PODE O PECÚLIO A SER PAGO AOS BENEFICIÁRIOS SER DESCONTADO DO SALDO DEVEDOR DO MÚTUO CONTRAÍDO PELO PARTICIPANTE?

07/01/2019 às 15:48
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A POSSIBILIDADE DA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA DESCONTAR DO SALDO DEVEDOR DEVIDO PELO PARTICIPANTE EM MÚTUO PACTUADO O PECÚLIO A SER PAGO A SEUS BENEFICIÁRIOS, DENTRO DO QUE ENTENDEU O STJ.

PODE O PECÚLIO A SER PAGO AOS BENEFICIÁRIOS SER DESCONTADO DO SALDO DEVEDOR DO MÚTUO CONTRAÍDO PELO PARTICIPANTE?

I  – PECÚLIO E PENSÃO

O que é pecúlio e o que é pensão?

Pecúlio por morte é pago aos beneficiários ou designados, em parcela única. Para melhor entendimento de quem tem direito, explicaremos abaixo a característica de cada plano: PS-I: pago ao beneficiário legal do assistido em gozo de aposentadoria ou auxílio-doença.

O sistema de previdência complementar está baseado na formação prévia de um pecúlio, mediante a acumulação de recursos financeiros que garantam o pagamento futuro dos benefícios contratados. Nessa linha, a Lei 6.435/77, revogada pela LC 109/01, estabelecia que as entidades de previdência privada são as que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da Previdência Social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos. Por sua vez, o Decreto 81.402/78, que regulamentava a referida lei no tocante às entidades abertas, definia pecúlio como sendo o capital a ser pago de uma só vez ao beneficiário, quando ocorrer a morte do subscritor, na forma estipulada no plano subscrito. A LC 109/01, embora não se refira expressamente ao pecúlio, manteve a sistemática de concessão dos benefícios por meio de pagamento único ou na forma de renda continuada (art. 36).

O pecúlio corresponde ao benefício de pagamento único, devido ao(s) beneficiário(s), em virtude da morte do participante, quando esse risco encontra cobertura vinculada ao plano de previdência.

II  – O PECÚLIO E O SEGURO DE VIDA

O pecúlio é  algo que se assemelha a um seguro de vida.

Esse capital segurado não é herança.

Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, citando a lição do ministro José Augusto Delgado, afirmam que, “não constituindo o capital segurado herança, por força do estabelecido neste artigo, uma vez ocorrido o sinistro, o direito do beneficiário sobre tal capital é certo, sendo-lhe dado exigir o cumprimento do contrato por direito próprio, e não alheio” (Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 795).

Veja-se o que prescreve o artigo 794 do Código Civil:

Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. A razão de ser desse dispositivo, segundo o ensinamento de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, é a de que “segurado e beneficiário, nesses casos, não podem ser uma só pessoa”, e, por isso, “tratando-se de valor pertencente ao beneficiário, não se sujeita às dívidas do segurado nem se considera herança, pois, se instituído, pelo contrato, em favor de um herdeiro necessário, por exemplo, não está submetido à colação” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador: Cezar Peluso. 5ª ed. São Paulo: Manole, 2011. p. 824). 

Sabe-se que são absolutamente impenhoráveis os seguros de vida.

A função do seguro de vida é criar em favor de terceiro(o beneficiário) “um fundo alimentar”, como dizia Gabriel Rezende Filho(Curso de Direito Processual Civil, volume III, 5ª edição, n. 1.063, página 243). Dessa sua natureza jurídica é que decorre a sua impenhorabilidade.

III  – O PECÚLIO E O MÚTUO

Muitas vezes, o participante pactua um mútuo com a entidade que fornece planos de previdência privada, de forma que, em uma das cláusulas, fica acentuado que com sua morte, a dívida será compensada com o pecúlio que os designados têm a receber.

Poderá esse valor objeto de pecúlio ser objeto de penhora após a morte do segurado e diante do percebimento de pecúlio pelos beneficiários? Não.

