RESUMO
O modelo capitalista contemporâneo evoluiu significativamente por conta do consumismo em massa. A consolidação, do referido modelo, pautou-se na junção do desenvolvimento tecnológico e na intensa necessidade de consumir. Neste contexto, surgiu a obsolescência programada como prática que reduz de maneira proposital a durabilidade dos produtos para torna-los obsoletos, inutilizados, desvalorizados, para compelir o consumidor a realizar uma nova aquisição e garantir o consumo reiterado dos produtos. O presente artigo buscou analisar a obsolescência programada como prática abusiva em desconformidade com a legislação e princípios consumeristas. Por intermédio de uma abordagem qualitativa exploratória, utiliza-se a pesquisa bibliográfica através da doutrina e jurisprudência. O capítulo exordial trouxe uma análise conceitual da obsolescência programada e as classificações doutrinárias existentes. Adiante, o estudo apresentou a legislação consumerista por intermédio do exame da relação de consumo e seus elementos, além dos princípios regentes e suas aplicações na defesa do consumidor. O terceiro capítulo demonstrou os mecanismos preventivos e reparatórios do Código de Defesa do Consumidor - CDC em face da obsolescência programada. O capítulo derradeiro objetivou identificar as doutrinas e jurisprudências acerca da obsolescência programada para determinar a desconformidade desta prática abusiva em relação à legislação e princípios consumeristas. Neste ponto, destacou-se o critério da vida útil e a análise do vício oculto como pontos relevantes no estudo do tema. Ao final, ficou evidente a caracterização da obsolescência programada como prática abusiva em desconformidade com a legislação e princípios consumeristas, visto que afronta o dever informacional, a boa-fé objetiva e a vulnerabilidade do consumidor, dentre outros.
Palavras-chave: Obsolescência Programada. Prática abusiva. Relação de consumo. Consumidor. Produto.
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea de consumo estabelece estruturas bem definidas para fomentar a lógica do sistema capitalista global, quais sejam: a produção em larga escala e o consumismo sem limites. Desde a produção exponencial até o consumo derradeiro, ocorre uma logística pautada na difusão informativa em massa por meio das ferramentas publicitárias, no avanço tecnológico, no estímulo à obtenção de produtos novos e, em técnicas que reduzem a durabilidade dos bens.
Precisamente, neste último ponto, está o objeto desta pesquisa. A redução da durabilidade, de forma proposital, de um produto com o intuito de torná-lo obsoleto, velho, inutilizável, desvalorizado, fazendo com que o consumidor adquira um novo denomina-se obsolescência programada. Neste sentido, a relação de consumo caracterizada pelo vínculo jurídico entre o consumidor e o fornecedor por intermédio do produto, objeto desta relação, sofre grande impacto causando um problema social de grande relevância a ser estudado.
Assim, a obsolescência programada, no âmbito das relações de consumo, caracteriza-se por deixar o consumidor em situação desfavorável abrindo margem ao exame deste fenômeno no contexto das práticas abusivas existentes no universo das relações de consumo.
Por se tratar de uma prática que diminui a durabilidade do produto, de forma programada, será analisado se o fenômeno em comento traduz prática abusiva contra o consumidor. Em que pese a inexistência de dispositivo normativo expresso em nossa legislação consumerista, que aborde a obsolescência programada como conduta violadora das relações de consumo, será observado, como fundamento interpretativo, o rol exemplificativo das práticas abusivas presente na legislação consumerista bem como seus princípios regentes.
O presente artigo tem como objetivo analisar o fenômeno da obsolescência programada, e suas consequências no que diz respeito à desconformidade com a legislação e princípios consumeristas.
O estudo inaugural observará a obsolescência programada e seus aspectos conceituais e classificatórios diante da estrutura de consumo da sociedade capitalista.
Em um segundo momento, a legislação consumerista será apresentada, bem como seus princípios no tocante à tutela contra as práticas abusivas e ilícitas. Assim, serão observados os elementos da relação de consumo e a base principiológica do CDC.
Posteriormente, a discussão abarcará a obsolescência programada no âmbito dos mecanismos preventivos e reparatórios da legislação consumerista, objetivando caracterizar a referida prática dentro do contexto das práticas abusivas. Busca-se o equilíbrio dos interesses entre consumidor e fornecedor no mercado de consumo.
Por fim, o presente artigo identificará as principais doutrinas (Miragem, Garcia, Tartuce, Benjamin) e as jurisprudências dos tribunais superiores que abordam a obsolescência programada estabelecendo-se uma interpretação extensiva para determinar a desconformidade desta prática com a legislação e princípios consumeristas.
Com a finalidade de trazer a lume o conhecimento sobre esse tema, a presente pesquisa será desenvolvida pelo método qualitativo de caráter exploratório e bibliográfico. Na análise da legislação, doutrina, decisões jurisprudenciais, embasada em uma pesquisa bibliográfica e teórica, se encontrará a compreensão acerca da temática, para alcançar assim seu objetivo.
1.0 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: ANÁLISE CONCEITUAL, FUNÇÕES E CLASSIFICAÇÕES
Obsoleto, segundo o dicionário Michaelis (2018, on-line), significa caído em desuso, antiquado, arcaico, que está fora de moda. Programado quer dizer que se programou, aquilo estava previsto, se realizou conforme planejado. A palavra obsolescência pode ser compreendida como algo velho, sem utilidade, insignificante. Atualmente, refere-se a algo desatualizado ou antigo.
Segundo Giles Slade (2006, p.58) (tradução nossa) [3], quem primeiro introduziu a expressão obsolescência foi Justus George Frederick ao publicar um artigo na revista Adversiting and Selling, no final de 1928. A obsolescência era compreendida como um fenômeno que induzia os consumidores a entrar em um ciclo de aquisição/descarte contínuo. Alhures a esse momento, o significado da aludida expressão se desenvolveu, criando classificações importantes.
Inicialmente, Giles Slade (2006, p.04) leciona que “a fase inicial de obsolescência do produto, então, é chamado obsolescência tecnológica, ou obsolescência devido à inovação tecnológica” (tradução nossa) [4]. Neste sentido, o incremento de inovações tecnológicas nos novos produtos inseridos no mercado, faz com que os anteriores fiquem ultrapassados. Observa-se que o referido avanço tecnológico traz, de certo modo, benefícios para os consumidores com novos produtos dotados de novas funcionalidades. Todavia, atualmente esse processo apresenta-se como obsolescência por incompatibilidade, mais utilizada na informática, onde, de forma compulsória, um produto já comercializado e vendido torna-se inútil, pela incompatibilidade com novas versões de software incompatível também com marcas concorrentes.
Nesta mesma rota, cria-se um conceito relacionado com o que se denomina ultrapassado. Assim, Giles Slade (2006, p.50) aponta obsolescência psicológica como sendo uma “estratégia projetada para colocar o consumidor em um estado de ansiedade, baseado no fato de que tudo o que é velho é indesejável, disfuncional e embaraçoso, comparado com o que é novo” (tradução nossa)[5]. Notadamente, os fornecedores fomentam uma espécie de necessidade de consumir nos consumidores.
Finalizando seus conceitos, Giles Slade (2006, p.05) descreve a obsolescência programada como uma “expressão geral usada para descrever a variedade de técnicas usadas para limitar artificialmente a durabilidade do produto estimulando o consumo repetitivo” (tradução nossa) [6]. Faz-se mister ressaltar a forma proposital da referida limitação imposta ao consumidor de forma oculta.
Baseado na mencionada classificação de Giles Slade, constata-se que a obsolescência programada, psicológica e tecnológica constitui evento nocivo nas relações consumeristas, objetivando apenas o consumismo e o lucro dos fornecedores.
Vencida a conceituação ampla, parte-se para uma abordagem delimitada. Assim, a obsolescência programada apresenta três espécies, definidas segundo Vance Packard. Neste viés, Vance Packard (1960, p.55) que expõe:
Obsolescência de função. Nesta situação, um produto existente torna-se fora de moda quando um produto que executa uma função melhor é introduzido. Obsolescência de qualidade. Aqui, quando é planejado, um produto quebra ou se desgasta em um determinado momento, geralmente não muito distante. Obsolescência de desejabilidade. Nesta situação, um produto que ainda é útil em termos de qualidade ou desempenho torna-se “desgastado” em nossas mentes porque um estilo ou outra mudança faz parecer menos desejável. (tradução nossa)[7
A obsolescência programada funcional, proposta por Vance Packard, possui entendimento similar à obsolescência tecnológica conceituada por Giles Slade. Destarte, novas funcionalidades tecnológicas são lançadas inutilizando os produtos existentes. Isso ocorre por meio de uma contenção tecnológica, em que o fornecedor libera as inovações de maneira parcelada, mesmo detendo todo o conhecimento.
Ainda, é preciso refletir acerca da obsolescência programada de desejabilidade, psicológica, muito presente na indústria da moda e automobilística, a estratégia resume-se em tornar um produto, que funciona perfeitamente ou em plenas condições de uso, menos desejável diante dos novos lançamentos. Cria-se, portanto, uma ansiedade e desejo de comprar incentivada pela premissa de que o velho não tem valor, estimulando o consumo contínuo por meio da publicidade. Assim, Vance Packard (1960, p.69) demonstra:
O desafio de usar essa segunda forma de obsolescência como estratégia é persuadir o público que o estilo é um elemento importante na conveniência do produto. Uma vez que essa premissa é aceita, você pode criar uma obsolescência da mente apenas mudando para outro estilo. (tradução nossa)[8]
Nos dias atuais, a publicidade apresenta-se como a mais importante ferramenta utilizada para seduzir os consumidores, por intermédio da obsolescência programada de desejabilidade. Altera-se o estilo ou design dos produtos modificando sua aparência, criando uma dicotomia: novo-melhor e velho-pior. Contemporaneamente, Cabral e Rodrigues (2012, p.52) corroboram:
[...] se adotam mecanismos para mudar o estilo dos produtos como maneira de manipular os consumidores para irem repetidamente às compras. Trata-se, na verdade, de gastar o produto na mente das pessoas. Neste sentido, os consumidores são levados a associar o novo com o melhor e o velho com o pior. O estilo e a aparência das coisas tornam-se importantes como iscas ao consumidor, que passa a desejar o novo. É o design que dá a ilusão de mudança por meio da criação de um estilo. Faz o consumidor se sentir desconfortável ao utilizar um produto que se tornou ultrapassado por causa do novo estilo dos novos modelos.
