ANOTAÇÕES SOBRE O INTERDITO QUORUM BONORUM

10/12/2018 às 08:12
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O ARTIGO APRESENTA ANOTAÇÕES DA DOUTRINA SOBRE O TEMA EM ESTUDO.

ANOTAÇÕES SOBRE O INTERDITO QUORUM BONORUM

Rogério Tadeu Romano

I -AS LIÇÕES DE SAVIGNY E MAX KASER SOBRE O TEMA

Na lição de Savigny: 

"O objetivo deste interdito é dar aos  pretorianos a posse de qualquer coisa pertencente aos hereditas que o outro possua como herede ou pro possuidor . O nome deste Interdito é derivado das palavras introdutórias, e é o seguinte: "A Prætor: Quorum bonorum ex édicto mei illi possessio data é: quod de his bonis pro herede aut possuidore possere, possivees si nihil usucaptum esset: quod quidem dolo malo fecisti, uti desineres possidere: id illi restituas. "O requerente tem direito a este interdito quando tiver obtido o Bonorum Possessio , e quando qualquer uma das quatro condições seguintes se aplicar ao requerido.

1. Quod de seus bonis pro herede,

2. Possuem Possers Aut possua,

3. Possideresve si nihil usucaptum esset,

4. Quod quidem dolo malo fecisti, uti desineres possidere.

As duas primeiras condições são bem compreendidas e aplicam-se também ao caso da hereditatis petitio . A quarta condição também se aplica ao caso da hereditatis petitio e da rei vindicatio ; mas em vez de " quod quidem " a leitura " quodque " foi proposta, o que parece ser necessário, pois o número 4 não tem referência ao número 3, mas é em si uma nova condição. As palavras do nº 3 causaram alguma dificuldade, que pode ser explicada da seguinte maneira.

Ao estabelecer o Bonorum Possessio , o prætor pretendia dar a muitas pessoas, como crianças emancipadas e Cognati , os mesmos direitos que os heres tinham; e seu objetivo era realizar isso efetivamente. Os heres romanos eram o representante da pessoa que tinha morrido e deixado um hereditas , e em virtude desta ficção representativa ou jurista da pessoa dos mortos ter uma existência continuada na pessoa dos heres , os heres sucederam à sua propriedade e a todos os seus direitos e obrigações. Em matéria de direitos e obrigações, o Prætor colocou o possuidor bonorum na mesma situação que os heres , permitindo que ele processasse em relação às reivindicações que o falecido tinha, e permitindo que qualquer pessoa processá-lo em relação a reivindicações contra o falecido, em uma actio utilis ou fictitia ( Ulp. Frag. tit. 28 s12 ; Gaius, IV .34 ). No que diz respeito à propriedade, de acordo com a lei antiga, qualquer pessoa pode tomar posse de uma coisa pertencente aos hereditas , e adquirir a propriedade dela em um certo tempo por usucapião (Gaius, II .52-58) . As pessoas a favor de quem o decreto do prætor foi feito poderiam fazer isso, assim como qualquer outra pessoa; mas se encontrassem qualquer outra pessoa na posse de qualquer coisa pertencente aos hereditas , não poderiam reivindicá-la pela vindicação , pois não eram proprietários, nem pela hereditatis petitio , pois não eram herodes . Para enfrentar esta dificuldade, foi introduzido o Interdictum Quorum Bonorum , cujo objetivo era ajudar o Possuidor Bonorum a obter a posse (daí o título da Interdictum adipiscendae possessionis ) e assim iniciar a usucapião. p984Se ele perdesse a posse antes que a usucapião estivesse completa, ele poderia, na maioria dos casos, recuperá-la pelos Interditos Possessórios, propriamente ditos ou por outros meios legais. Isso, segundo Savigny, é a origem do Bonorum Possessio .

