Os animais de estimação enquanto titulares de direitos na jurisprudência brasileira

Exibindo página 2 de 4
Leia nesta página:

3 A ÉTICA DE PETTER SINGER E OS DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS

3.1 A TITULARIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA ALÉM DA ESPÉCIE HUMANA

Com o direito ao meio ambiente equilibrado elencado enquanto direito fundamental de terceira dimensão, não se pode negar que já se concedeu um olhar diferenciado aos animais, ainda que o titular do direito de fato seja o homem e não o animal, posto que, a intenção da doutrina é defender a fauna em prol dos interesses da raça humana, o que denota em nítido antropocentrismo.

O antropocentrismo tem suas raízes no pensamento filosófico grego, o qual era guiado pela razão, característica esta atribuída apenas ao homem, capaz de compreender a realidade ao seu redor. (FREITAS, 2013)

Imbuído deste raciocínio, Aristóteles considerava a existência de uma hierarquia, na qual os seres dotados de razão estariam no topo da pirâmide, sendo que, os com menos capacidade de raciocínio existiam em função daqueles que se encontravam no topo, seguindo o mesmo pensamento de Santo Tomás de Aquino. O filósofo considera ainda, dentro desta hierarquia, os animais enquanto serem superiores às plantas. (FREITAS, 2013)

A anatomia aristotélica ressalta a importância da distribuição da matéria nas funções orgânicas. Os animais superiores são dotados de matéria, forma, movimento, sensibilidade e potencialidade receptiva. Enquanto as plantas possuem apenas propriedades nutritivas, os animais são também dotados de propriedades sensitivas e motoras. O homem ocupa o vértice da pirâmide, aliando a todas essas propriedades uma potencialidade receptiva em grau elevado. (FREITAS, 2013, p. 16-17)

Logo, se tem na antiguidade um pensamento imbuído de superioridade da espécie humana com relação às demais, sempre pautado na existência de um princípio de racionalidade humana. A partir dessa concepção se nega aos animais a capacidade de sentir dor e prazer, e os rotulam enquanto meros instrumentos em serviço dos interesses do homem. (FREITAS, 2013)

Como se bem vê, a espécie humana é colocada enquanto centro do universo, como se todos os demais seres vivos estivessem ao seu dispor, posto que, este é o fim em si mesmo considerado.

Nesse sentido, Freitas (2013) menciona uma passagem do autor Tiago Fenterseifer, o qual, discorre acerca do pensamento kantiano antropocêntrico:

A formulação kantiana coloca a ideia de que o ser humano não pode ser empregado como simples meio (ou seja, objeto) para a satisfação de qualquer vontade alheia, mas sempre deve ser tomado como fim em si mesmo (ou seja, sujeito) em qualquer relação, seja em face do Estado seja em face de particulares. Isso se deve, em grande medida pelo reconhecimento de um valor intrínseco a cada existência humana. (Grifos do autor) (FREITAS, 2013, p. 19 apud FENTERSEIFER, 2008 p. 49)

É neste sentido que funciona o direito ao meio ambiente equilibrado e saudável elucidado na terceira dimensão de direitos fundamentais. Naquele momento o titular do direito é homem sendo o meio ambiente um mero objeto, que equilibrado e saudável servirá aos propósitos deste que é considerado como fim em si mesmo.

Apesar disto, não se pode negar o avanço da tutela constitucional com relação ao meio ambiente, posto que, tem se reconhecido tanto em âmbito nacional quanto internacional a necessidade de tutela dos animais, podemos, inclusive, citar o art. 225, em especial o inciso VII da Constituição brasileira vigente, no qual se define a proteção da fauna e flora nacional. (SARLET, 2007)

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;    

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;       

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;         

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;       

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;           

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. (BRASIL, 1988. Grifo nosso)

Desta forma, a problemática gira em torno da possibilidade de os animais não humanos serem titulares de direitos fundamentais. Apesar de a nossa Constituição não tratar expressamente os animais enquanto titulares de direitos fundamentais, reconhece-se que a vida não humana possui uma dignidade, saindo da esfera da instrumentalização dos animais com relação aos homens. Desta forma, já se observa a proibição de práticas cruéis que causem sofrimento desnecessário aos animais, bem como, que levem a extinção de uma espécie, conforme, inclusive, se observa no artigo acima transcrito. (SARLET, 2007)

Ainda assim, segundo o próprio autor Sarlet (2007) enfatiza, apesar de prevalecer a tese de não se atribuir a titularidade de direitos fundamentais aos animais não humanos, especialmente ao que concerne aos animais, seres sensitivos, o fato de se reconhecer a fundamentalidade da vida para além da raça humana resulta, ao menos, no dever de tutela dessas vidas e destas dignidades.

Assim, ainda que não se tenha consenso quanto a titularidade ou não de direitos por parte dos animais não humanos, fato é que, se reconhecida, esta, faz com que surjam deveres fundamentais de tutela.

Porém, importante destacar que não se pretende igualar as espécies, o ser humano e o animal não humano, apenas se pretende resguardar os direitos deste último, e, regular o comportamento do homem com relação a estes animais para que não haja qualquer afronta de direitos, conforme defende Peter Singer, e, destaca Marx Neto:

A ampliação do reconhecimento de direitos aos animais deixa aberta, com ampla margem de contestação, a possibilidade de considerá-los autênticos sujeitos de direito, titulares dessa proteção. Todavia, ao assegurar proteção e bem estar aos animais, a legislação quer, na verdade, é regular o comportamento do ser humano em relação ao animal. (MARX NETO, 2007, p. 110)

Nesse contexto, já existem diversas decisões do STF, ainda que em decorrência do direito fundamental a um meio ambiente saudável, acerca da necessidade de proteção do animal não humano.

Na busca pela tutela dos direitos dos animais é necessário se compreender que o intuito não é de equiparar os animais aos seres humanos, apenas de respeitar seus direitos básicos e evitar conflito de interesses entre às espécies.

Imbuídos deste pensamento é que trataremos os animais não humanos enquanto titulares de direitos fundamentais, ao adotarmos o pensamento filosófico, principalmente, do autor Peter Singer, o qual, assim considera os animais. Afinal, não é imprescindível definir os animais dentro do contexto jurídico para reconhecermos que tais seres possuem direito à dignidade e tratamento justo.

3.2 DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS COM BASE NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA VIGENTE.

