1. Do Estado da Arte sobre o Ensino Jurídico
O presente capítulo pretende apresentar o Estado da Arte a respeito do Ensino Jurídico, na tentativa de mapear as produções científicas publicadas nos últimos anos, especificamente no período de 2004 a 2014. Como já mencionado, o ano de 2004 coincide com a promulgação da Resolução Número 9 do Conselho Nacional de Educação da Câmara de Educação Superior, a qual institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, enquanto que a última data corresponde ao momento inicial de elaboração da presente pesquisa. A ideia de se construir um capítulo específico para analisar o mapeamento das publicações acadêmicas se torna importante à medida que auxilia o pesquisador no início de sua pesquisa, a proporcionar mais nitidez ao objeto analisado. Ademais, para o leitor, este tipo de estudo também introduz de forma mais clara o que se pretende discorrer. Sendo assim, a se utilizar de uma amostra de pesquisas publicadas em cursos de mestrados e doutorados – amostragem esta já utilizada na análise dos resumos, respondendo ao total de 60 pesquisas –, o presente capítulo realizará uma categorização, com o objetivo de estabelecer quais as principais temáticas desenvolvidas na área de Ensino Jurídico. Por meio destas categorias foi possível averiguar por quais veredas os pesquisadores da Educação e do Direito estão desbravando e, quiçá, encontrar uma aderência ao que se esteve em voga nas academias com o debate que robusta esta dissertação, qual seja, o Conhecimento Jurídico no Ensino Jurídico.
O Estado da Arte, pois, aponta para a possibilidade de um contato inicial com outros autores, a demonstrar uma singularidade de posicionamentos sobre determinada questão. Este tipo de perspectiva propedêutica ao estudo também pode tornar a pesquisa mais rigorosa justamente porque é possível saber, de imediato, das tendências pesquisadas acerca do objeto em análise. Assim sendo, este capítulo também se justifica pela própria necessidade de se analisar as correntes teóricas mais adotadas nas pesquisas interdisciplinares do Ensino Jurídico nos últimos anos, bem como, construir uma crítica a respeito da metodologia e rigor científico utilizados por elas. De forma objetiva, o propósito deste capítulo está em apresentar no que consiste o Estado da Arte e quais trabalhos sobre o Ensino Jurídico foram produzidos de 2004 a 2014. Sendo assim, do ponto de vista formal, este capítulo se iniciou com um breve conceito sobre o Estado da Arte, com o objetivo de aferir sua importância no campo científico, de sorte a ressaltar, sobremodo, a contribuição de Romanowski e Ens (2006), por meio do artigo publicado na revista Diálogo Educacional, As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte” em educação, bem como, as críticas de Ferreira (2002), publicada na revista Educação & Sociedade, além das contribuições de Megid (1999), por meio de sua tese, defendida na Faculdade de Educação da Unicamp, Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no nível fundamental. Sendo um trabalho árduo de leitura e construção de conhecimento, este tipo de pesquisa demanda tempo e sistematização, por este motivo, alguns pesquisadores optam por construírem um estudo pelo mero contato com resumos. Questiona-se, pois, qual a legitimidade que uma pesquisa de Estado da Arte possa ter se for baseada apenas pela leitura de resumos, uma vez que a heterogeneidade no estilo de estrutura e conteúdo dos resumos acaba por prejudicar deveras o resultado dela. Afirma-se, pois, que os resumos não são bem formulados e, ao ler uma pesquisa, foi possível perceber que muitos estão aquém do esperado8.
1.1. Um conceito de Estado da Arte: sua importância ao Ensino Jurídico
Embora pouco comentada nos trabalhos acadêmicos jurídicos, as pesquisas denominadas Estado da Arte constituem forte apresso entre os estudiosos da Educação. Pode-se conceituá-la como um tipo específico de pesquisa em que se pretende analisar como se encontra o conhecimento naquele momento, não por outro motivo, esta espécie também recebe o nome de Estado do Conhecimento. De acordo com Romanowiski e Ens (2006), o termo Estado da Arte resulta de uma tradução literal do Inglês, state of the art, e tem por objetivo realizar levantamentos do que se conhece sobre um determinado assunto a partir de pesquisas realizadas em uma determinada área. Talvez a literalidade tenha perdido o sentido com a tradução, sendo mais compreensível e oportuno à utilização do sinônimo Estado do Conhecimento. Na prática, o objetivo científico é realizar uma busca pelo o que já foi publicado sobre determinado assunto em um dado período, na tentativa de identificar uma organização da produção, identificando prontos convergentes e divergentes. O Estado da Arte, então, representa um estudo histórico e sistemático, com o objetivo de delimitar o que pensam os autores sobre o tema, para evitar a realização de uma pesquisa cujo assunto já tenha sido sedimentado ou saturado. Outrossim, não obsta ressaltar que este tipo pesquisa também implica no avanço do conhecimento, uma vez que produz uma nova crítica em relação a determinado objeto. Este tipo de pesquisa também pode ter por norte agregar mais conhecimento para determinada temática, sendo necessário retomar o que já foi escrito. A dar continuidade ao conceito de Estado da Arte:
[…] embora recentes, os estudos de Estado da Arte que objetivam a sistematização da produção numa determinada área do conhecimento já se tornaram imprescindíveis para apreender a amplitude do que vem sendo produzido. Os estudos realizados a partir de uma sistematização de dados, denominada Estado da Arte, recebem esta denominação quando abrangem toda uma área do conhecimento, nos diferentes aspectos que geraram produções. Por exemplo: para realizar um Estado da Arte sobre Formação de Professores no Brasil não basta apenas estudar os resumos de dissertações e teses, são necessários estudos sobre as produções em congressos na área, estudos sobre as publicações em periódicos da área. O estudo que aborda apenas um setor das publicações sobre o tema estudado vem sendo denominado de Estado do Conhecimento (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 4).
Todavia, inicialmente, importa diferenciar o conceito de Estado da Arte e Estado do Conhecimento com demais conceitos que, por vezes, podem vir a causar confusão. Para tanto, Nóbrega-Therrien e Therrien (2004), no artigo científico Trabalhos Científicos e Estado da Questão: reflexões teórico-metodológicas, desenvolvem precisa conceituação de três institutos distintos que se relacionam, quais sejam: o Estado da Arte, Estado da Questão e a Revisão de Literatura. Para elas, o Estado da Arte tem por objetivo mapear e discutir certa produção científica ou acadêmica em determinado campo do conhecimento. O procedimento se refere ao levantamento bibliográfico em resumos e catálogos de fontes relacionadas a um campo de investigação – procedimento este que é criticado por Ferreira (2002), como será exposto a seguir, ao passo que a mera utilização dos resumos constitui questionável fonte para pesquisa. Os resultados, por fim, apontam para um inventário descritivo da produção acadêmica e científica sobre o tema investigado. Por outro lado, conforme diferenciam as autoras, a finalidade do Estado da Questão é de levar o pesquisador a registrar, a partir de um rigoroso levantamento bibliográfico, como se encontra o tema ou o objeto de sua investigação no estado atual da ciência ao seu alcance. Trata-se do momento por excelência que resulta na definição do objeto específico da investigação, dos objetivos da pesquisa, em suma, da delimitação do problema. Deste modo, os objetivos são delimitar e caracterizar o objeto específico na investigação de interesse do pesquisador e a consequente definição das categorias centrais da investigação. Em outras palavras, o Estado da Questão se refere ao próprio levantamento bibliográfico, necessário a qualquer início de pesquisa ou realização de seu projeto. As fontes consultadas se referem às teses, dissertações, relatórios e estudos, sendo que têm como resultado clarear e delimitar a contribuição original do estudo no campo científico.
In fine, ainda em relação à explicação de Nóbrega-Therrien e Therrien (2004), a Revisão de Literatura tem por objetivo desenvolver a base teórica de sustentação e análise do estado, ou seja, a definição das categorias centrais da investigação. Seu procedimento se constitui de levantamento bibliográfico para compreensão e explicação de teorias e categorias relacionadas ao objeto de investigação identificado. As fontes são as mesmas do Estado da Questão, verbi gratia, teses, dissertações, relatórios de pesquisas e estudos teóricos. Ao passo que seus resultados indicam o referencial de análise dos dados. Em súmula, pode-se dizer que enquanto o Estado da Questão constitui uma introdução à investigação, por meio da qual o pesquisador irá ter um contato inicial com o objeto pesquisado, a Revisão de Literatura se refere não apenas à apropriação das contribuições teóricas levantadas, mas da possibilidade de se desenvolver uma crítica a respeito delas.