No decorrer do tempo, quando a posse Bonitarista ( em bonis ) foi totalmente estabelecida e coexistiu com a propriedade Quiritarista , esse novo tipo de propriedade foi atribuído ao Possuidor Bonorum , depois que ele adquiriu o Bonorum Possessio e, portanto, tudo o que pertencia ao falecido. ex jure Quiritium tornou-se seu in bonis e finalmente por Usucapion, ex jure Quiritum ; embora nesse meio tempo ele tivesse a maioria das vantagens práticas da propriedade quiritarista. Por fim o Bonorum Possessiochegou a ser considerado como uma espécie de hereditas , e as formas de procedimento semelhantes às que se encontravam no caso dos hereditas reais aplicavam-se ao caso do Bonorum Possessio ; assim surgiu a possessoria hereditatis petitio , que é mencionada por Gaius, e não pode, portanto, ser de origem posterior à época de Marco Aurélio.Assim, a nova forma de procedimento, que teria tornado o Quorum Bonorum Interdito desnecessário, se tivesse sido introduzido mais cedo, co-existia com o Interdito, e uma pessoa poderia se valer de qualquer um dos procedimentos, como ele achava melhor (Gaius, III .34) . Na legislação de Justiniano, encontramos ambas as formas de procedimento mencionadas, embora a do Interdito tenha caído completamente em desuso (Inst. 4 15) .

De acordo com a lei antiga, qualquer possuidor, sem respeito ao seu título, poderia por usucapião obter a posse de uma coisa pertencente às hereditas ; e, claro, o Possuidor Bonorum estava exposto a esse perigo tanto quanto os Heres . Se o tempo de Usucapião do possuidor não fosse interrompido pela primeira reivindicação, os heres não tinham título para o Interdito, como aparece em seus termos, pois tal possuidor não estava incluído no número 1 ou 2. Adriano (Gaius, II .57) por um senatusconsultum mudou a lei tanto quanto para proteger os heres contra a usuração completa de um Improbus Possessor , e para restaurar a coisa para ele. Embora as palavras de Caio sejam gerais, não pode haver dúvida de que o Senatusconsultum de Adriano não se aplicava ao Usucapion do Possuidor Bonorum nem ao do possuidor Bonae fidei . Agora, se assumirmos que o Senatusconsultum de Adriano também se aplicava ao Possuidor Bonorum , suas provisões devem ter sido introduzidas na fórmula do Interdito, e assim a passagem obscura No. 3 recebe um significado claro, que é este: Você deve restaurar aquele também que você já não possui possessore , mas uma vez assim possuído, e cuja posse só perdeu essa qualidade em conseqüência de um lucrativo usucapio . De acordo com essa explicação, a passagem número 3 aplica-se apenas ao novo estado de direito estabelecido pelo Senatusconsultum de Adriano, que permitia que a antiga usucapião do improbus possuidor tivesse seu efeito legal, mas o tornava inútil para ele por obrigatória restituição.Na legislação de Justiniano, conseqüentemente, essas palavras não têm significado, uma vez que a antiga usucapião não faz parte dela; contudo, as palavras foram retidas na compilação de Justiniano, como muitas outras pertencentes a uma época anterior, embora em seu novo lugar elas sejam inteiramente desprovidas de significado."

(Savigny, Ueber das Interdito Quorum Bonorum, Zeitschrift , & c. Vol. V ; Dig. 43 tit. 2 ; Gaius, IV .144 ).

Estudando a proteção do direito sucessório, Max Kaser(Direito privado romano, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 409) falou sobre a hereditatis petitio e ainda o interdictum quorum bonorum. 

O primeiro serve para a proteção do direito sucessório civil(D.5, 3; C. 3, 31). É uma actio in rem, muito semelhante à rei vindicatio; com ela o heres exige a declaração do seu direito sucessório e a entrega da herança. Diferentemente da rei vindicatio a hereditatis petitio é uma ação universal, que compreende toda a herança. 

Max Kaser(obra acima citada, pág. 410) observou que a herança nem sempre se compõe apenas de coisas corpóreas, mas pode consistir integral ou parcialmente em direitos; em especial créditos. 

Talvez a ação se tenha chamado originariamente vindicatio familiae; o nome hereditatis petitio é mais recente e terá aparecido quando o termo "familia" se tornou equívoco  no sentido de bens hereditários. Com Justiniano, a hereditatis petitio na perspectiva das variadas prestações dela contidas inclui-se nos bonae fidei iudicia(Inst. 4, 6, 28). 

O autor legítimo é apenas quem afirma ser herdeiro civil, o qual tem que provar o seu direito à herança. Quanto à hereditatis petitio possessoria no bonorum possessio. 