Conforme já se salientou, o primeiro argumento a ser suscitado em defesa dos animais não humanos é representado pelo direito fundamental de terceira dimensão que prima por um meio ambiente saudável e equilibrado (o que inclui à proteção a fauna nacional), o qual, inclusive, encontra-se de forma expressa na Constituição, ora vigente.

A especificação da defesa do meio ambiente em nosso regramento foi um advento do art. 225 da Constituição de 1988; anteriormente, o legislador constitucional tratava da matéria apenas de forma diluída ou casual, segundo Lenza (2012).

O art. 225, caput, estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Nesse sentido, o dever de preservação será por parte do Estado e da coletividade, uma vez que o meio ambiente não é um bem privado ou público, mas bem de uso comum do povo. (LENZA, 2012, p. 1202)

Diante da passagem do livro de Pedro Lenza, podemos concluir que o meio ambiente é um bem de natureza difusa, pois, pertence à coletividade e às futuras gerações, sendo a sua preservação a distribuição da justiça entre as gerações, uma inovação de nossa Constituição.

Afinal, o século XX foi cenário de um grande avanço na defesa dos direitos dos animais não humanos. Foi neste momento que surgiram os primeiros trabalhos doutrinários como os de Henri Salt em 1914 (Les droits de l’animal considérés dans leur rapport avec le progrès social); e, de André Géraud, o qual formulou em 1789 uma Déclaration des droits de líanimal, tendo sido tal documento a base para a Declaração Universal dos Direitos do Animal da UNESCO (1978). (MARX NETO, 2007)

Seguindo esse ritmo, no Brasil, às leis até então elaboradas têm por principal objetivo evitar sofrimentos e maus-tratos aos animais, geralmente com consequências penais da prática de tais atos. (MARX NETO, 2007)

Assim, a Carta Magna prevê, ainda que de forma genérica, o controle estatal, a educação ambiental, e, a proteção da fauna e flora, enquanto forma de se tutelar o meio ambiente; porém, sempre em prol da raça humana.

Além do art. 225 da CF/88 ser um avanço na defesa dos direitos dos animais, devemos ressaltar ainda o art. 32 da Lei 9.605/98, o qual, considera crime a prática de atos de abuso, maus-tratos, ou que mutilem ou firam animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. (LENZA, 2012)

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. (BRASIL, 1998)

Não podemos deixar ainda de citar, um dos primeiros documentos na história brasileira de tutela dos direitos dos animais não humanos, o Decreto nº 24.645/1934 o qual determinava medidas de proteção aos animais, o qual foi revogado pelo Decreto nº 11 de 1991. (MARX NETO, 2007)

Importante mencionar ainda que a Lei de Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/41, que tipifica enquanto infração penal a crueldade em face dos animais, inclusive estipulando pena de prisão cumulada com multa, conforme se pode observar no seguinte artigo:

Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:

Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.

§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público. (BRASIL, 1941)

Temos ainda a Lei nº 6.338/79 que tratava da vivissecção de animais. Tal lei, não foi objeto de regulamentação à época, e, como consequência, teve sua eficácia reduzida, inclusive com a sua revogação por meio da Lei nº 11.794/2008, a qual regulamenta o inciso VII do §1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais. (MARX NETO, 2007)

Desta forma, atualmente temos as Leis nº 11.794/2008 e nº 9.605/98 que tratam de proteção aos animais, as quais são utilizadas em conjunto com o art. 225 da CF/88.

Entretanto, a quem discuta a colisão entre os direitos de proibição de tratamento cruel para com os animais (art. 225, § 1º, VII da CF/88), e, a proteção da manifestação cultural (art. 215, caput e §1º da CF/88), onde se discute na maioria das doutrinas questões como: farra do boi, brigas de galo, rodeios de animais, e, animais em circo.

Com relação à farra do boi, muito se discute por se tratar de um costume de gerações, herdado do antigo costume ibérico, chegando inclusive a ter influência religiosa, posto que se realizava, geralmente, durante o período da quaresma (LENZA, 2012).

A tentativa de defesa destes animais já é antiga, podendo ser mencionado o Martin’s Act de 22 de julho de 1822, da Grã-Bretanha, documento este que intentava prevenir o tratamento cruel ou impróprio do gado; assim como na França onde foi editada a Lei Grammont de 1850 que proibia os maus-tratos de animais em vias públicas, com a posterior proibição de maus-tratos de forma geral, em 1959. (MARX NETO, 2007)

Porém, apesar de ter uma carga de herança cultural, a crueldade para com o animal era sem tamanho.

A “farra do boi” já foi vista também como entretenimento, alegando alguns uma suposta tradição cultural. O boi fica sem comer por dias e depois é solto, sendo perseguido nas ruas da cidade. Existem relatos de maus-tratos contra os animais. (LENZA, 2012, p. 1204)

Diante dos fatos, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional tal prática, posto que, no momento de se ponderar os direitos em discussão não deveria prevalecer a crueldade contra os animais em prol de uma mera tradição cultural.

EMENTA: Costume — Manifestação cultural — Estímulo — Razoabilidade — Preservação da fauna e da flora — Animais — Crueldade. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’” (RE 153.531, Rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, j. 03.06.97, DJ de 13.03.98). (LENZA, 2012, p. 1205)

Além da ementa, importante destacar a seguinte passagem do voto do Relator, Sr. Ministro Francisco Rezek:

Não posso ver como juridicamente correta a idéia de que em prática dessa natureza a Constituição não é alvejada. Não há aqui uma manifestação cultural com abusos avulsos; há uma prática abertamente violenta e cruel para com os animais, e a Constituição não deseja isso.

Bem disse o advogado da tribuna: manifestações culturais são as práticas existentes em outras partes do país, que também envolvem bois submetidos à farra do público, mas de pano, de madeira, de “papier maché”; não seres vivos, dotados de sensibilidade e preservados pela Constituição da República contra esse gênero de comportamento. (RE 153.531, Rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, j. 03.06.97, DJ de 13.03.98)

Da mesma maneira foram consideradas as rinhas de galo, às quais se atribuía um caráter esportivo, porém, que conforme já determinado pelo próprio STF, se trata de atividade inconstitucional por violar o art. 225 da Carta Magna, a qual, submete os animais a crueldade. Assim, temos um trecho da ementa do julgado:

A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. - A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”). (ADI 3.776, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 14.06.2007, DJ de 29.06.20 07).

