Um caso de implementação de políticas públicas pelo Parquet

27/12/2018 às 12:40
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O artigo discute com relação a possibilidade de atuação do Parquet na implementação de políticas públicas voltadas a drenagem para o combate de chuvas, levando em conta o caso concreto da cidade do Rio de Janeiro.

Em importante depoimento ao Jornal do Brasil, em sua edição de 26 de dezembro do corrente ano, o coordenador do Laboratório de Hidrologia do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) da UFRJ, Paulo Canedo, lembrou que os transtornos como o da última segunda-feira poderiam ser evitados se houvesse uma preocupação maior no emprego de tais recursos. Ele explica ainda que investir no sistema de manutenção de drenagem é o mesmo que promover a manutenção de canos que conduzem a água da chuva para os rios.

“Este tipo de investimento é uma questão de prioridade. Os governos não dão importância para isso. Preferem fazer Verbas sem uso contra alagamento Dados do Portal da Transparência indicam que a Prefeitura só gastou 58,67% do previsto contra enchentes Bairro carioca onde mais choveu, São Cristóvão teve pontos inundados, como a Praça Padre Seve esse tipo de serviço só quando arrebenta algum cano. A manutenção é só emergencial. Se houvesse maior preocupação com manutenção, não teríamos tantos alagamentos”, critica. Para Canedo, a manutenção do sistema de drenagem não se justiica apenas pelo despejo irregular de lixo nas “bocas de lobo” e, consequentemente, na tubulação."

“Os canos têm vida útil. É como o ralo de uma casa. O do banheiro, por exemplo, pode entupir com cabelo se não for limpo regularmente”, acrescenta. Procurada, a Secretaria de Conservação (Seconserva) não informou quais os projetos estão em ação para evitar alagamentos na cidade. Por e-mail, indicou que fornecerá tais dados em breve e que “os serviços executados de novembro e dezembro ainda estão sendo processados e podem ser liquidados até o dia 10 de janeiro”.

Falta, pois, para o caso, implementação de política pública pelo gestor municipal no Rio de Janeiro, hipótese que obriga a ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, visando a tal desiderato.

A Constituição Brasileira de 1988, na linha da Constituição de Bonn (1949), da Constituição Portuguesa (1976), da Constituição Espanhola (1978), conferiu eficácia imediata aos direitos fundamentais (art. 5.°, I, da CF).

Dir-se-ia que a realização de políticas públicas ficaria dependente de recursos orçamentários, matéria que não caberia do Judiciário entrar. É a reserva do possível.

Ouso discordar, apontando as lições de Andreas Joaquim Krell, quando disse que a Constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado e que a eficácia dos direitos fundamentais sociais depende dos recursos públicos disponíveis. No entanto, a negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como consequência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos, de modo a permitir a intervenção do Judiciário em caso dessas omissões.

O certo é que não há discricionariedade na adoção de políticas públicas, pois a Constituição já determina sua realização.

Há casos em que há normas impositivas de ação governamental que são acompanhados de parâmetros de concretização e sanções por sua inobservância.

Mais uma vez, trago exemplos: quando são previstos limites mínimos de destinação de recursos públicos para manutenção e desenvolvimento do ensino(artigo 212 da Constituição); o não oferecimento ou a oferta irregular de ensino obrigatório. Por certo, a não observância desses parâmetros deve e pode ser avaliada pelo Judiciário.

O principio da separação de poderes não pode ser usado para descumprimento de deveres públicos em caso de grave epidemia, quando se exige da Administração uma obrigação de fazer.

Aqui aplica-se o principio da proporcionalidade.

Sem dúvida, os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais e, como tal, exigem a democracia material, pois apenas com esta os requisitos da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos poderão ser verdadeiramente preenchidos, de forma que a pessoa esteja subtraída do arbítrio de coações derivadas do poder público, mas também do poder econômico.

Os direitos fundamentais, vistos sob a ótica de direitos de defesa, asseguram a esfera da liberdade individual contra interferências legítimas do poder público.

Assim, mesmo o Poder Constituinte originário encontra nos direitos humanos uma limitação material.No campo dos direitos sociais, há o direto estabelecimento do direito à educação, saúde, lazer, trabalho, à segurança social, à previdência social.

Tal conteúdo é especificado por normas que fixam políticas governamentais (art. 194. e 195, 196 a 200, 201, 203, 204, 206 a 208 , 210 e 214).

Os princípios retores de política social só podem ser alegados ante a jurisdição ordinária de acordo com o que disciplinem as leis, que venham a desenvolvê-las. Haveria, pois, uma reserva de lei.

Se não há dúvida de que tais normas constitucionais, que disciplinam direitos sociais, são conformadoras das medidas estatais, de tal forma que proíbe-se uma involução reacionária, há patente óbice à formulação de política pública pelo Judiciário, pois estaríamos frente a verdadeira discricionariedade administrativa. No entanto, se há normas que embasam direitos subjetivos públicos surge o recurso a tutela jurisdicional.

Há plena justicialidade dos direitos sociais quando concretizada a política pública e não é ela implementada.