O demandado legítimo chama-se "possuidor da herança", mas qui possui um sentido especial. Como disse Max Kaser(obra citada, pág. 410), na verdade, passivamente legitimado para a hereditatis petitio como possessor hereditatis na antiga legis actio sacramento(semelhante a rei vindicatio) é só aquele que afirma ser herdeiro, de modo que o litígio produz-se entre dois pretendentes da herança. No processo formulário(e por sponsio), inicialmente também, só tem legitimidade passiva quem possui pro herede, isto é, invoca o seu direito à herança. No direito romano clássico também se concede a ação contra aquele que possui pro possessore, isto é, não invoca título nenhum), Ulpiano, D, 5, 3, 11, pr. 134 pr. 

A hereditatio petitio(como actio in rem) no direito antigo dirige-se apenas contra o que possui todos ou alguns bens singulares da herança. Desde que a herança não consista exclusivamente em bens corporais, este requisito atenua-se frequentes vezes. 

Os autores entendem que Justiniano afastou dúvidas quando à legitimação passiva do possuidor fictício e do não possuidor que simula a posse ou a abandona dolosamente. 

Como em todas as ações in rem, ainda na hereditatis petitio o demandado só de modo indireto é forçado pelo pretor a ser parte na ação. Se se recusar a ser parte, em especial a colaborar na litis contestatio, a hereditatis petitio não se realiza, mas o pretor dá ao autor o interdictum quam hereditatem(restituitório), em que o demandado tem de ser parte e no qual é condenado na mesma quantia em que teria sido condenado na herditatis petitio(Ulp. fragm. VIndob, 4, FIRA II, 306). 

Ainda ensinou Max Kaser(obra citada, pág. 411) que, na época clássica, para os trâmites do processo de herança pode escolher-se o processo per sponsionem e per formulam petitoriam. 

O objeto de que se inclui na hereditatis petitio abrange tudo o que o demandado obteve da herança. A isso deu-se um conteúdo mais amplo(Ulp. Paul. D. 5, 3, 18, 2-20, 5). 

Abarca todas as coisas na posse do demandado, que o causante teve como proprietário quiritário ou bonitário e também como credor pignoratício, usufrutuário, comodatário etc, pelas quais o herdeiro responde perante outrem. Inclui ainda o acréscimo, de boa ou má-fé. Se o demandado retirou créditos da herança, o devedor não fica exonerado com a prestação feita a ele, mas o autor pode aprovar esta prestação e exigir do demandado a restituição do que lhe foi prestado. Se o demandado antes da litiscontestatio, vendeu coisas da herança ou comprou coisas com dinheiro dela, tem de restituir o adquirido(sub-rogação) se o negócio foi útil à herança; se não, o demandado responde pelas coisas da herança que entregou. Pelos gastos necessários e úteis que o demandado fez com coisas da herança, em direito clássico, só o possuidor de boa-fé consegue um direito de retenção com base no qual pode exigir o reembolso com a exceptio doli(Paul.,Gai., D. 5, 3, 38 e 39). Justiniano atribuiu esse direito cujo exercício não necessita da excepto doli também ao possuidor de má-fé(D.5, 3, 38, em parte). 

Em regra, o possuidor da herança responde, por dolus ou culpa pelos prejuízos da mesma. Consequentemente o possuidor de má-fé tem de indenizar pelos frutos que com culpa não extraiu. 

Depois da litis contestatio, como na rei vindicatio, o demandado responde por dollus e culpa; mas excepcionalmente tem de colocar o autor na situação em que estaria se a herança já nesse momento lhe tivesse sido entregue. 

Max Kaser(obra citada, pág. 411) ainda falou especificamente sobre o interdictum quorum bonorum. 

Esse interdito de natureza restitutória serva para proteger aquele a quem o pretor concedeu a bonorum possessio. Com este interdito pode exigir-se a restituição de qualquer possuidor que não invoque uma causa singular de aquisição, mas (como ou sem razão) afirme o seu direito hereditário civil(possuidor pro herede), ou não alegue nenhuma causa de aquisição (possuidor pro possessore). 

Esse interdito também dirige-se contra quem abandonou dolosamente a posse. Como os interditos possessórios, para Max Kaser (obra citada, pág. 413), serve também para preparar a actio in rem, neste caso para a distribuição das funções das partes na hereditatis petitio, proporcionando àquele que recebeu do pretor a bonorum possessio, o papel mais favorável de demandado. Justiniano (para compensar o antagonismo entre direito civil e honorário) estende este instituto à hereditas (C. 8, 1, 1 itp), confundindo-se em parte com a hereditatis petitio.