Outra questão já decidida pelo Poder Judiciário foi com relação aos rodeios, vaquejadas “calf roping” e “team roping” (laçada dupla). Apesar de haver definição jurídica para o rodeio na Lei nº 10.519/2002 em seu art. 1º, parágrafo único, o qual menciona:

Art. 1o [...]

Parágrafo único.  Consideram-se rodeios de animais as atividades de montaria ou de cronometragem e as provas de laço, nas quais são avaliados a habilidade do atleta em dominar o animal com perícia e o desempenho do próprio animal.

Em passagem, Lenza (2012), cita o Des. Castilho Barbosa, o qual definiu as demais práticas em decisão que outrora proferiu:

[...]“vaquejada - quando peões seguram fortemente o animal pela cauda para ser contido na fuga; calf roping - bezerros, com quarenta dias de vida, são tracionados no sentido contrário em que correm, erguidos e lançados violentamente ao solo, em prática que além de causar lesões pode levá-los à morte, e team roping ou laçada dupla— prática em que um peão laça a cabeça de um garrote, enquanto outro laça as pernas traseiras, na sequência o animal é esticado, ocasionando danos na coluna vertebral e lesões orgânicas” (AGRV 419.225.5/5, de 30.01.2007).

Nítida a crueldade a que os animais são submetidos em tais práticas, foi nesse sentido que o Ministro Marco Aurélio do STF declarou inconstitucional, lei cearense que regulamentava vaquejada.

Vê-se, daí, que o constituinte, com a proteção da fauna e com a vedação, entre outras, de práticas que “submetam os animais a crueldade”, objetivou assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente que compreende as noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral, consoante ressalta o magistério doutrinário (CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO, “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p. 20-23, item n. 4, 6ª ed., 2005, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 21-24, itens ns. 2 E 3, 4ª ed./2ª tir.,2003, Malheiros; JOSÉ ROBERTO MARQUES, “Meio Ambiente Urbano”, p. 42-54, item n. 4. 2005, Forense Universitária, v.g.).

É importante assinalar, neste ponto, que a cláusula inscrita no inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição da República, além de veicular conteúdo impregnado de alto significado ético-jurídico, justifica-se em função de sua própria razão de ser, motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a vida do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais.

Resulta, pois, da norma constitucional invocada como parâmetro de confronto (CF, art. 225, § 1º, VII), o sentido revelador do vínculo que o constituinte quis estabelecer ao dispor que o respeito pela fauna em geral atua como condição inafastável de subsistência e preservação do meio ambiente em que vivem os próprios seres humanos.

Evidente, desse modo, a íntima conexão que há entre o dever ético-jurídico de preservar a fauna (e de não incidir em práticas de crueldade contra animais), de um lado, e a própria subsistência do gênero humano em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de outro.

Cabe reconhecer, portanto, Senhor Presidente, o impacto altamente negativo que representaria, para a incolumidade do patrimônio ambiental dos seres humanos, a prática de comportamentos predatórios e lesivos à fauna, seja colocando em risco a sua função ecológica, seja provocando a extinção de espécies, seja, ainda, submetendo os animais a atos de crueldade.[1]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Interessante destacar o entendimento do Ministro do STF quanto a necessidade de se evitar qualquer situação de risco à vida e a integridade de um ser vivo, independente da espécie, colocando o direito à vida no mesmo patamar para ambos os animais, humanos e não humanos, inclusive, o Ministro faz questão de suscitar o cunho ético-jurídico de se preservar a fauna.

Cabe ressaltar que apesar de ainda não se ter definida a questão, ao menos a Lei 10.519/2002 (Lei que dispõe sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio) já estabelece regras para evitar a utilização de instrumentos nas montarias que aumentam a crueldade da prática. (LENZA, 2012)

Por último, nos cabe enfocar os animais em circo.

A arte circense, que, provavelmente, teve sua origem na Grécia antiga, enquanto demonstração de grandiosidade no retorno das guerras, onde se exibiam os animais exóticos encontrados em terras distantes. (LENZA, 2012)

Porém, o que muito se discutiu na atualidade é a utilização de animais para o entretenimento, haja vista, que estes durante o treinamento para desenvolver as atividades de picadeiro, se assim podemos nos referir, sofrem maus-tratos, como choques chicotadas, além de, sua acomodação e alimentação em geral não serem a contento.

Nesse sentido, que no contexto contemporâneo observa-se a corrente do “novo circo”, conforme coloca Lenza (2012), o qual dá enfoque ao homem e exclui a utilização de animais nestes tipos de apresentações, afinal, deixar de utilizar animais em apresentações circenses não significa o fim desta arte.

Porém, ao nos depararmos com o Código Civil vigente, os animais não humanos, são tratados apenas enquanto propriedade, violando os preceitos constitucionais e os direitos básicos dos animais.

O homem, conforme já mencionamos anteriormente, tem uma visão de mundo totalmente antropocêntrica, se colocando enquanto ser superior a todas às demais espécies de seres vivos, utilizando estes sempre em prol de seus interesses, afastando sua responsabilidade moral para com tais seres.

Venosa (2013, p. 127), por exemplo, destaca: “A sociedade é composta de pessoas. São essas pessoas que a constituem. Os animais e as coisas podem ser objeto de Direito, mas nunca serão sujeitos de Direi­to, atributo exclusivo da pessoa.”, o que demonstra o nítido pensamento antropocêntrico, que, ora, se deseja superar.

Mais à frente retoma o autor à questão:

Os animais e os seres inanimados não podem ser sujeitos de direito. Serão, quando muito, objetos de direito. As normas que almejam proteger a flora e a fau­na o fazem tendo em mira a atividade do homem. Os animais são levados em con­sideração tão só para sua finalidade social, no sentido protetivo. (VENOSA, 2013, p. 138)

Este pensamento do autor, o qual vê o animal não humano enquanto coisa semovente e bem corpóreo, conforme iremos demonstrar, não condiz com os preceitos constitucionais e os julgados mais recentes quanto à matéria. 

Para Venosa (2013), essa percepção com relação ao ser vivo não humano tem origem no mundo primitivo, quando o homem começa a utilizar pedras, cavernas e afins para sua sobrevivência, utilizando ainda para o mesmo fim os animais. Desta forma, acaba atribuindo o mesmo valor aos animais que atribui a objetos inanimados.