Por fim, a obsolescência programada de qualidade ocorre quando há uma diminuição significativa da sua vida útil, de forma proposital, através da utilização de materiais de baixa qualidade e técnicas que reduzem a durabilidade. Determinar a época em que um produto apresentaria falha, tornou-se tarefa fácil. Em síntese, o fornecedor coloca no mercado um produto de vida útil bem mais curta, tendo ciência de que poderia está ofertando o mesmo produto com uma vida útil bem mais duradoura.
2.0 LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA E PRINCÍPIOS PROTETIVOS
Inicialmente, faz-se mister abordar a legislação concernente à defesa e proteção do consumidor. A legislação consumetista brasileira está balizada e centrada na Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor –CDC, que dispõe sobre a proteção e defesa do consumidor. Em segundo plano, ressalta-se a existência do Decreto nº 2.181 de 20 de março de 1997 que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, que estabelece normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no CDC.
O CDC caracteriza-se por estabelecer dispositivos normativos de caráter aberto, utilizando-se dos seus princípios norteadores como instrumento efetivo de interpretação. Observa-se a distinção de princípio de Ávila (2005), como um fundamento axiológico para que se encontre a regra no caso concreto, aplicado de maneira gradual e ponderável. Neste sentido, pode-se afirmar que o referido código trata-se de uma lei principiológica. Entende assim, Tartuce e Neves (2017, p.22):
O Código de Defesa do Consumidor é tido pela doutrina como uma norma principiológica, diante da proteção constitucional dos consumidores, que consta, especialmente, do art. 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988, ao enunciar que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Neste entendimento, nota-se que o legislador se preocupou com a devida proteção e defesa do consumidor, enunciando a referida tutela no artigo 5º da Carta Magna de 1988, juntamente com todas as garantias e direitos fundamentais.
Na compreensão de Miragem (2016, p.127):
[...] o direito do consumidor é dotado de uma base principiológica de alta importância para a interpretação, compreensão e aplicação de suas normas. De modo geral os princípios do direito do consumidor encontram-se expressos no Código de Defesa do Consumidor. Nada impede, contudo, o reconhecimento de princípios implícitos, que sejam retirados do contexto normativo da própria lei, ou da diretriz de proteção do consumidor vulnerável, a qual constitui o fundamento teleológico de todo o microssistema.
Nesta esteira, observa-se a necessidade de utilização deste sistema jurídico principiológico por intermédio dos operadores e intérpretes do Direito de maneira hábil, objetivando a harmonia das relações de consumo. Sobre os princípios, assim exemplifica Tartuce e Neves (2017, p.31):
[...] alerte-se que os princípios não são aplicados apenas em casos de lacunas da lei, de forma meramente subsidiária, mas também de forma imediata, para corrigir normas injustas em determinadas situações. Em muitas concreções envolvendo entes privados – inclusive fornecedores e consumidores –, os princípios têm incidência imediata [...]
Portanto, os princípios basilares do Direito do Consumidor instituídos no CDC, a exemplo dos artigos 1º, 4º e 6º, bem como outros princípios implícitos de caráter protetivo, têm reflexo nas relações jurídicas de consumo, objetivando uma interpretação exata quanto à aplicação das regras regulamentadoras, garantindo a proteção do consumidor na busca do equilíbrio na relação jurídica de consumo. Neste sentido, a observância, dos comportamentos normativos ideais, traduz o sistema dos princípios consumeristas.
2.1 ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Realizada a análise principiológica de forma ampla, não se pode adentrar no estudo dos princípios gerais do Direito do Consumidor, de forma pormenorizada, sem antes compreender o pressuposto nuclear para a aplicação das normas do CDC, qual seja, a relação de consumo.
Assim, leciona Miragem (2016, p.155) que:
A identificação da relação de consumo e seus elementos é o critério básico para determinar o âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor e, portanto, das normas de direito do consumidor. Observa-se, aliás, que uma das mais recorrentes alegações de fornecedores para escapar à aplicação das normas protetivas do consumidor é de que a relação sob exame em um determinado processo não pode ser caracterizada como relação de consumo. Neste sentido, destaca-se a importância do estudo da definição do que se deva entender como relação de consumo, assim como a identificação de seus elementos para efeito da aplicação das normas do CDC.
Não existe no CDC uma definição expressa sobre o conceito de relação de consumo. Preferiu o legislador estabelecer a definição de consumidor e fornecedor, assim como a de produto ou serviço. Portanto, perfunctoriamente, a relação de consumo constitui o vínculo jurídico existente entre consumidor e fornecedor (elemento subjetivo), em face de um produto ou serviço (elemento objetivo). Assim, dispõe o CDC (BRASIL, 1990, on-line), nos artigos 2º e 3º, os conceitos dos elementos da relação de consumo:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor, a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo; Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços; § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial; § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso)
Analisando a estrutura da relação de consumo tem-se: consumidor (destinatário final vulnerável); fornecedor (atividade habitual); produto (bem em sentido amplo) ou serviço (remunerado, exceto relações trabalhistas).
Todavia, no que diz respeito ao conceito de consumidor, observa-se a existência de uma celeuma jurídica. Sob a ótica da doutrina e da jurisprudência, apresentam-se as teorias finalista e maximalista.
Diante do conceito de consumidor supracitado, notam-se as expressões destinatário final e coletividade, no sentido de se considerar o consumidor padrão e o consumidor por equiparação respectivamente.
Na omissão do legislador do que venha a ser o destinatário final, busca-se o amparo da doutrina para estabelecer a definição de consumidor. Tem-se então, a teoria finalista ou subjetiva demonstrada por Miragem (2016, p.168):
[...] o consumidor seria aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço para satisfação de interesse próprio ou de sua família. Seria, portanto, o não profissional, não especialista, a quem o direito deve proteger, na sua relação com um profissional que atua no mercado.
Neste viés, pela teoria finalista, o consumidor como destinatário final compreende o destinatário econômico, ou seja, aquele que adquire o produto ou serviço para uso próprio ou familiar. Por outro lado, a teoria maximalista ou objetiva, ressalta o destinatário final como sendo o destinatário fático independentemente da destinação econômica do bem. Com efeito, Garcia (2017, p.29) apresenta as seguintes considerações:
[...] para a corrente maximalista (ou objetiva), com base no conceito jurídico de consumidor, o CDC é visto de uma maneira bem mais ampla, abrangendo maior número de relações, pelas quais as normas inseridas nesse diploma devem regular a sociedade de consumo como um todo. [...] a definição de consumidor é puramente objetiva, não importando a finalidade da aquisição ou do uso do produto ou serviço, podendo até mesmo haver intenção de lucro.
Destaca-se aqui uma maior amplitude desta teoria, englobando as relações de consumo como um todo. Em outras palavras, pode-se considerar o destinatário fático do produto, segundo a teoria maximalista, quem adquire produto ou utiliza serviço, sendo desnecessária a sua retirada do mercado e a sua reinserção na atividade econômica, em face da relação de consumo. Exemplificando, podem ser consumidores a empresa de cartão de crédito, o agricultor que adquire insumos para o plantio, a empresa que adquire computadores para desenvolver suas atividades.
Neste condão, Miragem (2016, p.170) dispõe acerca da teoria maximalista:
A interpretação maximalista, assim, considera consumidor o destinatário fático do produto ou serviço, ainda que não o seja necessariamente seu destinatário econômico. Em outros termos, basta para qualificar-se como consumidor, segundo os maximalistas, que se adquira ou utilize o produto ou serviço, não sendo preciso que a partir do ato de consumo sejam retirados do mercado, ou que não sejam reempregados na atividade econômica.
Em síntese, a teoria maximalista consiste em atribuir ao consumidor o conceito de destinatário final como sendo o destinatário fático, abrangendo assim um maior número de relações que estes possam figurar.
Não obstante o artigo 2º do CDC descrever o destinatário final como consumidor, tem-se ainda o consumidor equiparado compreendendo a coletividade de pessoas descrita no seu parágrafo único, vítimas de danos causados por produto ou serviço defeituoso - artigo 17º do CDC e, pessoas expostas a práticas comerciais ou contratuais abusivas - artigo 29º do CDC.
Em relação ao artigo 29 do CDC, Miragem (2016, p.170) faz importante apontamento:
De outro modo, a presença do artigo 29 do CDC, e sua definição de consumidor equiparado (todos os que estejam expostos às práticas previstas na norma), conforme já mencionamos, abre a possibilidade de aplicação extensiva das normas do CDC a outros contratos que não se caracterizem como contratos de consumo.
Notadamente, o conceito legal de consumidor, por equiparação, abre margem para uma interpretação extensiva do CDC diante de situações em que se vislumbre uma relação de consumo.
Uma terceira visão desenvolve-se por meio de uma interpretação ampla tendo como ponto de partida a equiparação do artigo 29 do CDC e, a vulnerabilidade da parte no caso concreto, sendo este último princípio fundamental da legislação consumerista, que será analisado posteriormente.
A teoria finalista aprofundada ou mitigada, introduzida pela jurisprudência, vem sendo aplicada com parcimônia a cada caso concreto, observando a vulnerabilidade do consumidor. O Superior Tribunal de Justiça - STJ desenvolveu esse entendimento no intuito de dirimir de vez a dúvida em relação ao destinatário final, na composição do conceito de consumidor expresso no artigo 2º do CDC.
