Os animais de estimação enquanto titulares de direitos na jurisprudência brasileira

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4 O POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA COM RELAÇÃO AOS DIREITOS DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Os animais domésticos, ou, mais precisamente os de estimação estão mais ligados ao nosso cotidiano, e, por consequência despertam mais empatia nos seres humanos. Isto pois, o ser humano tem recorrido a estes tipos de animais para suprir sua solidão, enquanto animais de companhia, ou, ainda, o exemplo da terapia assistida, onde os animais são utilizados em tratamentos.

Em seu artigo Graminhani (2007) entende que há troca no relacionamento entre animais não humanos (pets) e o homem, para tanto, menciona o autor Chris Woolston, o qual, partilha do mesmo entendimento.

Fato é, que os animais domésticos ou de estimação estão mais próximo física e emocionalmente da raça humana, e, por conta disto, é natural nos depararmos com o especismo do tipo afetivo no caso do trato do ser humano para com esses animais, o que acarreta um grau de defesa dos direitos destes animais satisfatório.

A família é a base de nossa sociedade, e, o animal não humano passando a ser visto enquanto ente familiar, nada mais natural que conflitos referentes a tais animais busquem soluções perante o Judiciário. Afinal, o convício do animal de estimação com o ser humano tem feito:

[...] A relação de propriedade dá lugar à identificação do animal como companheiro, que pode aplacar a solidão de muitas pessoas ou ser inserido nos momentos de interação da vida familiar. Aqui a maior preocupação está voltada às restrições ao abandono, como expressamente no item 2 do art. 3º da Convenção Européia para a Proteção dos Animais de Companhia, de 1993: “Ninguém deve abandonar um animal de companhia”. (MARX NETO, 2007, p.112)

Com relação aos pets a maioria das jurisprudências dizem respeito à problemas de vizinhança, como convenções de condomínio, contratos de locação, rejeição de alguns moradores pela presença desses animais, danos causados pelos animais, falha na prestação de serviço e posse. Sendo que o entendimento que tem prevalecido é pela garantia do direito de propriedade dos animais ou colocando-os enquanto membros da família. (GRAMINHANI, 2007)

4.1 OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E O DIREITO DE VIZINHANÇA

O Direito de vizinhança tem como principal respaldo jurídico positivado o art. 1.227 do Código Civil, e a Lei nº 4.591/64, a qual dispões sobre o condomínio em edificações e as incorporações.

Em ambas as legislações é possível observar que o objetivo principal é limitar o direito de propriedade apara evitar conflitos entre os proprietários, primando sempre pelas regras de boa vizinhança, logo, constituem obrigações propter rem.

Logo, atos prejudiciais à propriedade ou a função social da propriedade podem ser considerados enquanto ilegais, abusivos ou lesivos.

Desta feita, diante destes ditames que muitas convenções de condomínio são elaboradas, na tentativa de promover um bom convívio entre os moradores. Entretanto, ao se falar das regras estabelecidas com relação aos animais de estimação muitos são os casos de inconstitucionalidade por ofensa, principalmente, ao próprio princípio da propriedade, e, levando-se em consideração a nova percepção atribuída ao animal de estimação nas últimas décadas.

Nesse sentido temos algumas jurisprudências, sendo que apresentamos primeiramente jurisprudência do ano de 2005 para demonstrar que a mudança da percepção jurídica já vem de alguns anos:

Ação Ordinária. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL - CACHORRO EM CONDOMÍNIO - CONVENÇÃO CONDOMINIAL QUE EXPRESSAMENTE VEDA A PERMANÊNCIA DE ANIMAIS - NECESSIDADE DE RELATIVIZÁ-LA - OBSERVÂNCIA DE CADA CASO CONCRETO - LIVRE VALORAÇÃO DAS PROVAS PELO MAGISTRADO. 1 - Não convém ao magistrado generalizar em suas decisões, devendo, para atingir o valor constitucional maior que é a JUSTIÇA, observar as peculiaridades do caso concreto. 2 - As normas legais e infralegais, tais como convenções de condomínio, que disponham no sentido da proibição total de bichos de estimação devem ser relativizadas, para permitir ao condômino que tenha em sua companhia um animal de pequeno e até mesmo de médio porte, mas desde que não incomode a maioria dos outros condôminos, que só trafegue pelas áreas comuns quando estiver no trajeto da unidade residencial para a rua e com a coleira, que use o elevador de serviço etc. 3 - O magistrado possui a faculdade conferida pelo art. 131 do Código de Processo Civil - o princípio da persuasão racional das provas - que lhe permite valorar as provas livremente. Recurso desprovido. (TJ-RJ – APL: 00050321020028190002 RIO DE JANEIRO NITEROI 7 VARA CIVEL, Relator: ANTONIO RICARDO BINATO DE CASTRO, Data do Julgamento: 15/02/2005, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2005)

Na decisão monocrática em sede de Recurso de Apelação acima transcrita o Desembargador, sabiamente, expressou seu voto considerando que cada caso concreto possui sua peculiaridade, e, portanto, assim deve ser analisado para que assim se possa atingir o valor constitucional de Justiça.

Especificamente neste caso, a convenção de condomínio proibia veementemente a permanência de animais em suas dependências. Assim, o Tribunal por meio do voto do Desembargador, considerou que diante das provas apresentadas pelo apelado, no caso, o proprietário do animal, este não oferecia qualquer risco ao sossego, saúde e segurança dos demais condôminos.

Apesar de se tratar de julgado proferido a mais de 10 anos, já se pode observar a mudança no olhar jurídico direcionado pelo menos aos animais de estimação. Afinal, o Direito enquanto ciência deve relativizar seus princípios e ponderar os interesses para assim fornecer a solução mais adequada a cada caso concreto.