Outro argumento suscitado por aqueles que não consideram os animais enquanto titulares de direitos subjetivos, é a menção ao direito de personalidade o qual, em tese, seria atribuído apenas às pessoas físicas ou jurídicas; logo, estes têm “[...] a convicção de que os direitos só podem ser aplicados a pessoas. E, portanto, só as pessoas físicas ou jurídicas podem ser sujeitos de direitos.” (DIAS, 2006, p. 120)

Isto, pois, a personalidade surge enquanto forma de ser humano existir perante o direito, isto inserido dentro de contexto histórico. Afinal, em certo período da história os escravos – ainda que seres humanos – eram tidos enquanto objetos, e, consequentemente enquanto propriedade e sem qualquer personalidade jurídica. Atualmente, a proteção do direito se estendeu a toda raça humana, independente de qualquer fator, ainda que este esteja limitado a estímulos básicos como fome e dor; logo, ainda que lhes faltem certos elementos inerentes ao conceito de personalidade jurídica. (CARDOSO, 2007)

Assim, Cardoso (2007) tem por intuito demonstrar que não se trata de capacidade racional e cognitiva, e sim, o especismo – a ser definido no próximo item – que limita a proteção dos animais não humanos.

Ademais, destaca Singer (2013), um dos grandes defensores da titularidade de direitos dos animais não humanos, em sua obra Libertação Animal:

Em mal direcionadas tentativas de refutar os argumentos deste livro, alguns filósofos se deram o trabalho de desenvolver argumentos para mostrar que os animais não têm direitos. Eles alegam que, para ter direitos, é preciso que um ser seja autônomo, membro de uma comunidade, que tenha capacidade de respeitar os direitos dos outros ou possua senso de justiça. Essas alegações são irrelevantes para o argumento a favor da libertação animal. (SINGER, 2013, p. 14)

Pensamento este que com o passar dos anos não teve grandes mudanças, com o mundo capitalista em que vivemos. Cada vez mais os seres sencientes são vistos enquanto mercadorias disponíveis aos interesses humanos. O homem se tornou proprietário e o animal a propriedade, o que faz com que se esqueça da condição de senciente destes.

Nesse contexto, muito do que se vê em termos de proteção aos animais, conforme já mencionamos, é como forma de proteger algum interesse humano. Ultrapassada esta tênue linha, os animais não humanos restam desamparados; ou ainda, sofrem maus-tratos sob a justificativa de que seria por um bem maior à humanidade, a exemplo dos relatos que Singer (2013) faz em sua obra com relação aos animais utilizados enquanto instrumentos de pesquisa.

Em sua obra o autor Peter Singer relata alguns experimentos realizados na Base Aérea de Brooks no Texas, Estados Unidos. Mas especificamente, relata um experimento feitos com macacos que envolvia algo semelhante a um simulador de voo, um aparelho chamado de Plataforma de Equilíbrio de Primatas (PEP), e assim relata:

[...] Trata-se de uma plataforma que pode ser inclinada e girar, como uma aeronave. Os macacos sentam-se em uma cadeira que faz parte da plataforma. À frente deles há uma alavanca de controle, por intermédio da qual a plataforma pode ser conduzida à posição horizontal. Depois de treinados a fazê-lo, eles eram submetidos à radiação e a agentes químicos de guerra. O objetivo é observar de que maneira isso afeta a capacidade de pilotar [...]

Fase I (adaptação à cadeira): os macacos são presos (em outras palavras, amarrados) à cadeira da PEP, uma hora por dia, durante cinco dias, até que consigam sentar-se quietos.

Fase II (adaptação à alavanca): os macacos são presos à cadeira da PEP. A cadeira é, então, inclinada para a frente e os macacos, submetidos a choques elétricos. Isso faz com que “se virem na cadeira ou mordam a plataforma. [...] Esse comportamento é redirecionado para a mão enluvada [do experimentador], colocada diretamente sobre a alavanca de controle”. Tocar a mão resulta na interrupção do choque, e o macaco (que não foi alimentado naquele dia) ganha uma uva-passa. Isso é feito com cada animal, cem vezes por dia, de cinco a oito dias.

Fase III (manipulação da alavanca): dessa vez, quando a PEP é inclinada para a frente, não basta simplesmente tocar na alavanca para interromper o choque. Os macacos continuam a receber cargas elétricas até puxar a alavanca para trás. Isso se repete cem vezes por dia.

Fase IV e VI (empurrar e puxar a alavanca): a PEP é inclinada para trás e os macacos recebem choques elétrico até que empurrem a alavanca para a frente. A PEP é, então, novamente inclinada para frente e eles precisam reaprender a puxar a alavanca para trás. Esse procedimento é repetido cem vezes por dia. Depois, a plataforma é movimentada aleatoriamente para trás e para frente, e, de novo, os macacos recebem choques até reagir de modo apropriado. (SINGER, 2013, p. 38-39)

E assim segue o relato quanto a este treinamento, cruel o bastante, entretanto, que não representava o experimento de fato, era apenas um treinamento preliminar ao experimento.

Pois, este início era apenas para treiná-los como utilizar a plataforma, superada esta fase, os macacos eram expostos a altas doses de radiação e postos para pilotar as plataformas o quanto suportassem, sendo que a maioria acabava vindo a óbito, sem que o experimento de fato obtivesse resultado práticos. (SINGER, 2013)

Como se observa o relato trata de um animal tido enquanto silvestre e não como animal doméstico, que é o enfoque maior do presente trabalho, entretanto, a tutela de direitos fundamentais tem que se estender a todos os animais não humanos. Nesse, o autor Singer (2012) utiliza o exemplo dos cães para ressaltar:

Em todo caso, é errado limitar nossa preocupação a cães. As pessoas tendem a se preocupar com cães porque, em geral, estão mais familiarizados com eles como animais de estimação; mas outros animais são tão passíveis de sofrimento quanto os cães. Poucos sentem simpatia por ratos. No entanto, eles são inteligentes e não há dúvidas de que sofrem com os incontáveis experimentos dolorosos neles realizados. (SINGER, 2013, p. 45)

Inclusive, já que mencionamos esta diferenciação entre animal doméstico e silvestre, interessante se faz mencionar a diferenciação que a legislação faz com relação a tais animais que Dias (2006) fez questão de ressaltar:

[...] a legislação brasileira classifica os animais silvestres como bem de uso comum do povo, ou seja, um bem difuso indivisível e indisponível, já os domésticos são considerados pelo Código Civil como semoventes passíveis de direitos reais. A natureza jurídica dos mesmos em nossa legislação constitui um grande obstáculo para o raciocínio diferente daquele que está arraigado na consciência popular, ou seja, o animal é um bem, seja da coletividade, seja propriedade particular. (DIAS, 2006, p. 120)

Assim, a nossa Constituição tutela a fauna em benefício de nossa geração e das gerações futuras, e, o Código Civil vigente coloca os animais enquanto coisa fungível de propriedade de alguém, ou, quando inexistente o proprietário (tidos como coisa de ninguém), podem ser apropriados por qualquer indivíduo, um mero objeto, sendo este pensamento totalmente ultrapassado. (CARDOSO, 2007)

Portanto, temos que os animais enquanto objeto são tratados pelo Código Cível vigente em seus artigos 82 (bens móveis), 936 (responsabilidade civil por dano por animal), e 1.263 (aquisição de coisa sem dono).