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II - A IMISSÃO DE POSSE NO DIREITO ROMANO 

A doutrina tem entendido que a ação de imissão de posse, no direito brasileiro, é proveniente dos interditos romanos adipiscendae possessionis.

Câmara Leal(Comentários ao Código de Processo Civil, 1940, páginas 98 a 99) escreveu: “No  direito romano, os interditos relativos à posse dividiam-se em três classes: a) interdicta adipiscendae possessionis – para obtenção de uma posse que não se tinha ainda; b) interdita retinendae possessionis – para a conservação de uma posse que já se tinha e não cessou, mjas na qual se foi molestado; c) interdicta recuperandae possessionis – para a recuperação de uma posse que se tinha, mas da qual se foi privado.

Depois de se referir a doutrina de Savigny e Maynz sobre a natureza não-possessória dos interditos “aquisitivos da posse” doutrina de que participava Lafayette(Direito das coisas, páginas 79 e 174), mencionou Câmara Leal os seguintes interditos adipiscendae possessionis, existentes no direito romano: “a) o interdito quorum bonorum, pelo qual o pretor ordenava, àquele que detinha, pro herede, ou pro possessore, bens hereditários, de imitir na sua posse aqueles aos quais ele dava o título de bonorum possessores; b) o interdito quod legatorum, que se concedia ao herdeiro testamentário contra o legatário ou fideicomissário que, por autoridade própria, se havia apoderado da coisa deixada em legado ou fideicomisso; c) o interdito de glande legenda, para que o proprietário dos frutos caídos no prédio vizinho os colhesse; d) o interdito salviano, análogo à ação serviana, que era dada ao proprietário de um fundo rural arrendado, para imiti-lo na posse dos objetos encontrados dentro do prédio, ou seus frutos para pagamento das rendas dentro do prédio, ou seus frutos, para pagamento das rendas vencidas”.

Entre outras ainda havia o interdito fraudatorium.

O mais conhecido interdito adipiscendae possessionis e que veio modernamente a se tornar mais polêmico, como disse Ovídio Baptista(Ação de imissão de posse, 2ª edição, pág. 146), é o denominado quorum bonorum, que era dado ao pretor àquele a quem ele outorgava a condição de bonorum possessor.

A necessidade que teve o pretor romano de conceber um instrumento jurisdicional, por meio do qual se pudesse imitir na posse a pessoa a quem ele própria concedera a condição de possuidor de bens hereditários, decorria de um princípio geral existente no direito romano, segundo o qual a posse, como fato, não se transmitia aos herdeiros com a simples ocorrência da morte do primitivo possuidor. Assim tinha-se do Digesto(Lei 223 do Título 41, § 2º) assim dizia: “Quando somos instituídos herdeiros, ao ser-nos adida a herança, passam-se todos os direitos; mas não teremos a posse, a não ser que a tenhamos tomado realmente”.

III - REMÉDIO SUMÁRIO 

Fundado num texto de Gaio, Cornil(Traité de la possession dans le droit roman, 316 a 317) concluía: “o quorum bonorum mantinha uma manifesta relação com a ação de petição de herança, e a sua função devia ser a de disciplinar as posições processuais dos respectivos contendores durante o desenvolvimento da hereditatis bonorum a função de assegurar o commodum possessor. Em tal caso, se o demandado persistisse em considerar-se o herdeiro, devia ocorrer uma inversão do onus petitoris, pelo qual se assumiria a posição de demandante na hereditatis petitio, e não, como normalmente ocorreria se o interdito não existisse, a de demandado com o benefício do commodum possessionis, durante o decurso da lide petitória.

A doutrina acomodava para o interdito um juízo sumário (de cognição limitada) que era o quorum bonorum, em uma posição de juízo provisional, preparatório (e não definitivo), para a futura hereditatis petitio.

Ainda Ovídio Baptista(obra citada, pág. 149) nos informa que segundo a exposição de Cornil, em direito romano, o quorum bonorum só poderia ser dirigido com êxito contra o suposto herdeiro ou contra aquele que, pela aparência da posse, se pudesse concluir como herdeiro. Só muito mais tarde, quando, segundo ele, o quorum bonorum teria sofrido alargamento considerável de seu campo de incidência, por obra dos imperadores cristãos do último período do império romano, foi possível utilizá-lo contra todos os que tivessem tomado posse de bens hereditários, a qualquer título, sem que o demandado pudesse objetar, sequer, seu direito de propriedade.

