1. DOUTRINAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA QUITAÇÃO
O recibo é a declaração de haver recebido.
Segundo o Artigo 319 do Código Civil brasileiro o devedor que paga tem direito à quitação regular.
Todo aquele que solver dívida deverá obter do credor a necessária quitação, uma vez que em juízo não se admitirá comprovação de pagamento por via testemunhal, caso esse ultrapasse a taxa legal. A quitação valerá desde que cumpra os requisitos legais, previstos pelo Artigo 320.
Pode-se receber o que é de outrem e de outrem vai continuar de ser(recibo de coisa em depósito, etc). A quitação é o recibo do pagamento ou daquilo com que se solveu, dado pelo credor ao credor devedor.
Entendia-se a quitação como um meio de prova, como ensinou O. Bähr (Die Anerkennnung als Verplichtungsgrund, 236 e seguintes) quem primeiro mostrou o erro em que estava.
Posteriormente, com o próprio O. Bähr, 236 e 357), passou-se a discutir a quitação como negócio jurídico de reconhecimento negativo ou ainda se seria negócio jurídico de amortização, como disse W. Diloo, o que G. Hartmann (Die Obligation, 30) considerava artificio desnecessário, ou se é contrato de prova, segundo Bruns. Por sua vez, A. Exner (Die Quittung Grünhuts Zeitschrift, 22) falava numa tripla natureza de quitação, não se trataria de negócio jurídico típico, há o simples recibo, que não se refere à extinção da dívida, ainda que ão se diga por conta; há a quitação-remissão, abstrata, que se não confunde com o negócio jurídico bilateral de remissão; e a verdadeira quitação, declaração apenas de declaração. Para R. Schlensinger há meio de prova, que, com a tradição, funciona como documento de disposição.
A confissão extrajudicial é declaração, em que alguém diz ter recebido, em mútuo, alguma quantia, ou assumido outra obrigação, ou ter alguma dívida. A quitação ainda contém reconhecimento; por ela, reconhece-se que o devedor solveu com o que devia, o que não se confunde com a declaração negativa de dívida negativa da dívida, a quitação pode ser abstrata; pode-se, contudo, explicitar a causa da obrigação.
Ensinou Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, tomo XXIV, Bookseller, pág. 171) que se a manifestação de vontade pode ser ato jurídico stricto sensu, ou negócio jurídico, a manifestação ou comunicação de conhecimento nunca é negócio jurídico; pode estar em manifestação de vontade, o que é outra coisa.
A quitação é declaração unilateral de conhecimento(enunciativa do fato) que entra no mundo como ato jurídico stricto sensu, abstrato, se a causa não se explicita na declaração.
O direito do provedor, que solve, a que se lhe dê quitação já estava no direito civil prussiano, no Código Civil da Saxônia, § 961.
O certo é que o devedor tem de cumprir a prestação. O devedor que tem obrigação de solver a dívida, tem o direito à quitação e desse direito lhe nasce o direito de retenção da prestação.
A quitação exprime que o fato da prestação se deu. Daí, como ensinou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 172) não pode ser considerada como negócio jurídico.
Alertou Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, volume II, 4ª edição, pág. 165) que enquanto não paga, o devedor está sujeito às consequências da obrigação, e, vencida a dívida sem solução, às do inadimplemento, sejam estas limitadas aos juros moratórios, sejam estendidas às perdas e danos mais completas, sejam geradoras da resolução do contrato. Daí surge a necessidade de provar o cumprimento da obrigação, evidenciando a solutio. Daí, outrossim, o direito de receber do credor quitação regular, podendo mesmo reter o pagamento até que esta lhe seja dada.
A quitação poderá consistir na devolução do título da dívida ou na entrega ao devedor, de um recibo em que o credor ou quem o represente, mencionará: a) o nome do devedor ou de quem por este pagar; b) o tempo e o lugar do pagamento; c) especialmente o valor da dívida.
