2. BREVE HISTÓRIA DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO
A temática do consumidor não permanece parada no tempo, haja vista as mudanças advindas da sociedade, do mercado de consumo, que requerem adequações, tanto, que foi instituída Comissão de Juristas pela Presidência do Senado Federal, visando sugerir alterações ao CDC atual, adequando-o às novas realidades.
Observe-se que quando da formação e estruturação do Brasil o direito português foi aplicado até que leis próprias fossem editadas. Influenciadas, por certo, pelo direito europeu de modo geral, essas leis continham normas de direito civil, comercial, náutico entre outras e traziam modestas disposições acerca do consumidor
Quanto às legislações correlatas, contendo dispositivos que, de forma indireta atendiam ao consumidor, serviam de suporte ao tema: o Decreto nº 22.626, de 1933, destinado a reprimir a usura; o Decreto-Lei nº 869 de 1938, que tratava sobre os crimes contra a economia popular e, em 1962, a Lei nº 4.137, sobre a Repressão ao Abuso Econômico. Destaca-se em nível estadual, a criação do PROCON de São Paulo, em 1978, por meio da Lei nº 1.903, de 1978, e no âmbito federal, em 1985, o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor por meio de Decreto nº 91.469, experiências iniciais relativas à defesa específica do consumidor.
Na década de 70, foi criada a Associação de Defesa do Consumidor de Porto Alegre/RS, que editava a Revista Consumidor. Outras associações foram criadas Brasil afora, entre elas, na década de 80, o IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor, em São Paulo, que editava a revista Consumidor S.A.
Em 1990, editou-se a Lei nº 8.078, criando o Código de Defesa do Consumidor (CDC), atendendo a determinação da CF/88, prevista no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que dizia: “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”.
E foi aí que nasceu o CDC estabelecendo normas de ordem pública, contendo regras de direito material e processual nas áreas cível, criminal e administrativa para a regulação da temática do consumidor.
Ressalta-se que o CDC, editado em 11 de setembro de 1990, passou a vigorar a partir de 11 de março de 1991, contribuindo para estruturação do tema no Brasil, pois, apesar de ter elaborado sob a égide do CC de 1916, foi permeado por correntes doutrinárias, com inovadoras medidas em benefício dos consumidores, apresentando um corte no sistema jurídico.
2.1 O Código de Defesa do Consumidor e abordagem acerca do direito ao arrependimento previsto no artigo 49
O Código de Defesa do Consumidor permite a desistência da compra efetuada fora do estabelecimento comercial em até 7 (sete) dias decadências, concedendo ao consumidor o direito de arrependimento , garantindo-se a este o que se chama prazo de reflexão.
Fazer compras fora do estabelecimento convencional significa realizá- las pela internet, telefone, domicílio, enfim, todas aquelas situações de compra (contrato) que não se realizem dentro do estabelecimento físico do vendedor. Vejamos o artigo 49, do CDC:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviço ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Essa norma efetiva o direito à informação pelo consumidor (direito básico previsto no CDC), de sorte que possibilita que este avalie, a seu juízo, se aquele produto atende as suas necessidades, podendo, por isso mesmo, desistir de eventual compra realizada sem mesmo haver uma motivação para isso.
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 1340604), já reconheceu que essa norma dá ao consumidor o direito de uma compra consciente, concede notadamente visando equilibrar a relação de consumo:
O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que, quando o contrato de consumo for concluído fora do estabelecimento comercial, o consumidor tem o direito de desistir do negócio em 7 dias ("período de reflexão"), sem qualquer motivação. Trata-se do direito de arrependimento, que assegura o consumidor a realização de uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo.
O direito de arrependimento também conceituado como (prazo de reflexão) assegura ao consumidor a realização de uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo. Caso se arrependa, o consumidor terá de volta, imediatamente e monetariamente atualizados, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, entendendo-se incluídos nestes valores todas as despesas com o serviço postal para a devolução do produto, quantia esta que não pode ser repassada ao consumidor.