Destarte, é possível resumir que o Estado da Questão é atividade imprescindível a qualquer pesquisa, uma vez que é por meio dela que o pesquisador tem seu primeiro contato com o objeto analisado e, assim, consegue formular sua questão investigativa. De outro lado, a Revisão de Literatura se apresenta como uma continuação à anterior, uma vez que, doravante, o pesquisador já tem subsídios intelectuais suficientes para refletir sobre seu objeto, agora já precisamente delimitado. O Estado da Arte – também denominado pela expressão Estado do Conhecimento – se diferencia dos conceitos anteriores, pois representa a própria essência do campo delimitado. Em outras palavras, por meio do levantamento bibliográfico, o Estado da Arte reflete o ápice científico ou filosófico, o estágio mais avançado de conhecimento que se chegou. Romanowski e Ens (2006) ainda completam que a ideia de Estados da Arte pode significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procura identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógicas, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada. Os objetivos favorecem compreender como se dá a produção do conhecimento em uma determinada área de conhecimento em teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos de periódicos e publicações. Essas análises, de acordo com as autoras, possibilitam examinar as ênfases e temas abordados nas pesquisas; os referenciais teóricos que subsidiaram as investigações; a relação entre o pesquisador e a prática pedagógica; as sugestões e proposições apresentadas pelos pesquisadores; as contribuições da pesquisa para mudança e inovações da prática pedagógica; a contribuição dos professores/pesquisadores na definição das tendências do campo de formação de professores.
Como afirma Romanowski e Ens (2006), o interesse por pesquisas que abordam Estado da Arte deriva da abrangência desses estudos para apontar caminhos que vêm sendo tomados e aspectos que são abordados em detrimento de outros. A realização destes balanços possibilita contribuir com a organização e análise na definição de um campo, uma área, além de indicar possíveis contribuições da pesquisa para com as rupturas sociais. A análise do campo investigativo é fundamental neste tempo de intensas mudanças associadas aos avanços crescentes da Ciência e da Tecnologia. A partir do pressuposto de que a pesquisa de Estado da Arte delimita os fluxos que se desenvolvem o conhecimento em determinado contexto, conhecimento este existente não apenas no campo científico, mas também filosófico, em última análise, seu propósito é a superação da estagnação de seu fluxo desenvolvimental. Estágio este da Ciência em que se encontra determinado objeto perante o conhecimento, delimitado por meio do Estado da Arte, no qual ao pesquisador seria possível continuar e avançar mais, a dar seguimento ao legado que seus antecessores não conseguiram. Ou, caso não seja possível que esta investigação se prossiga, pelo menos, ela servirá de base para outra, a possibilitar que, por seu turno, outros talvez consigam a partir de suas veredas já desbravadas.
Nos últimos quinze anos tem se produzido um conjunto significativo de pesquisas conhecidas pela denominação estado da arte ou estado do conhecimento. Definidas como de caráter bibliográfico, elas parecem trazer em comum o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários. Também são reconhecidas por realizarem uma metodologia de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica sobre o tema que busca investigar, à luz de categorias e facetas que se caracterizam enquanto tais em cada trabalho e no conjunto deles, sob os quais o fenômeno passa a ser analisado (FERREIRA, 2002, p. 258).
Em última análise, é possível asseverar que a pesquisa de Estado da Arte é uma atividade de grande importância ao pesquisador, à medida que não há conhecimento científico sem o diálogo com outros autores, ainda mais em um contexto acadêmico de produtivismo acirrado. Sendo assim, é imprescindível ao pesquisador que tome conhecimento do assunto, por meio de uma pesquisa prévia, ou seja, pelo estudo preliminar, a tomar contato com os principais autores, correntes e críticas a respeito do que se deseja discorrer. Assim, entende-se que é por um mínimo de leitura que se adquire insumos suficientes para a construção de seu posicionamento sobre o assunto. O levantamento bibliográfico, por sua leitura atenta e sistematização, constitui apenas uma das formas de se estudar determinado conhecimento, cabendo ao autor explicitar ou não seu método de busca no decorrer de sua discussão. De acordo com Ferreira (2002), a análise das pesquisas de Estado da Arte demonstra que a sensação que parece invadir esses pesquisadores é a do não conhecimento acerca da totalidade de estudos e pesquisas em determinada área de conhecimento que apresenta crescimento tanto quantitativo quanto qualitativo, principalmente reflexões desenvolvidas na Pós-Graduação. Ainda conforme a autora, sustentados e movidos pelo desafio de conhecer o já construído e produzido para depois buscar o que ainda não foi feito, de dedicar cada vez mais atenção a um número considerável de pesquisas realizadas de difícil acesso, de dar conta de determinado saber que se avoluma cada vez mais rapidamente e de divulgá-lo para a sociedade. Todos esses pesquisadores trazem em comum a opção metodológica, por se constituírem pesquisas de levantamento e de avaliação do conhecimento sobre determinado tema.
Como seria possível elaborar um posicionamento sobre certo assunto, desenvolver uma crítica ou progredir em determinada pesquisa, sem ter conhecimento do que já se escreveu sobre o tema? A importância de um levantamento bibliográfico robusto se relaciona à cosmovisão necessária ao início de uma pesquisa científica, ou seja, o pesquisador deve ter o conhecimento do tema, para, em seguida, poder realizar estudos pontuais e mais aprofundados sobre os itens que mais lhe interessam e são mais pertinentes a seu trabalho. Como deve ser realizado o levantamento bibliográfico e como delimitar uma metodologia para o Estado da Arte? Em outras palavras, como deve ser pensado o mapeamento e delimitação dos trabalhos para a pesquisa dos trabalhos? Por meio dos novos bancos de dados digitais, em princípio, parece tornar mais cômodo ao pesquisador hodierno realizar um levantamento por meio de descritores e palavras-chave, uma vez que outrora este tipo de busca era realizado nos arquivos e estantes das bibliotecas. Não obstante a sensação de conforto trazido pela tecnologia, a busca digital não deixou de lado a necessidade do rigor e do trabalho que lhe é peculiar. Em geral, os assuntos pesquisados nos bancos de dados geram centenas de resultados, a dificultar uma leitura integral de todos os trabalhos encontrados. Uma possível saída seria a leitura dos títulos, das palavras-chave e dos resumos, mas seriam estes procedimentos suficientes para a análise do conhecimento em questão?
A história da Pós-Graduação no Brasil, datada da década de 1970 revela que a utilização tanto das palavras-chave quanto dos resumos é relativamente recente. No início eram raras as dissertações e teses que continham estes elementos. Os resumos só passaram a ser obrigatórios após os anos de 1990 com a instituição de regras claras de metodologia. De acordo com Ferreira (2002), a história da pesquisa acadêmica revela que as primeiras dissertações de mestrado e teses de doutorado produzidas na década de 1970 e na primeira metade de 1980 raramente traziam o resumo como texto autônomo que apresentasse o trabalho. Na fase de amadurecimento da produção acadêmica, torna-se mais frequente encontrar o resumo no interior do trabalho. Assim, o resumo se vincula a uma série de dispositivos de escrita e impressão – capa, título, página de rosto, índice, dedicatória, agradecimentos, a pesquisa em si, bibliografia – de cada dissertação ou tese que o coloca como um a mais entre outros. Ainda em conformidade com a autora, o que se deve assumir sobre os resumos das dissertações e teses presentes nos catálogos como lugar de consulta e de pesquisa, é que sob aparente homogeneidade, há grande heterogeneidade entre eles – os resumos – explicável não só pelas representações diferentes que cada autor do resumo tem deste gênero discursivo, mas também por diferenças resultantes do confronto dessas representações com algumas características peculiares da situação comunicacional, como alterações no suporte material, regras das entidades responsáveis pela divulgação daquele resumo, entre outras várias. Destarte, como apresenta e analisa Mendonça (2009) em sua obra Projeto e monografia jurídica, pela lógica do estudo do método, em linhas gerais, os resumos devem ser compostos, no mínimo, pelos seguintes itens: tema; pergunta delimitadora; referencial teórico; metodologia; justificativa; resultados esperados ou considerações finais. Porém, em que pese o estilo de cada autor e a intenção de se fazer resumos mais enxutos, o que se observa na prática acadêmica é que muitos autores se esquivam de realizar um resumo completo, tornando o entendimento da pesquisa pouco preciso.
A organização do material que tem diante de si pressupõe antes de tudo uma leitura que ele deve fazer não só das indicações bibliográficas e dos títulos dos trabalhos, mas principalmente dos resumos. E há sempre a sensação de que sua leitura a partir apenas dos resumos não lhe dá a idéia do todo, a idéia do que verdadeiramente trata a pesquisa. Há também a idéia de que ele possa estar fazendo uma leitura descuidada do resumo, o que significará uma classificação equivocada do trabalho em um determinado agrupamento, principalmente quando se trata de enquadrá-lo quanto à metodologia, teoria ou mesmo tema. Por outro lado, há também a sensação de que os resumos encontrados nos catálogos são mal feitos, cortados, recortados por n razões, sem autoria definida e de difícil acesso. Por último, ao se constatar a existência de mais de um resumo para um mesmo trabalho e, além de tudo, diferentes entre si – no suporte material do texto; nas disposições tipográficas; nas informações que apresentam –, institui-se o conflito de qual resumo responderá melhor às questões a que se propõe investigar. E passa-se a avaliar qual é o resumo mais correto, completo e coerente com o trabalho original, isto é, integral (FERREIRA, 2002, p. 265-266, sic).
