poderes infinitos e capazes de influenciar diretamente na vida das pessoas eram os Totens, sendo essas sociedades chamadas Totêmicas. Quando membro do grupo social descumpria regras, ofendendo os '\totens", era punido pelo próprio grupo, que temia ser retaliado pela divindade. Pautando-se na satisfação divina, a pena era cruel, desumana e degradante.
Nos primórdios civilizatórios, a ideia de justiça não existia, as penas além de serem cruéis e desumanas eram utilizadas como formas de vingança divina, individual ou política, impostas aos desviantes. A liberdade da vontade, autonomia, independência no agir, a ausência de condições e de limites estavam atreladas a uma ideia paradoxal de bem ou mal, de certo ou errado, dentro de um contexto social, cultural, geográfico, e o homem era o protagonista em escolher qual dos caminhos seguir.
Na fase da Vingança Divina, o agir em desfavor do coletivo provocava o sacrifício do divergente. As punições apesar de serem extremamente severas, reestabeleciam no imaginário humano primitivo, a conexão harmônica entre a terra e o divino. Posteriormente, chegamos ao período da Vingança Privada, buscamos na lei de talião a essência da proporcionalidade ao mal praticado. Este entendimento exerceu um papel fundamental no desenvolvimento e continuidade das tribos e serviu de pilar para a construção dos Códigos de Ur-Nammu e Hamurabi na Babilônia, do Torá para os Hebreus, Código de Manu na Índia e da Lei das XII Tábuas em Roma. Na era da Vingança Pública, atribuiu-se ao controlador do Estado, na figura do soberano ou do monarca, o poder de impor as penas aos seus comandados. Com características cruéis, as punições aplicadas aos de conduta contrariava ao que se era preestabelecido, demonstravam a superioridade do poder estatal para os demais componentes da sociedade e serviam também como uma espécie de alerta garantidor da ordem esperada. De acordo com Prado (2012, p. 64):
a) Primeira época Crimen é atentado contra os Deuses. Pena meio de aplacar a cólera divina; b) Segunda época. Crimen é a agressão violenta de uma tribo contra outra. Pena, vingança de sangue de tribo a tribo; c) Terceira época. Crimen é transgressão da ordem jurídica estabelecida pelo poder do Estado. Pena é a reação do Estado contra a vontade individual oposta a sua.
Buscando uma abordagem sequencial dos acontecimentos e afastando-se um pouco das culturas oralmente transmitidas, Wolkmer (2012, pp. 17-34), relata que “o surgimento das cidades próximas às bacias hidrográficas, o domínio da escrita e o advento do comércio, fomentaram a construção de códigos escritos com o objetivo de melhorar a aplicação e eficácia das regras existente naquela época”.
Segundo o autor, bons exemplos são as civilizações da Mesopotâmia, uma monarquia instalada as margens dos rios Tigre e Eufrates, que através de sua escrita cuneiforme, representava a luta de uma ordem humana, com todas as suas ansiedades e fragilidades, para se integrar ao Universo e a civilização do Egito as bordas do rio Nilo com seus textos escritos em hieróglifos, onde o faraó, Deus vivo na terra, simbolizava o triunfo de ordem divina inabalável sobre as forças do caos. Mesmo com o progresso alcançado em obter uma certa organização diante da multiplicidade cultural que se agrupava no mesmo ponto geográfico, a aplicação dos códigos escritos preservava e mesclava preceitos religiosos, civis, morais e punitivos, já existentes nas culturas orais.
Buscando neste contexto, a liberdade do agir limitava-se em seguir harmonicamente o que era posto como regulamentador das condutas. Segundo Wolkmer (2012, p. 36),“[...] o Egito legou a humanidade a percepção de equilíbrio na aplicação de suas leis por via do maat, um princípio hermético, regulador e organizador dos sistemas das coisas, numa noção de “eterna ordem das coisas e do Universo”. Sua utilização tinha o poder de fazer com que as partes envolvidas num conflito saíssem satisfeitas do tribunal.
O desenvolvimento de um conhecimento original atribuiu a Grécia uma posição de destaque e importância diante do mundo dos saberes, reconhecido e muito valorizado, até a atualidade. Fonte criadora da democracia e um dos principais alicerces culturais da humanidade, introduziu uma nova forma de viver em sociedade.
[...] não se pode olvidar que os filósofos gregos trouxeram à tona questões geralmente ignoradas pelos povos anteriores, como, por exemplo, qual seria a razão e o fundamento do direito de punir e qual seria a razão da pena. As opiniões mais conhecidas são de Platão e Aristóteles, o primeiro nas Leis e Protágoras, o segundo na Ética à Nicomaco e na Política. (SMANIO; FABRETTI, 2010, pp. 6-7)
Os pensadores gregos atribuíram um conceito de liberdade humana com fundamentos religiosos onde a ideia de liberdade opõe-se a crença de destino, situação na qual tudo está pré-estabelecido por forças cegas. Segundo Cerqueira (2015, p.19), a concepção de liberdade submete-se a concordância com a necessidade ou vontades dos Deuses. Ou seja, o ser humano não passa de um mero fantoche desprovido de liberdade nas mãos dos Deuses.
Sobre outro ponto de entendimento, distinto do que estava ao seu redor, encontrava-se Aristóteles, disseminando em sua obra Ética a Nicômano, a ideia de que é livre e voluntária, a ação que não sofre coações, revelando a origem da vontade, sendo esta voluntária ou não, sugerindo ainda qual tratamento o legislador deveria adotar para tais atos.
Posto que a virtude se relaciona com paixões e ações, e apenas as paixões e ações voluntárias são louvadas ou censuradas, ao passo que as involuntárias recebem perdão e às vezes inspiram compaixão, parece necessária a quem estuda a natureza da virtude a distinção entre o voluntário e o involuntário. Tal distinção também será útil ao legislador com respeito à atribuição de honras e aplicação de castigos. São consideradas involuntárias aquelas ações que ocorrem sob compulsão ou por ignorância; e é compulsório ou forçado aquele ato cujo princípio motor é externo ao agente, e para o qual a que age não contribui de maneira alguma para o ato, porém, pelo contrário, é influenciado por ele. (ARISTÓTELES, 2000, p.56)
Assim, ao passar do tempo, a regulamentação da cultura Romana passou a apresentar-se como um ponto de transição entre visões de conhecimento. Nos esclarecendo e traçando um panorama geral sobre o Direito Romano e suas principais características, afirma Cunha (2015, p. 45):
Roma viveu também as fases da vingança (privada, divina até chegar na vingança pública), separando, a exemplo dos gregos, o Direito da Religião. Dividiu os delitos em públicos (crimina publica), violadores dos interesses coletivos (ex: crimes funcionais, homicídio), punidos pelo jus publicum com penas públicas, e privados (delicta privata), lesando somente interesses particulares (ex: patrimônio), punidos pelo jus civile com penas privadas. Ainda que em menor escala, fomentava penas cruéis e desumanas, como a morte, trabalhos forçados, mutilação e flagelação, abusando do exílio e da deportação (interdictio acquae et igni).
