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Análise comparativa das tendências teóricas sobre o ensino jurídico no Brasil de 2004 a 2014

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10/04/2024 às 08:58

Resumo:


  • Apresentação da pesquisa: A dissertação aborda a análise comparativa das tendências teóricas no Ensino Jurídico no Brasil de 2004 a 2014, utilizando pesquisas de Estado da Arte.

  • Método de pesquisa: A delimitação do universo de teses e dissertações foi feita por meio da ferramenta de busca da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, utilizando descritores específicos e delimitação temporal.

  • Análise dos autores: Foram identificados 397 autores, divididos em duas categorias, relacionados ou não ao Ensino Jurídico, sendo apresentados os cinco autores mais citados como base teórica das pesquisas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo explora a evolução e as tendências teóricas do Ensino Jurídico no Brasil, destacando a necessidade de um referencial teórico consistente para abordar as mudanças e desafios enfrentados por esse campo acadêmico e profissional.

INTRODUÇÃO

Inicialmente, importa destacar que o tema escolhido para a presente pesquisa não ocorreu ao acaso, o Ensino Jurídico, por suposto, utilizado como objeto desta dissertação tem relação com a própria trajetória do mestrando. Uma vez que ele se bacharelou em Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas, ainda na Graduação teve seus primeiros contatos com a pesquisa por meio da experiência como estudante de Iniciação Científica, porém, com vínculo específico com o Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, o que foi determinante tanto para a escolha temática, qual seja Ensino Jurídico, como para a eleição da área de Educação como campo acadêmico e profissional.

Em que pese o objetivo geral desta dissertação, ressalta-se a necessidade de analisar e comparar as tendências teóricas na temática do Ensino Jurídico, por meio da revisão de teses e dissertações de 2004 a 2014, ou seja, pela utilização das denominadas pesquisas de Estado da Arte. Sendo assim, a pergunta que delimita esta dissertação pode ser assim formulada: com base na pesquisa do tipo Estado da Arte, como pensar a análise comparativa das tendências teóricas sobre o Ensino Jurídico no Brasil de 2004 a 2014? Em outras palavras, por meio da revisão bibliográfica das teses e dissertações delimitadas pelo Estado da Arte, questiona-se sobre a possibilidade de identificar quais as bases teóricas que têm sido utilizadas nos últimos 10 anos para discussão do Ensino Jurídico, por meio da identificação teórica, do mapeamento das teses e dissertações, bem como da apreciação de suas obras relacionadas e, principalmente, uma análise comparativa entre os resultados encontrados.

De outra banda, no que se refere aos objetivos específicos desta dissertação, não obsta ressaltar que, inicialmente, se pretendeu apresentar um conceito do Estado da Arte com base nas discussões traçadas por Romanowski e Ens (2006), bem como, nas críticas de Ferreira (2002) e Megid (1999). Esta conceituação aponta para a diferença na ideia de Estado da Arte, que também é sinônimo de Estado do Conhecimento, para com Estado da Questão e Revisão de Literatura. Neste sentido, é possível apontar, de forma introdutória, que este tipo de pesquisa está ligado com o interesse em se voltar para campo de conhecimento que se pretende dedicar e estudar o que tem sido publicado sobre o assunto. Mais do que uma revisão bibliográfica que, como será alhures demonstrado, está mais ligada à Revisão de Literatura, as pesquisas de Estado da Arte se relacionam à busca pelo epicentro dos sismos intelectuais dentro da academia. Com base nesta construção, foi possível, no primeiro capítulo, apresentar o método utilizado para se chegar à amostragem do Estado da Arte que, como será mais bem examinada na sequência, contou com um total de 60 pesquisas, sendo 14 teses e 46 dissertações, por pressuposto, todas versando sobre a temática do Ensino Jurídico.

Especificamente sobre a questão do método de pesquisa, importa ressaltar, de forma propedêutica, que a delimitação do universo de teses e dissertações foi possível pelo uso da ferramenta de busca do sítio eletrônico da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, a BDTD. Por meio do dispositivo virtual da Busca Avançada, utilizou-se também da opção de busca por meio do título de pesquisa, com o uso dos seguintes descritores, considerados como aqueles que melhor refletiam o propósito da pesquisa de Estado da Arte, sendo eles: Educação Jurídica, Ensino Jurídico, Curso de Direito, Ensino do Direito e, por fim, Ensino de Direito. Ademais, como forma de refinar ainda mais a pesquisa, na tentativa de tornar a amostra mais facilmente analisável, optou-se também pela delimitação temporal, a qual se determinou pelo período de 2004 a 2014. A explicação para tal delimitação se encontra no fato de que, precisamente no dia 29 de setembro de 2004, quando o Conselho Nacional de Educação, por meio da Câmara de Educação Superior, promulgou a Resolução Número 9, a qual instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, promovendo um verdadeiro divisor de águas. Inequivocamente, 2014 foi proposto como termo à delimitação temporal pelo simples fato de corresponder ao início do período de feitura desta dissertação.

Sobre o método, é possível asseverar que ele aponta para a busca por um referencial teórico em Ensino Jurídico. Em outras palavras, pretendeu-se investigar melhor as obras e, mormente, os autores mais citados nas teses e dissertações delimitadas pela pesquisa de Estado da Arte, a objetivar delimitar um padrão teórico. Destarte, foi embasado na estruturação de todas as referências bibliográficas apontadas pelas pesquisas, a somar um montante de 5.114 referências, citadas nos 60 trabalhos delimitados. Como ficou mais bem explicado no decorrer da explanação, deste total foram excluídas as referências consideradas epistemologicamente menos relevantes para a análise teórica, tais como: regimentos, leis, decretos, ou quaisquer citações de natureza puramente normativa; estatísticas e índices, uma vez que se resumem a uma demonstração quantitativa da realidade; manuais e apostilas, sem qualquer conteúdo ou construção teórica substancial; quaisquer conglomerado de vocabulários ou glossários enciclopedista – exceção das obras de referências filosóficas, psicológicas, sociológicas et cetera. Deste modo, como o método foi observar os autores de maior incidência, de imediato, também foram excluídos aqueles que tiveram apenas uma obra citada, pois não seria possível empreender uma análise de tantos autores e sua validade como referência teórica para o campo estaria, de início, comprometida. De tal feita, a lista geral de referências será reduzida ao montante de 1890 obras, relativas a 397 autores, os quais serão apresentados na tabela do Anexo 3.