Neste diapasão, diante da heterogeneidade de resumos, a pesquisa de Estado da Arte que se utiliza unicamente deles aponta para uma fragilidade, por diversos motivos. O resumo, como já mencionado alhures, não contempla uma síntese obrigatória do trabalho, sua função é nortear o leitor, indicando-lhe a essência do que, por vezes, será tratado. Ademais, como mencionado na citação supracitada, mesmo que sejam bons 9, ainda há a possibilidade de o leitor fazer uma análise leviana, nas considerações de Ferreira (2002), uma vez que ele se expressa por pequenos fragmentos, com poucas palavras e muitos significantes, a chance de se interpretar de forma equivocada é grande, ao passo que pela leitura do corpo do texto, o entendimento será deveras mais completo. Talvez tenha razão Megid (1999), em alusão à crítica contida em sua tese de doutorado:
Toda essa discussão tem por objetivo expressar algumas limitações dos catálogos ou bancos de dados sobre a produção acadêmica, no que se refere a uma divulgação adequada da mesma. Os dados bibliográficos dos trabalhos já permitem uma primeira divulgação da produção, embora bastante precária. Os resumos ampliam um pouco mais as informações disponíveis, porém, por serem muito sucintos e, em muitos casos, mal elaborados ou equivocados, não são suficientes para a divulgação dos resultados e das possíveis contribuições dessa produção para a melhoria do sistema educacional. Somente com a leitura completa ou parcial do texto final da tese ou dissertação desses aspectos – resultados, subsídios, sugestões metodológicas, etc – podem ser percebidos. Para estudos sobre o estado da arte da pesquisa acadêmica nos programas de pós-graduação em Educação, todas essas formas de veiculação das pesquisas são insuficientes. É preciso ter o texto original da tese ou dissertação disponível para leitura e consulta (MEGID, 1999, p. 54).
Por meio da contribuição, no que se refere às pesquisas de Estado do Conhecimento, é possível sopesar que a leitura de resumos se torna importante na fase que antecede a análise dos trabalhos, ou seja, quando se está a escolher quais trabalhos irão fazer parte do corpo da análise, por meio do auxílio dos descritores nos bancos de dados. Assim, o pesquisador utilizar-se-ia dos resumos apenas para delimitar os trabalhos a serem pesquisados, descartando aqueles que não tivessem pertinência com o tema ou com os objetivos da pesquisa. Neste caso, o resumo seria de suma importância, pois faria com que o pesquisador economizasse tempo, a descartar um trabalho, seja um artigo, uma dissertação ou uma tese, que não tenha qualquer relevância com sua investigação. Ademais, o resumo também importa para o entendimento inicial da pesquisa, à medida que ele contempla – ou deveria – os principais elementos para sua consciência. Pode-se dizer, então, que para o restante da análise do conhecimento, o resumo se tornaria insuficiente para atingir uma satisfatória compreensão do conteúdo, sendo imprescindível a leitura integral dos trabalhos.
1.2. O método do Estado da Arte: uma explicação de análise
Sobre o método utilizado para se chegar nesta pesquisa de Estado da Arte, em aderência ao propósito do capítulo, utilizando-se o banco de dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, foram escolhidos como documentos, em princípio, todos os trabalhos contendo os seguintes descritores: Ensino Jurídico, Educação Jurídica, Curso de Direito, Ensino de Direito e Ensino do Direito. Na tentativa de observar qual a nomenclatura mais utilizada entre os pesquisadores e levantar algumas hipóteses para sua utilização. A tabela a seguir foi baseada nos resultados de uma busca realizada no dia 20 de dezembro de 2014, a evidenciar, de pronto, que na maioria dos itens o total apontado pelo buscador não representa a soma dos produtos, ou seja, ao somar o resultado de pesquisas apontado de teses com de dissertações se observa que a soma não foi igual a demonstrada pela ferramenta de busca. Ao analisar a primeira linha, relativa ao descritor Educação Jurídica, a ferramenta de busca aponta como resultado total 537, composto respectivamente por 145 teses e 344 dissertações, como foi evidenciada, nota-se a incoerência da soma, dada a adição de 145 e 344 jamais poderia ser 537, mas 489. Tais equívocos foram encontrados em todas as buscas, sendo importante ressaltar que o total referente nas tabelas equivale, então, ao número dado pela ferramenta de busca e não à soma real dos trabalhos.
Os enganos numéricos talvez possam ser explicados pelo fato de que diversos trabalhos se duplicam ou triplicam nos resultados. Este fenômeno foi facilmente identificado durante o processo de leitura sistemática dos trabalhos, em que se observou que uma mesma pesquisa é citada novamente nas páginas de resultados subsequentes. Outro fenômeno bastante recorrente foi o fato de que após algum lapso temporal, ao realizar idêntica pesquisa, o banco de dados aponta para um resultado diferente. As diferenças se referem, em geral, ao total de trabalhos encontrados, variando a quantidade em algumas unidades, outras vezes o resultado da pesquisa é o mesmo, porém pela leitura dos títulos se observa que o número de resultados não equivale à lista apresentada, em outros casos também os dois fenômenos se repetem: ao fazer uma nova busca com determinado intervalo, não apenas o resultado se altera, como também seu conteúdo, sendo que em nenhum dos resultados os números se equivalem10. Falhas técnicas como estas, durante o processo de busca, demonstram uma fragilidade tecnológica, embora se tenha a ilusão de uma maior comodidade nas realizações de tais pesquisas, não é possível depositar inteira confiança nos resultados apresentados, sendo que, em última análise, os resultados deveriam ser considerados se levado em conta seu caráter aproximado.
Tabela 1: Relação geral entre descritores e quantidade de teses e dissertações
Descritores |
Teses |
Dissertações |
Total |
Ensino Jurídico |
102 |
248 |
380 |
Educação Jurídica |
145 |
344 |
537 |
Curso de Direito11 |
2058 |
6796 |
9703 |
Ensino de Direito |
3595 |
14460 |
19750 |
Ensino do Direito |
3590 |
14463 |
19780 |
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BRASIL, 2014b).
A Tabela 1, realizada no banco de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, foi realizada com base nos resultados obtidos pela busca básica na ferramenta denominada Procura Básica, utilizando-se a expressão exatamente como consta na coluna de descritos, sem a utilização aspas ou qualquer outro meio que limitasse o resultado e sem qualquer delimitação temporal. Mormente no que tange os descritores de Curso de Direito, Ensino do Direito e Ensino de Direito, os resultados foram bastante expressivos, contudo, pela leitura dos títulos já foi possível observar que entre os resultados, diversos eram aqueles que não possuíam o exato sentido do descritor. Os exemplos mais comuns fazem referência ao vernáculo Direito em sentido diverso do jurídico – neste caso, ressalta-se a grande quantidade de trabalhos encontrados cujo tema se refere ao Direito à Educação ou Direito de Ensino12. Em outros casos o resultado da expressão Direito não era relativo ao vínculo com o ensino, embora invariavelmente fizesse sentido ao jurídico13. Em maior equívoco a ferramenta de busca incluiu trabalhos na lista de resultados que não tinham qualquer relação com a questão do Ensino ou do Direito, algumas vezes relativos a áreas totalmente diferentes como as biológicas e as exatas14. Possivelmente, a exemplificação para o aparecimento de tais resultados tão diversos do tema em apreço seja a existência dos vernáculos como Direito, Ensino, Jurídico ou ainda das preposições de e do nos resumos.
Diante da grande gama de resultados apontados pelo banco de dados, sobremodo no que tange os descritores Curso de Direito, Ensino do Direito e Ensino de Direito, a utilização da ferramenta Procura Básica, na página inicial do sítio eletrônico não se mostrou eficaz, até porque, mesmo se houvesse tempo hábil para a análise dos quase 20 mil trabalhos apresentados no último descritor, a ferramenta de busca da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, possui a limitação de disponibilizar apenas 500 trabalhos, sendo uma ilusão achar que se poderia ter acesso aos demais 19,5 mil apontados como resultado15. Sendo assim, na esperança de viabilizar a pesquisa e delimitar as buscas apenas às teses e dissertações diretamente relacionadas aos temas dos descritores, optou-se por realizar uma nova busca, utilizando-se, desta vez, a ferramenta da Procura Avançada, delimitando os descritores apenas aos títulos, ou seja, doravante, serão considerados apenas os trabalhos cujo título da pesquisa contemple um dos descritores já elencados na Tabela 1.
Tabela 2: Relação específica no título entre descritores e quantidade de teses e dissertações
Descritores |
Teses |
Dissertações |
Total |
Ensino Jurídico |
4 |
25 |
29 |
Educação Jurídica |
3 |
3 |
6 |
Curso de Direito |
1 |
8 |
9 |
Ensino de Direito |
4 |
2 |
6 |
Ensino do Direito |
2 |
8 |
10 |
TOTAL |
14 |
46 |
60 |
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BRASIL, 2014b).
