6. A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA COM A UTILIZAÇÃO DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS
A introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, visa três objetivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais.19
Sendo assim, a arbitragem tributária portuguesa teve autorização legislativa contida na Lei do Orçamento do Estado para 2010 (LOE/2010), ganhando, assim, suporte legal.
Neste sentido, Nabais (2010) aborda o seguinte:
“O que, tudo somado, leva a concluir que a arbitragem tributária continuou sem suporte legal até à aprovação da LOE/2010, em cujo art. 124º se contém uma ampla e generosa autorização legislativa ao Governo para "instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária".”.
Em Portugal a arbitragem começa a ser aplicada como resposta a esta demora na solução por parte dos Tribunais estaduais e à convicção de que se esgotaram todas as soluções encontradas até então para dirimir as crescentes pendências. Tais circunstâncias que fazem desejar a criação de meios alternativos aos tribunais estaduais e que tornam a arbitragem tributária uma necessidade.
A abertura à arbitragem concedida pela lei supramencionada restou particularmente ampla, pois a ela se pode recorrer para resolver a de forma genérica os litígios tributários. Esta amplitude também se se depreende, desde logo, quando o n. º 2 do art. 124.º, refere que
“o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”
O decreto regulou e viabilizou a arbitragem tributária em Portugal, fixando as matérias que podem ser objeto deste instituto, quais sejam:
a) apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de auto liquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável;
c) apreciação de qualquer questão, de fato ou de direito, relativa ao projeto de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anteriormente referida.
Assim, a legislação abriu espaço para análise de aspectos constitucionais e, segundo ela, é expressamente vedado o uso do julgamento por equidade. Desta forma, traçou que a arbitragem é meio alternativo ao processo judicial, podendo a própria administração pública dar início ao procedimento.
O Decreto ainda prevê a possibilidade de os contribuintes buscarem os tribunais arbitrais para a solução de ações que se encontram pendentes de julgamento há muito tempo. Podendo ainda se socorrer do instituído quando discordarem de certas intimações do fisco, como por exemplo, as que se referem ao valor que lhes seja cobrado de imposto sobre a renta, ou o direito de uma isenção. 20
Dentre as grandes vantagens da arbitragem, encontra-se a garantia da celeridade, pois é estabelecido um tempo limite de seis meses para emissão da decisão, prorrogável por mais seis meses. Ainda assim, é possível inúmeros recursos. 20
Resultado prático: entre 2011 e 2013, deram entrada 917 processos nos tribunais arbitrais tributários em Portugal. Conclui-se que impacto no alívio dos tribunais judiciais foi destarte muito pequeno. Isto porque, os recursos que são feitos pelos contribuintes são recusados tanto pelo Tribunal Central Administrativo, como pelo Supremo Tribunal Administrativo como ainda pelo Tribunal Constitucional, pelo que os grandes contribuintes intimidados em recorrer à arbitragem por estarem convencidos de que é irrecorrível.
Outro dos motivos avançados tem a ver com as custas, "que são demasiado elevadas para quem quer nomear um árbitro e são pagas à cabeça", face "às custas dos processos em que não há lugar a nomeação de árbitro". Esta questão deveria ser revista, no sentido de baixar as custas para quem opta por nomear os árbitros, sugere. Em apenas 2% dos processos houve lugar à designação de árbitro. Por outro lado, "o Conselho Deontológico deveria fazer um controlo mais apertado da incompatibilidade de interesses dos árbitros", até para "proteger a credibilidade da arbitragem tributária."21
Já para o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, quando a arbitragem tributária foi implementada, os resultados têm sido "muito positivos", sobretudo tendo em conta o elevado número de processos que deu entrada no primeiro semestre do ano: 430.
"O ritmo dos processos caminha para o milhar por ano o que mostra confiança crescente dos contribuintes e um alívio maior também dos tribunais judiciais". "E há outros resultados que os números não medem, como o efeito autodisciplinador da administração e o enriquecimento técnico das decisões", acrescenta ainda. No mesmo sentido, para o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa, Nuno Villa-Lobos, tanto os Estados, como os contribuintes, “com perfil socioeconômico muito variado, dão mostras de confiança crescente neste mecanismo". "Para este sentimento, muito têm contribuído sentenças arbitrais céleres, públicas" e de "elevada qualidade técnica, com custos idênticos aos dos tribunais estaduais", realça. A celeridade nas decisões é, aliás, um dos pontos mais sublinhados, já que um processo demora em média 4,5 meses a ser resolvido. 22
7. CONCLUSÃO
O Estado que nos dias de hoje reconhece, a necessidade de modernização dos meios de solução de demandas, e principalmente a necessidade do esvaziamento do Judiciário, haja vista sua total inoperância por conta de sua incapacidade de produzir os efeitos esperados quando demandado, atrelado ainda à monopolização pelo Estado da criação do Direito e da resolução dos conflitos, afirmada desde os séculos XV/XVI, vem sendo lentamente mitigada pelo crescente protagonismo dos cidadãos na vida.