O art. 649 do CPC/73 (art. 833 do CPC/15) estabelece a impenhorabilidade relativa dos pecúlios (inciso IV), tal qual do seguro de vida (inciso VI).

Sobre a impenhorabilidade do seguro de vida, eis a lição de Araken de Assis:

“O art. 649, VI, proíbe a penhora do direito expectativo à importância proveniente do seguro de vida, seja qual for o titular. Como demonstrou Amílcar de Castro, o dinheiro derivado da liquidação do sinistro jamais integrou ou integrará o patrimônio do segurado e devedor. Por conseguinte, a impenhorabilidade se estabeleceu em favor do beneficiário. De acordo com o art. 794 do CC-02, não se sujeita o capital estipulado às dívidas do segurado, “nem se considera herança para todos os efeitos de direito”. A regra pressupõe que o dinheiro recebido propiciará a subsistência do beneficiário, e, portanto, tem destinação alimentar. (Manual da Execução. 16ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 262-263).

O pecúlio pertence aos beneficiários e não ao participante.

IV  – A COMPENSAÇÃO

Poder-se-ia falar que tal débito pode ser objeto de compensação? Penso que não, pois a compensação exige uma identidade de partes, para pôr fim à obrigação, o que não  há para o caso vertente.

Define-se a compensação como a extinção das obrigações quando duas pessoas forem, reciprocamente, credora e devedora. E, com base na mesma doutrina legal, compunha-se dos seguintes requisitos: a) cada um há de ser devedor e credor da obrigação principal; b) as obrigações devem ter por objeto coisas fungíveis do mesmo objeto e qualidade; c) as dívidas devem ser vencidas, exigíveis e líquidas; d) não pode haver direitos de terceiros sobre as prestações, como ensinou De Page, Traité élementaire, III, segunda parte, n. 624. 

Fala-se no princípio da personalidade, envolvendo o credor e o devedor. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume II, 21ª edição, pág. 288) não afronta o princípio da personalidade a cessão de crédito, razão por que o devedor cedido pode opor ao cessionário o crédito que tem contra o cedente, desde que seja anterior à transferência, e que, antes da cessão, já tenha as qualidades necessárias à compensação. Se, porém, tiver sido notificado e nada opuser, não pode opor ao cessionário a compensação que antes teria contra o cedente (Código Civil de 2002, artigo 377). Existe uma exceção ao princípio da personalidade, no caso de fiador que pode opor seu crédito contra o credor, da mesma forma que pleiteia a compensação do crédito do afiançado, nos termos do artigo 377 do Código Civil de 2002. Mas a recíproca não é, todavia, verdadeira: o devedor não pode opor ao seu credor o crédito do fiador. 

Não se realiza a compensação se a compensação se fizer em prejuízo de direito de terceiros, não podendo o devedor que se torne credor de seu credor, depois de penhorado o crédito deste, opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia (Código Civil de 2002, artigo 380). 

Devendo ser ambas exigíveis, não comporta compensação a obrigação natural, como ensinavam M.I. Carvalho de Mendonça, De Page, Ruggiero e Maroi. 

Se a prescrição se completou antes da coexistência das dívidas, aquele a quem ela beneficia pode opor-se à compensação, sob o fundamento de que a prescrição extingue a pretensão, para outros, encobre a pretensão, faltando o requisito da exigibilidade para que aquela se efetue. Mas, se dois créditos coexistiram, antes de escoar-se o prazo prescricional operou a compensação ipso iure, e perimiu as obrigações; assim a prescrição que venha completar-se ulteriormente não mais atua sobre os débitos desaparecidos. 

Fala-se na liquidez das obrigações. 

A liquidez das obrigações não significa que a menção de soma precisa nos respectivos títulos, mas que sejam uma e outra certas, isto é, tenham a sua existência positivada independentemente de qualquer processo de duração, e determinado o respectivo quantum. Não importa que, pela alteração de situação econômica de uma das partes, reduzam-se as suas condições de solvência. O que deve ser indispensável, segundo a doutrina, é a liquidez da dívida. 