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

[...]

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

[...]

Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei. (BRASIL, 2002)

Ressalta-se ainda, que o conceito de bem móvel considerado pelo art. 82 do Código Civil acima transcrito é complemento ainda pelo inciso II do art. 83 do mesmo texto legal, posto que neste inciso que se dá a definição técnica de semoventes.

E, enquanto coisa, logicamente, tem um proprietário, que no caso, conforme a Constituição vigente, os animais, de maneira geral, são bens de uso comum, sendo o Estado apenas gestor deste bem.

Quanto a isto trata Cardoso (2007):

Como bem público, semelhantemente aos demais entes ambientais, a fauna é classificada entre os bens de uso comum do povo, modalidade conceituada no art. 99, II, do Código Civil Brasileiro vigente, e que, apesar de os bens públicos estarem sob regime jurídico próprio, dando-lhes todos os atributos de uso, gozo e fruição, inerentes ao domínio em geral, porém, com limitações próprias à sua natureza.

Inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis, tais características dos bens de domínio público não são absolutas às coisas que compõem o patrimônio do Estado, sendo condicionadas ao interesse público sobre o bem, e não apenas à sua destinação e afetação, porém, diríamos que relativamente aos animais, os quais “são coisas que não são coisas”, é preciso um olhar diferenciado, pois o patrimônio genético tem valor próprio (inestimável, na verdade), ou o que dizer sobre a biopirataria e o tráfico de animais, que a alimenta, É o terceiro maior do mundo? É diferente o tratamento pelo caráter ontológico do bem (vida) e das questões éticas a ele ligadas, e, especialmente, porque muitos animais têm capacidades biopsíquicas que lhes permitem sofrer das mais diversas formas e semelhantemente ao homem. (CARDOSO, 2007, p. 118-119, grifo do autor)

Importante destacar que a autora atribuiu a inalienabilidade apenas aos animais da fauna silvestre, destacando a legalidade do comércio de animais domésticos, apesar de estimular, em muitos casos, os maus-tratos. Apesar desta possibilidade de propriedade do animal doméstico salvaguardada pelo Código Civil, o autor enfatiza a impropriedade do termo dono, principalmente ao considerarmos que a proteção aos animais é generalista e parte de um entendimento constitucional. (CARDOSO, 2007)

Ainda assim a autora faz questão de destacar a diferença de trato que devemos conceder ao termo propriedade ao tratarmos de um animal não humano:

Assim, a dogmática jurídica que classifica o animal como bem semovente deve ser interpretada à luz da hierarquia de valores abraçados pelo direito, a qual põe em nível mais elevado os direitos e interesses públicos e coletivos, e por isso a “propriedade privada” sobre animais não pode ser entendida nos mesmos termos da propriedade em geral, mas sim como uma concessão do Estado, na condição de representante da coletividade e gestor do patrimônio ambiental, em favor do particular, o qual tem a obrigação de manter sua ação adstrita aos limites que começam mas não terminam na função social da propriedade. (CARDOSO, 2007, p. 123, grifo do autor)

Portanto, em verdade, deveríamos intitular as pessoas enquanto tutores ou guardiões de animais, e não como proprietários, isto denota uma maior atribuição de responsabilidade ao ser humano por aquela vida animal; se mostrando totalmente equivocada a visão dada pelo Código Civil aos animais não humanos, pois, conforme alguns doutrinadores consideram, tal abordagem se mostra em desconformidade com os preceitos constitucionais.

Para Cardoso (2007), desde o Decreto 24.645 de 1934, já havia um entendimento, ainda que minoritário, de que os animais seriam titulares de direitos. Isto, a partir da compreensão do contexto do mencionado Decreto, o qual coloca os animais não humanos enquanto tutelados do Estado, devendo ser representados em juízo pelo Ministério Público ou pelos membros de associações de proteção aos animais, só não o fez de forma expressa, como até a presente data não ocorreu em nosso ordenamento.

Tanto é fato que a Constituição atribui ao Ministério Público a legitimidade para atuar em defesa dos interesses dos animais não humanos, substituindo-os em juízo, diante, por exemplo, da violação do art. 225, §1º, inciso VII da Carta Magna, e, da Declaração Universal dos Direitos dos Animais à qual nosso país aderiu.

Nesse sentido, Cardoso (2007) enfatiza:

Não se pode ver como coisa seres viventes, pois tais elementos mostram a existência de vida não apenas no plano moral e psíquico, mas também biológico, mecânico, como podem alguns preferir, e vice-versa. O conhecimento jurídico-dogmático hoje encontra-se ultrapassado, não apenas em função de animais considerados inteligentes, mas sim em função de todos os seres sensientes, capazes de sentir, cada um a seu modo, e de individualizarem-se estabelecendo relações sociais entre si ou com humanos, constituindo-se velhaco e inadequado o tratamento dispensado, inclusive mostrando-se incompatível com os próprios fins deste Direito “atual” de ética invertida. (CARDOSO, 2007, p.132-133) [sic].

Para tanto, Cardoso dá como exemplo sobre a capacidade de aprendizagem destes seres, dois cachorros:

Em 2004, pesquisadores alemães comunicaram à comunidade científica e geral que haviam treinado um cão da raça border collie de nove anos, o qual dominava um vocabulário de 200 palavras e em expansão - o equivalente ao vocabulário de uma criança de 3 anos de idade -, bastando dizer-lhe uma palavra nova que ele logo assimilava a um brinquedo diferente que aparecia dentre os antigos, demonstrando assimilação de informações, memória e capacidade de aprendizado. Para os cientistas, isto permitiu revelar que os caninos compartilham alguns aspectos da capacidade para a linguagem que se desenvolveu nos humanos.