Inclusive, em passagem da decisão o Desembargador assim relata:

Não se pode esquecer que, em determinados casos, o cachorro é tratado como se fosse um ente da família. É sabido que há casos de casais que perderam um filho e adquiriram um cachorro, e acabaram se apegando ao animal como se fosse o filho perdido. Então, o que fazer em casos como este? Vamos condenar o casal a se livrar do cachorro que eles têm como filho? Tenho plena ciência de que o Código Civil define a natureza jurídica do cachorro como bem móvel semovente. No entanto, creio eu, que em casos como o presente, o cão deixa de ser um mero bem móvel, para se tornar um ente querido. Por esta razão disse acima que a prudência não deixa o magistrado generalizar nestes casos, devendo mesmo, para fazer justiça, analisar cada caso concreto. (TJ-RJ – APL: 00050321020028190002 RIO DE JANEIRO NITEROI 7 VARA CIVEL, Relator: ANTONIO RICARDO BINATO DE CASTRO, Data do Julgamento: 15/02/2005, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2005)

E em casos como presente, em que o cão não incomoda ninguém, e é na verdade um membro da família, deve prevalecer o interesse do apelado, eis que fulcrado nos princípios constitucionais de proteção a família (art. 226, CF) e dignidade da pessoa humana (art. 1, III CF). (TJ-RJ – APL: 00050321020028190002 RIO DE JANEIRO NITEROI 7 VARA CIVEL, Relator: ANTONIO RICARDO BINATO DE CASTRO, Data do Julgamento: 15/02/2005, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2005.)

Outra jurisprudência que nos chamou a atenção foi a decisão monocrática em sede de Agravo de Instrumento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, referente a concessão de tutela antecipa para a mantença de animal sob o convício do agravado. Decisão esta já mais recente, do ano de 2014, apresentamos a ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. AÇÃO COMINATÓRIA. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONCESSÃO. MANUTENÇÃO. Não há motivo para a proibição na unidade dos autores do cão da raça Golden Retriever, ainda mais que a decisão determinou a condução pelo elevador de serviço com a utilização de coleira ou guia. Em decisão monocrática, nego seguimento ao agravo de instrumento. (Agravo de Instrumento Nº 70059448472, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 22/04/2014) (TJ-RS – AI: 700594484472 RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Data de Julgamento: 22/04/2014, Vigéssima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário de Justiça do dia 25/04/2014)

Este caso diverge do processo anterior, pois, o condomínio realizou assembleia onde foi estabelecido pela maioria dos condôminos a proibição de cães de grande porte, e, o condômino ingressou com demanda requerendo em um de seus pedidos tutela antecipada para que o cão pudesse permanecer morando com a família. Destaque para uma passagem da decisão:

Ademais, ainda que se trate de cão de grande porte, é público e notório que os animais de estimação se constituem importantes objetos de afeto e dedicação do ser humano, não podendo ser considerado infração o simples fato de o condomínio o possuir em sua unidade habitacional. (TJ-RS – AI: 700594484472 RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Data de Julgamento: 22/04/2014, Vigéssima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário de Justiça do dia 25/04/2014)

Comum também o mesmo tipo de demanda com relação aos gatos enquanto animais de estimação:

Agravo de instrumento. Cautelar inominada. Requerente que pleiteia, em sede liminar, autorização para que possa conservar seus animais de estimação em seu apartamento. Notificação para que a agravante desfaça-se de dois de seus quatro gatos que não indica que os animais estejam a causar desassossego, incomodo, insalubridade ou violação ao direito de vizinhança. Notificação que tão somente indica a existência de regra geral na convenção condominial no sentido de limitar a dois o número de animais domésticos. Agravante que demonstra que seus quatro gatos são regularmente vacinados. Pequeno porte dos animais que não se mostra incompatível com a área do imóvel (80 m²) no qual a agravante reside sem outros familiares. Presentes os requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada. Agravo provido. (TJ-SP - AI: 21252225620148260000 SP 2125222-56.2014.8.26.0000, Relator: Rômolo Russo, Data de Julgamento: 12/11/2014, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/11/2014)

O que se observa nesses três casos elencados é que já se tornou um entendimento pacífico da jurisprudência pátria que somente se justificará apartar o morador de apartamento do convívio de seus animais de estimação no caso de estes estarem a causar risco à saúde, ao sossego, ou violação ao direito de vizinhança. Caso contrário, devem prevalecer os direitos de propriedade, tanto referente ao imóvel quanto ao animal em si, como ainda o direito de um ente da família – conforme os animais de estimação são descritos nas decisões – têm de conviver com seus familiares.

4.2 DA POSSE DE ANIMAIS SILVESTRES ENQUANTO ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

No item 3.2 do presente trabalho abordamos a diferenciação que a legislação faz com relação aos animais silvestres e os domésticos. Inclusive fez-se menção a autora Edna Cardozo Dias (2006) para destacar que os animais silvestres são tidos enquanto bens de uso comum do povo e os animais domésticos são bens móveis (semoventes).

No entanto, em nosso país é extremamente comum ocorrer de alguns animais silvestres virem a ser domesticados e serem tratados enquanto animais de estimação. O exemplo mais comum, são dos papagaios. Por isso, cada vez mais casos necessitam de uma solução judicial.

Inseridos dentro deste contexto é que podemos identificar julgados referentes a posse de animais silvestres enquanto animais de companhia, onde, diante da domesticação e do convívio por vários anos com a raça humana, os Magistrados têm mitigado a qualificação deste animal enquanto silvestre mediante a aplicação do princípio da razoabilidade.