Assim, fazendo referência a esse entendimento, Garcia (2017, p.34) explica:
Recentemente, o STJ superou a discussão acerca do alcance da expressão "destinatário final" constante do art. 2° do CDC, consolidando a Teoria Finalista como aquela que indica a melhor diretriz para a interpretação do conceito de consumidor, admitindo, entretanto, certo abrandamento dessa teoria quando se verificar uma vulnerabilidade no caso concreto [...]
Portanto, a vulnerabilidade do consumidor constitui princípio nuclear do CDC. Concluída a análise do conceito de consumidor, parte-se para o próximo elemento subjetivo da relação de consumo, qual seja o fornecedor.
O CDC no seu artigo 3º preferiu atribuir, ao conceito de fornecedor, uma interpretação mais ampla, contemplando aqueles que participam do fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo, satisfazendo as demandas dos consumidores com habitualidade no comércio. Aos contratos firmados entre dois consumidores ou com comerciante que pratica atividade não habitual, não se aplica o CDC, aplicando a estes o Código Civil - CC/02. (GARCIA, 2017)
Verifica-se, portanto, que o ponto central para caracterizar o fornecedor está na expressão desenvolver atividade com habitualidade. O próprio artigo 3º do CDC descreve algumas atividades de maneira exemplificativa para demonstrar a participação do fornecedor na cadeia produtiva.
Desta feita, nas palavras de Miragem (2016, p.177), “é correto indicar que são fornecedores, para os efeitos do CDC, todos os membros da cadeia de fornecimento, o que será relevante ao definir-se a extensão de seus deveres jurídicos, sobretudo em matéria de responsabilidade civil”.
Considera-se a expressão fornecedor como gênero, assim, Garcia (2017, p.38) aduz: “ “Para o CDC, o vocábulo fornecedor é delimitado como gênero, do qual são espécies, segundo o art. 3°: o produtor, montador, criador, fabricante, construtor, transformador, importador, exportador, distribuidor, comerciante e o prestador de serviços”.”.
Notadamente, a norma consumerista quer que todos sejam obrigados e/ou responsabilizados, utilizando-se do termo "fornecedor" (gênero). Com objetivo de designar algum ente específico, utiliza termo particular (espécie). Destarte, verifica-se no CDC vários artigos apontando tais espécies: fabricante – prestar informações de produto industrial (artigo 8º, parágrafo único); produtor, construtor e importador (artigo 12º); comerciante (artigo 13º); profissionais liberais (artigo 14º parágrafo 4°); comerciantes – produtos in natura (artigo 19º, parágrafo 2º); fabricante, importador e construtor, no caso de peça ou componente incorporado ao produto (artigo 25º, parágrafo 2º); fabricante e importador de peças de reposição (artigo 32º), entre outros. (GARCIA, 2017).
Em comparação à legislação estrangeira, Miragem (2016, p.177) aponta a mesma interpretação extensiva conceitual a respeito do fornecedor:
[...] a Lei de Proteção do Consumidor da Bélgica, que ao definir fornecedor, com vista à delimitação do âmbito de aplicação de suas regras, refere como tal, toda a pessoa física ou jurídica que vende produtos ou serviços em uma atividade profissional ou em vista da realização de um objetivo estatutário. [...] E por fim, indica ainda como fornecedores as pessoas que exercem, com ou sem finalidade lucrativa, atividade de caráter comercial, financeiro ou industrial, em nome próprio ou de terceiros, dotadas ou não de personalidade jurídica, que ofereça ou realize a venda de produtos ou serviços.
Em linhas gerais, pode-se definir fornecedor como todo aquele que exerce atividade produtiva com habitualidade.
Ainda no âmbito do artigo 3º do CDC, encontram-se os conceitos de produto e serviço. Percebe-se que o elemento objetivo da relação de consumo, produto - constitui uma obrigação de dar e; serviço - constitui uma obrigação de fazer.
Neste ponto, na redação do artigo 3º do CDC (BRASIL 1990, online), in verbis: “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”, busca uma conceituação ampla, sem limitações para identificar o que venha a ser produto.
Considerando a legislação estrangeira, mais uma vez Miragem (2016, p.184) relaciona:
O direito belga, por exemplo, optou por definir produto simplesmente como sendo os "bens móveis corpóreos" [...]. No direito canadense, o Código Civil do Quebec refere-se aos contratos de consumo como sendo os relativos a "bens e serviços" (artigo 1.384 do Código Civil do Quebec) [...]. No direito alemão, a definição de consumidor prescindiu do conceito de produto, considerando que preferiu indicá-lo apenas genericamente como quem "conclui um negócio", vinculando-o à finalidade não profissional e não comercial (§ 13 do BGB). No direito italiano, [...] refere produto como aquele disponível a título oneroso ou gratuito no âmbito de uma atividade comercial [...].
Percebe-se que a definição da lei brasileira, no que diz respeito ao produto, institui um conceito muito amplo, englobando aquilo que possa ser alvo de uma relação jurídica ,desde que satisfaça as necessidades humanas e tenha valor econômico aferível.
Em relação ao serviço, devemos considerar a expressão “mediante remuneração” para interpretar o objetivo do legislador. Assim, “entende-se por serviço toda atividade que esteja disponível no mercado que possamos comprar, excetuando-se as da relação de emprego, existente entre empregado e empregador.” (ALCANTARA, 2017, p.121)
Todavia, em que pese existirem serviços gratuitos, a doutrina e a jurisprudência possuem entendimento acerca da finalidade, que tal serviço pode alcançar direta ou indiretamente. Assim, nas palavras de Miragem (2016, p.188):
[...] a definição legal que o serviço objeto da relação de consumo é apenas aquele prestado mediante remuneração. Como já resta consagrado na doutrina brasileira, esta remuneração poderá ser considerada, para efeito da caracterização da relação de consumo, como remuneração direta (contraprestação de um contrato de consumo), ou indireta (quando resultar de vantagens econômicas do fornecedor a serem percebidas independentes do contrato de consumo presente). (grifo nosso)
Nesta esteira, o serviço caracteriza-se pela remuneração direta ou indireta, independentemente da sua gratuidade, importando o fim econômico a que é destinado.
Ademais, o STJ se manifestou a respeito do assunto:
DIREITO DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL - RECURSO ESPECIAL - INDENIZAÇÃO - ART. 159 DO CC/16 E ARTS. 6º, VI, E 14, DA LEI Nº 8.078/90 - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO - SÚMULA 284/STF – PROVEDOR DA INTERNET – DIVULGAÇÃO DE MATÉRIA NÃO AUTORIZADA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO - RELAÇÃO DE CONSUMO - REMUNERAÇÃO INDIRETA - DANOS MORAIS - QUANTUM RAZOÁVEL VALOR MANTIDO. [...] 2 - Inexiste violação ao art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, para a caracterização da relação de consumo, o serviço pode ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração obtida de forma indireta. (STJ, REsp. 566468/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 17/12/2004).
Em suma, reconhece-se a importância da definição dos elementos subjetivos da relação de consumo (consumidor e fornecedor) e dos elementos objetivos (produto e serviço), em face da conceituação ampla atribuída pela norma consumerista.
2.2 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR
Como já foi apontado alhures, o CDC materializa-se em uma lei principiológica, ou seja, estabelece princípios basilares para fundamentar sua interpretação. Trata-se também de uma lei protetiva ao promover a defesa dos consumidores, de ordem pública e interesse social com respaldo na Constituição Federal, de forma intervencionista ao passo que determina suas normas diretamente no mercado de consumo. Nesta esteira, corrobora Cavalieri Filho (2014, p.16): “o Código de Defesa do Consumidor é uma lei principiológica, que se destina a efetivar, no plano infraconstitucional, os princípios constitucionais de proteção e defesa dos consumidores”.
2.2.1 Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor
Ab initio, pode-se considerar o princípio da vulnerabilidade do consumidor “como a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre a qual se assenta toda linha filosófica do movimento” (ALMEIDA, 2015, p.35). Em outras palavras, o consumidor figura como o elo mais frágil na relação de consumo em decorrência da sua exposição direta ou indireta às exigências do mercado. Nesta toada, “O CDC tem por finalidade, ao proteger o consumidor, promover o equilíbrio contratual, buscando soluções justas e harmônicas”. (GARCIA, 2017, p.57)
Para Miragem (2016, p.128) “a existência do direito do consumidor justifica-se pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor. É esta vulnerabilidade que determina ao direito, que se ocupe da proteção do consumidor”.
Compreendendo melhor essa vulnerabilidade do consumidor, nas palavras de Alcantara (2017, p.123) entende-se que:
A expressão vulnerabilidade deve ser vista em sentido amplo, pois o consumidor não sabe como o produto é produzido ou como o serviço será prestado, não detém nem conhece os instrumentos jurídicos condizentes com a relação firmada com o fornecedor e, normalmente, tem uma condição financeira muito aquém da condição do fornecedor.
Consoante ao que foi supracitado, conclui-se que a vulnerabilidade independe de condição pessoal, social, financeira, etc., bastando a condição de consumidor. Em outros termos, Miragem (2016, p.128) conclui que:
A vulnerabilidade do consumidor constitui presunção legal absoluta, que informa se as normas do direito do consumidor devem ser aplicadas e como devem ser aplicadas. Há na sociedade atual o desequilibro entre dois agentes econômicos, consumidor e fornecedor, nas relações jurídicas que estabelecem entres si. O reconhecimento desta situação pelo direito é que fundamenta a existência de regras especiais, uma lei ratione personae de proteção do sujeito mais fraco da relação de consumo.