Dois anos depois, pesquisadores da USP treinaram uma viralatinha, a Sofia, que foi capaz de aprender frases com duas palavras, além de expressar sua vontade a partir da assimilação de formas e cores representativas de botões dispostos em uma caixa de teclar que pressionava sempre que desejava se comunicar com humanos. Para os pesquisadores, o que ela faz não é uma resposta simples, condicionada, é um ato de comunicação real, porque quando tecla, olha principalmente para quem possa atende-la, ou seja, a comunicação é um ato volitivo. (CARDOSO, 2007, p.128-129) [sic].

A autora com esta passagem, tem por intuito demonstrar além da capacidade de aprendizagem dos animais, mas ainda, o animus que estes animais possuem, tão semelhante ao dos seres humanos, por isso, inclusive, que são utilizados em pesquisas que, em tese, são para o benefício de nossa raça. Sendo algo óbvio para a ciência cognitiva a capacidade destes de sentirem dor, ansiedade, fome, além de possuírem necessidades básicas, tais como alimentação e paz. (CARDOSO, 2007)

Convém ainda destacar dois Projetos de Lei de extrema relevância para o trato dos animais não humanos, quais sejam a PLS 631/2015 (Estatuto dos Animais) e PLS 351/2015 (Projeto de alteração do Código Civil). (WITTER, 2016)

A PLS 631/2015 foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, tendo por relator o senador Antônio Anastasia, o qual modificou alguns pontos do projeto original de autoria do senador Marcelo Crivella. O projeto inicia tratando de disposições gerais como conceitos, efeitos da lei e espécies incluídas. (WITTER, 2016)

Em linhas gerais, a autora Witter (2016) descreve o Projeto de Lei:

De acordo com o projeto, a integridade física, mental e o bem-estar animal são considerados interesse difuso, devendo o Poder Público e a coletividade proteger e promover ações que garantam seus direitos.

Neste projeto também é previsto deveres em relação à guarda de animais, na qual toda pessoa física ou jurídica que tenha um animal sob sua guardara deverá fornecer alimentação, abrigo adequado, espaço adequado, assegurar para que o animal não passe por situações que cause ansiedade, medo, estresse ou angústia de maneira frequente, constante ou intensa.

Quem tiver a guarda deverá também prover cuidados, medicamentos e assistência médico-veterinária quando houver dor ou doença e sempre que for necessário. (WITTER, 2016, p. 53)

Atualmente o Projeto de Lei acima mencionado está com a Relatoria da Comissão de Assuntos Econômicos (Secretaria de Apoio à Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal, desde 25/10/2017, conforme se pode observar no site do próprio Senado.

Já a PLS 351/2015, a qual propõe alteração no Código Civil para que os animais não sejam mais considerados enquanto coisas. O senador Antônio Anastasia, autor do Projeto, considera que esta classificação do animal não mais se adequa a atual conjectura atual da sociedade. (WITTER, 2016)

3.3 DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS SEGUNDO PETER SINGER

Como se pode observar o tratamento designado pelo direito positivado ao animal não humano, não é condizente com o avanço das demais ciências; isto, pois, ainda são tidos enquanto mero objetos.

Nesta linha de raciocínio temos estudos, a exemplo, do elaborado pela Dra. Irvênia Prada, professora da pós-graduação da USP de medicina veterinária, que trata da neuroanatomina dos animais. Assim, com relação a tal estudo destaca Cardoso (2007):

Por estudos desta natureza é que foi possível provar cientificamente aquilo que já se sabia empiricamente: os animais têm alma. Esclarecemos de antemão que não se está falando da alma sob o prisma da religião, a alma aqui representará o animus, ou seja, uma capacidade até então atribuída somente ao homem, mas que, segundo os resultados científicos da veterinária e da psicologia, esta exclusividade, influenciada por um antropocentrismo egoísta, é falsa.

Não queremos - assim como eles - dizer que os animais têm capacidade para executar cálculos complexos, ou reflexões profundas, mas que, a seu modo, são capazes de raciocínios simples, de aprender, de ter emoções, de encontrar soluções para alguns de seus problemas e que têm memória, pois são atributos do animus a inteligência, a razão, a consciência, o pensamento, a vontade, etc. (CARDOSO, 2007, p. 127)

Tanto é fato a conclusão do estudo da professora Dra. Irvênia Prada, que, no experimento descrito no item 3.2 do presente trabalho acadêmico, à folha 43, os macacos utilizados naquele experimento nitidamente apresentavam os atributos acima elencados. Podemos, então, observar que no caso em destaque que os animais possuem memória, e, a experiência está além da expressão verbal. (CARDOSO, 2007)

Assim, esse não contato do Direito com outras ciências acaba por prejudicar à sua aplicação, como se este existisse apenas dentro de um contexto humano. Entretanto, o homem e suas relações vão além; devendo o Direito se preocupar com os demais elementos cognitivos que envolvem o homem no momento de solucionar casos, sendo que, em todas as suas decisões os princípios da precaução e da prevenção sempre devem ser o norte da ética do direito. (CARDOSO, 2007)

O Direito é um sistema aberto, o qual deve se comunicar com outros sistemas recebendo destes informações, que podem ser aceitas ou não, e acabar por vir a modifica-lo. Essa troca é essencial para a adequação do direito às necessidades da sociedade que está em constante mudança. Assim ressalta Carvalho (2008):

O sistema jurídico é efetivamente um conjunto de normas jurídicas, que se articulam entre si, segundo regra que o caracteriza como sistema dinâmico (no mesmo sentido dado por Kelsen), com o fim de ordenar racionalmente a conduta humana, formando um todo unitário, cujo caráter aberto permite que também possa ser diretamente determinado por elementos de outros sistemas com os quais se relaciona.

[...]