Interessante se faz o caso a seguir:

DIREITO CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. IBAMA. PAPAGAIO. AMBIENTE DOMÉSTICO. MANUTENÇÃO POR MAIS DE UMA DÉCADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APREENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sentença, ratificando decisão antecipatória, manteve o autor na posse de ave silvestre, espécie amazona aesteiva, convencida de que, a luz do princípio da razoabilidade, um papagaio criado no convívio familiar por 16 anos, adaptado ao ambiente doméstico, tem hábitos de ave de estimação, e não ficaria mais protegido em seu habitat natural. 2. A posse de ave silvestre sem autorização ou permissão da autoridade competente constitui infração ambiental, entretanto, nas circunstâncias especiais, impõe-se analisar o caso, à luz do princípio da razoabilidade, levando-se em conta o bem estar do animal. 3. A declaração do autor, subscrita por duas testemunhas, fotos da ave com o irmão dele, e atestados de dois veterinários, testificam o tempo de convivência, os cuidados ao animal, e seu bom estado de saúde, inexistindo indícios de que comercialize animais. 4. A permanência do papagaio no ambiente doméstico por mais de uma década é sugestiva de que o seu retorno ao meio natural poderá causar-lhe dano irreversível se precisar lutar pela própria sobrevivência, sendo que o longo período em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre. Precedentes do STJ. 5. Agravo retido não conhecido. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF-2 - APELRE: 201051010025690 RJ, Relator: Desembargadora Federal NIZETE LOBATO CARMO, Data de Julgamento: 17/11/2014, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 26/11/2014)

Em resumo, o IBAMA ingressou com recurso de Apelação em face de sentença prolatada por Juíza Federal, a qual ratificou a tutela antecipada anteriormente deferida, para que o autor da demanda permanecesse na posse de papagaio que já convivia com este a 16 anos. No entendimento do Juízo o animal, apesar de silvestre, foi criado como um animal de estimação e tinha hábitos de um, logo, não teria capacidade de sobreviver em seu habitat natural.

Mesmo diante da argumentação do IBAMA de que se trata de animal silvestre deve se manter sobre proteção do Estado, com a proibição de sua utilização, perseguição, destruição, e caça, conforme as leis de nº 5.197/67 e nº 9.605/98; o Tribunal manteve a decisão de primeira instância.

O fundamento da decisão foi o princípio da razoabilidade, além do fato de não se poder estabelecer uma interpretação restrita da lei, é necessário realizar uma interpretação dentro dos ditames da hermenêutica.

Assim, entendeu-se que a restituição do papagaio ao seu habitat natural atentaria muito mais a sua vida do que permanecer no ambiente que foi criado por 16 anos, ambiente este que lhe é familiar. Entendimento este, conforme o juízo menciona em seu voto, já sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual considera que quando há um longo período de convivência do animal em ambiente doméstico, ocorre uma mitigação de sua qualificação enquanto silvestre.

Importante ressaltar que neste caso em específico, o fator preponderante na decisão do juízo foi o interesse do animal, apesar de um ser humano ter sido beneficiado da decisão, mas o enfoque da motivação do juízo foi a inviabilidade de sobrevivência do em seu habitat natural, já que dificilmente de adaptaria por ter convivido por 16 anos em ambiente doméstico, acarretando-lhe mais prejuízo que proteção.

Nesta mesma linha de raciocínio tem-se outros julgados:

Nº CNJ : 0001034-96.2014.4.02.5118 (2014.51.18.001034-4) RELATOR : Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA APELANTE INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS:NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL APELADO : JOSÉ BESERRA DA SILVA ADVOGADO : MISAEL CONSTANTINO DA SILVA ORIGEM : 02ª Vara Federal de Duque de Caxias (00010349620144025118) EMENTA :ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. APELO. PAPAGAIO MANTIDO EM VIDA DOMÉSTICA. ENTREGA DAS AVES AO IBAMA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. 1. Em que pese o argumento de que os animais silvestres são bem comum do povo, nos termos do art. 225 da Constituição Federal de 1988 e de que seria ilícita a conduta do autor de manter o papagaio em cativeiro, pelo que a legislação de regência determina a apreensão do animal, e, posteriormente, se for o caso, a sua libertação em seu habitat natural, no presente caso, não se mostra plausível, à luz do princípio da razoabilidade, crer que os papagaios, que foram criados no convívio familiar durante quase 30 e 10 anos, estando totalmente adaptados ao ambiente doméstico, com hábitos de ave de estimação, sem que tenha sido demonstrado sofrerem quaisquer mal tratos ou que estejam destinadas ao tráfico de animais, ficariam mais protegido em seu habitat natural. 2- O fato de as aves estarem sob a guarda e cuidados do autor há mais de vinte anos "faz supor que sua reintrodução no meio ambiente poderia resultar em dano irreversível para a própria ave, que se acostumou a não lutar pela própria sobrevivência no habitat natural respectivo, bem como poderia tornar-se presa fácil para os respectivos predadores, ou ter de suportar a rejeição - muito comum do bando ao qual procure se acostar. Assim, no caso em apreço, retirar o papagaio do ambiente doméstico acarretar-lhe-ia mais prejuízo do que efetiva proteção, mormente considerando a longa permanência desse pássaro sob os cuidados do autor" (TRF-3ª Região, Apelação Cível 0078677720084036100, Sexta Turma Especializada, Juiz Federal Convocado Hebert de Bruyn, E-DJF2R de 14/06/2013) 3. Remessa necessária e apelos desprovidos.