Neste ponto, observa-se a necessidade de distinção entre vulnerabilidade e hipossuficiência, ao passo que a primeira corresponde a um conceito jurídico enquanto a segunda a um conceito fático. Assim, “todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente”. (TARTUCE; NEVES, 2017, p.34)
Em síntese, a vulnerabilidade do consumidor, expressa no artigo 4º, I do CDC, deve ser compreendida como um mecanismo capaz de equilibrar a relação de consumo de modo efetivo, posicionando os sujeitos desta relação (consumidor e fornecedor) em um mesmo patamar, considerando-se que o consumidor não dispõe de meios necessários de discernimento sobre o processo produtivo, ou seja, desde a produção até a comercialização. Este desequilíbrio visível, da relação de consumo, fundamenta a presunção absoluta ou iure et de iure da vulnerabilidade em comento.
Notadamente, o princípio da vulnerabilidade advém do princípio da isonomia estabelecendo a igualdade nas relações de consumo. Todavia, não quer dizer “que os mesmos serão igualmente vulneráveis perante o fornecedor” (MIRAGEM, 2016, p.129). Destarte, faz-se mister abordar as espécies de vulnerabilidade avocadas pela doutrina e jurisprudência, quais sejam, as vulnerabilidades técnica, jurídica, fática e informacional.
Sucintamente, a vulnerabilidade técnica nas palavras de Garcia (2017, p.31) “seria aquela na qual o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou o serviço, podendo, portanto, ser mais facilmente iludido no momento da contratação”. Ato contínuo de raciocínio, a vulnerabilidade nesta espécie constitui-se na falta de conhecimentos específicos do produto ou serviço pelo consumidor e na presunção de que o fornecedor, evidentemente, possui tais conhecimentos.
A vulnerabilidade jurídica ou científica consiste na falta de conhecimento do consumidor sobre seus direitos, deveres e consequências jurídicas da relação de consumo, bem como no desconhecimento de outras matérias pertinentes a esta relação, quais sejam, econômica ou contábil. Ressalta-se que “a vulnerabilidade jurídica é presumida com relação ao consumidor não especialista, pessoa natural, não profissional, a quem não se pode exigir a posse especifica destes conhecimentos” (MIRAGEM, 2016, p.130). Entretanto, na presença do consumidor profissional ou pessoa jurídica, existe presunção relativa (iuris tantum), pois “é razoável exigir-lhe o conhecimento da legislação e das consequências econômicas dos seus atos”. (MIRAGEM, 2016, p.130)
A vulnerabilidade fática materializa-se in concreto na desproporcionalidade de poderes, de ordem econômica, intelectual ou física, do consumidor em relação ao fornecedor. No conceito de Miragem (2016, p.130), “vulnerabilidade fática é espécie ampla, que abrange, genericamente, diversas situações concretas de reconhecimento da debilidade do consumidor”. Nessa lógica, Garcia (2017, p.31), demonstra que:
[...] a vulnerabilidade fática é a vulnerabilidade real diante do parceiro contratual, seja em decorrência do grande poderio econômico deste último, seja pela sua posição de monopólio, ou em razão da essencialidade do serviço que presta, impondo, numa relação contratual, uma posição de superioridade.
Ademais, no âmbito da vulnerabilidade fática observa-se a ocorrência de situações peculiares em relação a determinados consumidores. Neste sentido, Miragem (2016, p.130) aborda os casos do consumidor criança e do idoso “os quais podem ser, em razão de suas qualidades específicas (reduzido discernimento, falta de percepção), mais suscetíveis aos apelos dos fornecedores”.
Contemporaneamente, a vulnerabilidade informacional constitui-se pelo grande fluxo de informações que o consumidor tem acesso, em contrapartida não dispõe de meios necessários para garantir a veracidade destas informações. Logo, percebe-se um déficit informacional, “de modo a compensar este desequilíbrio, deve o fornecedor procurar dar o máximo de informações ao consumidor sobre a relação contratual, bem como sobre os produtos e serviços a serem adquiridos”. (GARCIA, 2017, p.32)
Importante adendo, na análise das espécies de vulnerabilidade, faz-se pelo comentário de outros tipos, pouco difundidos, na doutrina como a vulnerabilidade política ou legislativa (debilidade do consumidor em relação à influência dos fornecedores diante das autoridades públicas para aprovação de leis favoráveis a seus interesses); A vulnerabilidade biológica ou psíquica (efeitos da publicidade na decisão de consumir) e; a vulnerabilidade ambiental (desconhecimento em relação aos riscos ambientais presentes nos produtos ou serviços afetando, por via reflexa, o direito à vida, saúde e segurança do consumidor). (MIRAGEM, 2016)
Em suma, a vulnerabilidade do consumidor fundamenta a ideia de total inferioridade em que o consumidor encontra-se na relação de consumo, podendo figurar de diferentes modos a depender das características pessoais e condições do consumidor, fomentando a necessária existência de normas protetivas e orientadoras que regulem essas relações.
2.2.2 Princípios da Harmonia das Relações de Consumo, Boa-Fé e do Equilíbrio das Relações
O princípio da harmonia das relações de consumo está disposto do artigo 4º, III do CDC, estabelecendo que a relação entre consumidor e fornecedor deva ser equilibrada. A harmonia das relações “deve ser considerada em conjunto com a boa-fé para efeito de obtenção de maior Justiça no mercado de consumo”. (MIRAGEM, 2016, p.153)
Na visão de Garcia (2017, p.59) temos o seguinte apontamento:
[...] o objetivo é defender o consumidor, de modo a garantir que a sua proteção não quebre a harmonia das relações de consumo para que, de forma efetiva, contribua com o desenvolvimento econômico e tecnológico, viabilizando inclusive a concretização dos princípios constitucionais da ordem econômica, previstos no art. 170 da CF.
O princípio da boa-fé representa um dos alicerces do Direito do Consumidor, estando disposto no CDC nos artigos 4º, III e artigo 51, IV. Diversamente utilizado no Direito, o respectivo princípio “exige que as partes da relação de consumo atuem com estrita boa-fé́, a dizer, com sinceridade, seriedade, veracidade, legalidade e transparência, sem objetivos mal disfarçados de esperteza, lucro fácil e imposição de prejuízo ao outro”. (ALMEIDA, 2015, p.73)
No Direito do Consumidor, a boa-fé objetiva norteia a relação de consumo determinando uma cooperação entre as partes com a finalidade de alcançar o equilíbrio contratual.
Em síntese, o princípio da boa-fé está sempre presente nas relações de consumo estabelecendo condutas positivas pautadas na ética, boa vontade e respeito, visando o equilíbrio entre consumidor e fornecedor. Neste sentido, “o equilíbrio nas relações de consumo é um dos valores fundamentais presentes no sistema de proteção contratual. A busca pela relação equilibrada deve sempre nortear o magistrado no caso concreto”. (GARCIA, 2017, p.59)
2.2.33 Princípios da Educação, Informação e Transparência
Os princípios informacionais estão previstos no artigo 4º, IV e no artigo 6º, II, ambos do CDC. Desde ao incentivo a educação do consumidor quanto aos seus direitos e deveres perpassando pela conscientização das partes da relação de consumo até a lisura do mercado de consumo. Assim, inicialmente, a educação nos seus aspectos formal (escola) e informal (mercado consumidor), tem por meta tornar o consumidor “mais consciente no mercado de consumo, acarretando, consequentemente, uma sociedade mais justa e equilibrada”. (GARCIA, 2017, p.68)
De forma complementar, uma sociedade bem educada tende a ser mais informada acerca dos seus direitos e deveres acarretando um menor quantitativo de conflitos nas relações de consumo. Todavia, a informação deve ser “capaz de fazer o consumidor entender, de maneira clara e transparente, tudo aquilo que está relacionado ao negócio”. (ALCANTARA, 2017, p.125)
Portanto, a densidade e rapidez do fluxo informativo da sociedade contemporânea trazem consigo a necessidade de estabelecer um maior grau de instrução das partes envolvidas, quais sejam, consumidor e fornecedor e, de uma nitidez com relação ao mercado de consumo.
2.2.4 Princípio da Efetividade e da Coibição e Repressão de Abusos no Mercado
Visando estabelecer instrumentos para coibir práticas abusivas no mercado de consumo, a Política Nacional das Relações de Consumo, determina no artigo 4º, VI do CDC, (BRASIL, 1990, on-line) a seguinte medida:
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
Ademais, o artigo 6º, V do CDC, instituiu como direito básico do consumidor a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. (BRASIL, 1990, on-line)
Nota-se, nos artigos supracitados, a precaução destinada às práticas abusivas em detrimento aos direitos dos consumidores, a exemplo da concorrência desleal e uso indevido da propriedade industrial. Igualmente, a coibição efetiva e repreensiva destas práticas tem caráter punitivo e desencoraja futuros atos abusivos. Pode-se destacar a atuação do CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, na tutela econômica e o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, no âmbito do registro de marcas, patentes e afins.
Por esse ângulo, Miragem (2016, p.152) aborda os seguintes apontamentos:
[...] o principio da efetividade incide também sobre os processos de tomada de decisão de todas as autoridades (judiciais ou administrativas) que se ocupam da aplicação das normas do CDC, determinando-lhes, dentre as diversas possibilidades de ação ou decisão, a opção necessária por aquela que proteja de modo mais efetivo o direito dos consumidores, o que resulta, em última análise, do dever de oferecer máxima efetividade ao direito fundamental de defesa do consumidor.
Em síntese, a observância dos referidos princípios objetiva a tutela legal dos consumidores na ocorrência de práticas abusivas estabelecendo a responsabilidade dos fornecedores pelos danos causados.
3.0 ANÁLISE DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA EM RELAÇÃO AOS MECANISMOS PREVENTIVOS OU REPARATÓRIOS DO CDC
A obsolescência programada, como apresentado anteriormente, constitui-se de uma prática comercial onde o fornecedor reduz a durabilidade dos produtos tornando-os obsoletos ou inutilizáveis, perdendo seu valor econômico e compelindo os consumidores ao consumo constante. Todavia, traduz prática oculta ao consumidor realizada de maneira proposital em detrimento de vários princípios consumeristas, quais sejam: a informação, a vulnerabilidade, a boa-fé objetiva, dentre outros.