O âmbito da legitimação passiva, naquele interdito quorum bonorum, abrangia, já no direito clássico, um campo mais vasto do que aquele reservado à hereditatis petitio.

Para Bonfarte(Instituzioni di diritto romano, 1975, § 194), nem só o interdito quorum bonorum se resumia em técnica de regulação provisional da posse da herança, senão que o instituto mesmo da bonorum possessio, em sua fase primitiva, teve, como função primordial, a distribuição dos papeis para a cena jurídica, indicando quem deveria ser autor e a quem caberia a função de demandado.

Por sua vez, Max Kaser(Derecho privado romano, trad. Da 5ª edição, 1968, § 75, II) dá ao interdito quorum bonorum, a par da função restituitória da posse contra todos os que não pudessem alegar uma ação in rem, já que, para ele, o interdito era de natureza possessória. Na mesma linha de pensar a doutrina aponta P. Jörs e W. Kunkel(Derecho privado romano, trad., 2ª edição, Madri, 1965, § 194, 5).

A bonorum possessio, segundo se vê dos autores, teve a função de, em certos casos, completar ou corrigir o rígido sistema ius civile que a evolução dos séculos tornava inadequado às novas circunstâncias, tarefa que era dada ao pretor romano.

Disse ainda Ovídio Baptista:

“Contudo, variadas mostravam-se as espécies em que tal benefício era outorgado pelo pretor, conforme o ato tivesse por objeto iuris civilis adiuvandi, corrigendi vel suplendi gratia. E, como decorrência dessa diversidade de situações, poderia ocorrer que a bonorum possessio fosse transmissão apenas provisional da posse da herança, reservando-se ao herdeiros a possibilidade de reclamá-la, depois, por meio das ações adequadas; e, noutros casos, que, como o passar do tempo, se foram multiplicando , a outorga da bonorum possessio assumia um significado de imissão definitiva na posse, em franco antagonismo com os preceitos do ius civile, resultando em tornar a posse pretoriana da herança inatacável pelo herdeiro legítimo, segundo o direito estrito.

Nesse caso, a situação daquele a quem fora outorgada a bonorum possessio era definitiva, uma vez que nada tinha de provisional e nem estava predisposta a regular a posse durante a demanda petitória.

Essa definitividade, em processo de índole sumária, como era processo interdital, é o que agora nos interessa, para demonstrar a improcedência da doutrina de Cornil que segue, no particular, a teoria de Ihering sobre o fundamento da ação possessória.”

Diga-se que a ação de imissão de posse é petitória, e não possessória, como ensinou Savigny, e há uma outra ação petitória, que é a de reivindicação, do proprietário, esta plenária e não sumária como aquela.

Já no direito germânico observava-se na estrutura desse procedimento sumário de investidura da posse, quando se trate de bens hereditários, traços marcantes que o aproximaram do interdito romano, onde a sumariedade de cognição era vista.

O quorum bonorum era outorgado pelo pretor ao bonorum possessor para que ele se imitisse na posse de bens hereditários mesmo que sobre estes, eventualmente, o defunto não exercesse a posse como expôs Savigny(Tratado da posse em  direito romano, § 35).

IV - A TUTELA PETITÓRIA 

Não há confundir-se segundo a doutrina de Savigny com qualquer forma especial de tutela possessória.

Gaio dizia que um interdito semelhante era concedido ainda em favor de quem comprava bens públicos em arrematação, assim como os proprietários do fundo para haver as coisas do colono que este ajustou ficassem em garantia dos alugueres, dito interdictum salvianum(4, 145 e 146).

O bonorum possessor só adquiria a posse por meio do interdito. O processo era dirigido por alguém que não tinha posse contra um possuidor. A posse deveria ser, como esclareceu Gaio, restituída ao bonorum possessor pelo possuidor pro herede ou pro possessore. O interdito é de aquisição da posse da coisa.

Em resumo, o interdito quorum bonorum era demanda sumária e, não obstante definitiva, circunstância que gera e gerou dificuldades para os estudiosos que ligam a noção de juízes definitivo às demandas plenárias, como se tudo o que fosse sumário, quando vitorioso, promovesse, a seguir, a demanda plenária destinada a conformar o resultado obtido no primeiro processo. A preocupação que se observa nos romanistas europeus do século XIX em acomodar os juízes sumários (de cognição limitada) como o era o quorum bonorum, numa posição de demanda preparatória, e, portanto, meramente provisional, de alguma demanda plenária subsequente, é visível como se nota em Cornil (obra citada, pág. 317).