(TRF-2 - APELREEX: 00010349620144025118 RJ 0001034-96.2014.4.02.5118, Relator: MARCELO PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 14/07/2016, 8ª TURMA ESPECIALIZADA)

APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. IBAMA. APREENSÃO DE ARARA. CONVIVÊNCIA DOMÉSTICA DURADOURA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. 1. Não se desconhece que a guarda em cativeiro de espécime da fauna silvestre depende de permissão, licença ou autorização da autoridade competente (artigo 29 da Lei nº 9.605/98) e é evidente que a legislação ambiental deve ser cumprida. Todavia, as situações fáticas submetidas ao Poder Judiciário precisam ser analisadas à luz do princípio da razoabilidade. 2. In casu, da análise dos autos é possível constatar a convivência harmônica e integrada da arara "Lili" com a demandante e seus familiares por mais de 20 anos, assim como o zelo no trato com o animal, inclusive por declaração de médicas veterinárias, sendo certo que uma reintrodução dela ao seu meio ambiente poderia resultar em dano irreversível para a própria ave, considerando que a ave em questão já está adaptada ao convívio com os seres humanos. É cediço que os animais que vivem em ambiente doméstico por bastante tempo desenvolvem novos hábitos e acabam se tornando vulneráveis se forem devolvidos ao seu habitat natural, pois não estão adestrados pela experiência da vida silvestre, não sabem lutar pela própria sobrevivência e podem ser tornar alvo fácil de predadores. Assim, a retirada da arara do ambiente doméstico acabaria pondo em risco a sua integridade e o prejuízo seria maior do que a efetiva proteção, objetivo principal da Lei nº 9.605/98. Precedentes. 3. Apelação e remessa necessária conhecidas e desprovidas. (TRF-2 - APELREEX: 00317578620134025101 RJ 0031757-86.2013.4.02.5101, Relator: JOSÉ ANTONIO NEIVA, Data de Julgamento: 25/11/2016, 7ª TURMA ESPECIALIZADA)

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Assim, podemos identificar quatro fatores preponderantes para a manutenção da posse desses animais com os seus tutores, quais sejam: a domesticação; o grande lapso temporal que inviabiliza o retorno desses animais ao seu habitat natural; que o animal não seja oriundo do tráfico de animais silvestres; e, a ausência de maus-tratos. Logo, estando presentes estes elementos, a jurisprudência entende pela permanência do animal com seu tutor, conforme já mencionado, com fundamento na mitigação do conceito de animal silvestre.

4.3 DA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS RELACIONADOS AOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Com a crescente relação de afeto criada entre os animais de estimação e os seres humanos, como se bem pode observar, nas últimas décadas, este animal passou a ser considerado enquanto ente querido da família, e, portanto, merecedor de tratamento diferenciado, tudo isto em prol de sua saúde e bem-estar. (BARBOSA, 2016)

Assim, o Brasil se tornou o segundo maior mercado mundial em produtos e serviços destinados aos animais de estimação. Estes são dos mais variados, desde o simples veterinário ou transporte, chegando à moda e day care. (BARBOSA, 2016)

Desta forma, foi necessário que o direito apresentasse soluções quando sobreviessem conflitos em tais relações jurídicas.

Posto isto, como bem se identificará quando da falha na prestação de serviço, de maneira geral, a jurisprudência tem aplicado o art. 14 do Código do Consumidor, constituindo ônus do autor da demanda demonstrar a falha da prestação do serviço, a exemplo do caso a seguir, o qual se refere ao transporte de animais de estimação.

No caso específico, trata-se de o transporte aéreo, onde, pela falha na prestação de serviço houve a fuga do animal e maus-tratos na captura, o quê causou danos materiais à autora, mas também, danos morais.

INDENIZAÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FUGA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO DO COMPARTIMENTO DE CARGA. MAUS TRATOS NA CAPTURA. MACHUCADOS CAUSADOS POR FUNCIONÁRIOS DA EMPRESA RECORRENTE. PERMANÊNCIA DA PARTE AUTORA EM CIDADE DIVERSA DO DESTINO FINAL A FIM DE PRESTAR ATENDIMENTO MÉDICO AO ANIMAL. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. (TJ-RO - RI: 10011446320118220601 RO 1001144-63.2011.822.0601, Relator: Juiz Marcelo Tramontini, Data de Julgamento: 10/08/2012, Turma Recursal - Porto Velho, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 20/08/2012.)

Comum também são os litígios em face de pet shops pela falha na prestação de serviço, onde, na maioria das vezes os animais acabam por sofrer maus-tratos ou não recebem o devido atendimento.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - FUGA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO DE PET SHOP - DANO MORAIS. - Considerando o carinho dos autores pelo animal de estimação, a fuga deste de um pet shop, por período de tempo razoável, é fato capaz de gerar dano moral, não se tratando de um mero aborrecimento. (TJ-MG - AC: 10525140034949001 MG, Relator: Pedro Bernardes, Data de Julgamento: 24/05/0015, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/06/2015)

RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABALO EXTRAPATRIMONIAL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO QUE SOFRE DANOS FÍSICOS (CORTE NO PESCOÇO) ENQUANTO ESTAVA AOS CUIDADOS DE PET SHOP PARA BANHO E TOSA. FATOS INCONTROVERSOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. ANIMAL QUE FICOU INTERNADO EM HOSPITAL VETERINARIO NECESSITANDO DE CUIDADOS ESPECIAIS. ABALO PSICOLÓGICO DA PROPRIETÁRIA DO CÃO. DANO MORAL OCORRENTE. QUANTUM FIXADO EM R$ 2.000,00. SENTENÇA MANTIDA. Caso em que as requerentes pretendem ser ressarcidas pelo abalo moral suportado após seu cachorro de estimação sofrer danos físicos enquanto estava aos cuidados da requerida para banho e tosa. O animal apresentou corte de aproximadamente 2cm no pescoço, sendo anestesiado para realização de sutura sem a autorização das requerentes. Ainda, ficou em observação por 24h em Hospital Veterinário necessitando de cuidados especiais e medicação por mais 3 dias. Os fatos acima narrados restaram incontroversos, sendo a tese de defesa apenas a ilegitimidade ativa das autoras, pois não comprovaram a propriedade do cachorro, e, no mérito, a inocorrência de dano a ser reparado, pois mesmo com o corte, o cachorro foi prontamente e adequadamente tratado. Não há falar em ilegitimidade das autoras pela ausência de demonstração de propriedade do animal quando restou incontroverso que foram as demandantes que deixaram o cachorro na pet shop e que o buscaram. Situação que a demonstrar que as autoras que detém a posse do animal. Dano moral caracterizado, à... medida que os fatos comprovados ultrapassaram os meros dissabores inerentes à vida cotidiana, atingindo o âmago da parte autora. Prova testemunhal que comprovou o abalo emocional das demandantes por verem seu cão fragilizado, com significativo corte no pescoço para o porte do animal, de apenas 2kg. Desdobramentos dos danos físicos do animal que ensejaram sofrimento e angústia às demandantes. Quantum indenizatório fixado em R$ 1.000,00 para cada autora que vai mantido. Valor que se mostra razoável para compensar os danos sofridos pela parte autora e à punição do agente. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71005499132, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ana Cláudia Cachapuz Silva Raabe, Julgado em 10/06/2015). (TJ-RS - Recurso Cível: 71005499132 RS, Relator: Ana Cláudia Cachapuz Silva Raabe, Data de Julgamento: 10/06/2015, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/06/2015)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS INFRINGENTES. TEMPESTIVIDADE DO PREPARO. RECURSO INOMINADO QUE MERECE SER CONHECIDO. AÇÃO DE COBRANÇA. NOTAS PROMISSÓRIAS. HOSPEDAGEM DE CACHORRO. CONTRAPEDIDO DE DANO MATERIAL E MORAL E COMPENSAÇÃO. DEVER DE PAGAMENTO DO SERVIÇO DE HOSPEDAGEM. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO MANTIDA. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ANIMAL ENTREGUE SUJO, DESNUTRIDO E COM BERNES. DESPESAS COM CLÍNICA VETERINÁRIA COMPROVADAS. DANO MATERIAL DEVIDO. DANO MORAL EVIDENCIADO. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AFASTAMENTO DA AUTORA EM FACE DE TRABALHO E VIAGEM AO EXTERIOR. CONTATOS CONSTANTES COM A HOSPEDARIA ATRAVÉS DE EMAILS. FOTOGRAFIAS QUE DEMONSTRAM AS CONDIÇÕES DO ANIMAL ANTES E DEPOIS DO RECEBIMENTO PELA AUTORA. NÃO PAGAMENTO QUE NÃO AUTORIZAVA A MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TRISTEZA DO ANIMAL E FERIDAS. SOFRIMENTO DA DEMANDADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS FIXADA EM R$ 3.000,00. ACOLHERAM OS EMBARGOS DECLARATÓRIOS E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. (Embargos de Declaração Nº 71005549068, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Gisele Anne Vieira de Azambuja, Julgado em 22/09/2015). (TJ-RS - ED: 71005549068 RS, Relator: Gisele Anne Vieira de Azambuja, Data de Julgamento: 22/09/2015, Quarta Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/09/2015)

Importante frisar que de todos os casos apresentados apenas um não evidenciou a falha de prestação de serviço cumulada com a prática ilegal de maus-tratos. Sendo assim, as jurisprudências consideradas também poderiam servir de exemplo ao item 4.5.

Ademais, outro ponto se mostra intrigante, em todos os casos existe dano moral devido, mas este nunca é devido diretamente ao animal (ainda que fosse utilizado o instrumento da representação); sempre a indenização, qualquer que seja, é direcionada ao “proprietário” do animal.

4.4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL REFERENTE AOS DANOS CAUSADOS POR ANIMAIL DE ESTIMAÇÃO.

A responsabilidade civil por danos causados a outrem por animal, seja ele de estimação ou não, será objetiva, nos termos do art. 936 do Código Civil., conforme já demonstrado anteriormente.

Por consequência, os julgados que tratam de demanda em que se discute a responsabilidade do tutor do animal são, via de regra, extremamente objetivas com fundamento estritamente legal.

Referente à temática, comum encontrar na jurisprudência casos de ataque de cães com imputação de responsabilidade aos proprietários, ou, tutores, como preferimos chamar:

RECURSO INOMINADO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. MORTE DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO POR ATAQUE DE CÃO DA RAÇA PIT BULL. RESPONSABILIDADE DA RÉ NÃO ILIDIDA. VEROSSIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES DA PARTE AUTORA. NEGLIGÊNCIA DA RÉ, QUE NÃO TOMOU TODOS OS CUIDADOS DEVIDOS COM A GUARDA DO ANIMAL. DANO MORAL CARACTERIZADO TANTO PELA PERDA DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO, QUANTO PELA ANGÚSTIA SUPORTADA NO MOMENTO EM QUE OCORREU A AGRESSÃO, PRESENCIADA PELOS DEMANDANTES. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE MERECE REDUÇÃO A FIM DE SE ADEQUAR AOS PARÂMETROS ADOTADOS PELAS TURMAS EM CASOS ANÁLOGOS (R$ 2.500,00). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004227658, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em 30/04/2013) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004227658 RS, Relator: Roberto José Ludwig, Data de Julgamento: 30/04/2013, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/05/2013. Grifo nosso.)