Neste ponto, verifica-se a necessidade de analisar os instrumentos legais de prevenção dos direitos do consumidor. Ressalta-se que a obsolescência programada atinge a durabilidade dos produtos ou bens duráveis, ou seja, aqueles que se desgastam com o tempo. Logo, por óbvio, percebe-se que não são eternos, em algum momento estarão suscetíveis a defeitos ou vícios. Sendo assim, imprescindível a distinção jurídica entre defeito e vício do produto ou serviço constante do CDC, mais precisamente nos artigos 12, 14 e 18.
O defeito atinge o dever de segurança, ou seja, causa um dano à saúde do consumidor e o vício atinge o dever de adequação, ou seja, uma falha no funcionamento que compromete a qualidade e a finalidade a qual o produto se destina.
Sobre a distinção de defeito e vício, Miragem (2016, p.585) discorre:
O defeito, como pressuposto de responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, é uma falha do atendimento do dever de segurança imputado aos fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo. Difere dos vícios, que representa a falha a um dever de adequação, que se dá quando o produto ou serviço não servem à finalidade que legitimamente deles são esperados, pelo comprometimento da sua qualidade ou da quantidade.
Suplantada essa distinção, analisar-se-á a prevenção disposta no CDC a respeito da vida útil dos bens. Inicialmente, o primeiro mecanismo preventivo a disposição do consumidor faz referência ao direito de informação previsto nos artigos 4º, IV, 6º, III e 31 do CDC. O consumidor tem o direito de exigir do fornecedor informações completas e precisas do produto que está sendo adquirido.
O artigo 31 do CDC faz referência ao prazo de garantia que deve ser informado ao consumidor, todavia foi omisso em não estabelecer o dever de informar sobre a vida útil ou durabilidade do produto. Neste cenário, torna-se facilitada a utilização da obsolescência programada pelo fornecedor, uma vez que o procedimento utilizado na fabricação do produto fica alheio ao conhecimento do consumidor.
Faz-se mister, neste momento, observar a necessidade informacional acerca da vida útil do produto, conforme esclarece Miragem (2013, p.241):
A redução do tempo de utilização do produto, de sua durabilidade, afeta, evidentemente, o dever de adequação que integra o dever geral de qualidade imposto ao fornecedor. Pelo dever de adequação, lembre-se, tutela-se as expectativas legítimas do consumidor sobre a utilidade do produto ou serviço. [...] A legitimidade da expectativa despertada, de sua vez – a confiança do consumidor – depende do seu nível de conhecimento sobre o produto ou serviço e das informações de que dispõe.
Observa-se que, não obstante a obrigação legal do fornecedor em ofertar produtos que atentem pela qualidade e segurança (princípio do autocontrole), o consumidor não dispõe, de forma prévia, do exercício deste direito informacional. Ademais, além da qualidade dos produtos, a ideia de satisfação das necessidades dos consumidores e as finalidades a que se destinam relacionam-se de maneira direta.
Contemporaneamente, o controle de qualidade realizado por meio da apresentação de certificados de padronização ISO (International Organization for Standartization), parece carecer de maior efetividade, pois o fenômeno da obsolescência programada existe de fato como prática comercial sedimentada na sociedade. Logo, “na proteção do consumidor, a normalização nem sempre é suficiente para alcançar os objetivos de política pública requeridos pela sociedade”. (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2013, p.288)
Neste tocante, tratando-se do controle de qualidade, o CDC dispõe de alguns instrumentos preventivos que deveriam, em tese, obstaculizar a utilização da obsolescência programada. A garantia legal de adequação prevista nos artigos 23 e 24, a atuação das entidades públicas e privadas de controle de qualidade vinculadas ao Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – SINMETRO (ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas; INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), as sanções administrativas previstas no artigo 56 (apreensão de produtos, cassação de registros, etc.) e, a atuação do judiciário contra produtos nocivos ou perigosos à saúde pública e à incolumidade pessoal, prevista no artigo 102.
In fine, apesar da previsão protetiva do CDC, na prática torna-se tarefa árdua e complexa para o consumidor utilizar-se do dever informacional e de qualidade no intuito de prevenir e coibir a obsolescência programada, pois o consumidor não dispõe do conhecimento devido para avaliar as práticas de controle e qualidade adotadas ao produto ou serviço.
Neste diapasão, ainda no viés do sistema preventivo, as relações consumeristas ficam adstritas ao princípio da boa-fé objetiva. Ad argumentandum, a obsolescência programada ludibria a expectativa do consumidor em relação à vida útil do produto. Entende-se por vida útil, o lapso temporal estimado dentro do qual o consumidor pode esperar legitimamente o funcionamento adequado do produto, sem que este perca suas características essenciais.
Nesta esteira, argumenta Renner (2012, p.408):
[...] a abusividade da conduta praticada pelo fornecedor está na frustração do próprio consumidor, que de boa-fé adquire um produto que deve ser durável mas, pouco tempo após a sua aquisição e normalmente depois do prazo de garantia legal, passa a apresentar defeito, seja não funcionando ou funcionando mal e, diante das dificuldades na realização do conserto (seja porque não há peças de reposição, ou as mesmas são mais caras que um novo aparelho, ou mesmo porque há dificuldade no acesso à assistência técnica), o consumidor acaba por descartar o objeto.
O fato de antecipar a vida útil do produto por meio da obsolescência programada resulta na insatisfação do consumidor, que lhe acarretará prejuízo tanto pela perda do produto como pelo fato de precisar realizar, efetuar nova aquisição.
Ratifica tal argumento, Baggio e Mancia (2008, p.1752): “Se essa satisfação é encurtada por fatores exógenos, que intencionalmente diminuem a vida útil do produto, previamente arquitetados por seus idealizadores, o consumidor acaba sendo lesado em sua legítima expectativa”.
Portanto, mesmo figurando como princípio basilar nas relações de consumo, a boa-fé objetiva torna-se violada pela obsolescência programada, uma vez que os produtos apresentam vício ou defeito em um lapso temporal bem menor do que o esperado. Nota-se a inobservância dos deveres anexos da boa-fé objetiva desequilibrando a relação de consumo.
Outro vetor preventivo consiste na vulnerabilidade do consumidor no âmbito da prática da obsolescência programada, podendo ser visualizado in loco na falta de conhecimento e condições suficientes para aferir se as técnicas de fabricação dos produtos não serão alvo de redução na durabilidade dos bens. Percebe-se um visível desrespeito a vulnerabilidade do consumidor, quando não se leva em consideração a referida característica.
Ocorre que a prática da obsolescência programada desequilibra a relação de consumo, atuando no desconhecimento da noção de qualidade daquele produto ou serviço por parte do consumidor, que, por sua vez, acredita plenamente na expectativa positiva de utilidade. Assim, nota-se uma lesão à incolumidade econômica do consumidor, ou seja, um prejuízo patrimonial com a perda e a recompra do produto.
Constata-se que a obsolescência programada traduz prática comercial utilizada pelo fornecedor. A priori, na proteção do consumidor, as práticas comerciais são disciplinadas no CDC do artigo 29 ao 38. Na definição de Benjamin (2011, p.425), práticas comerciais são “os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final”.
Evidencia-se, portanto, que a obsolescência programada utilizada pelo fornecedor não condiz com o propósito de prática comercial, figurando como prática abusiva, visto que se encontra em “desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor”. (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2013, p.276)
Neste sentido, o mecanismo preventivo do CDC estabelece no artigo 39 o rol de práticas abusivas. “Deve-se entender que constitui prática abusiva qualquer conduta ou ato em contradição com o próprio espírito da lei consumerista”. (TARTUCE; NEVES, 2017, p.234)
O supracitado artigo dispõe de forma exemplificativa (numerus apertus) algumas práticas abusivas. Sobre ato abusivo no ordenamento jurídico brasileiro, Garcia (2017, p.317) deslinda que “O direito somente será reconhecido, quando exercido de modo leal, não frustrando as legítimas expectativas criadas em outrem, sem desvio de finalidade. Caso contrário, será considerado ato ilícito ainda que o titular não ofenda a norma em si (legalidade estrita), mas ofenda a sua valoração”.
Portanto, a obsolescência programada adequa-se perfeitamente ao conceito de prática abusiva, pois, como já foi visto alhures, viola, dentre muitos princípios consumeristas, o princípio da boa-fé objetiva, frustrando a expectativa do consumidor em relação ao produto além de causar dano patrimonial.
Na mesma ótica, o artigo 66 do CDC in verbis: “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”, constitui infração penal. Nota-se que a obsolescência programada pode ser compreendida, a depender do caso concreto, como ato ilícito, já que omite informação relevante relativa à qualidade e durabilidade do produto.
Nesta toada, o artigo 51 do CDC que disciplina as cláusulas contratuais, estabelece, por meio de rol exemplificativo, eventuais cláusulas abusivas que causam violação aos direitos do consumidor. In casu, a presença da obsolescência programada em um contrato, por exemplo, seria nula de pleno direito.
Em síntese, nota-se que os mecanismos preventivos existentes no CDC demonstram de maneira inequívoca a incompatibilidade da obsolescência programada nas relações de consumo. Verifica-se a preocupação do CDC em relação à qualidade e adequação dos produtos, todavia, torna-se extremamente difícil para o consumidor valer-se previamente dos seus direitos.
No contexto dos mecanismos reparatórios, a obsolescência programada constitui um vício do produto, ou seja, atinge diretamente a qualidade e informação (dever de adequação). Nas palavras de Miragem (2016, p.653) “o vício de qualidade do produto ou do serviço decorre da ausência, no objeto da relação de consumo, de propriedades ou características, que possibilitem a este atender aos fins legitimamente esperados pelo consumidor”.