Sendo assim, foram elencados 397 autores, divididos em duas categorias distintas, conforme a pertinência temática de suas obras, ficaram estabelecidas as seguintes categorias: Categoria Temática Não Ensino Jurídico e Categoria Temática Ensino Jurídico. Uma vez que a primeira constitui daqueles autores que, embora tenham sido referenciados nas teses e dissertações do Estado da Arte, não faziam relação direta com o tema do Ensino Jurídico; por sua vez, a segunda categoria representa aqueles autores que possuem obras diretamente relacionadas com o tema e, consequentemente, interessam mais a presente pesquisa. Desta forma, com base no total de 1890 obras, de 397 autores diferentes, utilizando-se da tabela de referências geral do Anexo 3, e uma vez estabelecida a média entre a quantidade de referências apresentada no mesmo anexo, se entendeu que os autores mais citados seriam aqueles que obtivessem número de referências maior ou igual a 10. Muito embora tal procedimento, de início, já demonstra a fragilidade de ressaltar apenas determinados autores mais referenciados, não obsta assumir a importância dos demais autores ao desenvolvimento de uma análise comparativa das tendências teóricas do Ensino Jurídico. Inclusive, ainda é possível afirmar que a discussão do tema também não se esgota às referências utilizadas nas teses e dissertações do Estado da Arte, contudo, importa que seja respeitado o método de pesquisa adotado, restringindo o foco de pesquisa aos cinco autores mais referenciados, os quais talvez apontem para uma tendência teórica. Em suma, foi possível estabelecer quais os autores mais referenciados na pesquisa de Estado da Arte, resultando em cinco autores, apresentados como base teórica da maior parte das pesquisas, são eles: Horário Wanderley Rodrigues, Luis Alberto Warat, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bianca Bittar e Roberto Lyra Filho, possuindo, respectivamente, 31, 30, 19 13 e 10 referências citadas.

Delimitada quais teses e dissertações seriam utilizadas para a pesquisa de Estado da Arte do primeiro capítulo e analisadas suas referências de modo que se verificasse de sua totalidade quais autores, bem como suas respectivas obras, estavam sendo mais citadas, por este método, ficaram determinados quais os possíveis teóricos se apresentam como base da discussão do Ensino Jurídico, sendo eles, os cinco autores já citados. Desta forma, objetivou por analisar de forma específica cada um destes autores e apresentar quais obras relativas ao Ensino Jurídico foram citadas. Outrossim, pôde-se também perguntar, se estes autores representam, de fato, as tendências referenciais quando se discorre sobre o tema. Em outras palavras, sabendo-se que a Categoria Temática estabeleceu apenas os seletos autores que mais foram utilizados como referência nas 60 teses e dissertações delimitadas pelo Estado da Arte, pretendeu-se especular, inicialmente, se este grupo de autores representa o que há de mais notório na discussão acadêmica e, por consequência, se suas ideias fazem eco com o atual cenário crítico da academia. Nesta trincheira, pôde-se questionar, inclusive, se efetivamente a Educação Jurídica está em crise, como apontado pela grande maioria dos estudos. Para tanto, foi de suma importância a retomada teórica de todos os autores elencados na categoria do Ensino Jurídico, com objetivo de discorrer pormenorizadamente sobre cada autor e demonstrar se suas contribuições são pertinentes ou não. Por meio da análise de suas obras, foi possível também apresentar quais problemas estavam relacionados com o Ensino do Direito e quais suas possíveis soluções, de acordo com cada autor. Com a última categorização se objetiva encontrar uma convergência entre os discursos dos cinco autores. Deste modo, o segundo capítulo aponta para o desenvolvimento de uma discussão das tendências teóricas sobre o Ensino Jurídico, por meio da análise dos autores mais citados em teses e dissertações versadas sobre o tema.

Por outro lado, para melhor entender o atual contexto do Ensino Jurídico talvez seja necessário retornar aos mais remotos vestígios de publicações realizadas no Brasil após a inauguração dos cursos de São Paulo e Olinda, em 11 de agosto de 1827 (BRASIL, 1827), até os tempos hodiernos, com o intuito de mapear todas as produções sobre o tema, por meio de material jornalístico, artigos e ensaios científicos, monografias, teses e dissertações defendidas, pareceres jurídicos ou qualquer crítica publicados em livros. Quiçá, pela análise deste material, seria possível afirmar de forma categórica que, de fato, as críticas e as discussões a respeito do Ensino Jurídico estão perdendo espaço. Porém, tal façanha não apenas demandaria um trabalho não apenas faraônico, mas hercúleo, como também, a pensar na realidade de um projeto de mestrado, seria pouco plausível de se concluir, ainda mais pelo fato de que a maioria do material sobre o assunto não estaria disponível nos bancos de dados virtuais, sendo necessário visitar arquivos de biblioteca universitários por todo o País em busca de publicações em periódicos antigos, Trabalhos de Conclusão de Cursos e de Pós-Graduação, além da busca em arquivos da mídia e em demais publicações impressas.