A ação de imissão de posse, que subsiste no direito brasileiro, embora não se tenha registrado expressamente nos Códigos posteriores ao de 1939, desde sua origem ligada aos interditos adipiscendae possessionis, particularmente ao quorum bonorum, como Ovídio Baptista(A ação de imissão na posse, páginas 12 e 158), sempre foi concebida como ação sumária, sob o ponto de vista material, de modo que o demandado com essa ação se não puder demonstrar a invalidade do título, através do qual se obrigara a transmitir a posse, será forçado a demitir-se dele em favor do autor, ficando, porém, salvas as alegações que ele poderia ter feito nessa demanda, por meio da qual ele poderá reverter a situação de fato, conseguindo, eventualmente, recobrar a posse perdia pela sentença de procedência do pedido da ação de imissão de posse.

Para muitos um verdadeiro “zumbi” processual extinto desde o Código de Processo Civil de 1973 diante da revogação do Código de Processo Civil de 1939, pode-se ainda falar em ação de imissão de posse.

Para a maioria não é mais um interdito possessório, diante do que se vê no CPC, para manutenção, reintegração e interdito proibitório, de caráter claramente preventivo, dotado de ordem.

Em verdade, com ensinou Miguel Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos pelo poder Judiciário, segunda edição, pág. 470) a de imissão de posse que se destina a transferir aos adquirentes de bens a posse mantida pelos alienantes ou terceiros ou a investir na posse os representantes das pessoas jurídicas privadas e os mandatários em geral, quando nela permaneçam os seus antecessores na representação de um mandato, pode ser utilizada pelo administrado, como o pode ser pela Administração Pública. Mas só tem cabimento quer utilizada pelo indivíduo, quer pela autoridade administrativa no caso de aquisição de um imóvel. Os demais casos em que é cabível sempre se configuram na vida privada.

Para Tito Fulgêncio (Da posse e das ações possessórias, pág. 289) trata-se de um resquício das lições de Savigny, segundo os quais todos os interditos já pressupunham uma posse já adquirida e que, portanto, a ação possessória não tende a que ser a que  objetiva a aquisição da posse.

Jhering via na ação de imissão de posse uma verdadeira ação possessória. Aliás, Astolfo Rodrigues entendia podia a via possessória servir a aquisição da posse.

Ovídio A. Baptista da SIlva (em obra primorosa na matéria sobre imissão de posse) esclarece que “O que é necessário ficar estabelecido, porém é que a ação de imissão de posse – melhor seria dizer “imissão na posse”, apesar de se ter consagrado o emprego errôneo da expressão ‘imissão de posse’- não tem pôr fim a defesa da posse, que é indiscutivelmente, o fundamento da tutela outorgada pelos interditos possessórios”. Concluindo que essa ação “… não protege uma posse que se tem e sim o direito a adquirir uma posse de que ainda não desfrutamos. Como a ação não protege a posse mas o direito à posse, torna-se evidente sua natureza petitória” (in ‘Curso de processo civil, volume II, 3ª edição, 1998, pág. 232).  

A ação de imissão de posse, portanto, é uma ação “real, e não uma ação pessoal, fundada em direito obrigacional, daí sua natureza executiva” (cf. obra citada, pag. 238). Na imissão não se discute a existência de um direito. O direito já é certo líquido e exigível. O pedido, enfim, é torná-lo efetivo. Sua natureza executivo lato sensu é evidente.

A súmula 487 do Supremo Tribunal Federal determina:
“Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada”.

A Súmula 4 do Tribunal de Justiça Paulista admite:
“É cabível liminar em ação de imissão de posse, mesmo em se tratando de imóvel objeto de arrematação com base no Decreto-Lei nº 70/66”.
Para as ações cominatórias(aceitas antes por alguns códigos estaduais na República Velha), anteriormente  previstas para as ações que envolviam obrigações de fazer e não fazer, a tutela era condenatória. Ali se coibia a prestações de fato, positivas ou negativas, coibindo o indivíduo a determinadas obrigações públicas.

Ora, o artigo 461 – A do CPC de 1973 trata de ações inibitórias de cunho mandamental, em tese, para obrigações de dar, o que não implica em tocar nessas ações de imissão, que alguns até concedem por pedido, tão logo haja o lanço bem sucedido na arrematação pelo arrematante,  que não é medida correta.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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