Apenas destaca-se no caso em questão a imputação de dano moral tanto pela angústia que os autores sofreram ao presenciar o fato, quanto pela morte em si do animal, o que supera o mero dessabor cotidiano.

VIZINHANÇA. MORTE DE GALINHAS. SUPOSTO ATAQUE DE CÃES. AUSÊNCIA DE REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. PROVA INSUFICIENTE QUANTO AO NEXO CAUSAL E A EXTENSÃO DO DANO. ÔNUS DA PROVA QUE AO AUTOR INCUMBIA NA FORMA DO ART. 333, INC. I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. As alegações do autor no sentido de que seus animais (25 galinhas e um casal de gansos) teriam sido atacados pelos cães da ré não vieram suficientemente comprovadas. A prova dos autos é precária, não restando sequer demonstrado ser o demandante proprietário de todos os animais, supostamente atacados pelos cachorros da ré. Ademais, a demandada igualmente acostou fotografias e arrolou testemunhas as quais indicam que as galinhas e gansos do autor costumavam circular pela rua, podendo ter sido atacados por cães que deambulam pelas vias. Não evidenciados os requisitos da responsabilidade civil, não há dever de indenizar. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004564142, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 13/11/2013) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004564142 RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Data de Julgamento: 13/11/2013, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/11/2013)

Neste outro caso, referente à interposição de Recurso de Apelação, apesar do autor restar insatisfeito com a sentença proferida em primeira instância, a Turma Recursal manteve a decisão, pois, o autor da demanda não conseguiu demonstrar todos os requisitos da responsabilidade civil. Ou seja, insuficientes eram as provas para imputar responsabilidade ao réu, tutor do cão que ora alegava ter atacado sua criação de galinhas.

4.5 DOS MAUS-TRATOS PARA COM OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Vastos são os julgados referentes à maus-tratos, inclusive, em geral, envolvem outras matérias aqui discutidas, a exemplo da falha de prestação de serviço que geralmente vem acompanhada de uma situação de maus-tratos para com o animal de estimação.

Assim, apresentamos a seguir uma jurisprudência onde se verifica em meio a outros crimes, o desrespeito para com a vida de um animal doméstico, o qual foi deferido com facadas por motivo fútil.

Tal caso foi enquadrado pelo magistrado no art. 32 da Lei nº 9.605/98, já outrora mencionada neste trabalho acadêmico.

Recurso em sentido estrito. Tentativa de homicídio qualificado, sequestro e maus tratos contra animal de estimação. Pronúncia. Afronta ao art. 413, § 1º, do CPP não configurada. Preliminar rejeitada. Mérito. Contenta-se a decisão de pronúncia, na esteira do art. 413, caput, do CPP, com prova da materialidade e indícios suficientes de autoria do crime, requisitos atendidos in casu. Recorrente que nega ter provocado colisão automotiva proposital ou ter tentado atropelar a primeira vítima, no que é confrontado por esta, daí emergindo divergência que deve ser dirimida pelo Tribunal Popular. Crimes conexos cujo julgamento também compete ao Júri. Indícios de autoria que defluem da narrativa das vítimas, de policiais militares e de testemunha. Qualificadoras do motivo fútil e emprego de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa pertinentes ao caso concreto. Vítima que teria sido colhida de modo inesperado enquanto dirigia, por outro veículo na contramão de direção, além de, ao desembarcar de seu automóvel, ver-se obrigada a correr de um carro em movimento que investia em sua direção para proteger a própria integridade física e vida, em franca desvantagem. No que diz respeito à motivação do homicídio, cuidou-se de suposta retaliação à negativa de fornecimento de informações acerca do paradeiro da ex-esposa, configurando, a princípio, móvel de somenos importância. Recurso não provido. (TJ-SP - RSE: 00018931720108260312 SP 0001893-17.2010.8.26.0312, Relator: Diniz Fernando, Data de Julgamento: 02/02/2015, 2ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 03/02/2015)

Já na jurisprudência a seguir, o que nos chamou a atenção foi o fato de o Tribunal chamar a atenção para a crueldade deferida ao animal, ao descrever os ferimentos causados ao animal enquanto evidência nítida de que este tentava fugir da agressão, que, no caso em questão, era desproporcional.