Em que pese à impossibilidade deste trabalho, é importante ressaltar que as críticas sobre Ensino Jurídico são coevas à própria inauguração dos cursos, dado que tão logo se iniciaram as aulas no Convento de São Francisco e no Mosteiro de São Bento – mais tarde dando origem ao Largo de São Francisco, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e à Faculdade de Direito de Olinda, mais tarde Faculdade de Direito de Recife –, já se pôde observar que o projeto pedagógico aqui adotado era obsoleto, copiado do modelo coimbrense, fato que já desencadeou inúmeras críticas, não apenas dos alunos e professores ingressantes, como também da mídia local1. Contudo, não é demais afirmar que as primeiras críticas sobre o tema do Ensino Jurídico, bem como dos cursos superiores de modo geral no Brasil, sobretudo no que se refere à necessidade de sua implementação, são bem mais antigas. Assim, asseverar que as longínquas discussões sobre o tema retomam o Período Jesuítico, não é nada exagerado. Como demonstrado por Tobias (1972), os jesuítas já tinham a pretensão de elevar o ensino do Colégio da Bahia ao nível superior no Século XVI, posteriormente ocorreram também outras tentativas, sendo as mais relevantes em 1637, pelo Conde Maurício de Nassau, em Pernambuco e outra no ano de 1789, na Província de Minas Gerais, ambas baseadas no mesmo modelo de ensino adotado na Universidade de Coimbra. Porém, o sonho do ensino superior no Brasil apenas se tornou realidade com a vinda da Família Real, no início do Século XIX. Sendo assim, pode-se afirmar que os cursos superiores já eram reivindicados na colônia, pelo menos, 200 anos antes de seu surgimento, o que já alimentava a crítica sobre o Ensino Jurídico.

O discurso do ensino superior no Brasil, principalmente no que se refere ao jurídico, data de muito antes da própria existência das Faculdades de Direito, os primeiros estudos específicos sobre o tema são bem mais recentes, datando apenas da segunda metade do século XX (CERQUEIRA et alii, 2008). Até então as críticas e publicações sobre o Ensino Jurídico se resumiam a desabafos intelectuais e análises de conteúdo jornalísticos, ora realizadas pelos educandos e educadores que haviam vivenciado a experiência dos cursos jurídicos, jornalistas, políticos ou juristas visionários, que enxergavam a péssima qualidade oferecida nas Faculdades de Direito e, na reflexão de Freyre (1936), a esperança de um país menos provinciano e mais digno de se esvair. Possivelmente, durante o período do Regime Militar tenha surgido a primeira tentativa de se pesquisar de forma acadêmica e científica o ensino nas Faculdades Jurídicas. O Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito, o Ceped, criado pela Resolução Número 284, em 15 de abril de 1966, pelo Conselho Universitário do Estado da Guanabara, com objetivo principal de aperfeiçoamento do Ensino Jurídico e a realização de pesquisas e estudos especializados no campo do Direito (UEG, 1966). Em conformidade com o primeiro artigo da Resolução, os objetivos específicos do Centro eram:

a) promover o aperfeiçoamento do ensino jurídico, mediante estudos e pesquisas sobre métodos didáticos e pedagógicos;

b) realizar cursos especiais de pós-graduação sobre temas jurídicos de atualidade, visando precipuamente à preparação técnica especializada e sistemática, com a aplicação de conhecimentos propedêuticos de ciências afins (economia, ciência política, etc.);

c) realizar convênios com entidades nacionais ou estrangeiras, no sentido da captação de recursos ou a prestação de serviços;

d) utilizar, em seus próprios serviços e em outras atividades universitárias, a colaboração de professores e técnicos, nacionais ou estrangeiros, mediante participação em pesquisas, cursos, simpósios e outras atividades educacionais e culturaiscompatíveis;

e) contratar, com recursos próprios, pessoal estranho aos quadros da Universidade, respondendo, diretamente, pelas respectivas relações de emprego ou serviço;

f) promover o intercâmbio com outras Universidades ou escolas, nacionais ou estrangeiras, e selecionar professores e bacharéis ou doutores em direito para bolsas de estudo no exterior e seu ulterior aproveitamento em seus próprios serviços ou em outrasatividades universitárias;

g) promover a preparação de material básico para cursos especiais, a publicação de estudos e pesquisas, assim como a tradução de obras estrangeiras;

h) executar, mediante contrato, pesquisas e estudos em assuntos jurídicos, do interesse de organizações privadas ou públicas;

i) exercer, em geral, atividades compatíveis com as suas finalidades (UEG,1966).

Como comenta Venâncio Filho (1988), em sua obra Das Arcadas ao Bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil, o Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito representou a experiência mais importante de renovação do Ensino Jurídico daquele período e, possivelmente, a primeira tentativa de realização de pesquisas acadêmicas especializadas no campo do Ensino Jurídico. Porém, como defendeu Trubek (2011) em seu artigo Reforming Legal Education in Brazil: From the Ceped Experiment to the Law Schools at the Getulio Vargas Foundation, o Ceped surgiu com um grupo de educadores insatisfeito com o Ensino Jurídico no Brasil, apoiados pela Fundação Ford e pela United States Agency for Internacional Development, a Usaid, uma agência de desenvolvimento criada pelo Governo Kennedy, no contexto da Guerra Fria, para financiamento em diversas áreas com a estratégia de controlar o modelo educacional jurídico no Brasil, assegurando a hegemonia estadunidense, de forma a criar mecanismos que coibissem o contágio ideológico comunista nas Faculdades de Direito, já que até aquele período o Ensino Jurídico representava uma das mais importantes formações intelectuais no País. Tal estratagema possibilitaria que os futuros políticos, jornalistas e intelectuais – os quais, tradicionalmente, se formavam em Direito2 – recebessem um ensino aos moldes dos Estados Unidos, o que fracassou, tanto do ponto de vista da tentativa de barrar a influência dos ideais soviéticos frente ao capitalismo, quanto do próprio projeto de construção de uma elite intelectual baseada na formação jurídica.