De outro lado, ainda de acordo com os levantamentos da Tabela 2, menos populares têm sido a utilização das expressões Curso de Direito, Educação Jurídica e Ensino de Direito, respectivamente com nove, seis e seis trabalhos intitulados. Sobre as diferentes formas de expressões, importa analisar a diferença no sentido etimológico de cada uma delas, uma vez que, embora pareçam ser utilizadas como sinônimo nas pesquisas, tem significados bastante diversos entre o conceito de Ensino, Educação e Curso. Em aderência ao entendimento de Biesta (2013), há concisa diferença entre o significado de Ensino e Educação, enquanto aquele representa um aspecto mais específico, remetendo ao processo moderno e institucionalizado, este é mais genérico e abrange todos os processos de aprendizagem. Não obsta ressaltar a diferença apontada pelo autor a respeito da diferença entre Aprendizagem e Educação:
[...] uma das mudanças mais notáveis que ocorreram na teoria e prática da educação nas últimas duas décadas foi a ascensão do conceito de aprendizagem e o subsequente declínio do conceito de educação. Ensinar foi redefinido como apoiar ou facilitar a aprendizagem, assim como educação agora é frequentemente descrita como propiciadora de oportunidades ou experiências de aprendizagem. Alunos e estudantes se tornaram aprendentes, e a educação adulta se te tornou aprendizagem adulta (BIESTA, 2013, p. 32).
Desta feita, a expressão Educação se torna muito mais ampla e genérica do que Ensino, enquanto aquela remeta a todo processo que envolve a aprendizagem e às práticas pedagógicas, tanto no ambiente escolar quanto no cotidiano, esta se apresenta em um sentido muito mais estrito, ganhando destaque com o modelo escolar institucional moderno. O Ensino se limita aos processos que ocorrem dentro das escolas e das faculdades, enquanto Educação açambarca toda e qualquer ideia de introjeção de conhecimento. No sentido etimológico, como assevera Cunha (2010) pela análise latina do termo, Educação vem do vernáculo romano educare, arcaicamente derivada da locução ex ducere, ou seja, conduzir para fora ou levar para fora, o que tem total relação com seu propósito de autonomia do indivíduo por meio da apreensão de determinado conhecimento. Por outro lado, Ensinar remete ao verbo latino insignare, o qual significa indicar ou fazer um sinal, o que torna sua ligação com a função de um pedagogo ou preceptor muito mais íntima, pois para que seja indicado ou para que seja feito um sinal é necessário que outro o faça, indicando o melhor método a ser seguido.
Em suma, mesmo no sentido radical das palavras, a relação entre o significado de Educação e Ensino mantém a ideia de que Educação é mais ampla e abrange o Ensino, de forma que Ensino do Direito, assim como Curso de Direito remetem especificamente à academia jurídica, quer por meio do bacharelado quer pela Pós-Graduação. Por outro lado, Educação Jurídica ou Educação do Direito não representa uma relação direta ou necessária com a Faculdade de Direito, pois o próprio sentido da palavra Educação é muito mais amplo e não se limita apenas às Instituições de Ensino. No exemplo do rábula em comparação ao advogado, o que se observa é que o primeiro, embora possa ter vasto conhecimento jurídico, não se vincula a nenhuma instituição, nem ao mesmo se bacharelou em Direito, enquanto o segundo, mesmo tendo menos conhecimento ou experiência jurídica, é dotado de um título de Graduação que lhe habilita a utilizar seu conhecimento jurídico de forma profissional. Destarte, falar em Educação do Direito enquanto sinônimo de formação obtida por uma Instituição de Ensino, não apensar demonstra o desentendimento com a noção etimológica do termo, como torna seu sentido muito mais abrangente. Pode-se, por consequente, dizer que o mais correto seria a utilização da expressão Ensino ou Curso quando se pretende discorrer especificamente sobre a Faculdade de Direito. Levando-se em conta a Tabela 1 e 2, as melhores expressões que descrevem o propósito da pesquisa são Ensino Jurídico, Curso de Direito, Ensino de Direito e Ensino do Direito.
O resultado apontado na Tabela 2 demonstrou a grande diferença existente entre a utilização da ferramenta Busca Básica e Busca Avançada. A primeira ferramenta deveria apresentar como resultados todos os trabalhos que tivessem presentes os descritores apontados nas tabelas, seja no título, no resumo ou nas palavras-chave. Contudo, o que se observa na prática é que os resultados acabam por apresentar trabalhos que se utilizam apenas de determinados elementos do descritor, na busca por Ensino do Direito, como se demonstrou, foram encontradas pesquisas nos mais diversos sentidos relativos ao Ensino e ao Direito, inclusive, alguns que possuíam apenas ocorrência da preposição do em seu corpo, o que gerou um universo muito grande. A delimitação por título foi bem mais precisa, porém, observou-se que alguns trabalhos presentes no resultado da primeira tabela, embora tivessem o descritor presente em seu título, não foram apresentados como resultados na segunda tabela. Tal fato demonstra novamente a fragilidade em realizar uma pesquisa de Estado da Arte unicamente se utilizando por tal banco de dados. A não inclusão de determinadas pesquisas, que por seu próprio título deveriam necessariamente estar presentes, também aponta para o fato de que seja qual for a metodologia de busca no banco de dados da BDTD, sempre haverá trabalhos preciosos excluídos. Resta, ao pesquisador, criticar tais falhas na esperança de que possam ser sanados, já que o Banco de Teses, bem como demais sítios de pesquisas científicas, deveriam oferecer o conforto da rapidez, bem como a segurança da informática e das novas tecnologias.
Sem embargo, tendo em vista a importância de um trabalho amostral para o desenvolvimento do conhecimento no campo acadêmico, somente lamentar sobre a fragilidade de uma pesquisa que elegeu, como banco de dados, a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, seria tão anódino quanto se acovardar ao fracasso de não ter tentando novos métodos de pesquisa, como por exemplo o Banco de Teses da Capes. Porém, precisamente a respeito desta plataforma, é importante ressaltar que, embora ela se apresente como uma alternativa à BDTD, enquanto ferramenta de pesquisa para o método que aqui se deseja alcançar, ela se torna insuficiente, à medida que o Banco de Teses da Capes impossibilita o acesso integral aos trabalhos, possibilitando ao pesquisador apenas contemplar os títulos e resumos das teses e dissertações. Destarte, mesmo diante dos problemas apresentados pelo banco de dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, como a questão da duplicação e a impossibilidade de acessar mais de 500 trabalhos, não seria leviano apresentá-la como a melhor ferramenta de pesquisa no que se refere ao acesso de trabalhos em Programas de Pós-Graduação no Brasil. De outra banda, não obsta ressaltar acerca da real importância de se buscar o maior contingente de trabalhos para uma pesquisa de Estado da Arte, em outras palavras, questiona-se qual a real importância de se tomar contato com todos os trabalhos já realizados, já que uma pesquisa de Estado da Arte se trata de uma metodologia amostral. Neste sentido, seria utópico acreditar na possibilidade, para a realização de tal tipo de pesquisa, entrar em contato com todas as pesquisas – no presente caso, seria o mesmo que imaginar o pesquisador tendo acesso a todas as dissertações e teses cujo título possuísse expressamente as expressões Educação Jurídica, Ensino Jurídico, Curso de Direito, Ensino do Direito e Ensino de Direito. Sendo assim, quando se expressa as lamentações de que sempre haverá trabalhos preciosos excluídos, como afirmado anteriormente, na verdade se critica que, independente do método de pesquisa utilizado, quando se pretende realizar uma pesquisa do tipo Estado da Arte, seria ilusório imaginar que o pesquisador conseguiria listar todos os trabalhos já realizados, porque, no caso da presente pesquisa, a qual tem por objetivo analisar teses e dissertações sobre a temática do Ensino Jurídico, possivelmente alguns trabalhos não estejam nem disponibilizados em formato digital, outros, porém, talvez tenham até se perdido nas bibliotecas das instituições; em segundo lugar, mesmo se fosse possível, hipoteticamente, ter contato com todo este universo de trabalhos, lê-los e analisá-los, seria um trabalho hercúleo e impossível, ainda mais para um projeto de mestrado, cuja duração deveria se encerrar em apenas dois anos.
Insta ainda ressaltar que, em relação à delimitação temporal da pesquisa, na ferramenta de Procura Avançada, foi adotado o intervalo de tempo da década de 2004 a 2014, ou seja, do início da primeira década até a atualidade. Sendo a data de início referência à Resolução Número 9 do Conselho Nacional de Educação da Câmara de Educação Superior, publicada em 29 de setembro de 2004, a qual institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito. Tal referência normativa se explica pelas grandes modificações trazidas pela Resolução, que embora seja composta por apenas 13 artigos, discorre sobre as temáticas da concepção de curso, sobretudo a importância da interdisciplinaridade e o incentivo à pesquisa – Art. 2°, § 1° –, ademais também destaca a [...] sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise de conceitos e da terminologia jurídica, adequação argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais (BRASIL, 2004). Sendo assim, a Resolução Número 9 representa um divisor de águas para o Ensino Jurídico, o que explica sua adoção enquanto critério delimitador na pesquisa de Estado da Arte, a desembocar no total de 60 trabalhos.