RESPONSABILIDADE CIVIL - CÃO DE ESTIMAÇÃO QUE VEM A SER SERIAMENTE LESIONADO AO ADENTRAR EM TERRENO VIZINHO AO DOS SEUS PROPRIETÁRIOS - AVENTADA FALTA DE INTERESSE DE AGIR - NECESSIDADE E UTILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EVIDENCIADAS - PRELIMINAR AFASTADA - SACRIFÍCIO DO CACHORRO POR VETERINÁRIO A FIM DE SE EVITAR UM MAIOR SOFRIMENTO - RECONHECIMENTO PELO RÉU DA AUTORIA DO FATO - ALEGADA "LEGÍTIMA DEFESA" - AGRESSOR QUE AO SAIR DE CASA JÁ PORTAVA FACÃO - FERIMENTOS NA REGIÃO POSTERIOR (CAUDA, LOMBAR E PATAS) DO CÃO QUE EVIDENCIAM A TENTATIVA DE FUGA PELO ANIMAL - DESPROPORCIONALIDADE DO MEIO UTILIZADO - CACHORRO DE MÉDIO PORTE INCAPAZ DE CAUSAR TAMANHO PAVOR - ESTADO DE NECESSIDADE NÃO VISLUMBRADO - EVIDÊNCIAS DA MANIFESTA INTENÇÃO DE LESIONAR - VERACIDADE DAS ALEGAÇÕES DOS AUTORES ESTAMPADA NO LAUDO CLÍNICO VETERINÁRIO E NA PROVA ORAL - TESE DE DEFESA NÃO COMPROVADA - EXEGESE DO ART. 333, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - ABALO CONSTATADO - RESPONSABILIDADE RECONHECIDA - DEVER DE INDENIZAR - DANOS MORAIS - VALOR ARBITRADO SEGUNDO CRITÉRIOS SUBJETIVOS - QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO SE MOSTRA EXAGERADO À VISTA DO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA E DO PREJUÍZO DELA DECORRENTE - VERBA HONORÁRIA FIXADA COM RAZOABILIDADE - SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO1. "O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual 'se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais'" (Humberto Theodoro Junior).2. Gera dano moral passível de indenização aos proprietários de cão de estimação a agressão dolosa e descomedida contra este desferida por outrem por razões frívolas, levando ao sacrifício do animal.3. O quantum da indenização por danos morais - que tem por escopo atender, além da reparação ou compensação da dor em si, ao elemento pedagógico, no intuito de que o ofensor nuca mais repita tamanha brutalidade com um animal - deve harmonizar-se com a intensidade da culpa do lesante, o grau de sofrimento do indenizado e a situação econômica de ambos, para não ensejar a ruína ou a impunidade daquele, bem como o enriquecimento sem causa ou a insatisfação deste.4. Não merece reparo o comando da sentença que, no arbitramento da verba honorária a ser paga pelo sucumbente ao ex adverso, se amolda aos parâmetros previstos nas alíneas do § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil.(TJ-SC - AC: 4190 SC 2003.000419-0, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 20/04/2006, Terceira Câmara de Direito Civil. Grifo nosso.)

Nos casos em que o animal é de estimação é interessante observar que sempre que ocorre maus-tratos para com este é requerido o dano moral em favor do proprietário/tutor, isto, justamente diante da mudança de valor atribuído ao animal, a partir do momento que este passa a ser considerado de estimação, ganhando o status de ente querido.

4.6 O DIREITO DE FAMÍLIA E OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Por último, gostaríamos de salientar uma nova problemática social que o Judiciário terá que conceder a melhor solução prática diante dos casos concretos que lhe forem apresentados. Tal problemática se trata da guarda de animais de estimação no momento do divórcio ou dissolução de união estável.

Nos últimos anos, devido ao fato de se tratar os animais de estimação enquanto membros da família, têm se intentado utilizar por analogia vários institutos do Direito de Família, a exemplo, da guarda compartilhada com relação a estes, para assim, também salvaguardar o seu direito de convívio com seus entes e vice-versa. (BARBOSA, 2016)

Entretanto, a temática ainda não possui um posicionamento firmado na jurisprudência pátria, posto que os animais não humanos, conforme já foi amplamente expressado, possuem natureza jurídica de bem móvel para o Direito Civil, portanto, em caso de dissolução da sociedade conjugal são objeto da meação, e no caso de ação judicial de inventário objeto de partilha. Sendo muito comum a propriedade ser atribuída àquele em cujo o nome está registrado o pedigree do animal, quando este possuir. (BARBOSA, 2016)

Nesse sentido, podemos observar jurisprudências recentes que consideram inviável a aplicação do instituto por se tratar um bem semovente, devendo ser tratado como tal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA-COMPARTILHADA. INSTITUTO DO DIREITO DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO AOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO. DISCÓRDIA ACERCA DA POSSE DOS BICHOS. AUSENCIA DE PLAUSIBILIDADE DO DIREITO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A tutela de urgência está disciplinada nos artigos 300 e seguintes do Código de Processo Civil, cujos pilares são a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. Inexiste plausibilidade jurídica no pedido de aplicação do instituto de família, mais especificamente a guarda compartilhada, aos animais de estimação, quando os consortes não têm consenso a quem caberá a posse dos bichos. Tratando-se de semoventes, são tratados como coisas pelo Código Civil e como tal devem ser compartilhados, caso reste configurado que foram adquiridos com esforço comum e no curso do casamento ou da entidade familiar (artigo 1.725, CC). 3. In casu, ausente o prévio reconhecimento da união estável, deve-se aguardar a devida instrução e formação do conjunto probatório, para se decidir sobre os bens a partilhar. Ademais, é vedado ao magistrado proferir decisão de natureza diversa da pedida, em observância ao princípio da adstrição ou congruência, nos termos do artigo 492 do Código de Processo Civil. 4. AGRAVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJ-DF 20160020474570 0050135-88.2016.8.07.0000, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 04/05/2017, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 12/05/2017 . Pág.: 491/501)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE POSSE COMPARTILHADA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. Na ação de manutenção de posse de animal de estimação, inexiste discussão que recaia sobre Direito de Família. A lide trata de matéria cível de cunho declaratório, competindo ao juízo suscitante o processamento e julgamento do feito. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA JULGADO IMPROCEDENTE, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Conflito de Competência Nº 70074572579, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 18/09/2017). (TJ-RS - CC: 70074572579 RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Data de Julgamento: 18/09/2017, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 29/09/2017)

No entanto, quando o animal não possui tal registro é necessário que o Juízo avalie outros pressupostos, ou seja, terá que avaliar cada caso concreto e designar a solução mais arrazoada possível dentro da nova conjuntura de tratamento designado ao animal não humano utilizado enquanto de estimação.

Porém, também existem casos onde os Magistrados aplicam por analogia o referendado instituto, como se pode observar a seguir.