2.2 As implicações trazidas pelo Decreto nº 7.962/2013 referentes ao direito de arrependimento
O Decreto n. 7962/2013 veio a regulamentar o Código de Defesa do Consumidor para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Cabem elogios a este, pois que, regulamentou pontos críticos relacionados ao e-commerce, exigindo de forma expressa a identificação completa do fornecedor do site, resumo e contrato completo disponibilizado, regras para o atendimento eletrônico eficaz, direito de arrependimento, regras para estornos e compras coletivas, obrigando ainda que as informações sejam claras e precisas. Esse decreto é valido para todo tipo de e-commerce, independente do tamanho do negócio e caso não seja respeitado pode acarretar multas, apreensão de mercadorias e intervenções administrativas rígidas. Para os consumidores, a nova lei só traz benefícios, haja vista proporcionar mais segurança na realização de compras online, pois emana garantias claras e transparentes.
O fornecedor ficou obrigado a comunicar de forma imediata o cancelamento à instituição financeira ou a administradora do cartão de crédito, a fim de cancelar o lançamento correspondente. Vejamos:
Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.
§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.
§ 2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.
§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:
I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor;
II- seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.
§ 4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
Art. 6º As contratações no comércio eletrônico deverão observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços contratados, observados prazos, quantidade, qualidade e adequação.
Assim sendo, as empresas que praticam comércio eletrônico devem estar preparadas para o atendimento legal das normas de proteção ao consumidor, colocando em funcionamento mecanismos tecnológicos aptos a promover a efetiva defesa dos direitos dos usuários no ambiente eletrônico, dando ao consumidor a efetividade Decreto nº 7.962/2013 que como vimos foi criados para regulamentar a Lei no 8.078/1990 no que tange à contratação no comércio eletrônico. Assim, o consumidor se torna menos vulnerável. Todavia, vale lembrar que cabe também aos consumidores concorrerem para a prática de um consumo consciente e adequado, não podendo se atribuir aos fornecedores a exclusiva responsabilidade por eventuais problemas.
3. PRINCÍPIOS
No decorrer da história, uma série de princípios foram criados para nortear e estruturar o Estado de Direito. Esses princípios podem ser observados nas Constituições existentes no mundo, pois elas são responsáveis por definir a estrutura básica, fundamentos e bases para determinado sistema.
Os princípios foram influenciados principalmente pelas Revoluções Francesa e Americana. No Brasil, desde o século XIX, havia certa resistência na elaboração de uma Constituição Brasileira, visto que, o país era comandado por um rei que tinha suas regras próprias. Com o passar dos anos, foram criadas sete constituições que fizeram mudanças na história do país. A partir delas, muitos princípios foram implantados e, atualmente, representam o pilar do Estado Brasileiro.
Estado de Direito: Modelo de estado onde a lei conduz a vida social e também a do Estado. Através da lei, todas as competências e funções dos órgãos do Estado são definidos, além disso, os cidadãos estarão protegidos por meio de mecanismos que lhes darão o direito de requerer do Estado, quando este não tiver cumprindo os seus objetivos
3.1 O princípio da vulnerabilidade do consumidor
O princípio da vulnerabilidade é aquele que define o consumidor como a parte mais fraca da relação, determinando que este sempre se encontra em situação desfavorável perante a outra parte, pelo fato de não dispor de conhecimentos técnicos necessários para avaliar a qualidade e complexidade dos produtos e serviços que venha a adquirir . A vulnerabilidade sempre será presumida.
Do mesmo modo, a vulnerabilidade está presente no comércio eletrônico, de forma mais intensa que nas relações tradicionais, já que, uma série de fatores são acrescentados nessa dinâmica e ainda tem-se em algumas áreas a falta de normatização para tais relações. Esse novo conceito de vulnerabilidade eletrônica visa reequilibrar essa balança das relações de consumo via comércio eletrônico que atualmente pende para o lado dos fornecedores, trazendo uma reinterpretação do modelo tradicional, de modo a suprir de forma mais abrangente as necessidades do consumidor virtual. Algumas características peculiares do comércio eletrônico induzem inovação quanto à maneira de encarar a vulnerabilidade.