Não afeta a liquidez do débito o fato de opor-lhe a contestação o devedor. 

Quando as obrigações tiverem por objeto prestação de coisas incertas, somente serão compensáveis se a escolha competir aos dois devedores. Se couber aos dois credores, ou a um só deles na qualidade de devedor de uma e credor de outra, não poderia se falar em compensação. 

A regra da compensação é aplicável quando ambos são credores e devedores principais.  

Nas obrigações solidárias, o devedor pode compensar com o credor o que este lhe dever, mas somente pode invocar esta extinção com o que o credor deve ao seu coobrigado, até o equivalente da parte deste na dívida comum. 

Por certo, o local do vencimento da obrigação não influi sobre a compensação, que tanto alcança as vencidas no mesmo lugar quanto em lugares diferentes, mas, neste último caso, devem-se deduzir as despesas necessárias à operação. 

Afasta-se a compensação pela renúncia prévia de um dos devedores, pois a compensação é um benefício e de regra invito non datur beneficium. A renúncia pode ser expressa, quando a compensação é abolida pela declaração do devedor neste sentido; é tácita, quando o devedor, não obstante seja credor de seu credor, efetua espontaneamente o pagamento. 

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Um dos requisitos é o da fungibilidade das prestações. 

Não são apenas as dívidas de dinheiro que se compensam, porém as de coisas fungíveis em geral. Mas não basta que sejam do mesmo gênero, sendo necessária ainda a identidade de espécie e qualidade, quando especificada no contrato(Código Civil de 2002, artigo 370). Excluem-se as obrigações que tenham por prestação coisa certa determinada. 

Ha controvérsias se as obrigações de fazer comportam compensação, quando têm por objeto prestações fungíveis, posto que, se não fungíveis, todos acordam com a negativa. Na linha de Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 289) tem-se que a melhor doutrina está com os que negam a compensabilidade, fundados não só em que não basta a fungibilidade das prestações, em si mesmas, porém, é necessário que sejam, entre si, fungíveis. 

Para que haja a compensação, os débitos hão de estar vencidos. Assim, as obrigações a termo ou sujeitas à condição suspensiva, não sendo exigíveis, não podem ser objeto de compensação. 

Não se fala em compensação: 

a) se uma das dívidas provier de esbulho, roubo ou furto; 

b) se uma delas originar-se de comodato, depósito ou alimentos, a não ser que tenha a mesma causa; 

c) se uma delas for de coisa não suscetível de penhora, segundo o que dispõe a lei processual. 

A compensação está, assim, prevista no art. 368 do Código Civil:

“Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.

Por sua vez, o art. 369 do Código Civil exige que sejam “…dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”.

V – A MORTE DO PARTICIPANTE DO FUNDO DE PENSÃO E OS DIREITOS DOS BENEFICIÁRIOS DO PECÚLIO

A morte da participante do plano de previdência complementar fez nascer para os seus beneficiários o direito de exigir o recebimento do pecúlio, não pelo princípio de saisine, mas sim por força da estipulação contratual em favor dos filhos, de tal modo que, se essa verba lhes pertence por direito próprio, e não hereditário, não pode responder pelas dívidas da estipulante falecida. Na esteira desse entendimento, a 4ª Turma, ao julgar o AgInt no AREsp 981.924/AC, decidiu que “as dívidas contraídas pela segurada instituidora do plano, notadamente as relativas a contrato de mútuo, não são passíveis de serem compensadas ou abatidas do pecúlio do plano de previdência” (julgado em 15/05/2018, DJe de 21/05/2018).

Foi o que entendeu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.713.147/MG. Mesmo havendo previsão expressa em contrato, a entidade de previdência privada não pode descontar do pecúlio devido aos beneficiários de segurado falecido o saldo devedor de empréstimo contraído por ele.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma entidade previdenciária e manteve decisão que impediu o desconto dos valores devidos pela participante falecida do pecúlio a ser pago aos seus beneficiários.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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