O produto torna-se impróprio para sua utilização, inadequado ao fim que se destina e, ainda ocorre a perda do valor de mercado. Pontua-se aqui, de acordo ao artigo 12, §2º do CDC, com relação à perda do valor econômico de mercado, que o produto não se considera defeituoso pelo simples lançamento no mercado de um produto de melhor qualidade. Assim, importante frisar, que a obsolescência programada precisa dar causa diretamente ao vício.
O artigo 18 do CDC disciplina sobre a responsabilidade do fornecedor por vícios do produto. Respondem solidariamente pelo vício do produto, o fabricante e o comerciante. Neste ponto, “deve ficar claro que o vício do produto não se confunde com as deteriorações normais decorrentes do uso da coisa”. (TARTUCE; NEVES, 2017, p.97)
No entanto, analisar-se-á a obsolescência programada como um vício oculto. Frisa-se a distinção dos vícios no entendimento de Bessa e Moura (2014, p.135):
O vício aparente e de fácil constatação é, como o próprio nome indica, o que pode ser notado imediatamente pelo consumidor, numa análise inicial do produto, realizada, de regra, logo após a compra. O vício oculto, ao contrário, só pode ser percebido após algum tempo de utilização do produto, como no caso de um liquidificador que, depois de quatro meses de uso, simplesmente deixa de funcionar.
Notadamente, a obsolescência programada constitui um vício oculto, pois está presente desde a aquisição do produto, mas manifesta-se depois de certo tempo, não sendo evidenciado facilmente pelo consumidor.
Determinando a obsolescência programada no âmbito dos vícios, mostra-se imprescindível a análise do procedimento necessário para o consumidor utilizar-se dos mecanismos reparatórios do CDC. Cabe ressaltar que a falta de informação acerca da durabilidade ou vida útil do produto cria um obstáculo para o consumidor exercer seu direito.
Neste sentido, deverão ser observados os prazos constantes no artigo 26 do CDC para o consumidor pleitear seu direito de reclamação. Acerca do referido dispositivo, comenta Garcia (2017, p.241):
[...] o prazo do art. 26 é de decadência, pois se trata de decurso de prazo para que o consumidor exerça um direito potestativo (direito de reclamar), impondo uma sujeição ao fornecedor, para que este possa sanar os vícios do produto ou serviço em razão da responsabilidade por vício de inadequação estampada nos arts. 18 a 25 do CDC.
Destarte, no caso da obsolescência programada, por tratar-se de vício oculto, o prazo do artigo 26 do CDC, garantia legal de adequação, será de 90 (noventa) dias para produtos duráveis, iniciando-se no momento em que ficar evidenciado o defeito, independente de eventual garantia contratual. Evidentemente que não se pode atribuir uma responsabilidade ad eternum ao fornecedor nos casos de vício oculto, principalmente no âmbito do tema da obsolescência programada.
Todavia, discute-se qual o prazo para a descoberta do vício oculto, pois a norma consumerista foi omissa a esse respeito. Neste quesito, a doutrina e a jurisprudência consideram a vida útil do produto como marco temporal do supracitado prazo. Assim, nos ensinamentos de Garcia (2017, p.248):
Como o fornecedor responde pelos vícios ocultos durante o período de vida útil do produto, será fundamental que o fornecedor informe expressamente qual o período de vida útil de cada produto nos rótulos ou manuais. Esta informação, que já pode ser exigida pelo art. 31 do CDC, é de extrema importância não somente para bem informar o consumidor sobre o prazo que dispõe para reclamar nos aparecimentos dos vícios ocultos, mas também serve para melhor orientar o consumidor na hora da compra.
Observa-se que na obsolescência programada o fornecedor atua justamente na diminuição proposital da durabilidade do produto, justamente o critério utilizado para fixar o início do prazo decadencial em relação o vício oculto.
O critério da durabilidade do produto, também vem sendo legitimado pela jurisprudência:
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RESPONSABILIDADE CIVIL- DANOS MATERIAIS- VEÍCULO AUTOMOTOR- PEÇA -RUPTURA POR FADIGA-CONDUÇÃO ADEQUADA- VÍCIO OCULTO CONFIGURADO. Comprovada a ruptura da biela por fadiga do material, inexistente prova da má condução do veículo por seu proprietário, presente a responsabilidade do fabricante pelas indenizações devidas. Vício oculto configurado. Vida útil do bem de consumo que não pode ficar restrita ao prazo de garantia do fabricante (TJRS, Apel. Cível Nº 70014964498, Des. Rei. Jorge Alberto Schreiner Pestana, DJ 09/04/2007). (grifo nosso)
Assim, em evidente análise, percebe-se que a vida útil atingida pela obsolescência programada causa uma situação em que o fornecedor pode escolher o tempo para o produto apresentar o vício ou defeito, obviamente atrelado apenas ao prazo de garantia.
Em outra análise, a jurisprudência sustenta:
CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. TELEVISOR. VÍCIO DE NATUREZA OCULTA. DIREITO À DEVOLUÇÃO DO PREÇO PAGO. SENTENÇA REFORMADA. 1. O consumidor não pode arcar com o vício constante do produto do qual se espera durabilidade maior que um ano, como é o caso dos autos, eis que se trata de um aparelho televisor. (TJRS, Recurso Cível Nº 71004556577, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Cleber Augusto Tonial, DJ 12/09/2013) (grifo nosso)
Portanto, a obsolescência programada constitui um vício oculto e o consumidor terá direito ao prazo estabelecido do artigo 26, II do CDC a contar da descoberta do vício independentemente de garantia legal ou contratual, mas levando-se em consideração a vida útil do produto. Ademais, o consumidor tem direito de gozar do bem que adquire e, que tenha a vida útil adequada a um bem durável.
Constatando-se a responsabilidade do fornecedor nos casos de obsolescência programada, o consumidor pode demandar pelas alternativas que o artigo 18 do CDC disciplina (ressarcimento, substituição e abatimento do preço) e ainda perdas e danos. Ainda de forma sutil, o artigo 32 do CDC prevê que o fornecedor disponha de peças de reposição dos produtos por período razoável de tempo, cessado sua fabricação ou importação.
Neste sentido, o mecanismo reparatório do CDC aponta que “quando houver danos ressarcíveis, materiais ou morais, existirá o direito do consumidor-vítima destes danos à indenização correspondente”. (MIRAGEM, 2016, p.666)
Provocado o dano via obsolescência programada, além do dever de indenizar o consumidor pelos eventuais danos causados (prejuízos), o fornecedor ainda poderá sofrer sanções administrativas e penais previstas no CDC, de acordo com o caso concreto.
4.0 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA EM DESCONFORMIDADE COM A LEGISLAÇÃO E OS PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS
Defronte à omissão da legislação consumerista em não disciplinar especificamente da obsolescência programada, a maneira mais efetiva de subsunção está relacionada ao vício oculto atrelado ao contexto de prática abusiva.
Em um primeiro plano, a prática da obsolescência programada torna o produto incapaz de atender aos objetivos ora propostos, afetando a qualidade ou o seu dever de adequação, como já visto anteriormente. Em segundo plano, denota uma ação proposital do fornecedor em modificar a engenharia do produto com a finalidade de diminuir sua durabilidade ou vida útil, fazendo com que o consumidor recompre outro produto, além de outros eventuais danos.
Notadamente, a questão da durabilidade do produto torna-se relevante na tutela do consumidor em relação à obsolescência programada. Contemporaneamente, comprovar a existência da ação proposital do fornecedor visando diminuir a vida útil do produto, configura situação desfavorável ao consumidor. Caberão aos juízes, com o auxílio de peritos, visualizarem que o possível vício oculto originou-se de uma engenharia prejudicial ao produto e não pelo seu desgaste natural.
Não obstante a obsolescência programada enquadrar-se como uma prática abusiva, que viola os princípios consumeristas tendo como consequência prejuízos visíveis ao consumidor, à legislação consumerista carece de regulamentação acerca desta prática, principalmente em relação ao critério da vida útil.
Assim, o critério da vida útil em relação ao aparecimento do vício oculto vigora na doutrina. Leciona Garcia (2017, p.248):
Produtos mais duráveis certamente serão mais atraentes para o consumidor do que os que rapidamente se deterioram. É sabido que os produtos atualmente são fabricados para terem durabilidade limitada, de modo a incentivar o consumidor a adquirir novos produtos em curto espaço de tempo. Ou seja, a indústria hoje trabalha com o conceito de obsolescência (tornar-se obsoleto) de forma programada (obsolescência programada).
Importante perceber que ao estabelecer expressamente a vida útil do produto, o fornecedor cumpre o seu dever informacional, deixando o consumidor escolher se quer um produto longevo ou um de desgaste prematuro. A doutrina moderna consumerista compreende que na caracterização do vício oculto considera-se a vida útil do produto, responsabilizando o fornecedor pelo vício por período além da garantia contratual ou legal.
Identificar a obsolescência programada significa admitir o vício oculto, caracterizando uma prática abusiva e o correspondente mecanismo preventivo ou reparatório a disposição do consumidor. Todavia, a inexistência de menção expressa sobre a redução intencional na durabilidade dos bens, demonstra a ineficácia dos mecanismos supracitados.
Ainda sem o devido esclarecimento, dentro da legislação consumerista, a jurisprudência começou a entender pela observância do critério da vida útil do produto. No entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande dos Sul (TJRS):
CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MICROCOMPUTADOR PORTÁTIL. DURABILIDADE DO PRODUTO QUE DEVE SER MAIOR DO QUE O SIMPLES LAPSO TEMPORAL DE GARANTIA. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL INOCORRENTE. - A responsabilidade do fornecedor não pode restar adstrita ao prazo da garantia contratual concedida vez que o vício de qualidade, desde que se apresente dentro de um prazo razoável de durabilidade do produto, imputa ao fornecedor o ônus da saná-lo. Exegese do art. 26, §3º do CODECON. - Equipamento de informática cuja expectativa de vida útil, por certo, ultrapassa o prazo de garantia contratual de um ano. (TJRS, Recurso Cível Nº 71003371267, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eduardo Kraemer, DJ 16/01/2012) (grifo nosso)
In casu, facilmente nota-se que na atualidade os produtos de informática, por exemplo, não podem ter um ciclo de vida inferior a um prazo contratual de garantia ou mesmo legal que varia, em média, de um ano. A expectativa do consumidor gira em torno de um produto que atenda suas necessidades por um grande espaço de tempo, adequado à finalidade em que aquele produto foi ofertado.