Deste modo, a feitura da referenciação dos índices e elaboração de indicadores foram realizadas em parte nas Tabelas 1 e 2, ao determinar a quantidade de trabalhos relativos a cada descritor. Por meio da Tabela 1, foi possível verificar a impossibilidade de qualquer análise de dados, considerando que os resultados foram bastante expressivos, sobretudo no que se refere aos descritores Ensino do Direito e Ensino de Direito. Ademais, por este método também pôde ser observado que havia muitas pesquisas irrelevantes ao tema, as quais tinham outros significados ao descritor, não relativo ao Ensino Jurídico. De sorte que, para a Tabela 2, foram considerados apenas os trabalhos cujos títulos apresentavam um dos descritores, ou seja, somente se considerou para análise os trabalhos que contiveram expressamente no título ou subtítulo das teses ou dissertação uma das seguintes expressões: Educação Jurídica, Ensino Jurídico, Curso de Direito, Ensino do Direito, Ensino de Direito. É importante destacar que, enquanto a Tabela 1 representa um resultado bruto, que demandaria muito tempo para ser analisado – e considerando que no caso de trabalhos com incidência de resultado maior que 500, torna-se impossível a visualização de todos –, a Tabela 2 apresentou o resultado final dos trabalhos que foram analisados, a totalizar 60 pesquisas, sendo 14 teses e 46 dissertações, os quais foram analisados com o objetivo de realizar a construção de seu Estado da Arte, bem como investigação e análise comparativa de possíveis padrões teóricos relativos ao Ensino Jurídico.
Destarte, com base no total de trabalhos, a amostra foi, em um primeiro momento, tabelada, dividindo as pesquisas entre teses e dissertações. O objetivo desta etapa foi examinar qual pesquisa tem maior incidência no que se refere ao descritor e ao tipo, ou seja, se existem mais teses ou dissertações relativas a cada descritor. Tal tabela pode ser base de construção para argumentos sobre quais razões estão levando os pesquisadores a utilizarem determinada expressão do descritor, motivos os quais estão ligados à diferença do número de pesquisas em cursos de mestrado e doutorado. Na sequência, foi realizada uma análise mais profunda em relação às características de cada pesquisa, relativas ao orientador, à instituição, à faculdade e à região geográfica. A análise foi bastante rigorosa, pois são inúmeros os fatos que se relacionam com tais informações, como, por exemplo, se houve ocorrência de um mesmo orientador nas pesquisas; se eram instituições privadas ou públicas; ou ainda, quais regiões estão originando as pesquisas.
Sobre a justificativa para a apresentação desta análise de cunho geral, não há óbice em demonstrar que, em se tratando de uma pesquisa de Estado da Arte, na qual se analisaram seus respectivos referenciais teóricos na tentativa de uma busca pelo referencial teórico, importante seria apresentar ao leitor características básicas a respeito das teses e dissertações. Logo, a identificação de cada orientador se mostra relevante à medida que sua possível recorrência indique o interesse do pesquisador no tema, o que poderia levantar novas hipóteses, como, por exemplo, a existência de grupos ou linhas de pesquisas relacionadas ao tema do Ensino Jurídico. Por outro lado, sobre a demonstração da Instituição de Ensino Superior relacionada às pesquisas, bem como às respectivas faculdades e às regiões geográficas, também importaria mencionar que determinadas apresentações são de interesse à pesquisa, pois representam um indicador de quais programas de Pós-Graduação estão originando-as e, consequentemente, quais faculdades e localidades têm demonstrado receptividade ao tema – tema este que, a priori, demonstra ser pouco debatido e até evitado no meio acadêmico, como demonstra Cerqueira et alii (2008).
Ao se basear na quantidade de pesquisas que se utiliza da expressão Direito à Educação, pôde- se notar que ela é muito mais comum do que expressões como Educação do Direito ou Educação no Direito. Apenas ao exemplo, com a ferramenta de Procura Básica foram encontrados 25.131 resultados com o descritor Direito à Educação, e 271 resultados com a mesma expressão entre aspas; ao mesmo tempo, Educação de Direito, também entre aspas, possuía apenas dois resultados. O que corroborou para a crítica de que são poucos os trabalhos sobre o tema, sobretudo se comparado com alguns campos educacionais. Assim, a educação vinculada com o tema jurídico ainda foi pouco recorrente, talvez por não fazer referência ao aspecto dogmático do Direito, o qual acaba sendo mais comum. Ademais, soma-se o fato de que a pesquisa e a Pós-Graduação na área jurídica ainda são encaradas com relutância entre os egressos, conforme assevera Cerqueira et alii. (2008). Sobre o tema, ainda de acordo com a autora, o que se observa na prática é que a carreira docente nas Faculdades de Direito são utilizadas mais como prestígio profissional e busca por ascensão no mercado de trabalho do que por paixão à carreira acadêmica. A grande maioria dos professores de Direito atuam também em outras áreas, como advocacia, promotoria ou magistratura, tornando a vida docente atividade secundária – numa tentativa de alimentar seu ego inflado (CERQUEIRA et alii, 2008 p. 132), como assevera de forma bastante enfática. Neste sentido, completa Warat (2004),
o narcisismo docente esconde a tênue qualidade da identidade de alguns professores. Eles conseguem fortalecer a autoimagem do seu 'eu' com as ilusões de grandeza que obtêm do culto imperial de seu discurso erudito (p. 254).
Ainda sobre o tema, de forma muito enfática completa a crítica trazida por Rodrigues (1995) sobre a postura do professor de Direito, a qual, juntamente com as anteriores, por certo, não deixam de ser reducionistas e generalizadoras:
Um poço de narcisismo, egocentrismo e auto-suficiência. Esta parece ser, em muitos casos, a postura do professor de Direito. Postura que gera uma relação autoritária e vertical – um verdadeiro monólogo. E não apenas em relação aos seus colegas de magistério. Postura esta que logo é assimilada também pelo corpo discente. Nos cursos jurídicos é onde mais se encontra propagado o individualismo. Na realidade, parece ser esta uma postura tradicional dos diversos operadores jurídicos, não restrita apenas a instância educacional (RODRIGUES, 1995, p. 108, sic).
Neste diapasão, não obsta ressaltar, data venia a opinião do autor, que talvez um dos grandes problemas do Ensino Jurídico vivenciado pelos próprios professores não seja necessariamente seu egocentrismo, seu narcisismo, nem sua imagem de autossuficiência. É provável que o verdadeiro vilão seja a falta de formação pedagógica. Em outras palavras, o que, grosso modo, falta para muitos professores quiçá seja uma sólida formação ligada a sua atividade enquanto docente, pois, ao bom educador, não basta ser um bom jurista, é necessário que também saiba educar. Por outro lado, a falta de incentivo à pesquisa é uma realidade em diversas faculdades de Direito. É comum que um aluno, passado cinco anos frequentando diariamente o ambiente universitário, se forme sem ter uma noção satisfatória de o que seja pesquisa (CERQUEIRA et alii, 2008). O parco investimento em pesquisa na área jurídica pode ser apontado como uma das carências no número de artigos científicos. Apenas como exemplo da falta de pesquisas na área jurídica, em comparação com outras áreas das Ciências Humanas, numa pesquisa realizada no dia 25 de junho de 2014, no banco de dados da Scielo, ao se buscar o descritor Direito, na função de busca avançada por título, foram encontrados apenas 636 resultados; em relação ao descritor Judicial, na mesma busca avançada, foram encontradas 355; ao turno de que, se utilizando do descritor Jurídico, apenas 279 artigos são apresentados. Por outro lado, quando se buscam temas como Filosofia e História, podem ser encontrados, respectivamente, 851 e 3.934 artigos (BRASIL, 2014c). Tal comparação deve ser entendida como um exemplo, contudo, diante dos números. Não se pode negar que o fato demonstra, empiricamente, a existência de mais artigos advindo de áreas afins das Ciências Humanas do que propriamente jurídicos, o que resume o argumento de que há uma defasagem na pesquisa científica jurídica. Não é sem razão que os artigos sobre Ensino Jurídico, sendo ramificações da área do Direito, são ainda mais raros, a quantidade de revistas científicas é proporcionalmente também menor, conforme demonstra a Tabela 3.