Ainda de acordo com o autor, o primeiro motivo do fracasso do Ceped foi o corte de investimento por parte da Usaid sofrido na década de 1970, após sete anos de funcionamento. Embora os empresários da Ford ainda tivessem reservado quantia suficiente para continuar o projeto educacional, o grupo foi extinto, precisamente em 19733 – reabrindo posteriormente com nova metodologia4 e sem, ao que consta, qualquer financiamento do Governo dos Estados Unidos, contando apenas com seu vínculo com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O fim do programa de pesquisa exercido pelo Ceped, conforme Trubek (2011), influenciou a elite empresária brasileira a repensar o ensino superior de forma a investirem capital na educação privada, o que culminou em maciços investimentos na Fundação Getúlio Vargas e nas Pontifícias Universidades5.

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Na prática, diante do próspero e novo contexto econômico vivenciado pela classe média durante o Regime Militar, os empresários se deram conta de que também poderiam enriquecer investindo na Educação. Assim, enquanto a população preenchia as novas vagas que surgiam nas faculdades privadas, ocupando as carteiras das instituições que passaram a brotar do dia para a noite na esperança de uma ascensão econômica, a elite empresária continuava com sua tarefa de enriquecer com aquilo que lhe parecia mais conveniente.

Outra instituição que ganhou destaque nos últimos anos foi a Associação Brasileira de Ensino do Direito, a Abedi, tendo seu primeiro Congresso organizado em 2002. Ela é uma associação, Pessoa Jurídica de Direito Privado, sem fins lucrativos econômicos, com sede foro na cidade do Rio de Janeiro, com os princípios de promover o desenvolvimento e a elevação da qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão em Direito. Como apontou Mossini (2010) em sua tese, intitulada Ensino Jurídico: história, currículo e interdisciplinaridade, a Abedi representa uma entidade recente, que tem o objetivo de unir pessoas físicas e jurídicas ligadas ao ensino ou à administração dos Cursos de Direito, buscando a melhoria do Ensino Jurídico nacional. Ela realiza eventos, na forma de congressos e colóquios, para disponibilizar um espaço de troca de ideias e proposições. Ainda de acordo com Mossini (2010), após o I Congresso da Abedi, o qual foi realizado em agosto de 2002, na cidade de Natal, os encontros tem acontecido, anualmente, seguidos da publicação do Anuário Abedi, contemplando o que foi apresentado nos congressos. De tal forma, é possível dizer que a Abedi vem conseguindo realizar eventos para contribuir com o debate acerca do Ensino Jurídico. Conforme seu Estatuto:

Art. 3º – São objetivos da ABEDi, a serem cumpridos sob a forma e condições fixadas neste Estatuto, em conformidade com a legislação vigente:

  1. congregar especialistas e entidades vinculadas à pesquisa e à educação em direito, na forma do artigo 2º6;

  2. promover e divulgar estudo e debates sobre ensino, pesquisa e extensão em graduação e pós-graduação em direito;

  3. elaborar propostas de elevação da qualidade do ensino, isoladamente ou em conjunto com autoridades públicas, entidades interessadas e instituições de ensino de direito;

  4. colaborar com os processos de avaliação dos cursos de graduação em direito e dos programas de pós-graduação em direito;

  5. promover eventos sobre o Ensino do Direito, preferencialmente em conjunto com outras instituições interessadas;

  6. organizar e manter publicações impressas e/ou virtuais sobre o Ensino do Direito;

  7. manter grupos de trabalhos regulares, voltados à discussão de temas relacionados com o Ensino do Direito;

  8. dirigir proposições aos órgãos públicos competentes nas matérias atinentes ao Ensino do Direito;

  9. recorrer, administrativa e/ou judicialmente, das decisões dos órgãos públicos competentes que influenciarem o Ensino do Direito.

Parágrafo Único. Na execução de suas finalidades, a ABEDi se organizará em quantas unidades quantas se fizerem necessária, podendo estabelecê-las em qualquer localidade, sempre regidas pelas disposições estatutárias (ABEDi, 2006, sic).

Em relação ao inciso II, ainda na discussão do Estatuto da Abedi, que se refere à divulgação de estudos e debates sobre o tema, pouco se poderia defender a instituição, uma vez que o próprio sítio eletrônico quase que não contribui para tal divulgação; a construção virtual é parca, contendo apenas a disposição o Estatuto, notícias desatualizadas sobre os eventos e possibilidade para se associar, mas nenhuma informação sobre a diretoria atual ou as anteriores. Pelo sítio eletrônico não há qualquer possibilidade de acesso aos Anuários e publicações dos Congressos realizados, o que torna impossível o contato do conteúdo como material pesquisa. De sorte que o inciso aponta para outro problema estrutural da instituição, o qual poderia ser sanado por meio do fomento tecnológico digital. Uma vez que a Abedi se apresenta como uma das mais importantes instituições sobre pesquisa e debate do Ensino Jurídico no Brasil, espera-se um portal mais arrojado, completo de informações e de fácil acesso ao público, com todos os materiais desenvolvidos nos Congressos, Reuniões, Encontros, bem como seu Anuário. Ainda sobre esta fragilidade, não obsta ressaltar o inciso VI, do mesmo Estatuto, o qual reafirma a importância de se manter disponíveis virtualmente informações sobre as pesquisas e as discussões desenvolvidas pela instituição, disposição claramente em desarmonia com a realidade.

Por outro lado, como defende Almeida Júnior, em sua tese de doutorado, A expansão do Ensino de Direito: massificação que desqualifica ou democratiza a serviço da prática da justiça no Brasil?, no programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, o qual assevera que não restam dúvidas de que a ABEDi se mostrou uma instituição séria e verdadeiramente preocupada com o Ensino do Direito no Brasil (2006, p. 145, negritou-se, sic). Em seguida ainda é retundo quando afirma que, do mesmo modo, salta aos olhos sua influência na política educacional e na regulamentação dos Cursos de Direito no país, ora exercida em decorrência das oportunidades que lhe foram dadas pelos órgãos governamentais, ora imposta através de manifestações em documentos e nos congressos que organiza (2006, p. 145, negritou-se). Data venia, em que pese os esforços dos pesquisadores envolvidos na instituição, bem como as colaborações, na tentativa de criar um espaço de discussão e crítica sobre o tema, é possível afirmar que os objetivos da Abedi – os quais, de fato, não restam dúvidas e saltam aos olhos –, apresentados em seu Artigo 3º, estão muito distantes do que se espera para uma instituição de tamanha importância.