A expectativa do consumidor observada pela jurisprudência do TJRS:
INDENIZATÓRIA. COMPUTADOR HP DESKTOP TOUCHSMART BUSINESS. VÍCIO OCULTO. EXTINÇÃO AFASTADA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CÍVIL. ANÁLISE DO MÉRITO. DEFEITO NA PLACA PRINCIPAL. DEVER DE RESTITUIÇÃO DO VALOR DESPENDIDO. Existência de vício oculto, que somente foi detectado após o término do prazo de garantia. [...] O consumidor não pode arcar com o vício constante do produto do qual se espera durabilidade maior que um ano, como é o caso dos autos. (RECURSO PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71003833514, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fernanda Carravetta Vilande, DJ 23/07/2012)
A obsolescência programada reduz drasticamente a durabilidade de um bem que, sabidamente, poderia ser utilizado por longo período, adequado e proporcional a sua função.
A jurisprudência começa a tratar do tema da obsolescência programada de maneira expressa, admitindo a existência e condenando sua aplicação. Assim, verifica-se no Recurso Cível Nº 71006589774 do TJRS:
DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. CELULAR. PRAZO DE GARANTIA CONTRATUAL EXPIRADO. DEFEITO SURGIDO DOIS MESES APÓS. CONCEITO DE VIDA ÚTIL E OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA. CONDICIONAMENTO DO CONSERTO A DEPÓSITO DE VALOR CONSIDERÁVEL. DEVER DE DEVOLUÇÃO DO PREÇO PAGO. COMPLEXIDADE DA CAUSA INEXISTENTE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJRS, Recurso Cível Nº 71006589774, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Cleber Augusto Tonial, DJ 14/03/2017) (grifo nosso)
A prática da obsolescência vem sendo reconhecida, em muitos casos, e rechaçada na forma de condenação favorável ao consumidor, evidenciando a importância do caráter probatório para a obtenção da devida reparação e, o critério da vida útil na análise do vício oculto. Assim, a jurisprudência começa a visualizar o vício oculto desconsiderando os prazos de garantia legal e contratual. Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) reconhece a responsabilidade do fornecedor por período maior:
RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. INCOMPETENCIA DO JUIZO E ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADAS. RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE/IMPORTADOR. VICIO DO PRODUTO QUE SE APRESENTA FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VICIO DE QUALIDADE QUE IMPEDE A UTILIZAÇÃO DO PRODUTO. VIDA ÚTIL DO BEM. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. RECURSO INOMINADO PROVIDO. [...] Note-se que o prazo para o consumidor reclamar de defeito ou vício oculto de fabricação, não decorrentes do uso regular do produto, começa a contar a partir da descoberta do problema, desde que o bem ainda esteja em sua vida útil, independentemente da garantia [...] a doutrina consumerista tem entendido que o Código de Defesa do Consumidor, no parágrafo 3º do artigo 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. [...] o Judiciário deve combater práticas abusivas como a obsolescência programada de produtos duráveis. (TJPE, Recurso Inominado Nº 0028051-18.2017.8.17.820, 3º Gabinete da Quarta Turma Recursal – JECRC, Relator: Carlos Antônio Alves Da Silva, DJ em 29/08/2018)
Nos casos concretos, ora analisados, verifica-se a importância de uma regulamentação mais clara e efetiva em relação ao critério da vida útil do produto. Neste sentido, estabelecer um marco legal para que o fornecedor informe o ciclo de vida do bem durável revela-se de grande importância, pois o consumidor estaria ciente da durabilidade do produto em uma eventual descoberta de vício oculto.
A jurisprudência em que a maioria dos julgados vistos alhures baseou-se foi analisada no STJ no REsp 984.106/SC:
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC. [...] 5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. [...] conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. (STJ – REsp 984.106/SC – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 20.11.2012)
O supracitado julgado demonstra uma preocupação do STJ com a problemática da obsolescência programada em face da responsabilidade do fornecedor, que, por sua vez, se aproveita da omissão legislativa em torno do tema, bem como da questão que envolve os prazos de garantia.
Explorando o Resp 984.106/SC, o Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, na fundamentação do seu voto abordou a obsolescência programada:
Ressalte-se, também, que desde a década de 20 - e hoje, mais do que nunca, em razão de uma sociedade massificada e consumista -, tem-se falado em obsolescência programada, consistente na redução artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura. [...] Nessas circunstâncias, é até intuitivo imaginar que haverá grande estímulo para que o produtor eleja estratégias aptas a que os consumidores se antecipem na compra de um novo produto, sobretudo em um ambiente em que a eficiência mercadológica não é ideal, dada a imperfeita concorrência e o abuso do poder econômico, e é exatamente esse o cenário propício para a chamada obsolescência programada. [...]
São exemplos desse fenômeno: a reduzida vida útil de componentes eletrônicos (como baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico inflacionamento do preço do mencionado componente, para que seja mais vantajoso a recompra do conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar o consumidor a atualizar por completo o produto (por exemplo, softwares); o produtor que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a fabricação de insumos ou peças necessárias à antiga. (STJ – REsp 984.106/SC – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 04.10.2012)
Em suma, percebe-se um grande avanço no sentido de coibir a prática da obsolescência programada e reconhecer sua existência de fato no âmbito das relações de consumo. Ao estabelecer a escolha do critério da vida útil no caso de vício oculto e atribuir tal fato a uma redução intencional na durabilidade do produto, demonstra a intenção dos tribunais em salvaguardar os direitos dos consumidores. O conhecimento dessa compreensão por parte dos fornecedores mostra-se imprescindível para esclarecer-lhes acerca de suas responsabilidades evitando futuros processos administrativos ou judiciais, levando o fornecedor a rever seu processo de produção.
Imperioso comentar o fato de que reconhecer a obsolescência programada significa visualizar uma prática abusiva ou ilícita que viola diversos dispositivos do CDC bem como a sua total desconformidade em relação aos princípios consumeristas como o da vulnerabilidade, boa-fé objetiva, dentre outros.
Neste sentido, dois aspectos merecem destaque: a falta de legislação específica sobre a obsolescência programada e a falta de regulamentação que obrigue o fornecedor a informar a vida útil de cada produto.
Com relação ao primeiro, apesar do rol das práticas abusivas ter um caráter exemplificativo, a interpretação extensiva, que surge acerca da obsolescência programada carece ainda de maior efetividade pelo fato desta referida prática estar inserida nas relações de consumo e utilizada deliberadamente.
Em relação ao segundo, torna-se vital informar claramente ao consumidor a vida útil do produto, tendo em vista que, nos tempos modernos, a durabilidade dos bens mostra-se bem menor que no passado. A regulamentação da referido aspecto acabaria com as incertezas nas relações de consumo quanto aos vícios ocultos, tornando a relação mais transparente e eficiente.
Neste diapasão, alguns países começaram a legislar sobre a obsolescência programada no intuito de vedar esta referida prática das relações de consumo. Países como Bélgica e França são exemplos que devem ser seguidos, pois largaram na frente percebendo a atuação cada vez mais explícita dos fornecedores quanto à utilização da obsolescência programada.
Na Bélgica, a Resolução 5-1251/1 de 7 de outubro de 2011, expõe a problemática da obsolescência programada em sua exposição de motivos:
A obsolescência programada pode ser definida como o fato de desenvolver e depois comercializar um produto determinando antecipadamente o momento de sua expiração, sendo o objetivo desse método limitar a vida útil do objeto e favorecer assim, a compra de um novo produto substituto. [...] não devemos perder de vista o custo financeiro da obsolescência programada para as famílias. Uma redução significativa na vida dos produtos inevitavelmente provoca um custo adicional no orçamento do consumidor. O impacto social é, portanto, muito importante para essas famílias. (BELGICA, 2011) (tradução nossa)[9]
Assim, a Resolução Belga reconheceu a existência de fato de referida prática, bem como a preocupação na esfera social, mais precisamente com a incolumidade econômica do consumidor. A referida resolução impõe aos fornecedores o dever de informar a vida útil do produto, além de outras informações referentes à possibilidade de reparação.
Na França, foi aprovado em 17 de agosto de 2015 o projeto de lei 429, que alterou o Código do Consumidor (Code de la consommation), instituindo como delito a prática da obsolescência programada. Conforme o que a legislação francesa aduz:
Artigo L441-2. A prática da obsolescência programada é proibida pelo uso de técnicas pelas quais a pessoa responsável pela colocação de um produto no mercado visa reduzir deliberadamente sua expectativa de vida, a fim de aumentar a taxa de reposição. Artigo L454-6. A infracção prevista no artigo L441-2 é punível com dois anos de prisão e multa de 300.000 euros. O montante da multa pode ser aumentado, na proporção dos benefícios derivados da infração, para 5% do volume de negócios médio anual, calculado sobre os três últimos volumes de negócios anuais conhecidos à data dos factos. (FRANÇA, 2015) (tradução nossa)[10]
Neste sentido, percebe-se que o códex consumerista francês foi bem incisivo em reconhecer o caráter delitivo da prática da obsolescência programada, estabelecendo pena de prisão e multa, de acordo com as vantagens obtidas oriundas da prática em comento.