O desequilíbrio na relação consumerista é nítido, pois o consumidor não dispõe de conhecimentos técnicos necessários para avaliar de forma correta a qualidade e complexidade dos produtos e serviços que venha a adquirir. A vulnerabilidade sempre será presumida, independente da característica do consumidor. Tal situação é agravada diante de tantos problemas e riscos aos quais os consumidores estão submetidos quando usam da contratação eletrônica, sendo latentes que nesse cenário imaterial, os consumidores são dotados de uma fragilidade extra, principalmente crianças, idosos, analfabetos e deficientes.
Além de vulnerável, o consumidor que contrata em ambiente virtual também pode ser considerado hipossuficiente por forças das adversidade e peculiaridades do meio tecnológico. Devido as barreiras para avaliação de um produto e ainda mais a boa-fé de um fornecedor, que pode estar em outro hemisfério, a vulnerabilidade do consumidor é dobrada, pois além da falta de normatização do CDC é crescente o número de fraudes sofridas pelo consumidor por meio da internet.
Uma das mais marcantes é no tocante ao elemento volitivo do contrato, que é relativizado nesse tipo de contratação, tendo em vista suas peculiaridades, a exemplo da desterritorialização (falta de territorialidade definida) e da despersonalização da relação jurídica, ao passo que não se tem qualquer contato com quem se negocia, sendo um negócio onde não há meio físico ou material.
É mister mencionar que o consumidor não tem voz ativa no cenário digital, pois que, ocorre desenfreada mitigação do princípio da autonomia da vontade, ao passo que os contratos de adesão são praticamente a única forma de celebração pela internet. Dessa forma, o consumidor se torna um mero aceitante daquilo imposto no contrato virtual, permitindo o aumento exponencial de práticas abusivas. Logo, é plausível afirmar que o advento do comércio eletrônico trouxe uma nova realidade, ou e por consequência desse tipo de relação surgiu também sem uma nova espécie de vulnerabilidade, qual seja a eletrônica, devendo-se lançar mão de medidas capazes de proteger o consumidor de modo mais abrangente.
3.2 O Princípio da harmonia nas relações de consumo no comércio eletrônico
O princípio da harmonia das relações de consumo encontra-se previsto no Código de Defesa do Consumidor no artigo 4º, caput e inciso III. Ele é informativo da relação de consumo que possui por fundamento a justiça distributiva (LISBOA. 2001, p. 108) e tem por objetivo equilibrar os interesses envolvidos nesta relação jurídica.
Na satisfação de suas necessidades, acaba por se submeter aos sortilégios dos fornecedores de produtos e serviços, gerando um desequilíbrio na relação jurídica. Essa situação de desequilíbrio é prejudicial para o convívio dos atores sociais, motivo pelo qual, a busca da harmonia visa assegurar a igualdade no seio do mercado de consumo. (SOARES, Ricardo. Op. cit., p. 94).
Almeja-se acabar com a separação perniciosa que colocava o consumidor de um lado e o fornecedor de outro, como se fossem litigantes sociais e estivessem eternamente em situações antagônicas. Isso porque os objetivos maiores do princípio da harmonia das relações de consumo são a paz e o desenvolvimento sem traumas. Sintetiza Roberto Senise Lisboa (2001, p. 108) que:
A relação de consumo deve ser harmônica e justa, a fim de que o vínculo entre o fornecedor e o consumidor seja constituído de maneira tal que se estabeleça o equilíbrio econômico da equação financeira e das obrigações jurídicas pactuadas ou contraídas pelos interessados.
Nos dias de hoje, um empresário ou sociedade empresária não sobrevive se sua imagem encontrar-se abalada e sem credibilidade no mercado de consumo. Como a credibilidade só é alcançada ou mantida através da colocação, no mercado, de produtos e serviços de qualidade, bem como através de um serviço de pós-vendas capaz de atender a todas as demandas de forma rápida, prática e eficaz, de forma que o consumidor fique sempre satisfeito, os fabricantes de produtos e prestadores de serviço acabam tendo de cumprir, por necessidade de sobrevivência, a regra da excelência na qualidade do produto ou serviço e no atendimento ao consumidor.