Aí, o papel prestimoso do Ministério Público para exigir, na tutela do artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973, o ensino público primário obrigatório, em estabelecimentos oficiais, o atendimento especializado aos portadores de deficiência, por exemplo. Pode-se duvidar da imperatividade dessas normas? Por certo, que não. Será o caso de solicitação de expedição de tutela mandamental contra a Administração, de cunho inibitório.

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O argumento de que tais direitos surgem por normas programáticas não impressiona. Não se negue que as normas constitucionais programáticas hão de informar a atuação do legislativo, ao editar leis, bem como a da Administração ao aplicá-las.

Bem aduz José Afonso da Silva (Direito Constitucional Positivo), a Constituição de 1988, diferentemente das Cartas de 1946, 1934 e a de 1967, inócuas que eram nas medidas sociais, contém normas de princípio programático, sejam de princípio da legalidade (art. 7.°, XI; art. 7.°, XX; art. 7.°, XXVII, dentre outros); normas programáticas referidas aos Poderes Públicos (art. 21, IX, art. 184, art. 215. (pleno exercício dos direitos culturais); (art. 217, quanto ao fomento pelo Estado de práticas esportivas) e, finalmente, normas programáticas dirigidas à ordem econômica-social em geral (art. 170; art. 193).

Possui o Ministério Público a iniciativa de defesa da ordem democrática.

Longe está o Ministério Público Federal, com a feição que lhe foi dada pela Constituição de 1988, de um “funcionário Promotor do crime”.

Sua ação, num quadro democrático, vai desde o exercício da ação penal até a fiscalização dos interesses de pessoas carecidas de proteção (menores, incapazes), passando pela defesa da constitucionalidade e legalidade e, por fim, da defesa de interesses difusos (ambiente e patrimônio).

É advogado da sociedade e não do Estado, pois a magistratura do Parquet não se exerce em nome do Estado-Pessoa.

Com isso, sua tutela se dirige no dos interesses coletivos, dos interesses individuais homogêneos e dos interesses difusos.

Deve-se aduzir que os interesses difusos são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade. Por sua vez, têm com características os interesses coletivos: transindividualidade, porquanto superam a dimensão individual, traduzindo anseios comuns vinculados a um grupo, a indivisibilidade, já que visam a um a satisfação que é da coletividade como um todo, não podendo ser do indivíduo; o vínculo associativo, que traduz a relação jurídica de base que dá consciência ao agrupamento; e, por fim, a determinabilidade dos sujeitos.

Os direitos individuais homogêneos (Lei n.° 8.078/90) são vinculados à pessoa, de natureza divisível e de titularidade plúrima, decorrentes de origem comum. Fala sobre eles João Batista de Almeida, sustentando que a via própria para o pleito de direitos individuais homogêneos é a ação civil coletiva (art. 91. a 100 do Código de defesa do Consumidor).

Em matéria de implementação de políticas públicas deve-se levar em conta a noção de interesses legítimos.

Entende-se que a ação civil pública visa a assegurar proteção a interesses ou direitos abrangentes de toda a coletividade, ou de parte dela. Visa-se a uma pretensão geral de execução da lei, diverso do direito subjetivo, que fica à disposição do respectivo titular, pois no direito subjetivo há uma garantia legislativa de utilidade substancial e direta para o titular.

Na Itália, fala-se um interesses ocasionalmente protegidos, marcada por uma garantia instrumental da legalidade do comportamento administrativo.

Está o Ministério Público com legitimidade (estar em face de) processual concorrente para o processo, em matéria de implementação de políticas públicas.

Fala-se numa legitimidade, dita extraordinária ad processum. Corresponde ao direito de conduzir um processo (Prozessführungsrecht).

Falo em legitimidade extraordinária concorrente primária, que tem lugar quando qualquer dos legitimados extraordinários pode agir independentemente da ação do outro, uma vez que a Lei da Ação Civil Pública (Lei n.° 7.347/85) discrimina, além do Parquet, os legitimados para tal ajuizamento.

Entendida a substituição processual como instituto pelo qual é conferido a alguém legitimação para, em nome próprio, agir em juízo como autor ou réu, na defesa do direito alheio, lembro o Mestre Barbosa Moreira, que nega possa ocorrer substituição processual, na legitimação extraordinária autônoma concorrente, porque, se por substituir se entende retirar qualquer pessoa do lugar para colocar outra, a denominação substituição processual pareceria adequada para a substituição autônoma e exclusiva. Porém, data vênia do Mestre Barbosa Moreira, em casos de legitimação concorrente (como na Ação Civil Pública), nos quais existe uma pluralidade de pessoas legitimadas, com autonomia, se a lei autoriza um dos legitimados a agir individualmente, não pode deixar de atribuir eficácia ultra partes a tal atividade, o que faz revestindo a sentença com autoridade de coisa julgada, para quem é parte, e para quem é substituído. A Lei da Ação Civil Pública traz patente exemplo de legitimação autônoma concorrente primária, sempre que existir para qualquer dos legitimados extraordinários, a possibilidade de instaurar o processo.

O Ministério Público atua nesses casos como verdadeiro substituto processual objetivando conceder à sociedade políticas públicas que lhe são negadas pelo Estado.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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