No ordenamento jurídico brasileiro, a questão da obsolescência programada surge de maneira tímida, ainda que, como já explorado alhures, jurisprudência e doutrina começam a reconhecer a desconformidade da aludida prática com a legislação consumerista. Nota-se que a dificuldade em coibir a prática em estudo advém da falta de lei específica sobre o tema e pela inexistência de regulamentação acerca da vida útil dos produtos.
Destacam-se neste ponto, duas iniciativas legislativas: os Projetos de Lei (PL) 5.367/2013 e 3.903/2015. O primeiro, de autoria da deputada Andréia Zito, menciona a obsolescência programada e propõe a obrigação, do fornecedor de produtos, a prestar informação ao consumidor sobre o tempo de vida útil de bens de consumo duráveis de modo claro, preciso, ostensivo e em língua portuguesa, prevendo sanções administrativas e penais em caso de descumprimento. (BRASIL, 2013, online)
O segundo, por iniciativa do deputado Veneziano Vital, delimita a questão em torno da oferta e apresentação de produtos eletrônicos e eletrodomésticos trazendo a obrigatoriedade de informar a vida útil estimada do produto introduzido no mercado de consumo. Ainda traz expressa a utilização do critério da vida útil no caso de obsolescência programada e prevê multa de 30% (trinta por cento) sobre o valor do produto. (BRASIL, 2015, online)
Apesar dos esforços, ainda não há nada de concreto no sentido de solucionar o problema da obsolescência programada. A PL 5.367/2013 encontra-se arquivada e a PL 3.903/2015 aguarda apreciação do plenário desde 2016. O reconhecimento da obsolescência programada na jurisprudência pátria constitui, na atualidade, o único meio de buscar a defesa do consumidor.
Em síntese, diante de toda a problemática exposta em relação à prática da obsolescência programada e o posicionamento da doutrina e jurisprudência, comprova-se que a referida prática viola as normas consumeristas. Apresentando-se em evidente desconformidade com a legislação consumerista e os princípios regentes, pois constitui prática abusiva violando a vulnerabilidade do consumidor, a boa-fé objetiva e o direito a informação. A redução da durabilidade dos produtos de forma intencional pelo fornecedor materializa-se pelo vício oculto, que geralmente ocorre fora dos prazos legais de garantia. Assim, a obsolescência programada denota prática que atenta à qualidade do produto e a sua finalidade destruindo a expectativa positiva do consumidor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto, o presente artigo objetivou analisar a obsolescência programada como prática abusiva, em desconformidade com a legislação e princípios consumeristas. A referida prática constitui na diminuição intencional da durabilidade dos produtos tornando-os obsoletos, inutilizados, desvalorizados. Ao longo dos séculos, o modelo econômico capitalista desenvolveu-se por intermédio do avanço tecnológico atrelado a grande demanda de consumo existente nos mercados em escala global.
O consumo contínuo tornou-se o objetivo principal das indústrias que, por sua vez, constataram que produtos com grande durabilidade traziam prejuízos para os negócios. Assim, a obsolescência programada surgiu como meio eficaz de garantir o consumo e consequentemente os lucros dos fornecedores.
Com o passar do tempo, a obsolescência programada ganhou contornos conceituais e classificatórios tornando-se uma estratégia cada vez mais usual no mercado. Todos os conceitos e classificações consideravam a redução de vida útil dos produtos e o consumo repetitivo. Neste sentido, a obsolescência programada constitui uma prática existente no mercado de consumo e utilizada pelos fornecedores, compelindo o consumidor a recompra do produto.
Nesta linha de intelecção, evidencia-se um desequilíbrio notório nas relações de consumo, fazendo-se indispensável, a atuação estatal. Logo, na defesa do consumidor, a legislação consumerista compreende uma gama de princípios e direitos a serem respeitados. Uma vez presentes os elementos da relação de consumo (fornecedor – consumidor – produto ou serviço), observa-se as normas do CDC e seus princípios aplicáveis.
Princípios basilares como a vulnerabilidade do consumidor, a boa-fé objetiva e o dever informacional são alguns exemplos afetados pela prática da obsolescência programada. Na relação de consumo, as normas do CDC visam o equilíbrio entre fornecedor e consumidor. Neste ponto, a vulnerabilidade busca harmonizar a relação de consumo, pois o consumidor figura como o elemento mais frágil por consequência da exposição direta ou indireta às exigências do mercado.
Não há previsão legal para combater a prática em comento, não obstante a possibilidade de se coibir a obsolescência programada interpretando a legislação consumerista atual. Assim, pode-se enquadrar a obsolescência programada como prática abusiva, vez que o artigo 39 do CDC, que disciplina tais práticas, apresenta-se em um rol meramente exemplificativo. Uma vez que, a obsolescência programada constitui conduta contrária aos padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor.
No presente artigo verificou-se que os mecanismos preventivos e reparatórios figuram de modo a tutelar o consumidor. Todavia, percebe-se que em relação à prática da obsolescência programada, os referidos mecanismos, carecem de efetividade. Neste contexto, a prática amolda-se na ocorrência de vício oculto, ou seja, aquela falha de difícil constatação que atinge a qualidade do produto e sua finalidade.
Assim, a redução da vida útil, por parte do fornecedor para que em um prazo curto de tempo este se torne inutilizado, denota o surgimento de um vício oculto, cujo prazo legal estabelecido pelo artigo 26 do CDC, para pleitear eventual demanda, tem seu marco inicial a partir da descoberta do vício. Logicamente que esse prazo não pode ser eterno, surgindo, assim, uma discussão acerca do critério utilizado para fixa-lo, qual seja, o da vida útil.
O critério da vida útil mencionado alhures deve observar a durabilidade de cada produto posto no mercado. Porém, constatou-se a omissão do legislador consumerista em obrigar o fornecedor a informar a vida útil dos produtos. Assim, tem-se um óbice na constatação do vício oculto, visto que o seu surgimento na maioria das vezes está atrelado ao fim do prazo de garantia legal ou contratual.
Ainda que a prática da obsolescência programada dificulte o mecanismo de reparação do CDC, no que tange ao vício oculto, demonstrou-se no estudo que a doutrina e a jurisprudência vêm aplicando reiteradamente o critério da vida útil para combater a referida prática. O entendimento baseou-se no reconhecimento da obsolescência programada como prática existente no mercado de consumo, a abusividade da conduta nos moldes do artigo 39 do CDC e o critério da vida útil como um lapso temporal razoável, de acordo ao produto adquirido, para que se possa aferir a responsabilidade do vício oculto.
Diante da inexistência de legislação específica quanto a prática da obsolescência programada, bem como sobre a regulamentação da vida útil dos produtos, é possível sugerir algumas propostas para solucionar a problemática do tema. Exemplos de legislações estrangeiras como Bélgica e França, que coibiram a prática da obsolescência programada impondo sanções e obrigando os fornecedores a informar a durabilidade dos produtos, devem ser seguidos. No Brasil, projetos de lei como os 5.367/2013 e 3.903/2015 ainda não vingaram, mas devem seguir o sentido de estabelecer a regulamentação do critério da vida útil como obrigatoriedade em todos os produtos postos no mercado e criar uma legislação específica, que trate do tema da obsolescência programada de modo isolado.
Em suma, a obsolescência programada apresenta-se em desconformidade com a legislação e princípios consumeristas, traduzindo como prática abusiva que fere o princípio da vulnerabilidade do consumidor, da boa-fé objetiva e o direito básico à informação, evidenciada por meio de vício oculto pela da redução intencional da durabilidade do produto tornando-os obsoletos, inutilizados, desvalorizados, sendo prejudicado na sua qualidade e finalidade, o que força o consumidor a nova aquisição.
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[2] Professora Especialista do Curso de Direito da Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB).
[3]“Justus George firs introduced the concept of progressive obsolescence in a lead article for Advertising and Selling in the fall of 1928.”
[4] “The earliest phase of product obsolescence, then, is called technological obsolescence, or obsolescence due to technological innovation.”
[5] “Psychological obsolescence was a strategy designed to put the consumer into a state of anxiety based on the belief that whatever is old is undesirable, dysfunctional, and embarrassing, compared with what is new.”
[6] “Planned obsolescence is the catch -all phrase used to describe the assortment of techniques used to artificially limit the durability of a manufactured good in order to stimulate repetitive consumption”.
[7] “Obsolescence of function. In this situation an existing product becomes outmoded when a product is introduced that performs the function better. Obsolescence of quality. Here, when it is planned, a product breaks down or wears out at a given time, usually not too distant. Obsolescence of desirability. In this situation a product that is still sound in terms of quality or performance becomes "worn out" in our minds because a styling or other change makes it seem less desirable”.
[8]“The challenge in using this second form of obsolescence creation as a strategy is to persuade the public that style is an important element in the desirability of one's product. Once that premise is accepted, you can create obsolescence-in-the-mind merely by shifting to another style”.
[9] L'obsolescence programmée peut être définie comme étant le fait de développer puis de commercialiser un produit en déterminant à l'avance le moment de sa péremption, l'objectif de cette méthode étant de limiter la durée de vie de l'objet et de favoriser ainsi l'achat d'un nouveau produit de substitution. […] il ne faut pas perdre de vue le coût financier pour les ménages de l'obsolescence programmée. Une diminution importante de la durée de vie des produits occasionne irrémédiablement un surcoût dans le budget des consommateurs. L'impact social est donc très important pour ces ménages.
[10] Article L441-2 - Est interdite la pratique de l'obsolescence programmée qui se définit par le recours à des techniques par lesquelles le responsable de la mise sur le marché d'un produit vise à en réduire délibérément la durée de vie pour en augmenter le taux de remplacement. Article L454-6 - Le délit prévu à l'article L. 441-2 est puni d'une peine de deux ans d'emprisonnement et d'une amende de 300 000 euros. Le montant de l'amende peut être porté, de manière proportionnée aux avantages tirés du délit, à 5 % du chiffre d'affaires moyen annuel, calculé sur les trois derniers chiffres d'affaires annuels connus à la date des faits.