À semelhança da Abedi, foi criado em 17 de outubro de 1989 o Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, o Conpedi, uma associação de Personalidade Jurídica de Direito Privado, sem fins lucrativos, com princípio básico de incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de programas de Pós-Graduação em Direito no Brasil. Por meio de afirmação expressa no próprio sítio, o Conpedi tem como objetivo incentivar os estudos jurídicos de Pós- Graduação nas diferentes instituições brasileiras de ensino universitário; colaborar na definição de políticas jurídicas para a formação de docentes da área jurídica, opinando, junto às autoridades educacionais, sobre os assuntos de interesse da pesquisa e da Pós-Graduação em Direito; defender e promover a qualificação do Ensino Jurídico, bem como sua função institucional e seu papel social (CONPEDI, 2015). Seu primeiro Estatuto:

Art. 1º – O Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, cuja sigla CONPEDi, é uma associação de personalidade jurídica de direito privado e sem fins lucrativos fundamentalmente voltada para apoiar os estudos jurídicos e o desenvolvimento da pós-graduação em Direito (BRASIL, 1989, sic).

A levar em consideração o Artigo 1º do Estatuto do Conpedi, é possível notar que seu objetivo difere da Abedi, aquele se restringe ao apoio e desenvolvimento da Pós-Graduação em Direito, ao passo que este representa um órgão de atuação muito mais genérica. Como aponta Mossini (2010), tanto em relação ao papel da Abedi quanto ao Conpedi, as mudanças no Ensino Jurídico são cruciais, mas o primeiro passo para alcançá-las é o reconhecimento dessa necessidade. O papel exercido pela OAB, a Ordem dos Advogados do Brasil, e a própria existência da Abedi e do Conpedi são indicativos de uma perspectiva mais promissora para o magistério jurídico no País. A autora também afirma que se torna necessário à melhoria do ensino nas Faculdades de Direito a congregação de forças entre juristas e educadores para não segregar alunos por meio de provas de entrada em faculdades ou carreiras jurídicas. Ademais, ressalta Mossini (2010), também é importante identificar Instituições de Ensino Superior Jurídico com melhor desempenho – um primeiro passo que já foi dado –, além de unir alunos e professores dessas instituições de excelência na melhoria do Ensino Jurídico e do equilíbrio social. Ao contrário da Abedi, que tem por objetivo tratar de questões gerais do Ensino Jurídico, por meio de Congressos realizados anualmente, o Conpedi é uma instituição voltada exclusivamente aos programas de Pós-Graduação em Direito. Feita esta crítica tanto a Abedi quanto a Conpedi, cabe, doravante, questional: qual a relação que se pode fazer entre as instituições hoje responsáveis pela discussão do Ensino Jurídico, quer por meio da Graduação, quer por meio da Pós-Graduação, e a Ordem dos Advogados do Brasil, levando-se em consideração seu surgimento no final do Século XIX?

O funcionamento dos cursos jurídicos de Olinda e São Paulo, a partir de 1827, teria de contribuir eficazmente para a formação de eminentes figuras da vida nacional, ainda que bem falhos fossem os programas e a forma de administrá-lo. Contudo, ao inaugurar-se o Segundo Império, já era expressivo o contingente de homens cultos e respeitáveis nesse terreno, por assim dizer, básico, da formulação e aplicação de normas e princípios que regem as relações jurídico-sociais da vida moderna. Alguns veteranos de Coimbra e de outros centros acadêmicos europeus; enquanto outros eram produtos das primeiras gerações dos novos institutos de ensino jurídico criados e que passaram desde logo a funcionar – contrariamente àquele mandado criar na Corte mais de dois anos antes dos de Olinda e São Paulo, Decreto de 9 de janeiro de 1825, e que nunca veio a existir (STATUZ; ALMEIDA, In CERQUEIRA et alii, 2008, p. 105).

Deste modo, se antes da criação dos cursos jurídicos já havia se criado uma pequena elite intelectual no País, os quais vinham sobremodo de Coimbra, a trazer consigo, além do conhecimento agregado na Universidade, uma forte influência dos valores culturais europeus; após a criação das Faculdades de São Paulo e Olinda, nasceu também a possibilidade da construção de uma nova elite, talvez menos poderosa do que os filhos das famílias que conseguiam arcar com as custas de uma viagem pelo Atlântico, somadas às despesas que envolviam as acomodações e ao sustento durante os anos de curso. Porém, ao mesmo tempo em que os filhos da elite foram se desinteressando pela formação europeia, os cursos brasileiros passaram a atrair jovens de todo o país, de forma que, ao invés de cruzarem o Atlântico, passaram a desbravar as estradas precárias que chegavam às cidades que haviam criado os cursos. Como aponta Statuz e Almeida (In CERQUEIRA et alii, 2008), a expressa maioria das mais brilhantes figuras do mundo político, estadistas, intelectuais e juristas, durante o segundo reinado por ali passaram, ou teriam seu nome vinculado àquela instituição; outros tiveram nela importante atuação. Em grande parte, deve-se isso ao fato de que muitos dos estadistas da época eram recrutados na magistratura, em que não se fazia necessária, nem era possível a rigor, se exigir longa prática como advogado, pois o início da vida pública dos novos bacharéis, via de regra, se processava no ministério público e nos juizados municipais.