Tabela 3: Comparação entre a quantidade e qualificação de revistas jurídicas e educacionais
Classificação Qualis |
Quantidade de Revistas da área de Direito |
Quantidade de Revistas da área de Educação |
A 1 |
51 |
112 |
A 2 |
76 |
167 |
B 1 |
179 |
308 |
B 2 |
88 |
380 |
Fonte: WebQualis (BRASIL, 2015g)
De acordo com a Tabela 3, a qual pretende demonstrar a quantidade de periódicos científicos em relação à classificação Qualis, entre A 1 e B 2, de Revistas de Direito e de Educação, apresentadas na Plataforma Sucupira16 17, a menor quantidade de artigos científicos se explica pela proporcional menor quantidade de periódicos, mormente na comparação entre a área jurídica e a educacional. As revistas de Direito de Qualis A 1 somam apenas 51, ao passo que no campo da Educação a quantidade da mesma categoria soma 112. Desta forma, ainda é possível fazer uma comparação entre a quantidade de revistas e a quantidade de Programas de Pós-Graduação em Direito e em Educação, também conforme a CAPES: na área de Direito foram encontrados 87 cursos de mestrado e 31 cursos de doutorado; enquanto na área de Educação foram encontrados 126 cursos de mestrado e 66 cursos de doutorado (BRASIL, 2014a). Pode-se verificar que a relação entre a quantidade de revistas de Direito e de Educação está diretamente ligada a quantidade de programas de Pós- Graduação, em que se evidenciam a maior quantidade de pesquisas no campo da Educação. Tal fato contribui, novamente, para a afirmação de que existe pouco investimento em pesquisa no Direito, mesmo ao levar em conta que as Faculdades de Direito são os mais numerosos cursos no Brasil – bem como, o total de cursos jurídico brasileiros supera a soma da quantidade de faculdades em todo o mundo (BRASIL, 2015c)18. De modo que, embora sejam muito mais numerosos, ainda assim, a quantidade de programas de Pós-Graduação e quantidade de periódicos científicos permanece inferior a outros cursos. Por outro lado, não obsta ressaltar o resultado das revistas classificadas como B 2 no campo do Direito, quantitativamente inferior às revistas B 1, fato que aponta para a total falta de lógica no desenvolvimento da pesquisa jurídica, uma vez que, em comparação com as revistas de Educação, se esperava que a quantidade de revistas B 2 fosse maior que a B 1.
A produção científica do corpo docente é um dos itens que distinguem verdadeiramente uma instituição de ensino superior em meio a outras. A produção sociocientífica de seus membros é algo determinante na constituição do ambiente epistemológico da instituição, o que faz com que decorram consequências as mais diversas, como a criação do diálogo docente interdisciplinar, a projeção da instituição nos meios científicos, o engajamento dos alunos em laboratórios de estudo ou em linhas de pesquisa oficiais da instituição, o intercâmbio contínuo de material de pesquisa e de pesquisadores com outras instituições de ensino – estrangeiras ou nacionais –, o que somente contribui para a construção sólida do ideal ambiente universitário (BITTAR, 2006, p. 146).
Neste diapasão, é possível sopesar a importância da pesquisa no campo educacional. A retomar a citação, é por meio da atividade científica em pesquisa que as Instituições de Ensino Superior se diferenciam dos demais cursos. É estarrecedor que muitas faculdades não priorizem o fomento à pesquisa, seja por meio da Iniciação Científica no contexto discente da Graduação seja por meio de cursos de Mestrado e Doutorado na Pós-Graduação stricto sensu, dado que são poucos os cursos de Pós-Graduação em Direito no Brasil19. Ademais, a importância da pesquisa não representa apenas ônus das instituições, os educadores, enquanto facilitadores no processo de educação, também deveriam observar a importância da produção científica e a continuação da carreira acadêmica. Mormente no caso dos cursos jurídicos, em que a dinâmica da atividade profissional se mostra tão ligada ao cotidiano e cujas consequentes mudanças afetam tanto a vida em sociedade, que os educadores deveriam se apegar mais à ferramenta científica, na tentativa de influir uma melhora.
Ao mesmo tempo em que é possível notar um deficit entre as produções jurídicas, mormente em relação à discussão do Ensino Jurídico, e às demais Ciências Humanas, como no campo educacional e filosófico, por exemplo, não há óbice também ressaltar uma crítica ao modelo de produtividade, o qual subverteu determinados segmentos dos pesquisadores. Este patológico produtivismo, pensado como quantitativismo, isto é, o aumento da produção sem limite, contudo, acabou por esbarrar na questão da qualidade do que se produz, no sentido de que, a priori, quanto maior for a preocupação com a produtividade menor será a preocupação com a qualidade. Conforme argumenta Rego (2014), é necessário encontrar caminhos seguros para ampliar a relevância e a qualidade daquilo que se publica. Todavia, é possível entender que não basta se preocupar em elevar a visibilidade dos periódicos, nem tampouco priorizar exclusivamente o aumento dos índices de citação dos artigos. São necessárias estratégias para a captação de artigos que envolvam temas de fronteira do conhecimento, capazes de mobilizar o interesse da comunidade científica. E isso está diretamente relacionado ao modo como a pesquisa vem sendo produzida e avaliada. Não é possível, portanto, tratar comunicação científica separadamente da produção científica. Em outras palavras, é preciso pensar, de modo sério e cuidadoso, sobre as consequências, para as revistas e para os avanços da própria Ciência, das práticas que vêm sendo adotadas por muitos pesquisadores para satisfazer os critérios quantitativos utilizados pelos formuladores de políticas públicas para avaliar, promover e remunerar cientistas (REGO, 2014)20.
A Área de Educação na CAPES, coordenada pelo Prof. Dr. Romualdo Portela de Oliveira, da Universidade de São Paulo, tem pensado ações concretas para combater o quantitativismo. No contexto da 37ª Reunião Nacional da ANPEd, realizada na Universidade Federal de Santa Catarina, em outubro de 2015, o Fórum de Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Educação, Forpred, definiu uma trava de oito melhores produtos por pesquisador, a serem considerados no quadriênio e avaliação do Sistema Nacional de Pós-Graduação, SNPG. Assim, caso esta ação seja aprovada pelo Conselho Técnico Científico, o CTC, da CAPES, isto significará, pelo menos, que não importará a quantidade desenfreada de produtos, mas, justamente, a qualidade deles. De acordo com documento publicado no sítio eletrônico da Anped, com a proposta do programa postulante para novos associados institucionais, são critérios de admissão: proposta curricular do programa; produção científica e titulação do corpo docente nos últimos três anos; apresentação de projetos e relatórios de pesquisa do corpo docente, indicando a associação às linhas de pesquisa; participação efetiva do corpo docente do programa; orientação de teses e dissertações; convênios firmados e efetivados com grupos de pesquisas nos planos local, regional e internacional; número de docentes do programa associados à ANPEd ou postulantes, em percentual mínimo de 50%; produção técnica, artística ou pedagógica; e infraestrutura disponível para desenvolvimento da atividade acadêmica (BRASIL, 2015f).
1.3. Uma apresentação das teses e dissertações: a análise geral
Estabelecida a conceituação de Estado da Arte e delimitada a diferença com o instituto do Estado da Questão e da Busca Bibliográfica, torna-se, doravante, necessário apresentar as características das teses e dissertações de forma genérica, sobre questões de origem e tipo institucional, localização geográfica e ano de defesa, conforme foi estabelecida nas Tabelas 3 e 4 – ambas constadas em anexos –, sobre as teses e dissertações, respectivamente. As tabelas dos Anexo 1 e 2, em comparação com a Tabela 2, relativas à quantidade específica de descritores e quantidade de pesquisas encontradas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, apontaram para a grande diferença existente entre o número de dissertações e o número de teses, respectivamente, 46 e 14, esta diferença talvez se deva à maior quantidade de cursos de Mestrado em relação a cursos de Doutorado em Direito21 22.
A tabela também apresentou a discrepância na utilização das expressões no título. Como se puderam observar, de acordo com a Tabela 2, os pesquisadores preferiram a denominação Ensino Jurídico às demais – assim como se optou para a presente pesquisa. Não obsta relembrar que, conforme o levantamento do Estado da Arte, as duas expressões mais encontradas nos títulos das teses e dissertações foram Ensino Jurídico e Ensino do Direito, respectivamente, com 29 e 10 trabalhos. Sobre a maciça utilização da expressão Ensino Jurídico, citada três vezes mais que Ensino do Direito, é interessante observar a preferência dos pesquisadores por tal nomenclatura, mesmo levando-se em conta que o principal órgão responsável pelo debate do assunto no Brasil se utiliza da segunda opção, a Abedi; outrossim, não obsta ressaltar que tal expressão também foi usada pelo Conselho Universitário do Estado da Guanabara ao criar o Ceped, pela Resolução Número 284 de 1966 (UEG, 1966).
A primeira característica evidente, apresentada no Anexo 1 e 2, se refere ao fato de que apenas três orientadores se repetem em mais de uma pesquisa, são eles: João Virgilio Tagliavini, Ivone Tambelli Schmidt e José Geraldo de Sousa Júnior. Como ficou mais bem demonstrado na Tabela 4, a seguir, Tagliavini orientou a dissertação de Louro de Teixeira Cotrim, intitulada O Ensino do Direito no Brasil e os Limites e Contradições na Atuação do Advogado Público, pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de São Carlos, a USFCar, no ano de 2007; e Renato Cassio Soares de Barros, com a dissertação Ensino do Direito do Trabalho: Ensino positivado e sua perspectiva social, na faculdade da mesma instituição e no mesmo ano. Por outro lado, Schmidt orientou José Eduardo Balikian, na dissertação Direito Alternativo no Ensino do Direito: Presença explícita, implícita ou inexistente?, na Universidade do Oeste Paulista, a UNOESTE, pela Faculdade de Educação, no ano de 2008; e Sérgio Ferreira dos Santos, com a dissertação O Ensino de Direito: Uma análise sobre o projeto pedagógico da FESURV, também na faculdade da mesma instituição. Por fim, Sousa Júnior teve como orientanda Mariana Rodrigues Veras, com sua dissertação Campo do Ensino Jurídico e Travessias para Mudança de Habitus: Desajustamentos e (des)contrução do personagem, na Universalidade de Brasília, a UnB, pela Faculdade de Direito, no ano de 2008; igualmente orientou Fábio Costa Morais de Sá e Silva, com a dissertação Ensino Jurídico, um Tesouro a Descobrir. A Construção de Alternativas Pedagógicas e Metodológicas a partir da Reforma do Ensino Jurídico (e Jurídico-Penal), pela mesma instituição e faculdade, no ano de 2008.