Não há uma forma sacramental para a quitação, valerá ela e extinguirá o débito quando se possa induzir do contexto. Serpa Lopes (Curso de Direito Civil, II, n. 156) apontou como equivalente à designação de valor a menção de ser a quitação plena até a data de sua feitura, como, por exemplo, se diz que recebe o saldo da venda de uma casa; ou se refere a todos os débitos existentes até determinado momento. Se é necessário que designe o nome do devedor, não menos certo é que prevalecerá se a sua indicação fora do contexto for induvidosa. Mesmo a falta de assinatura do credor é suprimível, quando o recibo for da sua lavra todo inteiro e as circunstâncias autorizem concluir pelo pagamento, como ensinou Orozimbo Nonato (Curso de Obrigações, II, pág. 211), como se houver conformidade com o recebimento de um cheque. O lançamento em conta corrente é outro indício de pagamento, como registra o artigo 432 do Código Comercial. Ainda, como disse J. X. Carvalho de Mendonça (Tratado, volume VI, parte 1ª, n. 480), há quitação pela inutilização do título pelo credor ou a entrega de objetos comprados a dinheiro nas lojas e nos armazéns.
Lia-se no Código Comercial, artigo 434, o que se lê:
Art. 434. - O credor, quando o devedor se não satisfaz com a simples entrega do título, é obrigado a dar-lhe quitação ou recibo, por duas ou três vias se ele requerer mais de uma.
A quitação ou recibo concebido em termos gerais sem reserva ou limitação, e quando contém a cláusula de - ajuste final de contas, resto de maior quantia - ou outra equivalente, presume-se que compreende todo e qualquer débito, que provenha de causa anterior à data da mesma quitação ou recibo.
A quitação ou recibo concedido em termos gerais sem reserva ou limitação e quando contém a cláusula de ajuste afinal de contas, resto de maior quantia – ou de outra equivalente, presume-se que compreende todo e qualquer débito, que provenha da causa anterior à data da mesma quitação.
Tem-se do artigo 435 do Código Comercial:
Art. 435. - Passando-se quitação geral a uma administração, não há lugar a reclamação alguma contra esta; salvo provando-se erro de conta, dolo ou fraude.
Recusando o credor, de forma ilícita, a receber o pagamento, caberá ao devedor ajuizar ação declaratória de consignação em pagamento na forma propugnada no Código de Processo Civil.
Naqueles casos em que a quitação consistir na devolução do título, o devedor não é obrigado a pagar, se o credor se nega a restituí-lo. Há a respeito, uma certa vacilação da doutrina, que, no entanto, inclina-se no mesmo sentido. Perdido o título poderá o devedor reter o pagamento e obrigar o credor a firmar declaração que inutilize o instrumento extraviado (Código Civil de 1916, artigo 942). Mas essa providência será insuficiente se se tratar de instrumento negociável através de endosso, porque, sendo a declaração emanada do credor originário, inoponível ao terceiro de boa-fé, o devedor que paga, recebendo do acipiente mera declaração de quitação, não se pode eximir de pagar de novo ao terceiro cessionário do crédito, que se lhe apresente como portador do documento original. No extravio, então, do título poderá o devedor reter o pagamento até que lhe seja restituído, ou, pretendendo liberar-se do vínculo, depositar judicialmente a coisa devida, fazendo citar o credor, e por edital os terceiros interessados(ação provocatória).
Como ensinou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 178) a forma de quitação é a do artigo 320, porém daí não se tire que se trate de ato jurídico formal. O artigo 320 só atinge o que mais acontece. Lembrou Pontes de Miranda que, em certas circunstâncias, basta o cartão picotado ou carimbado ou impresso e numerado.
Tem-se do artigo 321 do Código Civil de 1916, na lição de Pontes de Miranda (obra citada, pág. 176) que “se há de notar a impropriedade do termo inutilize. A declaração de conhecimento que é a declaração de que se trata na segunda parte do art. 321, torna sem eficácia o título devolvível. Todavia, se o título é circulável por endosso ou ao portador não bastaria tal declaração. Daí o procedimento especial para amortização”.