Ainda sobre a influência de determinadas supremacias elitistas, não há como se olvidar da influência direta da Ordem dos Advogados nas questões relacionadas ao Ensino Jurídico. Como afirma Stutz e Almeida (In CERQUEIRA et alii, 2008), neste mesmo período de efervescência política foi outorgada uma nova Constituição, dessarte, visando a melhor congregação da classe de advogados, numa agremiação com propósitos mais culturais do que disciplinares, assim como de cooperação nas atividades do Estado, foi fundado o Instituto dos Advogados do Brasil, o IAB, nos mesmos moldes da Associação dos Advogados de Lisboa. Sendo que, ainda de acordo com os autores, tudo leva a crer que tenha ocorrido para congregar os bacharéis em Direito, como para reunir a elite dirigente da época. A instalação oficial ocorreu em 7 de setembro de 1843, no Imperial Colégio Pedro II. Durante o Período Imperial, foi inegável, como afirma o próprio autor, o vínculo estrito entre a classe de associados dos advogados e a Corte7:

Percebe-se que o Imperador, sempre assessorado por eminentes figuras recrutadas no âmbito jurídico, prestigiava a agremiação de maneira especial. Não raro era ele ouvido a respeito de relevantes questões legislativas, e até mesmo o Supremo Tribunal de Justiça, ex vi legis, podia solicitar audiências em se tratando de divergência na inteligência de textos legais, quanto à aplicação de leis, por juízes singulares e Relações do Império (In CERQUEIRA et alii, 2008, p. 133).

Até este período, o vínculo entre os associados do Instituto dos Advogados do Brasil era sub- rogado às vontades do Imperador e serviam aos interesses da nobreza. Contudo, paulatinamente os integrantes começaram a defender o ideário republicano, dando início a um turbulento período de críticas e militância em prol da liberdade e a favor da República (STATZ; ALMEIRA, In CERQUEIRA et alii, 2008). Ainda na argumentação de Stutz e Alemeida (In CERQUEIRA et alii, 2008), pode-se considerar que a contribuição da IAB foi de considerável relevância no cenário jurídico nacional, seja nos primórdios, por significar a única entidade de referência para o mundo jurídico, seja após a década de 1930, com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB. Criada oficialmente em 18 de novembro de 1930, pelo Decreto Presidencial Número 19.408, assinado por Getúlio Vargas, pouco antes da Revolução de 30, as novas formalidades da instituição representaram um caráter muito mais elitista à profissão da advocacia, incluindo novas exigências na qualificação do ensino universitário. Contudo, foi apenas em 27 de abril de 1963, por meio da Lei Número 4215, dispondo sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que o Exame de Ordem foi incluído entre as exigências para o exercício da profissão (BRASIL, 1963), regulamentada em 4 de julho de 1994, pela Lei Número 8906, a qual foi alvo do Recurso Extraordinário Número 603.583, do Rio Grande do Sul, cujo relator fora o Ministro Marco Aurélio, em que se discutiu a constitucionalidade do Artigo 8º, parágrafo 1º da mesma Lei, e dos provimentos Número 81 de 1996 e 109 de 2005 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no que condicionavam o exercício da advocacia à prévia aprovação no Exame de Ordem. Sendo que os principais argumentos se relacionavam aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, bem como, do livre exercício das profissões e o direito à vida. Contudo, em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional o Exame de Ordem, calando qualquer crítica ou clamor que questionasse a relevância do exame (BRASIL, 2011).

Não obstante a decisão unânime da Suprema Corte brasileira e o evidente apoio da Ordem dos Advogados, mormente na figura de seu presidente à época, Ophir Cavalcante, o qual afirmou:

Além de a advocacia ter sido contemplada com o reconhecimento de que a qualidade do ensino é fundamental na defesa do Estado Democrático de Direito, a cidadania é quem sai vitoriosa com essa decisão unânime do STF. Isso porque ela é a grande destinatária dos serviços prestados pelos advogados (BRASIL, 2016).

Assim, na crítica de Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis, em sua tese Direito à educação e diálogo entre poderes, a situação se agrava quando a sociedade civil organizada, na figura do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil faz tal afirmação, dado que, de acordo com a autora, se fosse correto afirmar que todo advogado é bom no que faz, não seria preciso pensar em ações que protejam os cidadãos de um serviço mal prestado, como aquelas presentes no Código de Ética e Disciplina da OAB. Ademais, a decisão do Supremo Tribunal Federal não apenas pode ser cabível de crítica, como também deve ser considerada afronta à própria Constituição Federal, uma vez que cabe às Universidades definirem a habilitação de seus profissionais, o que ocorre também por meio de políticas de avaliação realizadas pelo Ministério da Educação, não apenas nas Universidades, mas em todas as Instituições de Ensino Superior, pois é estritamente função sua determinar a qualidade dos cursos e dos profissionais que ali são formados. Sendo assim, declarar constitucionalidade reconhecendo o órgão de classe como o detentor de um poder que deveria ser exclusivo do Ministério da Educação, por entender que este não realiza a sua atividade com primazia, é confundir os espaços de atuação (ASSIS, 2012). Desta feita, ainda com base na crítica da autora, como reza o Artigo 207 do texto constitucional: As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 1988).

Destarte, pelo entendimento do disposto constitucional, a competência para determinar quem está apto para exercer determinada profissão é do Ministério da Educação, por meio de prévia avaliação e autorização do Poder Público, principalmente no que se refere ao ensino privado, em conformidade com o Artigo 209 da Carta Magna. Em acordo com o entendimento de Ferreira Filho

[...] na verdade, essa autorização [termo expresso no artigo] é antes uma certificação de que a instituição cumpre as exigências legais fornecidas pelo Poder Público para segurança dos que nela se dispuseram a aprender (FERREIRA FILHO, 2005, p. 76).