A Civilização Romana, segundo Horta (2005, p.1) “promoveu um avanço significativo no direito penal fazendo a distinção do crime, do propósito, do ímpeto, do acaso, do erro, da culpa leve, do simples dolo e dolo mau (dolus malus), além do fim de correção da pena”. Mas, essa sistemática aconteceu em períodos distintos: o Pré-clássico, onde a família era centro de todas as normas jurídicas e a rigidez e a formalidade ritualista eram características marcantes; Clássico, o poder desloca-se da família para as mãos dos jurisconsultos e os pretores que possuíam autoridade de modificar as leis; e o Pós-clássico, onde devido ao declínio do Império a codificação das leis se fez necessária para se garantir um mínimo de ordem em meio a vastidão territorial alcançada por Roma.
Continuando a trajetória evolutiva, nos deparamos com um período onde novamente os usos e costumes eram o alicerce cultural jurídico. O Direito Germânico não adotava a escrita para codificar suas regras. A família era o centro de onde partiam todas as regras, bem como os costumes e na figura do pai havia o poder absoluto, conhecido como mund, sendo responsável pelas dívidas, atos ilícitos e erros dos filhos, sendo portanto, considerada fonte primária do Direito.
De acordo com Horta (2005, p. 1):
O Direito era visto como uma ordem da paz; desta forma o crime seria a quebra, a ruptura com este estado. Inicialmente eram utilizadas a vingança e da composição, porém, com a invasão de Roma, o poder Estatal foi consideravelmente aumentado, desaparecendo a vingança.
As leis bárbaras caracterizavam-se pela composição, onde as tarifas eram estabelecidas conforme a qualidade da pessoa, o sexo, idade, local e espécie da ofensa. Para aqueles que não pudessem pagar eram atribuídas as penas corporais. Também adotaram a Lei de Talião e, conforme o delito cometido, utilizavam a força para resolver questões criminais.
Eram admitidas também as ordálias ou juízos de Deus (provas de água fervendo, ferro em brasa...), assim como os duelos judiciários, onde o vencedor era proclamado inocente.
O Direto Canônico regido pela Igreja Católica, codificou todo o seu Direito para que fossem observadas leis segundo os desígnios de Deus. Seu apogeu foi na Idade Média e tinha como suas principais fontes as regras da Bíblia, determinações dos Papas e Concílios do Vaticano, e por fim, nos costumes como nas palavras de Gonzaga (1993, p. 135): “De acordo com o pensamento da Igreja, a prisão não se destinava a castigar o condenado, mas leva-lo ao isolamento propicio à reflexão salvadora, bem como servia para impedir que ele continuasse a exercer más influencias no rebanho cristão”.
A conduta moral, inabalavelmente religiosa diante dos olhos de Deus, serviria de balizador do agir humano perante seus julgadores terrenos e poderiam atingir membros do seu núcleo familiar como nos ensina Araújo (2014, p. 28):
O Direito canônico mantém a exigência do elemento subjetivo como caracterizador do desvio de conduta – pecado. Mantém, assim, a distinção entre dolo e a culpa, entendendo a última como imprudência ou negligência. A culpa que se pretende demonstrar está mais alicerçada na ideia de moral do que em critérios científicos; esta é uma das razões pelas quais o Direito Penal canônico está mais preocupado com o arrependimento e a expiação do que com a reparação do dano causado. É verdade que os Tribunais do Santo Ofício não primaram pela observância criteriosa da responsabilidade subjetiva, na medida em que, no mais das vezes, as penas eram impostas a membros do núcleo familiar do condenado.
Dentre os pensadores católicos, destacava-se Santo Agostinho ao escrever De Libero Arbitrio (395 d.C), versando sobre Deus e o dom concebido aos seres humanos de utilizar suas escolhas tanto para o bem quanto para o mal, colocando acima de tudo o poder da consciência, da razão, sob o lado obscuro do inconsciente, no caso as paixões, conforme trecho de sua obra:
Julgas que a paixão seja mais poderosa do que a mente, à qual sabemos que por lei eterna foi-lhe dado o domínio sobre todas as paixões? Quanto a mim, não o creio de modo algum, pois, caso o fosse, seria a negação daquela ordem muito perfeita de que o mais forte mande no menos forte. Por isso, é necessário, a meu entender, que a mente seja mais poderosa do que a paixão e pelo fato mesmo será totalmente justo e correto que a mente a domine. (AGOSTINHO,1995, p. 50).
A vontade para Agostinho seria indispensavelmente criadora e livre, e nela habita a oportunidade do homem afastar-se de Deus residindo aí a essência do pecado, cujo único responsável seria o livre-arbítrio da vontade humana. A queda do homem é de inteira responsabilidade do livre-arbítrio humano, mas este não é suficiente para fazê-lo retornar às origens divinas.
Apesar desses pensamentos atenderem uma visão Teocêntrica, são extremamente revolucionários para época em que foram disseminados. Nessa perspectiva, “A liberdade seria apenas a possibilidade de concordância do sujeito com a ordem, como também a capacidade de se atingir as diretrizes divinas, a liberdade aqui assume uma conotação do pensamento cristão medieval, ou seja, a liberdade condicionada à vontade divina”. (CERQUEIRA, 2015, p.18).
Percebe-se uma mitigação da plenitude da liberdade individual em favor da continuidade social. Obtida através da imposição de duros castigos. Com o passar do tempo, por meio da escrita, observou-se uma evolução significativa na transmissão das leis. Os detentores do poder puderam fazer com que suas imposições atravessassem as eras, constituindo um material balizador do agir e de cunho histórico precioso. Em conformidade com escrito por Cunha (2015, p. 46).