O devedor tem o ônus de alegar e provar que o credor ficou com o documento para devolução no momento do adimplemento. O credor tem o ônus de alegar e provar que há a impossibilidade de devolução. Se, durante a ação do devedor, o credor apresenta o título, esvazia-se a pretensão à devolução, pela consecução do fim do processo.
Nos casos de dívidas hipotecárias, prova-se o pagamento por certidão, extraída do registro imobiliário, de ali estar averbado o recibo da importância devida, ou da última cota se o pagamento fora parcelado.
O instrumento de quitação adquiriu no direito civil uma autonomia formal, relativamente à obrigação, o que é certo, pois que se trata de um ato jurídico independente, com finalidade liberatória. O Código Civil de 1916, no artigo 940, já estabelecia o instrumento particular revestido de qualidades que a quitação deve revestir prova o pagamento e extingue a obrigação, tenha esta se constituído por instrumento particular ou por escritura pública.
Por sua vez, Clóvis Beviláqua entendia que embora normalmente o seja, poderá acontecer que as circunstâncias autorizem a reabertura do débito, quando a liberação dependa de uma verificação da res debita que, feita posteriormente ao recibo, demonstra não ter sido entregue.
Quando a obrigação for de prestações sucessivas e o pagamento em cotas periódicas, a solução de qualquer delas faz presumir a das anteriores e o da última induz a presunção de estar extinta a obrigação. Não se trata de presunção iuris et de iure, pois que pode ser ilidida por prova em contrário.
O pagamento do capital faz presumir a quitação quanto aos juros, salvo o recebimento de um com reserva dos outros, como já aduzia o artigo 944 do Código Civil de 1916.
Quando o título é devolvido ao devedor, estabelece-se a presunção de que foi efetuado o pagamento, mas ficará sem efeito a quitação se o credor, dentro de sessenta dias, provar que não se efetuou, como prescrevia o artigo 213 do Código Civil de 1916.
Ensinou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 172) que “quitação não é negócio jurídico bilateral: só unilateralmente, declaração. Nem é negócio jurídico; não há declaração de vontade”.
Na quitação se reconhece o adimplemento. Mas alertou Pontes de Miranda: “Para que a quitação fosse simples meio de prova, seria preciso que se houvesse parado na evolução jurídica, técnica, antes da regra jurídica costumeira do direito à quitação.
A quitação é declaração de conhecimento pelo credor, ou por alguém que tenha poder para receber, inclusive, o solutionis causa adiectus. Tem de ser verdadeira a declaração. Pode dar-se que tenha sido falsificada, como se o devedor, indo ao escritório do credor, onde ele preparava quitações assinadas e não cheias (quitações em branco), se apoderou de uma ou de algumas e encheu o espaço em branco. Mas a quitação assinada, que foi cheia por servidor de posse do credor, ou por alguém que a furtou, é apresentada ao devedor, que efetua o pagamento.
Mas pode haver exercício irregular do direito de quitação, por abuso. O que compra seis ovos, ou caixa de fósforos, ou maço de cigarros, e pede recibo, abusa do direito à quitação.
Pode-se renunciar de forma expressa ou tácita ao direito à quitação.
Se duas pessoas pagam partes da dívida e a soma extingue a dívida, a quitação é devida à última que pagou, mas á de haver referência a quem pagou a primeira ou primeiras partes.
Pontes de Miranda, de forma elucidativa e objetiva, sistematizou as consequências:
As quitações podem ser sem nome do credor, como as que se dão aos compradores, que pagaram no balcão, para receber na seção de embalagem o que foi vendido;
Pode-se quitar por escritos em televisão, ou discos, ou números luminosos;
Nada obsta a que a quitação omita o nome do solvente;
A quitação pode não conter o nome do devedor ou de quem por este pagou. Nem o lugar e o tempo do pagamento.
2. A CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO
O devedor que pagou e não quer propor a ação para obter a quitação tem a seu libito a ação declaratória negativa, pela qual pede a declaração da inexistência da dívida, por estar extinta pelo pagamento.
Desde que os pressupostos se juntem, nascem o direito e a pretensão a consignar: direito do devedor e pretensão do devedor. A pretensão é perante o Estado, o direito, em frente ao credor. Não há dever de consignar, como já explicou Windscheid (Lehrbuch, II, nona edição, 453).