Por este entendimento, estando a instituição de ensino autorizada a outorgar determinado título, os egressos poderiam exercer livremente sua profissão, no caso das Faculdades de Direito, pois, bastaria completar o bacharelado. Ainda sobre a questão da autonomia das Instituições de Ensino, completa Tavares (2009) que tal feito só foi realmente alcançado a partir da Constituição de 1988. Esse relançamento jurídico do instituto da autonomia universitária gera, de imediato, consequências que anteriormente não se poderiam extrair, dada a acentuada fragilidade de sua posição, renegada que era sua disciplina, em um primeiro momento, aos decretos presidenciais e, mais recentemente, ao sabor das opções legislativas momentâneas. Ainda na crítica de Assis(2012):

Quem discute qualidade de ensino e formação profissional não é o Poder Judiciário, tampouco órgão de classe exclusivamente, mas sim, são os órgãos educacionais em seus diversos níveis com um grupo multidisciplinar, do qual os órgãos de classe podem e devem fazer parte, mas não substituí-los. O Exame de Ordem não está menos sujeito a cometer erros que qualquer avaliação feita pelo Ministério da Educação, mas uma coisa é a incompetência – não saber fazer – de um órgão especificamente criado para, dentre outras coisas, realizar esta avaliação, outra é tirar-lhe a prerrogativa. Desta forma, jamais seremos capazes de atuar diretamente no problema, vez que o contornamos e damos soluções para a problemática. Quando vamos discutir, judicialmente, a capacidade do Ministério da Educação em avaliar os cursos jurídicos? (2012, p. 96).

Ao mesmo tempo em que se torna importante a discussão da real função do Ministério da Educação, constitucionalmente assegurada, que na precisa análise ao caso do Exame de Ordem, em que se obriga o bacharel a prestar, a fim de que possa exercer de forma livre sua atividade profissional como advogado, em contrapartida, é possível argumentar que sem a interferência da Ordem dos Advogados, enquanto órgão de classe, para restringir o exercício da advocacia, o que tornaria o mercado de trabalho insustentável, frente ao número de egressos, progressivamente maior de bacharéis formados e da quantidade cada vez maior de Faculdades de Direito se abrindo. Conforme apontam os dados, em 6 de maio de 2015, o Ministério da Educação, por meio da Portaria Número 332, autorizou a abertura de mais oito faculdades no Brasil, somando o incrível montante de 1308 Cursos de Direito em todo território nacional (BRASIL, 2015d). Conforme nota publicada no próprio portal eletrônico da OAB, o número de Faculdades brasileiras já havia superado a soma de todos os demais países há alguns anos, o qual corresponde a aproximadamente 1100 Faculdades em todo o mundo. Neste sentido, conforme afirmou o Jefferson Kravchychyn, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ,

[...] se não tivéssemos a OAB teríamos um número maior de advogados do que todo o mundo. Temos um estoque de mais de três milhões de bacharéis que não estão inscritos na Ordem (BRASIL, 2015b) – como se entendeu que a afirmação mantinha uma posição tradicional de manutenção da OAB, enquanto órgão de classe, sobrepondo-se ao próprio Ministério da Educação no impedimento do exercício profissional da advocacia, é possível afirmar que este quiçá seja o representante do pensamento da elite dos advogados no Brasil.

O que explica o grande e progressivo crescimento das Faculdades de Direito no Brasil? É provável que, talvez mais do que outros cursos, o Curso de Direito exerça um fascínio popular, não apenas pelo tradicionalismo – pois, se assim fosse, outros cursos antigos como Teologia e Filosofia seriam igualmente foco de disputa nos vestibulares e um motivo a mais para se criarem novos cursos –, mas, como assevera Cerqueira et alii (2008), possivelmente pela ilusão de uma ascensão econômica rápida, somando ao fato de que, comparado a cursos biológicos, por exemplo, tentem a ser um investimento mais barato. Sobre tal afirmação, inclusive, ainda é possível asseverar que, dada a grande oferta de faculdades jurídicas no Brasil – olvidando-se da qualidade do serviço prestado –, não é difícil encontrar opções bastante convidativas. Ademais, ao contrário do que ocorre com outros cursos, o fato de existir tão grande fartura à disposição faz com que muitas faculdades dispensem o processo seletivo. Assim, ainda de acordo com Cerqueira et alii (2008), não raras vezes se encontram analfabetos funcionais entre os graduandos, os quais, enquanto alunos pagantes, se tornam interessantes para determinadas Instituições de Ensino. Não menos estarrecedor é o fato de que alguns destes analfabetos funcionais consigam sair dos bancos universitários formados.

Outrossim, não é demais afirmar que, graças ao costumeiro nobre título, outorgado outrora por Decreto Imperial em 1827, de acordo com o nono artigo, in lex:

Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes (BRASIL, 1827, sic).

Ser formado em Direito ou cogitar a hipótese de conseguir passar no Exame de Ordem e exercer a advocacia, parece se tornar muito melhor convidativo, ainda mais se levar em conta que, para receber tal pronome de tratamento, basta o mínimo de esforço ao se matricular em uma das inúmeras opções de cursos jurídicos disponíveis no mercado. Neste sentido, o prestígio social talvez seja um dos fatores que mais influencia na decisão de ingressar na Faculdade de Direito. Como assevera Faria (1987), em sua referencial obra A reforma do Ensino Jurídico, já no final dos anos de 1980 cogitava-se os motivos que explicassem os números cada vez maiores de alunos nas Faculdades de Direito. De acordo com ele, embora sejam escassos os estudos para determinar as causas do crescimento de inscrições numa carreira cujo mercado de trabalho se encontra saturado há anos, algumas explicações preliminares podem ser sugeridas. Nas palavras de Faria, [...] os cursos jurídicos são fáceis, abundantes e baratos, permitindo aos estudantes carentes e com pouca confiança no seu preparo intelectual a conquista de um diploma universitário (1987, p. 11), quanto à hipótese de um impacto idealista e romântico provocado pela convocação da Constituinte sobre os candidatos aos exames vestibulares. Logo, a seu ver, tais motivos explicam também a expansão dos cursos, porém ressalva que, tomados de forma isolada, no atual contexto brasileiro, são insuficientes e pouco esclarecedores, sendo que, subjacentes a elas, os problemas e condições do Ensino Jurídico se tornam muito mais complexos.