O elevado número de processos que trava o sistema judiciário por conta da cultura litigante e da aplicabilidade da enormidade de impostos e taxas que exacerba a dificuldade que os tribunais judiciais sentem para proporcionar resposta pronta, aumentados pela crescente sofisticação do Direito Fiscal, marcado por soluções informatizadas, que dão celeridade na aplicação das suas incidências e das técnicas de imensa delicadeza e em constante transformação, nas quais muitos juízos tendem a ter dificuldade em acompanhar.
O entendimento controverso de algumas personalidades do mundo jurídico e uns poucos normativos rígidos que preconizam a falta de razoabilidade e da proporcionalidade não permite que a simples ausência de autorização legal expressa seja um entrave para a submissão da Administração Pública a esta nova modalidade de solução de controvérsias, mesmo que esta possa representar desenvolvimento nacional e maior alcance dos interesses públicos em respeito ao princípio da eficiência.
Incontestável a necessidade de lei complementar para regulamentar a matéria, em tramite os inúmeros projetos de lei que modificam essa abordagem, darão a celeridade necessária para o Administrador público, no uso de suas atribuições promover, como já promove, meios alternativos para a recuperação fiscal, observada a transparência destas ações, que objetivam sempre o bem comum.
Valorar de forma clara os ativos a serem recuperados e ainda, a exemplo do trabalho português sore o tema, buscar a celeridade e a eficiencia preconizados na letra da lei.
O conceito de eficiência no exercício da função pública, não se aplica apenas à forma de uso e gestão da coisa pública. A integração cada vez maior dos Estados em um mundo que se integra progressivamente não mais se satisfaz com o modelo tradicional de gestão pública, lento em demasia para acompanhar os avanços sociais.
Portanto, por todo o exposto, instauração da arbitragem em matéria tributária no Brasil, ainda que utilizada após o transite em julgado de uma sentença, para fins de liquidação, trará grande segurança à relação fisco-contribuinte, em função do tempo da resposta e da emissão de uma decisão técnica e não política, contribuindo para que houvesse avanço no sistema arrecadatório e alcance maior da justiça fiscal.
O Direito Tributário nacional e internacional sofrem com os reflexos desses novos tempos. As soluções dos conflitos que surgem, nesse campo, não podem mais ficar sujeitas à morosidade de demandas judiciais que se perdem, no tempo, e os princípios da indisponibilidade e da legalidade não constituem óbices à solução de eventuais dissídios, via arbitragem ou outro meio alternativo de solução.
Tarda a adoção de medidas que, de forma eficiente, trate do tema e traga à tona a solução mais célere, valida e eficiente, outrossim, tais ações poderão tornar viáveis a aplicação da arbitragem como meio de solução, haja vista o evidente aumento na arrecadação com a recuperação fiscal de créditos que se perderiam pela prescrição, ou por infindáveis processos de execução fiscal.
Ainda que controversa a Arbitragem Tributária mostra novo caminho aos anseios dos gestores públicos, que necessitam de recursos para a gestão eficiente da coisa pública e aos contribuintes, que para a solução de suas demandas tem hoje a sede judicial como única alternativa válida.
Contempla a controvérsia os princípios da indisponibilidade do Direito Público, mas observa-se na pratica a adoção de meios alternativos, tais como a edição de medidas Provisórias, em várias esferas do poder, para a captação dos recursos que essa indisponibilidade demanda em sede judicial. À luz dos dispositivos legais já elencados neste trabalho, ponderamos as possibilidades. Diante do exposto a aplicabilidade do binômio possibilidade X necessidade traduz-se de forma clara, na adaptação da legislação, já combalida com as emendas e medidas adotadas pelos gestores públicos, em todas as esferas, na busca pela forma mais célere de recuperação fiscal, tais meios, ainda que controversos, viabilizam a captação de recursos ainda que demandados em sede judicial. Encontra amparo legal na legislação em vigor.
Apresenta-se nesta controvérsia a Arbitragem como alternativa para a imensa quantidade de processos em sede judicial, o que a torna inviável, às novas interpretações da disponibilidade do credito tributário, garantidas pelo princípio da legalidade elencado no ordenamento Jurídico amplamente abordados nas normas do Artigo 96 e seguintes do CTN, que preconizam as fontes materiais e suas formas de elaboração, normatização e disponibilidade.