Tabela 4: Orientadores que se apresentaram em mais de uma pesquisa
Autor |
Título |
Instituição |
Faculdade |
Ano |
João Virgilio Tagliavini | ||||
Lauro Teixeira Cotrim |
O Ensino do Direito no Brasil e os Limites e Contradições na Atuação do Advogado Público |
Universidade Federal de São Carlos – USFCar (São Carlos, São Paulo) |
Faculdade de Educação |
2007 |
Renato Cassio Soares de Barros |
Ensino do Direito do Trabalho: Ensino positivado e sua perspectiva social |
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (São Carlos, São Paulo) |
Faculdade de Educação |
2007 |
Ivone Tambelli Schmidt | ||||
José Eduardo Balikian |
Direito Alternativo no Ensino do Direito: Presença explícita, implícita ou inexistente? |
Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE (Presidente Prudente, São Paulo) |
Faculdade de Educação |
2008 |
Sérgio Ferreira dos Santos |
O Ensino de Direito: Uma análise sobre o projeto pedagógico da FESURV |
Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE (Presidente Prudente, São Paulo) |
Faculdade de Educação |
2008 |
José Geraldo de Sousa Júnior | ||||
Mariana Rodrigues Veras |
Campo do Ensino Jurídico e Travessias para Mudança de Habitus: Desajustamentos e (des)contrução do personagem |
Universidade de Brasília – UnB (Brasília, Distrito Federal) |
Faculdade de Direito |
2008 |
Fábio Costa Morais de Sá e Silva (SILVA, 2007b) |
Ensino Jurídico, um Tesouro a Descobrir. A Construção de Alternativas Pedagógicas e Metodológicas a partir da Reforma do Ensino Jurídico (e Jurídico- Penal) |
Universidade de Brasília – UnB (Brasília, Distrito Federal) |
Faculdade de Direito |
2007 |
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BRASIL, 2014b).
Sobre o vínculo acadêmico entre o orientador e a Instituição, importa destacar que João Virgilio Tagliavini é docente do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, UFSCar (TAGLIVIANI, 2015a), Ivone Tambelli Schmidt, por seu turno, é pesquisadora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste Paulista, UNOESTE (SCHMIDT, 2015), enquanto que José Geraldo de Sousa Júnior é pesquisador do programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade de Brasília, UnB (SOUSA JÚNIOR, 2015). Neste sentido, interessante notar que em todos os casos em que se observou a atuação do mesmo orientador em mais de uma pesquisa, ela ora foi defendida no mesmo ano, ora no ano seguinte, o que talvez demonstre certo contexto de pesquisa do autor ou tenha relação com algum projeto desenvolvido naquele período – fato que, contudo, não pode ser comprovado pelas publicações em seus Currículos Lattes. Por outro lado, também importa destacar que em todos os casos as pesquisas se referiam às Instituições de Ensino Superior Públicas, o que, por si só, não represente de forma segura um fato decisivo, contudo, com base nos resultados, supostamente pode indicar que os pesquisadores de Instituições Públicas tentem a relacionar mais suas orientações com seu contexto de pesquisa. Em outras palavras, talvez seja possível afirmar que estes pesquisadores tenham maior preocupação em vincular os temas de seus orientandos com o contexto de pesquisa ou à linha de pesquisa de que está a desenvolver. Ademais, com exceção das pesquisas de Veras (2007) e Silva (2007b), todas as demais se referiam às Faculdades de Educação, o que, também supostamente, indique que os pesquisadores da Educação tenham maior interesse em orientar pesquisas que possam ter algum tipo de relação com o Ensino Jurídico. Notável ainda que tanto os orientandos de Tagliavini, quanto de Sousa Júnior, existe relação inclusive no título: nas orientações Tagliavini é possível identificar nos dois títulos a adoção da mesma expressão para designar Ensino Jurídico, qual seja, Ensino do Direito; por outro lado, nos orientandos de Sousa Júnior, enquanto Veras (2008) se utiliza da expressão (Des)construção em seu título, Silva (2007b) se utiliza da expressão Construção.
Especificamente a respeito de Tagliavini, importante ressaltar que o docente desenvolveu projeto de pesquisa sobre o Ensino Jurídico de 2008 a 2009, o autor ainda desenvolveu o projeto Filosofia do Direito de Norberto Bobbio e Ensino do Direito no Brasil, em virtude das comemorações do centenário de nascimento de Norberto Bobbio, realizado juntamente com o Centro de Estudos Norberto Bobbio do setor de responsabilidade social da Bolsa de Valores de São Paulo, no qual se preparou material e eventos para essa comemoração. Ainda de 2008 a 2009, o autor desenvolveu o projeto intitulado O perfil do ensino do Direito determinado pelo conteúdo e forma dos Exames e Concursos que habilitam profissionalmente para a área jurídica, o qual teve por objetivo realizar uma análise dos exames e provas relacionados ao Direito no Estado de São Paulo. Por fim, de 2010 a 2012, com o título Educação Jurídica: da avaliação ao projeto político- pedagógico o potencial pedagógico da área de fundamentos na formação jurídica, cujos resultados estão sendo aguardados pela Comissão de Educação Jurídica da OAB/SP e pela Comissão do Exame de Ordem Unificado do Conselho Federal da OAB, que tem dado apoio logístico para a sua realização (TAGLIAVINI, 2015a). Por outro lado, sobre a produção acadêmica de Ivone Tambelli Schmidt, no que se refere ao Ensino Jurídico, importa destacar que não foi encontrado em seu Currículo Lattes nenhuma relação entre projetos de pesquisa desenvolvidos pela autora e o tema. Muito embora a autora tenha se dedicado a outras publicações científicas, ao exemplo da participação da banca de dissertação Sergio Ferreira dos Santos, intitulada O Ensino de Direito: uma análise sobre o projeto pedagógico de FESURV, defendida em 2008, na Universidade do Oeste Paulista; também na participação em banca de José Eduardo Balikian, com a pesquisa Direito alternativo no Ensino do Direito: presença explícita, implícita ou inexistente?, defendida em 2008, na mesma Universidade; e, por fim, a participação na banca de José Eduardo Balikian, com o título Direito alternativo no Ensino do Direito: presença explícita, implícita ou inexistente?, no ano de 2008, também na mesma Universidade (SCHIMIDT, 2015). Igualmente, José Geraldo de Sousa Júnior também não realizou nenhum projeto de pesquisa em Ensino Jurídico, embora tenha publicado e orientado pesquisas sobre o tema. Neste sentido, cita-se como exemplo a pesquisa Ensino do Direito, Núcleos de Prática e de Assessoria Jurídica, publicada na revista Veredas do Direito, em Belo Horizonte, no ano 2006; também Ensino Jurídico e Formação Profissional, publicado no Jornal do Sindjus, Órgão Informativo do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público, em 2003; e, finalmente, Educação Jurídica e formação profissional, publicada pela Escola Paulista da Magistratura de São Paulo, no ano de 2001 (SOUSA JÚNIOR, 2015).
Gráfico 1: As Instituições de Ensino Superior em comparação: comparação entre IES públicase privadas
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BRASIL, 2014b).
Sobre o número total de instituições públicas e privadas, entre teses e dissertações, somaram- se, respectivamente, 41 e 26, apontando que a maioria das pesquisas que versa sobre Ensino Jurídico estava sendo realizada nas instituições privadas. Neste sentido, não há óbice em destacar que, para os efeitos desta pesquisa, as Instituições Confessionais, sem fins lucrativos, a exemplo da PUC, embora não sejam, tecnicamente consideradas Instituições de Ensino Superior Privadas, foram incluídas neste grupo para se diferenciarem das Instituições Pública, a fim de não criar um grupo sui generis para elas. Vale lembrar que para a realização do Gráfico 1 foram consideradas apenas as instituições com mais de uma pesquisa. Outrossim, preferiu-se por agrupar todas as Pontifícias em um único grupo, pois considerando somente as sucursais se contaram seis, sendo que apenas a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC SP, representou um total de nove pesquisas. A USP também apresentou expressiva quantidade de trabalhos, considerando os campi de São Paulo e Ribeirão Preto, consta, respectivamente, quatro e um. As demais instituições somaram quantias menores, variando entre três e dois, conforme se aponta no primeiro gráfico, e apenas uma nas demais, de acordo com as Tabelas 3 e 4. Em suma, questiona-se por qual motivo as pesquisas estão mais vinculadas às Instituições Privadas e, principalmente, Confessionais?