Talvez mais estarrecedor do que cogitar como seja possível, em apenas um país, se formar mais bacharéis em Direito do que em todo planeta, seja indagar para onde os egressos estão indo? Em outras palavras, mais importante do que estabelecer as causas do aumento no número de cursos é questionar em que mercado estão se inserindo tais profissionais, pois se torna notório que nem os órgãos públicos, nem a advocacia consigam absorver tamanho contingente de formados – mesmo porque grande parte dos egressos não consegue aprovação no Exame de Ordem. Sendo assim, ainda de acordo com os dados oficiais publicados pela OAB, no Exame XVII, ocorrido em 2015, houve um novo recorde de inscrições, as quais somaram a quantia de 133.390, enquanto o Exame XVI contou com 111.816 inscrições, sendo que deste total apenas 24,93% foram aprovados, que representa 27.876 candidatos aprovados, conforme as próprias estatísticas oficiais publicadas pela Ordem (BRASIL, 2015b). O que explica tão baixo número de aprovados? Possivelmente o fato esteja ligado a quantidade exorbitante de cursos, os quais aumentam anualmente, de modo que pouco se poderia criticar o irrisório número de aprovados se a quantidade de Faculdade Jurídicas é inversamente superior, a continuar, como indicam as estatísticas alhures citadas, em franco crescimento.

Sobre o Exame XVII, o qual bateu recorde de inscrições, levando-se em conta que o valor da taxa de inscrição foi de R$ 220, conforme consta do próprio sítio eletrônico, é possível observar que o total arrecadado, apenas com base nas inscrições, foi de R$ 29.345.800. Tais valores representam apenas o valor arrecadado pela taxa de inscrição, contudo, ainda seria possível pensar na anuidade paga por cada advogado a Ordem, no lucro envolvido na mensalidade de todas as Faculdades de Direito privadas que inauguram anualmente, sem cogitar o valor das infindáveis inscrições de alunos desesperados pela aprovação no Exame de Ordem – bem como nos demais concursos públicos – nos cursos preparatórios, assim também no lucrativo mercado editorial que se criou baseado em manuais descartáveis que prometem aprovação por meio da resolução de velhas questões e nas doutrinas de qualidade duvidosas que prometem entendimento mais fácil do Direito. Diante de tais argumentos, o que mais seria possível afirmar a respeito do vantajoso negócio que se construiu baseado no Ensino Jurídico?

Em suma, se por um lado persiste o fato de que existem poucas linhas de pesquisas nos programas de Pós-Graduação que permitam a discussão do Ensino Jurídico, como se demonstrará na sequência, como é possível pensar uma efetiva mudança se nem mesmo os pesquisadores estão interessados em militar pelo tema? Neste sentido, quais motivos estão indiretamente ligados à falta de pesquisa em Ensino Jurídico? Será que os pesquisadores, os quais poderiam estar se dedicando de forma mais profunda e específica sobre o tema, estão possuídos por um sentimento de conformismo, pessimismo e ceticismo, diante do cenário do Ensino Jurídico, o qual tradicionalmente vem sendo motivo de crítica? Ademais, quais os motivos que fizeram os cinco autores apontados na Categoria Temática do Ensino Jurídico se dedicarem ao tema? Seria a mera inquietude intelectual ou, de fato, é possível observar uma construção crítica, motivada pela consciência do real contexto em que se encontram as Faculdades de Direito? Por outro lado, ainda em relação ao argumento de que o Ensino Jurídico tenha se tornado um grande e lucrativo mercado aos ávidos empresários, os quais conseguiram ver na educação uma nova forma de se enriquecerem, seja por meio do investimento em novas Instituições de Ensino, seja por meio de cursos preparatórios, ou ainda, por meio do mercado editorial de manuais e apostilas, resta uma questão: diante do frutuoso negócio que se tornou, quem, de fato, tem interesse na melhoria do Ensino Jurídico?

De outra banda, do ponto de vista formal, esta dissertação está organizada em três capítulos. No primeiro, intitulado Do Estado da Arte sobre o Ensino Jurídico, discutiu-se o conceito do Estado da Arte e sua importância para o tema da pesquisa, ademais apresentou o método de pesquisa, qual seja, relativo à análise das referências das teses e dissertações como forma de se alcançar o referencial teórico do Ensino Jurídico, ainda neste capítulo, também pretendeu apresentar uma análise geral das características das mesmas teses e dissertações. Já o segundo se desenvolveu a respeito da busca por um referencial teórico no Ensino Jurídico, ou seja, objetivou encontrar quais fontes autorais estavam sendo utilizadas, sendo assim, por meio da análise das mesmas pesquisas, das quais se tornou possível chegar à duas categorias temáticas distintas de autores, quais sejam, aqueles que não tratavam diretamente do Ensino Jurídico e, por suposto, aqueles que tratavam. Por fim, no terceiro e último capítulo, foi proposta uma análise comparativa de suas tendências teóricas, a qual se restringiu, de acordo com o método adotado, a cinco autores: Horácio Wanderlei Rodrigues, Luis Alberto Warat, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bianca Bittar e Roberto Lyra Filho. Outrossim, ainda neste capítulo, por meio da relação entre os autores, questionou-se principalmente sobre os problemas e soluções possíveis de acordo com a perspectiva de cada autor.

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADAID, Felipe. Análise comparativa das tendências teóricas sobre o ensino jurídico no Brasil de 2004 a 2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7588, 10 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71573. Acesso em: 14 dez. 2024.

Mais informações

O presente artigo representa a íntegra da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Puc Campinas em 2015.

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