Grandes retrocessos marcaram o desenvolvimento do Direito Penal na Idade Média. Privilegiavam-se penas mordazes, com caráter eminentemente intimidador. Não se pode ignorar a criação do Tribunal da Santa Inquisição, no qual filósofos, cientistas e pensadores que divergissem do ideal católico eram perseguidos e condenados a sanções cruéis. Não se nega, todavia, a existência de aspectos positivos no período, como a utilização da pena privativa de liberdade com um caráter reformador do criminoso (embora não fosse a sua finalidade primeira) e a análise do elemento subjetivo do delito.
Todavia, foi durante o Iluminismo, no século XVII I, que se passou a buscar a verdadeira evolução das normas de caráter sancionador, pregando-se o afastamento da incidência do Direito Penal então vigente.
Aparentemente, ainda que, transparecesse que o Direito Penal se utilizou de uma absurda imposição da força de punir para cumprir o seu objetivo legal, a aplicação da privação da liberdade como instrumento reformador dos desvios cometidos pelos indivíduos, representou um importante avanço legal diante da forma como as penas eram aplicadas aos criminosos.
Além de transmitir o poder das leis, através dos tempos, a escrita proporcionou ainda a criação de suas próprias limitações, como observado ilustrativamente na Magna Carta, que por opressão dos barões, foi outorgada pelo Rei João Sem Terra, em 1215, na Inglaterra, uma inspiração ideológica limitadora do autoritarismo monárquico, origem do devido processo legal e do habeas corpus.
Mesmo diante do todo exposto, podemos observar que a fluidez e rigidez com que as limitações penais eram aplicadas, permitiam, de certa forma, a continuidade do poder nas mãos de poucos. Desde os períodos civilizatórios mais remotos, a origem do Direito Penal une-se a plenitude do agir, estabelecendo um jogo de encaixes em prol da ideia de “preservação humana”. Dessa forma, caberá ao tópico subsequente, após um salto temporal necessário, observar como o Direito Penal ajudou a construir uma percepção humana valorativa da liberdade equiparada a já existente pela vida.
3 A REVOLUÇÃO DO PENSAMENTO
O século XVIII, cenário da Revolução Francesa, destacou-se historicamente por difundir um dos principais movimentos intelectuais, a partir do pensamento transformador humano, considerado como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Teve como propulsor ideológico e reformador a proclamação dos princípios universais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Neves (2017, p.35), afirma que a assimilação do livre-arbítrio e a categoria dogmática do Direito Penal coincidem precisamente com esse momento histórico da humanidade, assim o iluminismo expressa o individualismo, a liberdade, a razão, livre comércio, a fraternidade, e inicia uma fase que decorre de setores populares, políticos, filósofos e artísticos. O Iluminismo, propagador do pensamento liberal e humanista, difundia que a origem do crime está na sociedade e em seus valores e desvios. Assim, nesse contexto revolucionário é que surgem as escolas penais como ensina Coelho:
As escolas penais surgiram a partir do período iluminista, representando um conjunto de pensamentos sistematizados, coerentes, sobre o delito, sua causa e diversos institutos da dogmática. Deve-se ressaltar que as teorias da pena, que buscam fundamentar a legitimidade do poder de punir do Direito Penal, possuem relação com as escolas, que terminam por se vincular, através de seus autores às teorias retributivas, preventivas, ou ecléticas da pena. (COELHO, 2009, pp. 58-59)
A teoria retributiva garantia ao Estado o poder de punir e assentava seu entendimento nas obras de Rossi, Carra, Kant e Hegel. Já a fundamentação para a teoria preventiva, defensora da limitação Estatal ao poder de punir imposta pelo contratualismo, firma-se nos estudos Beccaria, Fillangieri, Feuerbach e Romagnosi. A integração dos pensamentos da escola clássica e positiva compunham o lastro da teoria eclética que tinham como principais representantes Alimena, Impalomene e Von Lizt.
Os ideais iluministas alicerçaram os dois pilares originários da construção da Escola Clássica, caracterizando um significativo progresso no direito penal, pois defendiam o indivíduo contra o arbítrio do Estado, onde a pena passou a ser um mal imposto ao transgressor com a finalidade de restabelecimento da ordem externa na sociedade.
A escola clássica teve como fundamento duas correntes de pensamento :a) O jusnaturalismo de Grócio, que concebia o Direito enquanto uma ordem imutável e eterna; b) O contratualismo de Rousseau que concebia o direito enquanto o resultado de um livre acordo entre os homens, o pacto social. O pacto social estabelece entre os cidadãos uma igualdade tal que eles se obrigam todos debaixo das mesmas condições, e todos devem gozar dos mesmos direitos. (COELHO, 2009, p, 59)
Para o autor acima, as ideias apresentadas são pensamentos antagônicos ao primeiro olhar, mas semelhantes no ponto em que questionam as formas de governo totalitaristas. Engajados em transpor as tradições conservadoras de poder, os iluministas lutaram pela proteção da liberdade individual, em face das barbáries desordenadas punitivas já existentes, por meio da utilização de uma lei simples, clara, precisa, escrita em língua pátria. Em breve síntese, naquela época a luta pela reconstrução do modelo social seria alcançada por meio de um grande pacto entre homens, no qual transfeririam uma parcela da sua liberdade em troca da segurança coletiva fornecida pelo Estado, um simples ato em que a Burguesia alcançaria um status superior implicitamente desejado.
Utilizando-se do método dedutivo para estudo do crime, a responsabilidade penal nesse cenário passou a ser baseada na moral e no livre arbítrio humano, desta forma, preservariam e limitariam o poder de punir do Estado, transformando a pena em um meio de tutela jurídica retributiva proporcional, com objetivo de conter a criminalidade, o livre-arbítrio como a essência orientadora da responsabilidade moral, e o fundamento para a possível responsabilização criminal, e aplicação da pena
As duas principais escolas penais foram, indubitavelmente, as Escolas Clássica e Positiva. Nelas encontram-se fundamentos e fins do Direito Penal eminentemente antagônicos. Não por acaso, as escolas que lhes sucederam foram cunhadas, genericamente, de "ecléticas" ou "mistas", uma vez que as premissas do sistema penal foram tão bem fincadas pelos antecessores que os pensadores posteriores acabavam tomando-as como referência. (CUNHA, 2015, p. 46)
Com o nobre propósito de proteção social, emerge no século XIX a Escola Positivista. Para essa corrente do saber, o direito é resultante da vida em sociedade, subordinado às variações do espaço, tempo e harmônico com a lei da evolução. Nesse contexto inovador, origina-se o conflito com as ideias de que o direito é concebido pelo Criador e preexistente ao homem, defendidas pela Escola Clássica.
Segundo Cerqueira, (2015, p.28), a nova promessa contra a ação dos delinquentes apresentou-se diante do mundo intelectivo, descartando a existência do livre-arbítrio, e imersa numa composição sociológica e biopsicológica, fracionada em momentos temporais.
Bases antropológicas alicerçaram o primeiro período Positivista, sendo Lombroso (1836-1909), médico psiquiatra italiano, o seu principal expoente. A existência de um criminoso nato, cujas anomalias fenotípicas identificariam um padrão antropológico específico, foram instrumentos valiosos de análise, capazes de desenvolver modernas perspectivas aos estudos sobre o criminoso e a pena, de acordo com Mota (2009, p.1):
[...] Com efeito, valendo-se da frenologia, parcialmente inspirado pelo evolucionismo darwiniano do final do Século XIX e depois de examinar exaustivamente inúmeros crânios de infratores vivos e mortos, em busca de alguma relação entre a formação craniana dessas pessoas e seus crimes, Lombroso inicialmente classificou os criminosos em natos, epiléticos, passionais, insanos e ocasionais, além dos matóides, alcoólatras e histéricos. De todas essas categorias, a mais polêmica é a do criminoso nato que, segundo Lombroso, seria atávico por degeneração, com deformações e anomalias anatômicas, fisiológicas e psíquicas. Desse modo, por causa do atavismo, que é a presença hereditária de certos caracteres físicos ou psíquicos de ascendentes remotos em descendentes atuais, esse tipo de pessoa já nasce delinquente, fato que implica na aceitação do determinismo penal, verdadeiro dogma para os positivistas, com exclusão do livre-arbítrio, que é sustentado pelos clássicos [...]
Mais tarde, influenciado pelos citados estudos de Ferri e Garofalo, e depois de inabalavelmente convencido da realidade dos fenômenos espíritas, sobretudo após o seu encontro com a médium Eusápia Paladino, quando assistiu estupefato à materialização do Espírito da sua própria mãe, Lombroso teve de curvar-se à inexorabilidade do livre-arbítrio na base do móvel das ações humanas, inclusive as criminosas. Miguel Reale Júnior, motivado pelo centenário da desencarnação de Lombroso, ocorrida em Turim a 19 de outubro de 1909, escreveu interessante artigo intitulado Razão e religião, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 3 de janeiro de 2009, abordando alguns estudos lombrosianos, inclusive o livro Hipnotismo e mediunidade, escrito depois que o psiquiatra italiano aceitou a fenomenologia espírita.
Lombroso, opunha-se a ideia Clássica de existência do livre-arbítrio e almejava, entre outras coisas, por meio das suas experiências antropológicos estabelecer uma divisão classificatória entre o indivíduo “bom” e o “mau”, para identificar nos maus as características “patológicas”, justificadoras para aplicação da pena, um meio de assepsia social. (MOTA, 2009)
Mas o que realmente chama a atenção, da citação acima, sobre Cesare Lombroso, um dos mais ilustres vanguardistas no conflito entre Finalistas e Deterministas, é a sua transformação após participação em uma Sessão Espírita que o tornou convicto da existência dos fenômenos espirituais, transmutando seu pensamento, levando-o a acreditar, na existência do livre-arbítrio e na vida após a morte. (MOTA, 2009)
A segunda fase Positivista, denominada como jurídica, foi protagonizada por Garofalo (1851-1939), magistrado italiano, cuja principal contribuição foi a criação de uma sistematização jurídica atrelada a quatro princípios básicos, onde a afirmação da existência de degenerações psíquicas e morais, centro de seu entendimento, tornavam o indivíduo pré-determinado ao cometimento do crime, e a pena de morte seria o instrumento, remédio fundamental responsável pela assepsia e cura social.
Garafolo é o representante dessa escola que “atem-se aos aspectos psicológicos do criminoso, psiquicamente anormal, que com sua temibilidade pratica um ato que atinge o sentimento de piedade, revelando crueldade que justifica a defesa da profilaxia impondo-se-lhe a pena de morte”. O delito, para esse autor é o delito natural, e o crime para ele, encontra sempre sua explicação na natureza degenerada do homem, nas suas anomalias psíquicas, na anomalia moral. (COELHO, 2009, p. 61)
Na terceira etapa Positivista encontramos como ator principal Ferri (1856-1929), criminologista e político socialista italiano. A principal contribuição acadêmica de sua teoria foi a ratificação da inexistência do livre-arbítrio, unida a um entendimento de que a imposição da pena a uma determinada pessoa era resultante do simples fato desta compor a sociedade, uma espécie de determinismo biológico-social.
Segundo Prado (2012), ele adota a teoria dos substitutivos penais, responsabilidade social, e ainda classificou os delinquentes em natos, loucos, ocasionais, habituais e passionais, e acrescenta aspectos ambientais e econômicos na construção de um perfil humano criminoso.
Segundo Oshima (2012, p.1):
É evidente que os três escreveram sobre a criminologia. No entanto, é interessante ressaltar que cada um deles estudou a criminologia de uma óptica diferente. Sendo que Lombroso atribuiu à criminologia o fator antropológico, Ferri por sua vez atribuiu a criminologia as condições sociológicas do criminoso, enquanto Garófalo atribuiu a criminologia o fator psicológico.
Em outra perspectiva, Cerqueira (2015, pp. 29-30) afirma que:
A escola Clássica compreende a pessoa do criminoso como um sujeito sensível e igual aos demais, ao passo que a Escola Positivista o analisa como um sujeito que possui certas peculiaridades pessoais e que podem representar anomalias denunciadoras de predisposições à pratica delitiva.
Observamos uma mudança na compreensão sobre a temática apresentada, por meio da implementação da doutrina Eclética que retirou os ingredientes necessários para a sua composição de uma mistura equilibrada entre os pressupostos difundidos pelas escolas penais Clássica e Positiva. Com base no pensamento dessas escolas, a Terza Scoula italiana, extraiu a diferenciação entre a imputabilidade e a inimputabilidade, retirando do livre-arbítrio a justificativa para assentar essa distinção, passando assim, a atribuir essa função a normalidade psíquica que seria o elemento substancial de sua determinação. Desta forma, a aplicação da pena seria imposta ao imputável e medida de segurança ao inimputável.
Conforme Prado (2012, pp. 90-91), “[...] o delinquente seria o produto da diversidade humana e suas variações, o crime um evento de características sociais e individuais, e a pena com particularidades aflitivas seria o meio de defesa social”.
De outro lado, mas ainda compondo a estrutura da doutrina Eclética, apresentava-se a Escola Moderna Alemã, considerada por alguns doutrinadores como a mais importante de suas subdivisões. Teve na ilustre figura de um jurista, Franz Von Liszt, o seu principal representante que contribuiu academicamente ao conseguir distinguir o Direito Penal das demais ciências criminais. Além disso, considerava o crime um fato de duplo entendimento e perante seus estudos a pena possuía diferentes aplicações. Para Coelho (2009, p.62).
[...] a sua concepção e de alguns autores contemporâneos a base fundamental para criação do sistema casual do Delito. Tem como principais características: 1) a adoção do método logico-abstrato e indutivo-experimental o primeiro para o o Direito Penal e o segundo para as demais ciências criminais, distinguindo o Direito Penal da criminologia da antropologia e da sociologia; 2) distinção entre imputáveis e inimputáveis, consagrando o sistema duplo binário- pena para o imputável e medida de segurança para inimputável; 3) o crime é concebido como um fenômeno humano-social e fato jurídico; e 4) a sanção é vista enquanto finalística e preventiva, sem perder, contudo, a perspectiva retributiva da pena.
O positivismo Comtiano definido como uma corrente de pensamento filosófico, sociológico e político, surgida em meados do século XIX na França, expôs ao mundo dos estudiosos que o conhecimento científico deveria ser reconhecido como o único conhecimento verdadeiro. Assim compartimentar, isolar e extrair detalhadamente cada informação, seria o principal alvo do estudo de todos os componentes que faziam parte dessa ritualística. Forjada sobre o fogo desse entendimento, constrói-se a Teoria Casual Naturalista. Suas maiores relevâncias deram-se na formulação da teoria da relação da casualidade e a vinculação do dolo e da culpa como elementos distintos da culpabilidade, integrando-lhes o aspecto subjetivo. Coelho (2009, p.62), nos ensina “que é elementar nesta concepção conceituar a ação como naturalista e desprovida do conteúdo vontade”.
Encontramos nas Escolas de Baden e Marburgo, na Alemanha no século fim do XIX, a explicação para um Direito composto por uma verdade diretamente ligada a cultura. Estas escolas firmaram suas bases de conhecimento no Neokantismo, um importante movimento cultural que buscava na atividade cognitiva do pensar a validação para um comportamento reflexivo crítico, principalmente na esfera das ciências. A Escola de Marburgo primava pela obtenção de leis lógicas construídas da razão pura de Kant, enquanto Escola de Baden acentua a razão-prática de leis axiológicas, colocando acima do pensamento, os valores, considerados como entidades absolutas, independentes da razão, e admitindo como parte integrante da realidade.
No início do século XX, no qual aflorou a Escola Finalista, na Alemanha, tendo como vital semeador Hans Welzel, a teoria finalista germinada no moderno campo do Direito Penal, encontrou respaldo por apresentar uma solução transformadora para entender e combater a criminalidade, fincou suas raízes na consciência plena do agir humano. Em 1931, Welzel, por meio de sua produção acadêmica intitulada Kausalitat und Handlung, destacou a ação humana como sendo o exercício de uma atividade finalista. Assim, como os seres humanos são entes dotados de razão e vontade, tudo o que fazem é fruto de um livre impulso racional e volitivo.
Culpabilidade é a reprovabilidade da resolução de vontade. O autor podia adotar no lugar da resolução de vontade antijurídica tanto se esta se dirige à realização dolosa do tipo como se não se aplica a direção final mínima exigida uma resolução de vontade conforme norma. Toda culpabilidade é, pois, culpabilidade de vontade. Apenas aquilo que depende da vontade do homem pode ser-lhe reprovado como culpável. Suas qualidades e suas aptidões tudo aquilo que o homem simplesmente “é” pode ser valiosa ou de escasso valor (consequentemente, pode ser também valoradas), mas apenas o que tenha feito delas ou como as tenha empregado- em comparação com o que tivesse podido e devido fazer delas ou como as tivesse podido e devido empregar, só isso pode ser-lhe computado como “mérito” ou reprovado como “culpabilidade.” (WELZEL, 2011, p. 109).
Dessa forma, decompor a plenitude da consciência humana do seu agir, seria igualar o homem às bestas irracionais ou aos fenômenos da natureza. Assim, ter o mínimo de conhecimento sobre o que é posto como norma ou costume, sanidade mental e vontade, configuram atributos transformadores do indivíduo em autor e ator das suas próprias escolhas diante da sociedade. A execução ou não da possível ação servirá de norte para a aprovação ou reprovação da mesma.
Dentre as principais modificações na estrutura da dogmática do delito realizadas pelo finalismo, destaca-se a concepção de conduta, posto que a ação para teoria finalista é toda ação final, é sempre uma ação finalisticamente ordenada, dotada de sentido, revelando-se enquanto uma estrutura lógico-objetiva. Esta alteração implicou o deslocamento do dolo e culpa para a tipicidade Penal, a consideração da culpabilidade normativa e outros avanços em relação a estrutura da teoria do erro, de consumação e da tentativa, alterando, portanto, a estrutura dogmática do crime como um todo. (COELHO, 2009, p.64)
Então, a teoria finalista afirma que toda conduta tem um objetivo final, e o homem age por autodeterminação, permitindo assim uma análise inovadora dos elementos essenciais da culpabilidade sem os quais, não se configuraria como infração penal, ficando o agente isento de punição. Dando prosseguimento ao entendimento, a tipicidade não possui somente um caráter objetivo mais também detém o subjetivo, permitindo uma ampliação na configuração da culpabilidade. Outro fato marcante que merece ser destacado sobre a doutrina desenvolvida por Welzel, é a sua grande aceitação dentre os estudiosos mais influenciadores de Direito Penal no Brasil e na Espanha, Coelho (2009, p. 64) explica,
O finalismo, em suas linhas gerais ainda possui no Brasil o domínio do pensamento no Direito Penal, capitaneado por ilustres professores, a exemplo de Luis Regis Prado, Cesar Bittencourt, René Ariel Dotti, Claudio Brandão entre outros, assim como na Europa seus principais expoentes na Espanha, através dos pensamentos de José Cerezo Mir, Luis Gracia Martin, Diez Ripolles e tantos outros.
Conforme a afirmação acima se faz necessário à abertura de um parêntese para abordarmos de forma breve a história do Direito Penal no Brasil. Preservando o critério temporal compreensível. Iniciaremos falando do Direito Penal dos povos indígenas, seu caráter dito extremamente primitivo, impregnando de explicações míticas cheias de tabus, afasta dessa cultura o reconhecimento acadêmico em classificá-la como uma derivação do Direito Penal. Nas palavras de Toledo:
O direito penal dos povos indígenas, nas terras brasileiras, na época do descobrimento (século XVI), era tão primitivo e rudimentar quanto a formação cultural dos aborígenes que habitavam esta parte do continente americano. Baseava-se, exclusivamente, em costumes e crenças tribais que, segundo documentos da época, incluíam, entre outras práticas, o canibalismo (geralmente em ritual no qual se devorava o prisioneiro), a vingança compensatória (espécie de talião aplicado ao próprio ofendido), sem falar na permissividade, em certos casos, do uxoricídio, do infanticídio, do aborto, eutanásia etc. (TOLEDO, 1994, p.55)
Mostra-se necessário a compartimentação histórica Brasileira em três períodos distintos: O Colonial, o Código Penal do Império, e o Período Republicano. Subordinado ao comando de Portugal, a Colônia Brasileira aplicou sucessivamente as Ordenações Afonsinas, Ordenações Manuelinas, Ordenações Filipinas, um momento nacional dito como desagradável de aplicação legal pobre, penas duras que tinham o objetivo de gerar uma imensa coação psicológica no apenado.
Em seguida, o Brasil conquistou sua independência em relação à Portugal, conservando as Ordenações Filipinas até a criação do Código Criminal do Brasil, sob a influência da Escola Clássica, que fixava os princípios da responsabilidade moral e do livre arbítrio, um compêndio legal muito mais organizada e superior em relação aos ordenamentos que o antecederam.
Com a proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, fatores sociais incorreram gerando a necessidade de se criar um novo Código Penal. Em 1940 foi promulgado o novo Código Penal que teve origem no projeto de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta por Nélson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lyra, que até a atualidade continua recebendo alterações pontuais tentando acompanhar a evolução social.
Segundo Toledo (1994, p.64), as novidades mais salientes, desenvolvidas pelo novo códex penal nacional, em relação ao sistema anterior, foram a adoção do duplo binário, que se utiliza conjuntamente, da pena e da medida de segurança como respostas básicas ao crime cometido em conjunto com a pena retributiva, com finalidade repressiva e intimidante de acordo com o modelo italiano. Com a implementação da teoria finalista, a hermenêutica jurídica pátria passou a ter outra amplitude, um novo contorno, pois a valoração do comportamento humano, consciente e voluntário, é dirigido a um fim. Para esta teoria, o dolo e a culpa, então posicionados como elementos da culpabilidade, passaram a ser situados na conduta integrando o fato típico, assim, a culpabilidade passou a ter como elementos apenas a imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Retomando o pensamento e dando continuidade a breve explanação histórica, encontramos o Funcionalismo, um movimento intelectual revelado em 1970 que continua a cativar um crescente número de simpatizantes, com a missão de adicionar ao Finalismo o fato típico com uma dimensão normativa autônoma materializada na imputação objetiva, tendo como seus maiores expoentes, Roxin e Jackobs, sob a égide de vertentes teóricas diversas desenvolveram seus ensinamentos.
O Funcionalismo de matriz Teleológica criação de Roxin tem como característica marcante um direito penal com fim preventivo. Passou a considerar o fato típico sob uma tríplice dimensão, a objetiva, a normativa e a subjetiva, acrescentando como novidade na teoria do tipo penal a imputação objetiva. Outra linha de pensamento da teoria funcionalista aparece nos estudos de Jackobs denominada de Funcionalismo Radical que tem como característica um direito penal que serve para proteger a norma, ou seja, o direito penal deve ser aplicado para mostrar que a norma está em vigor e este autor define a ação como fruto de um resultado individualmente evitável.
Não se pode deixar de destacar o brilhantismo no pensamento de Eugenio Raúl Zaffaroni com a Teoria da Tipicidade Conglobante, influenciando principalmente a concepção de tipicidade. Para o autor, forma o tipo objetivo decompõe-se em tipo objetivo sistemático, requisitos formais, e tipo objetivo conglobante, que cuida do conflito existente na conduta, assim como a sua atribuição ou imputação ao agente. Em síntese, as correntes funcionalistas, em geral, partem da concepção que a sociedade é um sistema e o direito penal é um subsistema que existe para cumprir determinadas funções. A implementação de pensamentos sobre a melhor forma de adequação das teorias penais com as preocupações de cada tempo, desde o século XVIII, movimentaram as inteligências das academias pelo mundo e demonstram a simbiose existente entre o Direito Penal, liberdade e continuidade da humanidade.
Após o breve apanhado sobre algumas das escolas penais, falo breve pois, como foi dito na introdução deste Artigo seria de extrema inocência ter a pretensão de esgotar todos influenciadores do Direito Penal. Daremos início a mais um capítulo desse flerte do mundo dos saberes penais com o livre arbítrio, um romance instavelmente instigante que aparentemente chegou ao fim, ou não.
4 ENCRUZILHADA NEUROCIENTÍIFICA
A contar de épocas remotas, as particularidades cerebrais distinguiram o homem dos demais animais. Conforme Concenza (2016), os atributos da capacidade racionalizada de percepção do tempo, consciência ao planejar sua ação e o desenvolver de uma comunicação verbal versátil, permitiram acumular conhecimento, e sua transmissão via das gerações. Uma das principais funções do sistema nervoso central é permitir o contato e a interação do organismo com o meio ambiente, entretanto, o cérebro, da espécie humana, novamente se diferencia por processar, ao mesmo tempo, informações em estados de atuação mental distintos, conscientes e inconscientes. A atuação da plena consciência é reservada somente para ocasiões realmente especiais, devido ao seu auto nível de complexidade e gastos energéticos.
Verificamos que desde o século V a.C, como relata Araújo (2014), Alcméon de Crotona, filósofo pré-socrático e destacado discípulo de Pitágoras, atribuia ao cérebro a função de residência central das funções psíquicas; posteriormente Franz Gall defendeu que o encéfalo constituía-se por um conjunto de órgãos responsáveis pelas funções mentais, e Luigi Galvani descobriu a bioeletricidade cerebral. De acordo com Patrício (2016, p. 1103), também não podemos deixar de citar alguns outros destacados estudiosos:
Ivan Pavlov (1904), com o seu estudo dos reflexos condicionados, Ugo Cer-letti e Lucio Bini (1938), com a terapia electroconvulsiva, Jerzy Konorski (1948), com o seu estudo do condicionamento instrumental, António Damásio (1991/1994), com a sua hipóte-se dos marcadores somáticos, ou Mario Capecchi (2007), com a investigação dos genes Hox (genes homeóticos que contro-lam o desenvolvimento do eixo sagital de múltiplos organismos multicelulares).
Esses importantes conhecimentos foram a origem da inquietude ancestral em ampliar a compreensão sobre as nuanças cerebrais. Chaves reflexivas são construídas paralelamente ao desenvolvimento tecnológico, destrancando portas que proporcionam o cultivo do pensamento em terrenos cada vez mais férteis. Foi assim que aconteceu com Copérnico e sua teoria heliocêntrica do sistema solar, com Darwin através da teoria da evolução das espécies e com Freud por meio da Psicanálise. No século XX, Benjamin Libet, por intermédio da chave neurociêntifica, poderá compor o seleto grupo, anteriormente citado ao revelar os resultados de suas experiências sobre o livre-arbítrio.
A Neurociência ao investigar a performance cerebral, assumiu um destacado papel diante do mundo acadêmico ao inserir o uso de um aparato tecnológico contemporâneo aos seus estudos sobre o homem, especializando-se no mapeamento integral da estrutura cerebral, objetivando correlacionar seu desenvolvimento, funcionamento e possíveis alterações com o comportamento desempenhado no ambiente. Segundo Cerqueira (2015, p. 74-75),
Diante dessa nova tecnologia, podem-se destacar três aspectos principais abordados pelos neurocientistas, afim de extrair conclusões sobre os seus experimentos, quais sejam: o problema mente-cérebro; a questão da ação intencional e o tradicional confronto sobre liberdade e o determinismo, para o qual o presente trabalho pretende, mais precisamente, volver suas atenções.
De acordo com Araújo (2014), utilizar novos aparelhos permitiu um melhor mapeamento das atividades cerebrais e das células neuronais, a exemplo, o eletrômetro, o galvanômetro, os comutadores e indutores, a tomografia axial, a tomografia computadorizada, a ressonância magnética funcional ou nuclear e a magnetoencefalografia.
Encontramos uma explanação ao procedimento utilizado para realização dos experimentos neurociêntificos desenvolvidos por Benjamin Libet nas palavras de Cerqueira (2015, p. 75):
Os experimentos de Benjamin Libet, professor da Universidade da Califórnia, podem ser assim revelados: pedia-se a uma pessoa para que flexionasse os dedos da mão em um momento “desejado” e que, antes de flexioná-los, comunicasse que iria adotar tal decisão. O mencionado professor, monitorando a atividade cerebral do sujeito, por meio de técnica da ressonância magnética funcional, conseguiu perceber que os neurônios do córtex motor suplementar, associados aos movimentos da mão, associavam alguns milionésimos de segundos antes de o indivíduo estar consciente de sua vontade de realizar tal ação. Assim concluiu Benjamin Libet que as decisões tomadas pelos sujeitos são iniciadas no âmbito do inconsciente e só depois percebidas de maneira consciente.
Verificamos que foi através da esquematização da atividade cerebral, por meio da atual tecnologia, que se extraiu a descoberta da atuação das células neuronais em um momento anterior à tomada de consciência por parte do sujeito, descobriu-se também outras ligações da rede cerebral. O córtex cerebral occipital é responsável pela visão humana, outras regiões cerebrais de grande importância são o córtex frontal e o sistema límbico responsáveis por executar uma conduta relacionada ao processo de tomada de decisões. Esta região é responsável pelos impulsos emocionais, morais, por valorar e arquitetar os atos. As experiências de Libet alcançaram status de farol para o mundo das ciências neuronais causando a atual revolução em torno do tema livre arbítrio.
Posteriormente, o experimento de Libet foi repetido por inúmeros outros pesquisadores, que sempre chegaram a conclusões muito similares. No caso de Haynes, com o emprego da ressonância magnética funcional, seu experimento constatou que a ativação cerebral havia se iniciado em um lapso de tempo que variava de 06 (seis) a 10 (dez) segundos antes de o sujeito tomar consciência do seu movimento. Por meio de outros experimentos, Matsuhashi e Hallet concluíram que a consciência da ação não pode ser sua causa. Por sua vez, Burns e Swerdlow relatam um estudo em que constataram em um homem de quarenta anos, professor e pai de família, um repentino interesse por pornografia infantil. Condenado à prisão, enquanto cumpre sua pena, é descoberto um imenso tumor cerebral na parte direita da zona orbitofrontal. Após uma intervenção cirúrgica exitosa, o tumor é extirpado e a propensão pedófila do homem desaparece. Três meses depois, o homem é acometido por fortes dores de cabeça e o retorno do seu interesse por pornografia infantil. Novo exame descobre o reaparecimento do tumor, e após nova cirurgia exitosa, sua propensão sexual volta a desaparecer. (ARAÚJO, 2014, p.127)
Após as constatações neurobiológicas, associado a interdisciplinaridade existente nas áreas do conhecimento, os sutis questionamentos sobre a eficácia do conceito finalista de culpabilidade, que em outrora não conseguiram abalar a estrutura legalmente posta, encontraram nos estudos do sistema nervoso humano, um importante aliado na militância para tentar redefinir a fundamentação e aplicação penal.
Neste atual contexto, a máxima “poder atuar de outro modo”, que confere ao livre-arbítrio a condição de viga mestra de sustentação para fundamentar o conceito material de culpabilidade da Teoria Finalista se vê mais uma vez contraditado, pois a contra- prova, por parte dos finalistas, se torna indemonstrável, vez que é impossível repetir a experiência daquele determinado sujeito, o qual atuou de maneira contrária ao comando normativo, pois, na situação posterior, já não existiriam as mesmas circunstâncias de outrora, e o indivíduo já teria a experiência de ter passado pela situação pretérita e, dessa maneira, já não seria mais o mesmo. De acordo com Cerqueira (2015, p. 51):
[...] o fundamento material da culpabilidade, sobe o olhar da Teoria Finalista, reside na exigibilidade de conduta diversa que, por sua vez, se orienta pela existência de livre-arbítrio, que se revela sob três aspectos diferentes, quais sejam: o aspecto antropológico, o caracterológico e categorial.
O aspecto antropológico pode ser compreendido como a capacidade que o homem, embora concebido como animal deve ter de se desvencilhar dos seus instintos casuais[...] O aspecto caracterológico indica um conceito mais restrito de vontade [...] o aspecto categorial “[...] como é possível ao homem o domínio da coação causal por meio de uma direção orientada finalisticamente, em virtude da qual, unicamente, pode ser fazer responsável por ter adotado a decisão errada em lugar da correta? ”
Conclui-se, assim, que para Welzel, a capacidade de vontade reside na capacidade de poder conduzir-se conforme os fins.
Mas seria muito limitador afirmar que as descobertas realizadas pelas ciências neuronais se resumiriam apenas em desconstruir o que anteriormente era posto como verdade pela Teoria Finalista, desenvolvida por Hans Welzel para legitimar aplicação do Direito Penal por parte do Estado aos que se desvencilhassem das leis postas. Segundo Araújo (2014, p. 127):
Não há dúvida de que as recentes descobertas neurociêntificas referidas no tópico pregresso estão repercutindo ostensivamente na seara do Direito, e, particularmente, no âmbito de atuação do Direito Penal. A partir deste ponto, alguns pesquisadores passaram a empregar a expressão “Neurodireito” para designar o surgimento de uma nova disciplina jurídica, construída com base nas descobertas da neurociência. Conforme salienta José Javier García Deltell425, professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de Valência, a expressão Neurodireito (“Neurolaw”) foi empregada pela primeira vez em um trabalho de Taylor Sherrod, intitulado “Neuropsychologists and Neurolawyers”, publicado em 1991 na revista Neuropsychology. O objetivo do trabalho consistia em analisar como algumas lesões cerebrais poderiam ter implicações nas decisões judiciais. Esta primeira publicação foi sucedida por inúmeras outras, e o Neurodireito foi se consolidando com ares de autonomia científica.
Segundo o autor, o Neurodireito surge no mundo das ciências destacando nomes do Direito Penal como Terrence Chorvat, Kevin McCabe, nos Estados Unidos da América, Olivier Oullier na França, e Ricardo Lins Horta no Brasil, espalhando-se, mesmo que lentamente, por um número cada vez maior de países. Seus entusiastas compartilham e se utilizam do frescor existente nos novos saberes para acrescentar ás suas atuações uma perspectiva modernamente científica, a luz da razão. Segundo Busato (2014, p.50), [...] “a fênix do determinismo”, ou o neurodeterminismo encontrou na afirmação da inexistência do livre-arbítrio, extraído de experimentos que se apoiam em ações simples, a conexão perfeita para imprimir um movimento de reformulação de todo o sistema de imputação de responsabilidade penal.
Mas este atual entusiasmo exacerbado, por parte dos deterministas, firma-se sobre uma fundamentação aparentemente frágil, que em nada, ou quase nada, poderiam influenciar na complexidade da configuração da violação de uma lei posta. Para Araújo (2014), existe uma enorme distância entre a aferição do livre-arbítrio no momento em que se exige que a pessoa pressione a mão, como nos experimentos de Libet apresentados anteriormente por Cerqueira( 2015, p.51) e a aferição da vontade livre em um crime devidamente planejado e executado com observância das minúcias pré-concebidas.
Esses questionamentos contrários às experiências neurociêntificas realizadas por Libet trazem consequências de suma relevância para engrandecer o debate jurídico sobre o estudo da culpabilidade e ao fundamento da imposição de uma reprimenda penal.
Mas limitar-se em fechar os olhos diante da grandeza do conhecimento extraído das modernas evidências neurociêntificas, não parece o caminho correto a seguir, ir mais longe é o objetivo para alcançar novas veredas na construção de um novo modelo de juízo normativo no direito e na justiça, que promova razões desenvolvidas, robustas, que transpassem as barreiras da falsidade velada, existente nas concepções comuns da racionalidade humana e só assim extrairemos a amplitude que essa recente perspectiva neurobiológica poderá alcançar, segundo Fernandez e Fernandez ( 2008, p. 180), “[...] auxiliando a reconstrução de um moderno modelo teórico e metodológico das ciências jurídicas e consequentemente para a tarefa do jurista interprete de dar vida hermenêutica ao direto positivo”.
5 CONCLUSÃO
As sociedades humanas transpõem a história sob o impulso das exigências de seus componentes à procura de mais liberdade, dignidade e novos conhecimentos. A Neurociência provocada pela constante busca do saber foi um desses rompantes que abrem novos paradigmas, e dignificam a discussão sobre a evolução do Direito Penal moderno.
Relegado a um papel de destaque social, devido a manutenção na aplicação de suas teorias justificadoras do poder de punir, o Estado, por meio das leis penais, garante à ideia da cultura “segurança e paz”. Aparentemente, o entendimento Estatal, sobre “segurança e paz”, não condiz com os novos anseios sociais do século XXI. Mas é imprescindível reconhecer a importância do Direito Penal diante da história do desenvolvimento da humanidade, como um instrumento fundamental na construção do modelo atual de coletividade.
A tentativa de desconstrução ou mesmo substituição da Teoria Finalista Penal, espinha dorsal do ordenamento jurídico penal pátrio, pelas recentes descobertas da Neurociência, negando existência do livre-arbítrio, ainda restringem-se ao mundo das ideias, do contexto acadêmico, e irão percorrer um árduo e conflitante caminho para ter seu lugar concretamente aceito e implantado. Tal afirmativa sustenta-se pelo argumento, de que as barreiras a serem rompidas são petrificadas por parte das Teorias Penais tão consolidadas, favorecidas de certa forma pela submissão e aceitação social. Mas a neófita área do Neurodireito pode inverter a perspectiva ancestral, de negar ou simplesmente afirmar uma possível verdade sobre a existência de livre-arbítrio ou de simplesmente tornar clínico a concepção de crime, construindo uma ponte estável entre o Direito Penal e a Neurociência.
Nesse sentido, a pretensão deste trabalho reside em incentivar reflexões, e propiciar novas perspectivas de análise de forma a relacionar a neurociência com o Direito Penal. Para que se construam novos saberes é preciso desenvolver diferentes olhares sobre o Direito Penal na atualidade, para que se estreite, cada vez mais, a sua distância do ideal de justiça social.
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