Neste diapasão, adotar a Arbitragem tributária mesmo que controversa, é manifestadamente legal, válida e coerente, porém sua aplicabilidade, formação dos Árbitros e o controle de suas atribuições carecerá de normas rígidas e claras para que esse instituto atenda as expectativas tanto da sociedade, quanto de seus defensores, a experiência alienígena invoca que o futuro deste método alternativo é promissor.
A solução de demandas por meios alternativos não é só uma opção ou a adoção de uma posição doutrinária, a adoção destes métodos, na atual situação processual do Judiciário, poderá, em dado momento, atender à aplicabilidade do disposto no artigo 5º, XXXV, da CRFB/88.
As questões controversas, validade jurídica, aplicabilidade e disponibilidade ou não do Direito é e sempre será debatida enquanto não houver elementos fáticos de sua aplicabilidade em sede da justiça restaurativa, tais questões ainda que conservadoras ou positivistas, tendem a de qualquer maneira, levar ao debate novos meios de solução para a demanda apresentada e é movimento singular que molda nosso direito e o faz tão vivo e vibrante. E que vença o melhor argumento.
De certo que o presente artigo não pretendeu esgotar o tema, mas tão somente contribuir com futuras pesquisas.
Notas
1 AFONSO RODRIGUES, Carlos Gomes – Artigo - Do Juizo Arbitral e a Administração pública, disponível em https://ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12674&revista_caderno=4) Acesso em 14/06/2018
2 RESCHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem privada internacional no Brasil . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 15.
3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. https://www.planalto.gov.br
4 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. Ed. Bahia: JusPodivm, 2008, p. 81
5 MELLO, Celso Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Malheiros, 2011.
6DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2010.
7 CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem: Lei n° 9.307/96. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1997, p. 11.
8 MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno – legitimidade – finalidade – eficiência 0 resultados. Belo Horizonte: Fórum, 2008. P. 101
9 ROCHA, Sérgio André, Processo Administrativo Fiscal, Rio, Lúmen Júris, 2007. P 102.
10 MONTEIRO, Alexandre Luiz do Rêgo, A Arbitragem como mecanismo suplementar de solução de controvérsias nos acordos contra a bitributação celebrados pelo Brasil. Catalogo USP,
T ese de Doutorado, São Paulo, 2014
11 disponível em: https://www.câmara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=431269 acessado em 22/03/2018
12 disponível em: https://www.sindifisconacional- p.org.br/UserFiles/File/pdf/ParecerHugodeBritoLGT.pdf acessado em 22/03/2018
13 disponível em: <https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf> Revista Justiça em Números 2017. Acessado em 22/05/2018
14 disponível em: <https://www.pgfn.gov.br/noticias/PGFN%20Em%20Numeros%20-%202011.pdf>. “A PGFN em Número” Acesso em 20/5/2018.
15 CATARINO, João Ricardo; FILLIPO, Luciano Gomes. Ainda a propósito da arbitragem no direito tributário. Um estudo de direito comparado sobre sua admissibilidade e limites em Portugal e no Brasil. https://aqlfadvogados.com.br/docs/ainda_a_proposito_da_arbitragem_no_direito_tributario.pdf
16 OLIVEIRA, Luciana Gualda e. O controle das práticas de arbitragem tributária internacional: medida imperativa de Justiça Fiscal ou mero paliativo diante da crescente globalização? 2009. 107. f. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional Econômico) Universidade Católica de Brasília, Brasília.
17 disponível em: https://www.iberred.org/sites/default/files/código-procesal-civilargentina.pdf. acesso em 22/05/2018
18 NABAIS, Jose Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais os deveres e os custos dos direitos.
19 disponível em: https://cbar.org.br/site/legislacao-internacional/portugal acesso em 22/05/2018
20 disponível em: https://www.valor.com.br/legislacao/3707462/cnj-judiciario-brasileiro-foi-mais-lento-em-2013-do-que-em-2012 acesso em 20/05/2018
21 disponível em: https://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/revista-pgfn/anoinumero-i/casalta.pdf acesso em 22/05/2018
22 disponível em: https://economico.sapo.pt/noticias/arbitragem-tributária-tem-917-processos-em-tres-anos_196801.html Acesso em 14/06/2018
OUTROS SITES VISITADOS
disponível em: https://ie.org.br/site/ieadm/arquivos/cmanoticiaarquivo307.pdf acesso em 22/05/2018
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