O dever de depósito em consignação para adimplemento ou resulta da lei ou de negócio jurídico. São os exemplos de dever de depositar o do art. 676. do Código de Processo Civil de 1973, artigo 672, § 2º, o do artigo 1.407, 2º, do Código Civil de 1916 (indenização por desapropriação ou por sinistro) e o depositar a indenização pela destruição do bem empenhado ou sujeito à hipoteca ou anticrese. `
A extinção da dívida somente se opera pelo depósito em consignação em virtude de ter o credor recebido o depósito (bem ora ainda não o haja levantado), ou de ter sido julgada por sentença, favoravelmente, com força de coisa julgada formal, a ação de depósito em consignação para adimplemento. Ainda após o trânsito em julgado da sentença favorável na ação de depósito em consignação para adimplemento, o que está no patrimônio do credor é o direito ao levantamento e aos meios para a transferência de direito.
Mas a dívida não se extingue com o depósito. Se assim fosse, como se admitia no direito comum, na lição de Windscheid (Lehrbuch, II, 9ª edição, 453 e seguintes), com a retirada da coisa pelo credor reviveria a dívida. A dívida extingue-se com a cessação do direito de retirada por ato de recebimento ou por ato do juiz que julga bom o depósito impugnado, e não pelo simples fato da impugnação.
Enquanto não se retira o depósito que o devedor pode retirar, a liberação é apenas pendente, como ensinou H. Dernburg (Pandekten, II, 7ª edição, 172), só apontava, na espécie, suspensão por ter nascido exceptio enquanto durava o depósito.
Se o credor recebe o depósito, ou se impugnado, o juiz o julga bem feito, o devedor fica liberado como se, ao tempo da consignação para adimplemento, houvesse prestado, diretamente, ao credor.
Na ação de consignação em pagamento, o autor pretende, com a oblação real, liberar-se. A oblação real supõe efetiva apresentação da coisa e depósito. Desde cessam os interesses que o devedor acaso pudesse ter e a coisa fica a risco do credor. Sem que os dois elementos, apresentação e depósito, se juntem, não se produz mora accipiendi, havendo apenas exceção aparente de pedido de consignação em pagamento instruído com ato de outro juízo, ou do mesmo, transferindo o depósito.
Na lição de Pontes de Miranda (obra citada, pág. 296) é possível que, antes da consignação, tenha havido oblação real e se haja posto em mora o credor. Com isso, não cessa o interesse do devedor em liberar-se.
A forma normal de extinção de uma obrigação civil é o pagamento, a entrega da coisa, no lugar e na forma acertados.
Há a mora do devedor que é objeto de ação própria de cunho executivo, tratando-se de título executivo extrajudicial, ação de cobrança, que poderá desembocar em cumprimento de sentença condenatória ou ainda, caso não seja um título executivo extrajudicial, uma ação monitória de base documental.
Mas a há a mora do credor.
Se o devedor quer pagar o credor, sem justo motivo não quer receber, há mora accipiendi, mora do credor, cabendo ao devedor ajuizar uma ação de consignação em pagamento.
Poderá se tratar de obrigação em dinheiro (pecuniária) ou de dar coisa.
A ação de consignação em pagamento é procedimento especial que visa a permitir a realização daquele instituto de direito material, por meio do qual o autor da ação, se procedente o pedido, obterá uma sentença declaratória da extinção da obrigação que foi cumprida.
É ação puramente declaratória que objetiva a uma sentença que declare que o montante ofertado adimple determinada obrigação.
A lei 8.951, de 13/12/1994, que alterou o CPC de 1973, nele inseriu este comando: "
Art. 890... § 1º Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de dez dias para a manifestação de recusa.