SEMOVENTE - ALEGAÇÃO DE QUE O EX-COMPANHEIRO DA AGRAVANTE ESTARIA DISPENSANDO MAUS TRATOS A ANIMAL DE ESTIMAÇÃO CUJA GUARDA É COMPARTILHADA - MATÉRIA QUE NÃO SE MOSTRA INCONTROVERSA RECLAMANDO, PELO CONTRÁRIO, O EXAME DE FATOS E PROVAS - TUTELA DE URGÊNCIA - PRESSUPOSTOS NÃO PREENCHIDOS - INDEFERIMENTO - RECURSO IMPROVIDO. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (TJ-SP 21201403920178260000 SP 2120140-39.2017.8.26.0000, Relator: Renato Sartorelli, Data de Julgamento: 27/07/2017, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/07/2017. Grifo nosso) 

Como se verifica no caso em questão, houve anteriormente uma decisão judicial em que designou a guarda compartilhada do animal de estimação, guarda esta regularizada por meio de Ação Cautelar Inominada, conforme descreve o relatório da decisão. (TJ-SP 21201403920178260000 SP 2120140-39.2017.8.26.0000, Relator: Renato Sartorelli, Data de Julgamento: 27/07/2017, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/07/2017)

Porém, importante destacar um caso que ganhou grande repercussão, inclusive com edição de notícia no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em que o Magistrado Fernando Henrique Pinto considerou os animais enquanto sujeitos de direito nas ações de divórcio ou dissolução. (IBDFAM, 2016)

Assim a notícia do referendado site comenta:

Conforme o juiz, o cão não pode ser vendido, para que a renda seja dividida entre o antigo casal. Além disso, o juiz afirmou que por se tratar de um ser vivo, a sentença deve levar em conta critérios éticos e cabe analogia com a guarda de humano incapaz. O magistrado citou alguns estudos científicos sobre o comportamento de animais e leis relacionadas ao tema e afirmou que diante da realidade científica, normativa e jurisprudencial, não se pode resolver a partilha de um animal (não humano) doméstico, por exemplo, por alienação judicial e posterior divisão do produto da venda, porque ele não é uma “coisa”.

O casal está em processo de dissolução conjugal e, provisoriamente, a guarda do cão será alternada: uma semana de permanência na casa de cada um. A ação tramita em segredo de justiça por envolver questão de Direito de Família. (IBDFAM, 2016, p. 1. Grifo nosso)

Isto revela que o Brasil começa a considerar os animais de estimação enquanto membros da família, até mesmo por alguns enquanto filhos. Por isto, que, o Magistrado de forma acertada, demonstrou ser um equívoco em casos como este onde há uma afeição mútua entre os seres, considerar a natureza jurídica do animal de estimação enquanto “coisa”; em verdade tratam-se de seres sencientes com capacidade de sentir emoções. (IBDFAM, 2016)

Outro caso integrante ocorreu no Rio Grande do Sul, onde em demanda ajuizada perante Vara de Família se requereu o divórcio com pedido liminar de pensão para si. Na oportunidade, requereu ainda a autora que o ex-cônjuge retirasse os cães de sua residência ou que fosse autorizada pelo Juízo a realizar a venda ou doação dos mesmos. Como no caso em questão o ex-cônjuge não tinha para onde levar os cães. Em decisão o Juízo indeferiu o pedido de pensão à autora e de retirada dos cães, e, levando em consideração os argumentos do cônjuge varão, determinou que este prestasse alimentos aos animais. (BARBOSA, 2016)

Diversos são os casos inusitados onde se observa na lide temáticas de Direito de Família envolvendo de animais de estimação. Passemos à analise do próximo caso:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DESPESAS DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO DEIXADOS PELA FALECIDA. ALVARÁ AUTORIZADO. Enquanto não for providenciado destino adequado para os animais deixados pela falecida (vinte e nove gatos e sete cachorros) as despesas de manutenção correm por conta do Espólio, até o limite de suas forças. Portanto, adequada a decisão que autorizou a expedição de alvará para que o Espólio pudesse quitar despesas dos animais NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO. (Agravo de Instrumento Nº 70059926881, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 30/10/2014). (TJ-RS - AI: 70059926881 RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de Julgamento: 30/10/2014, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/11/2014)

O caso referente a jurisprudência diz respeito a Agravo de Instrumento interposto em face de decisão interlocutória, em ação de inventário, que autorizou a expedição de alvará para que o espólio pudesse quitar as despesas dos animais (29 gatos e 7 cachorros) deixados pela falecida.

Na demanda em questão, foi ordenado à inventariante que se realiza a doação dos animais à terceiros, abrigos ou entidade afins, o que até então não havia sido feito. Entretanto, apesar do descumprimento da ordem, o Tribunal do Rio Grande do Sul entendeu que se desfazer desta quantidade de animais não se mostrava enquanto tarefa fácil, e, ainda, tais animais, enquanto propriedade, faziam parte do patrimônio deixado pela falecida.

Por certo, entendeu-se pela mantença da decisão de primeira instância, a partir de um olhar estritamente patrimonial renegado aos animais, considerando que o valor a ser liberado por meio de alvará deveria ser visto enquanto despesa de manutenção dos bens do espólio; e assim, foi negado provimento ao Agravo interposto.

Apenas enquanto adendo à matéria, não poderia se deixar de mencionar o Projeto de Lei de nº 1.058/2011, proposto pelo Deputado Federal Marco Aurélio Ubiali do PSB/SP, o qual, dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores e dá outras providências. O projeto de Lei ainda está em trâmite, porém, a sua sanção representará um grande avanço na defesa dos direitos dos animais de estimação, afinal, resta impossível manter-se esta visão objetificada com relação aos animais de estimação diante da interação que hoje este estabelece com o homem. (BARBOSA, 2016)

Sobre a autora
Aline de Fátima Lima Gomes de Miranda

Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia -UNAMA. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio, e, com MBA em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas- FGV.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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