Em outras palavras, impedir a prática abusiva do direito ao arrependimento é estimular o equilíbrio e a harmonização das relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º inciso III).
4 LIMITAÇÕES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO
Em linhas gerais o consumidor possui o direito de se arrepender de suas compras realizadas em ambiente virtual (Art. 49 do CDC e Decreto 7962/13), respeitando o prazo de reflexão de sete dias a serem contados da data da assinatura do contrato ou do recebimento do produto.
Fala-se “em linhas gerais”, pois, haverá ocasiões onde o arrependimento se tornará inviável em virtude da natureza do produto. Tomemos como exemplo assim a aquisição de bens de consumo não duráveis (alimentos por exemplo) e demais produtos de consumo imediato como os filmes, vídeos, aquisição de imagens e livros virtuais. Nestes casos e em outros verifica- se uma instabilidade na relação ficando o fornecedor em uma situação de desiguale material perante o consumidor, tendo em vista que os exemplos citados, tendo em vista que são produtos que foram escolhidos com livre convicção, baseado em gostos e preferências, e se o
Consumidor de repente decidir que não os quer mais assim de uma hora para outra, gera um desequilíbrio na relação.
É sabido que o nosso Código de Defesa do Consumidor deixou de trazer limites ao exercício do direito ao arrependimento, tornando possível que a interpretação do artigo 49 se dê de dois modos: a) interpretação literal; e b) interpretação teleológica.
Interpretação Literal: Ao interpretar o art. 49 de forma literal, o exercício do direito ao arrependimento será sempre possível, independentemente da natureza do produto. Interpretar deste modo significa dizer que o fornecedor suportará todos os riscos inerentes às vendas em plataformas virtuais (extravios, reembolsos, arrependimento etc).
Interpretação Teleológica: Do outro lado, têm-se a interpretação teleológica, sugerindo a aplicação mais branda do direito ao arrependimento. Aqui, deve-se refletir na subjetividade de cada caso para aplicação ou não desse direito. Nesse sentido Marcel Leonard, explica:
De fato, defender o caráter absoluto do direito de arrependimento, sem levar em consideração sua inaplicabilidade e sua inadequação em determinadas relações de consumo – decorrentes tanto da natureza dos produtos ou serviços ou das circunstâncias de contratação e de utilização desses produtos ou serviços – pode levar a graves distorções e possibilitar a prática de abusos por parte do consumidor.
Apesar do Código de Defesa do Consumidor não ilustrar nenhuma hipótese limitante ao direito ao arrependimento, o fornecedor encontra amparo na figura do Abuso de Direito, presente no art. 187 do Código Civil de 2002, assim: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê- lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Na definição de Rizzato Nunes, o abuso de direito será (2012, p.188) “resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem. Ou, em outras palavras, o abuso do direito se caracteriza pelo uso irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte do titular”.
Sendo assim, o abuso de direito ocorrerá sempre que o exercício de um “direito” ultrapassa a barreira da conduta justa, aplicá-lo ao direito de arrependimento significa frear a prática de condutas eivadas de má-fé que privilegiam os consumidores. Observamos que a norma consumerista ao possibilitar o direito ao arrependimento as compras online quer permitir que o consumidor reflita sobre o que está comprando ou contratando.
Embora atualmente ainda não haja um rol exemplificativo de limitações ao direito de arrependimento, o nosso ordenamento jurídico têm apreciado as particularidades de cada caso, utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da boa-fé para conciliar a proteção do consumidor com o desenvolvimento econômico Logo, a legislação estará forçando que o consumidor reflita sobre a contratação pelos sete dias que lhe foram concedidos. Isso se dá, justamente, porque o direito ao arrependimento deve ser exercício em cima do contrato firmado entre as partes e não sobre a efetiva prestação do serviço.