O depósito feito em conta aberta para esse fim (o devedor deverá indicar expressamente, na efetivação do depósito, qual o fim a que se destina, que obrigação objetiva extinguir), mas não esclarece o legislador quem é o titular da conta, se o depositante ou o beneficiário. A Resolução do CMN supre essa deficiência ao dispor:
Art. 3º Acolhido o depósito de consignação em pagamento, este fica à exclusiva disposição:
I - do credor, caso não seja recebida, pela instituição financeira, a recusa formal referida no art. 4º, parágrafo único, inciso II, alínea "a";
II - do depositante, após recebida, pela instituição financeira, a recusa formal referida no inciso anterior;
III - do juízo competente, após proposta a ação de consignação em pagamento referida no art. 6º, prevista pela legislação em vigor.
O credor é comunicado da realização do depósito, por carta, com aviso de recepção. Diz a lei cientificando-se o credor. Seria lícito perguntar: Quem cientifica, o devedor ou o banco depositário? Tenha-se em mente que o estabelecimento bancário não é sequer partícipe da relação obrigacional. Repugna o entendimento de impor-lhe graciosamente esse encargo. A resolução do CMN resolveu a questão, afirmando que o banco será o responsável pela cientificação, mas será ressarcido pelo depositante.
Em caso de recusa de recebimento do depósito, reza a lei que o devedor ou o terceiro poderá propor, dentro de um mês a ação de consignação, instruída a inicial com a prova do depósito e da recusa.
Trata-se de um prazo decadencial que não se sujeita a interrupção ou suspensão, portanto é fatal.
Na inicial, agora, além dos requisitos do art. 319. do CPC que sejam aplicáveis à espécie, o autor requererá o depósito da quantia ou coisa devida (que deve ser realizado no prazo de cinco dias contados do deferimento, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito) ressalvada a hipótese do § 3º do artigo 539, em que o autor já terá depositado a importância em conta bancária, à disposição do credor. Nessa circunstância, a inicial já deverá vir acompanhada da prova do depósito e da recusa, fornecida pela instituição financeira; deverá requerer, também, a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer contestação.
Quanto ao prazo para oferecer resposta, é bom observar que, à falta de regra específica, será o comum, de 15 dias. Na resposta, poderá alegar que: (I) não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida; (II) foi justa a recusa; (III) o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento; e (IV) o depósito não foi integral.
O § 1º do art. 545. nos leva ao que segue: o levantamento do depósito feito a menor só é possível se a defesa do credor se fundar exclusivamente nessa circunstância ou em defesas processuais de caráter meramente dilatório. Se se tratar de outras defesas de conteúdo material ou processual de caráter peremptório, cumuladas com insuficiência do depósito, que possam conduzir à total improcedência do pedido, não é de ser deferido o levantamento.
Trata-se de ação dúplice, pois se o pedido for julgado improcedente, nos mesmos autos, o credor poderá ajuizar o cumprimento da sentença, do que se lê do artigo 545, § 2º, CPC, quando se diz:
§ 2º. A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido e valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária.
Sendo assim, invertem-se os polos da relação jurídica transformando o réu em autor(sem pedido, mas com pretensão condenatória).
Ocorre a dúvida: e se o devedor não sabe a quem pagar?
Ocorre quando o devedor tem dúvida sobre a quem deva pagar. Nessa circunstância, deverá proceder ao depósito e requerer a citação de todos os possíveis titulares do crédito para que venham a juízo demonstrar sua legitimação. Independentemente de quantos acorram ao chamado citatório, se não houver discussão quanto ao valor do depósito, o juiz deverá (i) declarar satisfeita a obrigação e o processo continuará apenas entre os supostos credores, se houver mais de um; ou (ii) determinar a entrega do valor depositado ao réu, se apenas um comparecer. Não comparecendo pretendente algum, o depósito realizado é convertido em arrecadação de coisa vaga, com regência parca no art. 746. do CPC/15, mas que sugere uma recompensa ao inventor (aquele que achou a coisa) e a entrega do saldo à União, ao Estado ou ao Distrito Federal.
É certo que o direito processual não rege a mora. A lei que regula a relação jurídica é que dita as normas sobre a oblação.
É competente para a ação de consignação em pagamento, proposta em via principal, o juiz do lugar em que se tem de efetuar o pagamento.
Legitimado para a ação de consignação em pagamento é o devedor.
Uma das causas para o ajuizamento dessa ação é haver litígio sobre o objeto do pagamento.
Na ação de consignação em pagamento, não se pode discutir o que seria objeto de ação constitutiva negativa, exceto nulidade do negócio jurídico.
Se o citado (credor) alega que recusou a prestação por não ser aquela a que tinha direito, não se pode dizer que tal discussão não cabe no processo da ação de consignação em pagamento. Daí ser vago e poder ser errado, no caso, dizer-se que a ação de consignação em pagamento não comporta discussão sobre “a origem e qualidade da dívida”.
Se o negócio prevê prestação para denúncia do contrato e o credor se recusa a recebe-la, pode ser feito o depósito em consignação.
O lugar para execução (pagamento) e o depósito podem não coincidir. Nos casos de prestação a ser remetida a risco do credor, dependente da contraprestação, o lugar do pagamento é o lugar da expedição.
Por sua vez, as alegações de anulabilidade não podem ser insertas na contestação, como por exemplo, a anulabilidade por dolo, erro, violência ou simulação, como já apreciou o Supremo Tribunal Federal, em 24 de junho de 1949, RF, 128/457.
Sobre a matéria já entendeu o STJ:
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO BANCÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. FINALIDADE DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO. NECESSIDADE DE DEPÓSITO INTEGRAL DA DÍVIDA E ENCARGOS RESPECTIVOS. MORA OU RECUSA INJUSTIFICADA DO CREDOR. DEMONSTRAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. EFEITO LIBERATÓRIO PARCIAL. NÃO CABIMENTO. CÓDIGO CIVIL, ARTS. 334. A 339. CPC DE 1973, ARTS. 890. A 893, 896, 897 E 899. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CPC DE 2015.
1. "A consignação em pagamento visa exonerar o devedor de sua obrigação, mediante o depósito da quantia ou da coisa devida, e só poderá ter força de pagamento se concorrerem 'em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento' (artigo 336 do NCC)". (Quarta Turma, REsp 1.194.264/PR, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, unânime, DJe de 4.3.2011).
2. O depósito de quantia insuficiente para a liquidação integral da dívida não conduz à liberação do devedor, que permanece em mora, ensejando a improcedência da consignatória.
3. Tese para os efeitos dos arts. 927. e 1.036 a 1.041 do CPC: - "Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional".
4. Recurso especial a que se nega provimento, no caso concreto.
REsp 1108058 / DF, 2008/0277416-2, Relator LÁZARO GUIMARÃES, Relator(a) p/ Acórdão MARIA ISABEL GALLOTTI, Órgão Julgador: SEGUNDA SEÇÃO, Julgamento 10/10/2018, Publicação DJe 23/10/2018
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESE DE IMPROCEDÊNCIA DE AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTOAJUIZADA POR MUTUÁRIO DE CONTRATO DO SFH.
Deverá ser julgada improcedente a ação de consignação em pagamento no caso em que o autor - mutuário de contrato de financiamento habitacional celebrado no âmbito do SFH em conformidade com o Plano de Comprometimento da Renda (Lei n. 8.692/1993) que, em razão da redução de sua renda, a viu comprometida em percentual superior ao máximo estabelecido no contrato - a tenha ajuizado buscando a quitação e extinção de suas obrigações tão somente por meio da consignação dos valores que ele unilateralmente entende como devidos. A Lei n. 8.692/1993, normativo que define planos de reajustamento dos encargos mensais e dos saldos devedores nos contratos de financiamento habitacional no âmbito do SFH, estabelece:
"Art. 4º O reajustamento dos encargos mensais nos contratos regidos pelo Plano de Comprometimento da Renda terá por base o mesmo índice e a mesma periodicidade de atualização do saldo devedor dos contratos, mas a aplicação deste índice não poderá resultar em comprometimento de renda em percentual superior ao máximo estabelecido no contrato.
§ 1º Sempre que o valor do novo encargo resultar em comprometimento da renda do mutuário em percentual superior ao estabelecido em contrato, a instituição financiadora, a pedido do mutuário, procederá à revisão do seu valor, para adequar a relação encargo mensal/renda ao referido percentual máximo.
§ 2º As diferenças apuradas nas revisões dos encargos mensais serão atualizadas com base nos índices contratualmente definidos para reajuste do saldo devedor e compensados nos encargos mensais subsequentes.
§ 3º Não se aplica o disposto no § 1º às situações em que o comprometimento da renda em percentual superior ao máximo estabelecido no contrato tenha-se verificado em razão da redução da renda ou por alteração na composição da renda familiar, inclusive em decorrência da exclusão de um ou mais coadquirentes.
§ 4º Nas situações de que trata o parágrafo anterior, é assegurado ao mutuário o direito de renegociar as condições de amortização, buscando adequar novo comprometimento de renda ao percentual máximo estabelecido no contrato, mediante a dilação do prazo de liqüidação do financiamento, observado o prazo máximo estabelecido em contrato e demais condições pactuadas."
A hipótese em análise, em que o mutuário teve redução em sua renda, encaixa-se no disposto no art. 4º, §§ 3º e 4º, da Lei n. 8.692/1993, que assegura ao mutuário o direito de renegociar as condições de amortização. Porém, tem-se singela ação de consignação em pagamento, com a qual se busca simplesmente a quitação e extinção das obrigações do mutuário, sem levar em conta a necessidade de realizar seu direito de renegociação da dívida nos termos, mais abrangentes, acima dispostos. Assim, descabe impor ao mutuante que simplesmente aceite a quitação das obrigações do mutuário pelo pagamento em consignação de valores calculados unilateralmente, de forma estranha às condições legais e contratualmente pactuadas, pois a redução do valor das prestações implica a necessária dilação do prazo do financiamento, e não apenas a simples redução do valor da parcela do empréstimo para adequá-la ao percentual de comprometimento da nova renda. Precedente citado: AgRg no Ag 887.024-PR, Terceira Turma, DJe 8/10/2008.
REsp 886.846-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 7/6/2016, DJe 1/7/2016.
É certo que há alguns julgados e doutrinadores que tem insinuado que o depósito em consignação para adimplemento somente pode ser procedente se a dívida é certa e líquida, porque não se pode, em tal processo, discutir o quanto de dívida. O devedor pede o depósito em consignação daquilo que acha que é devido. Pode mesmo depositar mais do que deve e haver entre o devedor e o credor. Sempre que o devedor poderia incorrer em mora se não prestasse diretamente, ou não pedisse o depósito em consignação para adimplemento, não se há de preestabelecer que não pode pedir o depósito em consignação para adimplemento. Lembro que o depósito é para liberar-se. Não pode ser parcial. Pode ser maio, só se transferindo os riscos até onde for devido o que se depositou.
A liquidez vai ser alegada pelo credor, se impugna o depósito(se contesta a ação). No direito brasileiro, segundo os caminhos do direito luso-brasileiro, não há fixação de prazo para a prova da liquidez, porque nela se exige a liquidez como pressuposto da pretensão à tutela jurídica especial, ou se não exige. Se se exige a prévia liquidação ou prova da liquidez como pressuposto da pretensão à tutela jurídica especial, ou se não exige. Se se exige, como ensinou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 249), a prévia liquidação ou prova de liquidez, a ação de liquidação ou a preparação das provas é indispensável para que se ingresse em juízo. Se não se exige é matéria de discussão a quantitas ou qualitas da prestação. Eram as lições de Miguel Reinoso, Silvestre Gomes de Morais.
O depósito que se pediu fosse feito, pode não ser integral; e depósito em solução.
A extinção da dívida somente se opera com o depósito em consignação em virtude de ter o credor recebido o depósito (embora ainda não se tenha levantado) ou de ter sido julgada por sentença, favoravelmente com força de coisa julgada formal a ação de depósito em consignação para o adimplemento.
A dívida extingue-se com a cessação do direito de retirada por ato de recebimento(ou declaração de receber, que é declaração de ir levantar) ou o ato do juiz que julga bom o depósito impugnado, e não pelo simples fato de impugnação.