Em razão do seu caráter aberto, o sistema jurídico comunica-se com outros sistemas (axiológicos, de conflitos sociais, políticos, econômico, religioso, etc.), deles recebendo informações, que, sendo aceitas, acabam por modifica-lo. (CARVALHO, 2008, p. 27-28)

Porém, apesar da legislação pátria ainda deter suas falhas com relação aos direitos dos animais não humanos, como se pode observar, a doutrina tem avançado quanto à concepção dos animais enquanto titulares de direitos subjetivos, posto que, conforme já mencionado, apesar de não possuírem capacidade para comparecer em nome próprio perante a justiça para pleitear seus direitos, ao Ministério Público se designou tal competência legal. Ou seja, seus direitos são pleiteados por meio do instrumento jurídico da representatividade, da mesma forma que ocorre com os totalmente e relativamente incapazes. (DIAS, 2006)

Ademais, à concepção de direito de personalidade, uma das bandeiras levantadas por aqueles que são contra a ideia de os animais não humanos serem titulares de direitos, quando aprofundado o seu estado, passamos a perceber que o mesmo se refere tão logo a um ente vivo, característica esta que não é exclusiva do animal humano:

[...] se aprofundarmos nossa reflexão sobre os chamados direitos de personalidade acabaremos por constatar que nada mais são do que direitos emanados da pessoa como indivíduo. Devem ser compreendidos, pois, como direitos oriundos da natureza da pessoa como um ente vivo, desde o seu nascimento. Um bebê, antes de ser registrado, já é uma pessoa, pelo menos sob o ponto de vista científico e humano. Valorando a pessoa como um ser vivo temos que reconhecer que a vida não é atributo apenas do homem, e sim um bem genérico, inato e imanente a tudo que vive. Não podemos chegar a outra conclusão senão a de que os animais, embora não sejam pessoas humana ou jurídicas, são indivíduos que possuem direitos inatos e que lhes que lhe são conferidos pelas leis, sendo que os primeiros encontram-se acima de qualquer condição legislativa. (DIAS, 2006, p. 120 – grifo nosso)

Para Peter Singer, o qual em seu clássico Libertação Animal, a partir do ponto de vista ético e filosófico de que todos os animais são iguais, princípio este que deve se estender inclusive aos animais não humanos. O autor considera que os animais humanos e não humanos de fato são diferentes assim como os seus direitos o devem ser, porém, isto não impede a extensão do princípio da igualdade aos animais não humanos. (SINGER, 2013)

[...] A extensão do princípio básico da igualdade de um grupo para outro não implica que devamos trata-los da mesma maneira, ou que devamos conceder-lhes os mesmos direitos. O que devemos ou não fazer depende da natureza dos membros desses grupos. O princípio básico da igualdade não quer tratamento igual ou idêntico, mas sim igual consideração. Igual consideração por seres diferentes pode levar a tratamentos e direitos distintos. (SINGER, 2013, p. 5)

Com relação a tal princípio, mais a frente o autor continua sua explanação, inclusive ao considerar a aplicação de tal princípio somente com relação aos seres humanos.

[...] A igualdade é uma ideia moral, não é a afirmação de um fato. Não existe uma razão obrigatória, do ponto de vista lógico, para pressupor que uma diferença factual de capacidade entre duas pessoas justifique diferenças na consideração que damos a suas necessidades e a seus interesses. O princípio da igualdade dos seres humanos não é a descrição de uma suposta igualdade de fato existente entre seres humanos: é a prescrição de como devemos tratar todos os seres humanos. (SINGER, 2013, p. 8-9. Grifo do autor)

Ou seja, quando o autor fala em extensão do princípio da igualdade aos animais não humanos ele não se refere a uma igualdade de fato, este, apenas tem por intuito que seja atribuído relevância de tratamento igual às espécies.

Nesse mesmo sentido assevera Cardoso (2007):

A natureza deu aos animais não-humanos vontade e arbítrio nos limites das manifestações axiológicas e anatômicas de seu sistema nervoso, o que nos parece fazer-lhes pessoas jurídicas, porém, não acobertados pelo atributo da capacidade, sendo este reconhecimento pelo Direito, tão natural quanto o reconhecimento de direitos humanos.

Ainda que não sejam requisitos de uma personalidade, conforme o exposto, a Natureza deu aos animais certos atributos que o Direito, equivocadamente, tem entendido como exclusivos do homem, e a partir deste princípio vem construindo seus institutos.

Por outro lado, ainda que assim não fosse, não seria razão para considerar os animais externos à proteção da ordem jurídica pelo valor próprio que possuem, ou manter-lhes protegidos sob o manto de interesses que não sejam seus, fragilizando esta mesma proteção por vezes fictícia. (CARDOSO, 2007, p. 136)

Posto isto, a partir da concepção de extensão do princípio da igualdade, o autor apresenta o termo especifismo, palavra esta a qual atribui o seguinte significado, “[...] é o preconceito ou a atitude tendenciosa de alguém em favor dos interesses de membros da própria espécie, contra os de outras.” (SINGER, 2013, p. 11).

Atitude esta, que segundo o autor, deve ser condenada assim como o racismo, posto que, os especistas sobrepõem os interesses de sua espécie sobre aos de outras espécies, sendo a grande maioria dos seres humanos especistas; sendo que a capacidade de sofrer se reverte no direito de igual consideração para todas as espécies, ainda mais ao considerarmos que os sinais emocionais básicos não são específicos da nossa espécie humana, mas perceptíveis nos animais não humanos.

[...] A capacidade de sofrer e de sentir é um pré-requisito para um ser ter algum interesse, uma condição que precisa ser satisfeita antes que possamos falar de interesse de maneira compreensível. Seria um contrassenso afirmar que não é do interesse de uma pedra ser chutada na estrada por um menino de escola. Uma pedra não tem interesses porque não sofre. Nenhum modo de atingi-la fará diferença para o seu bem-estar. A capacidade de sofrer e de sentir prazer, entretanto, não apenas é necessário, mas também suficiente para que possamos assegurar que um ser possui interesses – no mínimo, o interesse de não sofrer. (SINGER, 2013, p. 13, grifo do autor)

Especismo foi um termo criado nos anos setenta por Richard D. Ryder para designar a desconsideração moral de nossa espécie para com os animais não humanos, inclusive, Felipe (2007), considera que o especismo pode ser considerado enquanto um preconceito chauvinista, pois, os seres humanos se colocam enquanto raça superior.

Diante deste conceito geral que ora expressamos, Felipe (2007), apesar de considerar que o especismo original não se desdobra, propõe uma classificação de especismo; (1) o elitista (prima pelos interesses dos seres humanos que detêm racionalidade); (2) o elitivo ou afetivo (em certos casos defende os interesses de um animal, porém, somente quando aquele animal lhe gera alguma empatia, para com os demais o tratamento permanece o mesmo do especismo elitista); e, (3) aquele em que se escolhe apenas uma espécie de animal para lutar em favor desta. (FELIPE, 2007)

Tal diferenciação será importante para o nosso debate, haja vista que, por vezes, com relação aos animais não humanos domesticados ou de estimação o nosso pensamento é imbuído de um especismo afetivo, devido a empatia que temos por estes animais. Porém, independente da espécie de especismo, este deve ser combatido enfaticamente.