Gráfico 2: Quantidade de pesquisas nas Faculdades de Educação e Direito: comparação entre os cursos
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BRASIL, 2014b).
Como a maioria das pesquisas se origina basicamente das Faculdades de Educação e do Direito, totalizando, respectivamente, 44 e 19 pesquisas, optou-se por ilustrar graficamente apenas estes dois grupos. Com base no Gráfico 2 se observou a maior incidência de pesquisas nos cursos de Mestrado e Doutorado em Educação. Diante de tal fenômeno foi possível cogitar que a falta de trabalhos sobre Ensino Jurídico nas próprias Faculdades de Direito estava relacionada com a menor quantidade destes Programas. Desta feita, não obsta ressaltar que, na comparação entre a relação de cursos recomendados e reconhecidos pela CAPES em mestrados e doutorados, na área de Direito e Educação, foram encontrados, respectivamente: 87 cursos de mestrado e 31 cursos de doutorado; 126 cursos de mestrado e 66 cursos de doutorado (BRASIL, 2014a). Ademais, ainda em relação às faculdades, é interessante notar que no caso da Universidade de São Paulo, as três pesquisas foram desenvolvidas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, que açambarca estruturalmente a faculdade de Direito. Não obsta ainda criticar que a escassez de cursos de Pós- Graduação em Direito em relação, sobretudo aos cursos de Pós-Graduação em Educação talvez seja um dos motivos que levou os interessados a procurar outros campos do conhecimento, o que parece explicar, ao menos em parte, a existência de trabalhos sobre Ensino Jurídico em áreas como Ciências Sociais, Teologia, Gestão Pública e Linguística Aplicada, respectivamente de Pinto (2013), Thomas (2005), Opitz (2009) e Silva (2012a).
Por outro lado, é possível argumentar que o problema da discussão do Ensino Jurídico também está vinculado à falta de linhas de pesquisas e não, necessariamente, na falta de pesquisa. Conforme pesquisa realizada na Plataforma Sucupira, com base nas Instituições de Ensino Superior apresentadas no Gráfico 1, os únicos grupos que possuem linhas de pesquisas relacionadas ao Ensino Jurídico se refere aos programas de Pós-Graduação em Direito da Universidade de São Paulo e em Educação da Universalidade Federal de São Carlos. Em relação ao programa da USP, a linha de pesquisa Estado e Educação, vinculada ao Departamento de Direito do Estado, tem como projeto a Educação para Inclusão, a Consolidação do Direito à Educação por via das atividades legislativas e jurisprudenciais e o Projeto Buraco-Negro, o qual tem por objetivo a análise dos Projetos de Lei relativos ao Direito à Educação que não são levados à votação no Congresso Nacional. Em relação aos docentes credenciados, importa destacar que estão vinculadas à linha a professora Eunice de Jesus Prudente e a professora Nina Ranieri. Por outro lado, em relação ao programa da UFSCar, ligada ao Departamento de Educação, a linha de pesquisa Educação e Direito: Ensino Jurídico na Sociedade Brasileira Contemporânea, formada em 2003 e tendo como coordenador o professor João Virgílio Tagliavini (BRASIL, 2015h)23.
Gráfico 3: Relação entre quantidade de pesquisas e Unidades Federativas: comparação regional de pesquisas
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BRASIL, 2014b).
Sobre o Gráfico 3 ficou considerada a relação entre a quantidade de pesquisas e as Unidades Federativas com mais pesquisas, ficando excluído apenas o Estado do Piauí e do Maranhão que contemplaram apenas uma dissertação cada. A maior quantidade de trabalhos estava localizada no Estado de São Paulo, totalizando 29 pesquisas, entre teses e dissertações. Tal quantidade, em comparação com os baixos resultados de outros Estados, possivelmente, esteja ligada com questões de ordem econômica, as quais devem afetar diretamente o desenvolvimento científico e o fomento à pesquisa. Os Estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais também se destacaram, porém, em patamares menores. Interessante apontar que em relação ao Nordeste, três Estados contaram com pesquisas sobre o tema: Ceará, Piauí e Maranhão; o Centro-Oeste, todavia, foi representado apenas pelo Distrito Federal e por Goiás. Não foi, contudo, encontrado qualquer pesquisa na região Norte, enquanto que, em relação à quantidade de pesquisas, a região Sudeste foi, indubitavelmente, a que apresentou a maior quantidade de trabalhos em relação às demais regiões. A discrepância entre a relação de pesquisas por região também está intimamente ligada à quantidade de cursos de Pós- Graduação no Brasil, de acordo com pesquisa realizada no relatório da CAPES, a região Sudeste apareceu com o maior número de cursos, 2.819, seguida da região Sul e Nordeste, respectivamente, 1.223 e 1.057, ao passo que as regiões do Centro-Oeste e Norte apontaram as maiores divergências, na ordem, 446 e 267 cursos.
Gráfico 4: Relação entre quantidade de pesquisas e o ano de defesa: comparação de produtividade
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BRASIL, 2014b).
O Gráfico 4 ilustra precisamente o ano de defesa das teses e dissertações, neste caso todas as pesquisas foram consideradas, ou seja, as 60. A mais antiga pesquisa se referiu à dissertação de Pereira (2004), ao turno que as três mais recentes apontam para as teses de Baranzeli (2014) e as dissertações de Ramalho (2014) e Brandão (2014). Pelo gráfico, em pontos também ficou notório que a maior quantidade de pesquisas se aglomera entre 2007 e 2008, no total de 23 trabalhos, mesmo havendo um lapso na produção de teses. Contudo, pouco se poderia concluir a respeito de tais números, pois a falta de trabalhos datados no lapso entre 2008 e 2009 na produção de teses, não indica, necessariamente, que nada tenha sido publicado, mas que, por exemplo, o banco de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações não tenha identificado nenhuma pesquisa, hipótese mais plausível, considerando os problemas de busca que tal sítio possui, alvo de críticas alhures realizadas – vide notas de rodapé números 3 e 9, bem como o documento encaminhado à equipe responsável pelo banco de dados, no Anexo 4. Além da quantidade específica de teses e dissertações, é possível observar a quantidade total de trabalhos distribuídos por ano, a qual possui notório declínio, maxime após o ano de 2007.
Por outro lado, ainda em relação ao Gráfico 4, é importante ressaltar que, embora a delimitação temporal da pesquisa, de 2004 a 2014, tenha se dado pela publicação da Resolução Número 9 do Conselho Nacional de Educação, por meio da Câmara de Educação Superior, a qual institui novas diretrizes curriculares aos cursos jurídicos, ressaltando, principalmente, a importância das disciplinas zetéticas, da interdisciplinaridade e da pesquisa, de forma a criar uma formação mais axiológica e humanística, em que pese a importância de tal norma para o Ensino Jurídico, não foi encontrada nenhuma pesquisa que se dedicasse especificamente ao tema. Houve, entretanto, diversas pesquisas que citaram a resolução, inclusive apontando sua importância para o Ensino Jurídico – como ocorre em Souza (2006), Baranzeli (2014), Ramalho (2014)24.
Em linhas gerais, sobre o conteúdo dos gráficos até aqui apresentado, pode ser sintetizado ressaltando a maior incidência de pesquisas sobre Ensino Jurídico nas instituições privadas, maxime na região Sudeste, em que o Estado de São Paulo lidera no número de trabalhos. Assim sendo, no que se refere às instituições privadas, não obsta ressaltar que dentre as unidades federativas, os Programas de Pós-Graduação das Pontifícias Universidades Católicas apresentam a maior quantidade de teses e dissertações. Por outro lado, em relação à quantidade de pesquisas sobre o Ensino Jurídico, embora se possa sopesar que a maciça quantidade de teses e dissertações advindas da Educação se deva ao número de tais programas, como demonstrado, bastante superior ao stricto sensu jurídico. Porém, mais importante que esta discussão, seria questionar quais os motivos que estão influenciando os pesquisadores a se dedicar à temática do Ensino Jurídico? Primeira é importante observar que a essência do objeto da pesquisa, qual seja, Ensino Jurídico, é de interesse diretamente relacionado à Educação. Outrossim, em que pese o fato de que outra pesquisa precisaria ser feita para levantar as motivações dos pesquisadores, parece razoável especular que o pouco interesse pelo tema signifique, de forma tácita, as formas de compreensão do Direito, isto é, a dimensão de concepção jurídica estaria em questão. A inexpressiva quantidade de pesquisas sobre o tema, talvez seja um indício de que a discussão sobre a educação no Direito e a necessidade de mudança de seu status quo tem uma importância secundária. Ademais, quando somado ao fato de que foram raros os trabalhos originários de cursos propriamente jurídicos, como pôde ser observado no Gráfico 2, quiçá seja possível uma provocação: se nem ao menos os juristas estão interessados em discutir sobre os problemas do Ensino Jurídico, será que pedagogicamente o Direito enquanto Ciência, em que pese seu dogmatismo e tecnicismo, alcançou a maturidade suficiente para tal tipo de investigação?