Em outras palavras, é preciso reconhecer valor inerente (Tom Regan) ao animal, pelo fato de este ser sujeito-de-sua-vida, independentemente de seu desenho despertar, ou não, em nós, qualquer afeto especial. O viver em paz, para um animal, não pode depender das emoções humanas, pois essas nem sempre são de boa índole. Humanos amam, por vezes, atormentando o amado. (FELIPE, 2007, p. 172, grifo do autor)

A autora ao considerar o animal enquanto ser sujeito de sua vida, em verdade, está o tratando enquanto sujeito que detém um valor inerente próprio, ou seja, o mundo exterior lhe causa um extinto que podemos denominar de extinto de conservação, onde o animal se coloca em posição defensiva sempre em busca de uma forma de assegurar a sua existência e de se afastar de tudo aquilo que possa lhe causar dor ou sofrimento. (OLIVEIRA, 2007)

Com base nesses fatos, está mais do que hialina a inadequação do animal em um status jurídico que o represente como um elemento coisificado alheio ao mundo que o circunda, pois é um mito considerar o animal um ser infinitamente inferior ao homem por ser dotado de um instinto, visto que o próprio homo sapiens sapiens se utilizou de tais instintos inerentes aos animais para fundar muitas de suas instituições sociais. Igualmente descabida é a consideração do animal como uma coisa, igual uma máquina ou um pedaço de madeira, visto sua capacidade de sentir dor, conforme comprovam pesquisas cientificas de estudiosos como Lord Brain e Richard Serjeant. Contudo, qual a solução? Utilizando a Ètica prática de Singer, pautada no “princípio da igual consideração de interesseses”, segundo a qual estender os princípios básicos de igualdade de um grupo para o outro não sugere que os dois grupos devam ser exatamente tratados da mesma maneira, mas sim que os interesses dos integrantes de certo grupo sejam considerados em relação aos de outros, ponderando-se os aspectos positivos e negativos. (OLIVEIRA, 2007, p. 285)

Os animais não humanos possuem o direito de defesa de seus direitos básicos ou essenciais, quais sejam, direito à vida ao livre desenvolvimento da sua espécie, da integridade do seu organismo e de seu corpo, e, direito ao não sofrimento. Sendo que os direitos dos animais não humanos, são deveres dos homens. (DIAS, 2006)

Afinal, para Singer (2013), se um ser sofre não há porque não se levar em conta esse sofrimento em igual consideração com relação ao demais sofrimentos semelhantes.

O autor tenta encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos dos seres humanos e dos animais não humanos, sempre demonstrando que este equilíbrio não significa tratamento igual entre as espécies, em verdade, o intuito é garantir uma coexistência harmoniosa a partir de uma concepção de igualdade que se refere a igual consideração.

Não podemos considerar que pelo fato de o ser humano deter a posse do animal, este, poderá dispor de sua vida como bem entender. Deve haver respeito e igual consideração pelos direitos desta espécie, atitude esta, que deve ter por norte o art. 225 §1º da CF/88, ou seja, sem qualquer ato de crueldade para com tais seres.

Como já mencionado, o Código Civil nacional vigente trata os animais não humanos enquanto bem semovente, entretanto, tal entendimento deve ser interpretado em harmonia com o entendimento constitucional, e com as demais leis que tratam desta matéria, o que nos leva a considerar que a propriedade dos seres sencientes:

[...] não pode ser entendida nos mesmos termos da propriedade em geral, mas sim como uma concessão do Estado, na condição de representante da coletividade e gestor do patrimônio ambiental, em favor do particular, o qual tem obrigação de manter sua ação adstrita aos limites que começam mas não terminam na função social da propriedade. (CARDOSO, 2007, p. 123).

 Afinal, como o próprio doutrinador Paulo Bonavides afirma, a propriedade a que o Direito Civil se refere no caso dos animais não humanos, se refere mais a imputação de responsabilidade em caso de dano causado à terceiro ao proprietário daquele animal, ou, como acreditamos ser a referência correta, o tutor. Ademais, tal concepção de propriedade deve ser interpretada a partir do conjunto de valores considerados pelo direito, os quais primam pela supremacia do interesse público, sendo assim, a propriedade privada de animais deve ser compreendida enquanto uma concessão do Estado, sendo que o particular tem a obrigação de exercer esta propriedade dentro dos limites de sua função social. (CARDOSO, 2007)

Inclusive, com relação aos direitos dos animais domésticos ou de estimação, foco do presente trabalho, Cardoso (2007) destaca uma grande problemática com relação à posse responsável destes animais, sejam eles de companhia ou de tração rural e urbana, ou, destinado ao corte. A autora considera:

[...] é comum o abuso de direitos sobre estes animais ao confundir-se a posse com a propriedade, sendo que, ao particular somente é permitida a posse sobre o animal, já que todos os entes faunísticos estão em patamar de igualdade na atual legislação pátria, e a posse não dá o direito de disposição, podendo-se então questionar a destinação dada aos animais de corte, e mesmo a animais de companhia, que são grandes vítimas de uma verdadeira indústria da vida. (CARDOSO, 2007, p. 120-121)

Apesar dos avanços da legislação pátria, os direitos fundamentais dos animais não humanos quase sempre são colocados de lado, quase sempre sobre a justificativa de um benefício maior para humanidade.

Com relação ao fato de os animais não humanos serem sujeitos de direitos ressalta ainda Dias (2006): 

O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí poder-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas. (DIAS, 2006, p.120, grifo nosso).

Este ponto de vista é o defendido por Peter Singer, afinal, não podemos considerar chega a ser negligente considerar os animais não humanos, posto que todos os elementos já suscitados demonstram nitidamente a existência de vida tanto nos plano psíquico quanto biológico. Para o autor, a defesa dos animais não humanos perpassa pelo princípio da igualdade de consideração dos interesses, que significa o fim do especismo, seja ele de que espécie for, devendo a senciência ser o critério a ser considerado para garantir os interesses destes animais.. (SINGER, 2013)

Sobre a autora
Aline de Fátima Lima Gomes de Miranda

Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia -UNAMA. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio, e, com MBA em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas- FGV.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos