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Análise comparativa das tendências teóricas sobre o ensino jurídico no Brasil de 2004 a 2014

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10/04/2024 às 08:58
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Capítulo I da presente dissertação apresentou uma análise do Estado da Arte na temática do Ensino Jurídico com o objetivo principal de identificar quais os teóricos estavam se apresentando como base para sua discussão; desta forma, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, se buscou teses e dissertações nos últimos 10 anos, a fim de identificar teóricos, mapear suas produções, analisar suas obras e relacioná-las com o Ensino Jurídico. Sendo assim, a primeira parte do capítulo demonstrou a importância de tal estudo, à medida que, diante do atual cenário e contexto produtivista acadêmico, em que cada vez se torna maior a produção de artigos e trabalhos acadêmicos. As pesquisas do tipo Estado da Arte têm se mostrado, como alhures demonstrado, uma importante ferramenta de síntese do conhecimento produzido, possibilitando ao pesquisador um norte para que possa dar início a sua pesquisa. Para tanto, o capítulo contou, de início, com a introdução do conceito de Estado da Arte, com base em Romanowski e Ens (2006), Ferreira (2002) e Megid (1999). Por outro lado, de forma a organizar o resultado das pesquisas, também se tornou necessária a categorização dos resultados. O procedimento utilizado para identificação das tendências teóricas foi a listagem das referências de cada uma das teses e dissertações, conforme se detalhou no mesmo capítulo. Assim, foi possível pensar na organização das referências encontradas nas 60 teses e dissertações elencadas em categorias temáticas, das quais se destacou, por suposto, a Categoria Temática do Ensino Jurídico, no Capítulo II, em que foram encontrados os seguintes autores: Horácio Wanderley Rodrigues, Luiz Alberto Warat, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bianca Bittar e Roberto Lyra Filho.

Após a delimitação dos autores na Categoria Temática do Ensino Jurídico, os resultados da Pesquisa de Estado da Arte apontaram, então, que, por meio da análise das teses e dissertações investigadas, cinco eram os autores que compunham a base para a discussão do tema no Brasil. De sorte que, com o Capítulo III, foi possível uma análise mais acurada de cada um dos autores, com o objetivo inicial de apresentação de suas ideias, com base nas obras referenciadas na pesquisa do Estado da Arte. Desta forma, se discorreu de forma detalhada sobre cada autor, objetivando a apresentação de suas contribuições à discussão do Ensino Jurídico. Ainda neste capítulo, foram listadas as obras de cada um dos autores que fizessem relação com o tema, de forma a esquadrinhar a construção de seu pensamento. Outrossim, realizada a análise de cada autor e de cada obra sobre as questões educacionais do Direito, se tornou possível a elaboração de uma relação entre os autores, de forma a sintetizar o pensamento dos cinco autores utilizando de tópicos, o que resultou na Tabela

13. A síntese desenvolvida na tabela possibilitou uma melhor visualização das características decada autor, o que representou a construção de uma relação mais cuidadosa entre eles. Importante destacar, contudo, embora a tríade dogmatismo, tecnicismo e tradicionalismo tenha sido comum entre a maioria dos autores, não foi possível afirmar que estas três características tenham sido um denominador comum entre eles, o que, de fato, aponta para o resultado de que não é possível atribuir ao Ensino Jurídico tais características, com base nos autores. Pior talvez seja a afirmação de que o contexto hodierno das Faculdades de Direito se encontra em crise, pois, embora tal afirmação seja um lugar-comum nos discursos inflamados daqueles que se dizem críticos ao sistema posto – como, por exemplo, se encontram nas citações de Cerqueira et alii (2008) –, nem mesmo os grandes representantes da discussão, possivelmente os pilares do pensamento do Ensino Jurídico, se arriscam, de forma tão enfática, enveredar em tal questão. Sendo assim, além, por suposto, da questão da má qualidade do ensino, que acabou por não se apresentar na Tabela 13, uma vez que ela representa o pressuposto da própria construção de sua análise, ao passo que todos os autores partem do princípio de que o ensino não está satisfatório, o único problema comum apresentado pelos autores se refere à falta de formação crítica nas Faculdades de Direito.

Em que pese à importância dos cinco autores apresentados como base à discussão do Ensino Jurídico, não obsta asseverar que, embora todos estejam de acordo que falta uma formação crítica e que se torna imprescindível ao Direito tal formação, interessante observar que nenhum deles estabelece de forma precisa o que vem a ser formação crítica, em outras palavras, em nenhum momento se define o que significa possuir ou receber uma formação crítica. Ironicamente, a única característica em comum entre os autores é, talvez, a menos debatida entre eles, como se, na prática, a concepção de crítica ou formação crítica fosse algo tão óbvio que desmerecesse qualquer tentativa de conceituação ou discussão. Fazendo algum esforço em tentar delimitar o que vem a ser crítica ou quais os requisitos necessários para tal formação, a análise dos autores quiçá aponta para o fato de que a formação crítica representa a base para qualquer ensino, ainda mais em se tratando de um Curso de Direito, uma vez que tais educandos minimamente representam os futuros operadores do Direito, a saber, advogados, juízes, promotores, delegados e demais servidores públicos do Poder Judiciário. Serão eles a elite intelectual que estará ligada ao processo legislativo, seja por meio da assessoria dos legisladores durante a elaboração dos projetos normativos, seja por sua própria realização, já que, como mencionado anteriormente, os juristas representam uma classe bastante presente na política. Ademais, enquanto operadores, estão ligados também ao Poder Executivo e ao próprio Judiciário, de modo que o Direito propagado nas Faculdades ecoa na prática forense e na própria dinâmica política, econômica e social, de modo que o conhecimento ensinado nas salas de aulas e a formação que tais bacharéis recebem representa uma influência direta na sociedade. Destarte, uma formação crítica, como apontado pelos autores, representa o mínimo que as Faculdades de Direito devem oferecer a seus alunos. Sem embargo, a questão ainda persiste: qual a perspectiva de formação crítica para os autores, ou seja, o que significa formação crítica e como alcançá-la?

Para Horácio Wanderlei Rodrigues, um dos autores que apresenta, entre os problemas, a tríade do dogmatismo, tecnicismo e tradicionalismo, diferenciando, contudo, do processo de profissionalização que passou o Ensino Jurídico, mormente, com o advento da proposta do Currículo Mínimo em 1962 (RODRIGUES, 2002), o qual representou uma formação mais voltada à prática forense e menos preocupada com a formação humanística, o que significou às Faculdades de Direito uma formação de cunho cada vez mais bacharelesco, jugada com a falta de pesquisa e a falta de interdisciplinaridade, possivelmente sejam estes os elementos que indiretamente se relacionem com a falta de formação crítica. De acordo com ele, a qualidade do ensino e sua implementação está ligada com a necessidade da valorização e a introdução de mais disciplinas transversais, de cunho zetético, por meio da influência do conhecimento histórico, econômico, sociológico, filosófico, antropológico e psicológico (RODRIGUES, 1993, 2000 e 2005). Neste sentido, a falta de formação crítica parece apontar, então, para um demasiado dogmatismo, um tecnicismo e um tradicionalismo, uma vez que a questão da falta de pesquisa não parece, a priori, uma condição para tal formação, mas um meio para construção do conhecimento. A interdisciplinaridade, por outro lado, talvez indique um aspecto importante ligado à formação crítica, à medida que, por meio da ligação entre as diversas disciplinas, seja possível a elaboração de um conhecimento unitário do Direito, a fugir da perspectiva insular, em que os diversos ramos jurídicos não se inter-relacionam. Ademais, a necessidade de um fomento às disciplinas transversais também pode ter forte relação com a formação crítica, uma vez que é por meio das disciplinas de cunho zetético que se torna possível ao educando fugir da formação demasiadamente dogmática de determinados ramos diretamente ligados à prática, a fim de construir um pensamento mais arrojado e reflexivo.

Na mesma linha, José Eduardo Faria, que, embora seja tido como referência no tema do Ensino Jurídico, possui apenas uma obra referenciada na pesquisa de Estado da Arte, também retoma a questão da tríade dogmatismo, tecnicismo e tradicionalismo, porém, ainda acrescenta o problema do formalismo. Como afirma o autor, o jurista não pode ser formalista, dogmático, nem apegado às fórmulas legais, pois o Direito transcende o texto da norma, que é estático, e está ligado à realidade social, que é dinâmica (FARIA, 1987). Desta forma, assim como Rodrigues (2002) apresenta os motivos que levaram os currículos dos Cursos de Direito a uma formação mais voltada à prática durante a década de 1960, graças ao processo de democratização da Educação – o qual acaba por apresentar um aspecto nefasto ao Ensino Jurídico –, o autor também aponta a falta de formação humanística como um dos principais problemas enfrentados pelas Faculdades. A formação crítica, assim como apontada pela perspectiva de Horácio Wanderlei Rodrigues, muito provavelmente também esteja ligada aos mencionados problemas, principalmente no que se refere à falta de formação humanística. Embora Faria (1987) não mencione o termo zetética, não resta dúvida de que a formação humanista afirmada por ele esteja ligada a tal instituto. Neste sentido, uma vez que seus principais apontamentos se relacionam, em alusão ao outro autor, à importância de uma cosmovisão jurídica e ao humanismo, é bem provável que sua concepção de formação crítica também esteja relacionada a elas. De forma que, para se alcançar tal formação, seria necessária também uma formação que transcendesse o dogmatismo e a falta de interdisciplinaridade do Direito. Eduardo Carlos Bianca Bittar, também considerado como base na discussão do Ensino Jurídico foge à tríade característica trazida pelos autores anteriores, tendo, porém, em comum com José Eduardo Faria o problema do formalismo e do elitismo – sendo que esta característica também se encontra nas obras de Horácio Wanderlei Rodrigues, juntamente com a questão da falta de pesquisa. Todavia, em relação à falta de formação crítica, com base na síntese trazida pela Tabela 13, a única característica que talvez faça relação à ela se relaciona à falta de interdisciplinaridade – a qual também encontra relação com Rodrigues (1993, 2000 e 2005) e Faria (1987), pois ambos mencionam a necessidade de uma cosmovisão jurídica. Sendo assim, na concepção deste autor, a formação crítica aponta para o aspecto específico da necessidade de um curso que possa trabalhar de forma mais efetiva a interdisciplinaridade com os educandos, de forma que os diversos ramos do Direito não sejam transmitidos de forma dicotômica e conflitante, mas como parte um mesmo conhecimento.

Roberto Lyra Filho, por outro lado, ao contrário de propor uma reforma curricular e pedagógica, como fazem os autores anteriores, foca sua discussão em uma proposta de reforma epistemológica e ideológica do Ensino Jurídico e do Direito como todo. Embora assevere sobre elitismo e dogmatismo (LYRA FILHO, 1980 e 1981), em aderência ao mesmo elitismo tratado por Bittar (2001 e 2006) e Faria (1987), também caracteriza os Cursos de Direito como dogmáticos, assim como afirmam Faria (1987) e Rodrigues (1993, 2000 e 2005). Todavia, o que mais inova seu discurso se refere à característica reacionária do Direito e, consequentemente, a funesta transmissão ideológica, que acabam sendo introjetadas pelos alunos, e a transmissão da falta de ideia de poder intelectual e profissional, tanto em relação aos alunos frente a seus professores, os quais deixam claro sua superioridade na figura de sua atividade acadêmica, ou ainda na relação entre os juristas e os demais profissionais, em que fica evidente a construção simbólica de uma hierarquia entre aqueles que se escudam por detrás de um diploma de Direito dos demais, como se a formação jurídica tornasse-os mais honrados que os outros – ora, mas não seria esta também uma ideologia? Neste sentido, o autor ainda constrói uma discussão baseada na conscientização política e social do educando. Por outro lado, o reducionismo apresentado como característica na Tabela 13 aponta, ainda de acordo com o autor, como a equivocada visão de que o Direito se reduz a apenas duas teorias ou perspectivas, quais sejam, o Direito Natural e o Direito Positivo. Desta forma, é possível afirmar que a concepção de formação crítica para Roberto Lyra Filho aponta para a negação do status quo reacionário e a concepção epistemológica reducionista do Direito.

Por fim, Luis Alberto Warat, que embora apareça em segundo lugar na ordem da Tabela 13, é apresentado aqui como último, pois talvez seja o autor que torna a concepção de formação crítica menos obtusa. Em relação às características elaboradas pelo autor como problemas, sintetizadas anteriormente, é possível notar uma tênue relação com Rodrigues (1993, 2000 e 2005) no que se refere ao tradicionalismo das Instituições de Ensino. Ademais, também é possível observar uma relação com a obra de Lyra Filho (1980 e 1981) no que se refere à transmissão de ideologia. Sendo assim, sua solução para o Ensino Jurídico está muito ligada ao determinado autor, pois é pautada por uma conscientização política. Assim sendo, é possível que sua concepção de crítica esteja ligada com a referida conscientização e, nesta perspectiva, sua obra se aproxima de Lyra Filho (1980 e 1981). Destarte, embora não seja uma obra específica sobre Ensino Jurídico e, por tal motivo, não tenha sido contemplada na Tabela 9, Introdução geral ao Direito, dividida em três volumes, em A epistemologia jurídica da modernidade, seu segundo volume, o autor defende que ao Direito é necessário uma obra de ruptura epistemológica – que novamente faz eco à crítica lyriana. De acordo com Warat (1994), por meio de uma ruptura epistemológica se torna possível a criação de uma teoria crítica do Direito. Desta forma, torna-se necessário um nível epistemológico que transcenda, incorporando aquilo que for importante da teoria kelseniana e reformulando e negando alguns de seus pressupostos, assim como a filosofia analítica. Mas, é precisamente nesta discussão que se alcançará a conscientização crítica almejada. É uma crítica que pretenderá produzir por meio das teorias existentes, desnudando-as. É, na tentativa da reconstrução crítica dos processos de constituição das teorias prontas, que se poderá pretender construir a teoria crítica do Direito.

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Ainda sobre a formação crítica, em seu texto Saber crítico e senso comum teórico dos juristas, importa destacar que Warat (1982) afirma que o conhecimento crítico do Direito vai tomando forma, em grande parte, devido à sua necessidade de emergir, como uma proposta revisionista dos valores epistemológicos, que regulam o processo de constituição das verdades jurídicas consagradas. Poder- se-ia presumir, assim, ainda de acordo com o autor, que a proposta do pensamento crítico pode apresentar-se como uma tentativa epistemológica diferente. Nesta perspectiva, o saber crítico tenta estabelecer uma nova formulação epistemológica sobre o saber jurídico institucionalmente sacralizado. Tentativa esta que se assenta em um tipo de controle epistêmico, claramente diferenciado das questões e posicionamentos feitos pela tradição epistemológica das ciências sociais. Esta tradição, de acordo com autor, é difusa e parcialmente apropriada pelo costume teórico do Direito.

A concepção waratiana de crítica ou formação crítica parece apontar, então, para uma relação direta com um redirecionamento epistemológico do Direito. Fato que muito se aproxima com a crítica de Lyra Filho (1981) sobre o reducionismo epistemológico jurídico ora no Direito Natural, ora no Direito Positivo. Por tal motivo, tanto a obra Introdução geral ao Direito, quanto o artigo Saber crítico e senso comum teórico dos juristas – o qual, infelizmente, não se apresenta entre as referências elencadas na pesquisa de Estado da Arte –, têm em comum a característica de apresentar como solução ao Direito uma reforma epistemológica. Contudo, como se torna observável ao exame da Tabela 13, quando comparada as características de Luis Alberto Warat com Roberto Lyra Filho nota-se que a questão revolucionária da epistemologia só se demonstra nestes autores. Tal fato é explicado porque a discussão epistemológica trazida por Warat (1994 e 1982) se encontra em obras que não tratam especificamente do tema do Ensino Jurídico, e por este motivo elas também não se encontram na Tabela 9. Entretanto, não há como se ignorar que a discussão waratiana sobre o Direito possa deixar de ecoar também no Ensino Jurídico e, por consequência, também tentar explicar sua concepção de formação crítica. Em suma, não obsta asseverar, ainda na citação de Warat (1982), que o passo decisivo para a elaboração de um discurso crítico será dado, primeiro pela substituição do controle conceitual pela compreensão do sistema de significações; segundo, pela introdução da temática do poder como forma de explicação do poder social das significações, proclamadas científicas. Em outras palavras, a trajetória epistemológica tradicional concebe o mundo social como sendo um sistema de regularidades objetivas e independentes. Esta proposta sugere a coisificação das relações sociais, o que permite concebê-las em seu estado ingênuo. É precisamente a perda dessa ingenuidade que vai permitir a formação de uma história das verdades, que mostre os efeitos políticos das significações na sociedade.

A concepção de formação crítica, então, de acordo com o autor, aparentemente aponta, grosso modo, para uma ressignificação epistemológica, na qual o autor separa em duas vertentes diferentes: em primeiro lugar pela ressignificação do próprio Direito, por meio de uma concepção que transcenda o reducionismo epistemológico bipartido em Natural e Positivo, em consonância com a crítica de Lyra Filho (1981); em segundo lugar, pela consciência da transmissão ideológica de poder, como já mencionado, tanto por parte dos professores frente aos alunos, no contexto de ensino, quanto por parte dos juristas frente aos demais profissionais, na falsa premissa de que os operadores do Direito estão superiores aos demais pelo conhecimento teórico e pela possibilidade de operar o Direito – seja por meio da advocacia, da magistratura, da investigação policial ou da denúncia do Parquet. Desta forma, é possível afirmar que uma formação crítica na concepção waratiana está relacionada à tomada de consciência política e ideológica, a qual, em uma comparação com outros autores, com base na Tabela 13, poderia ser obtida por meio de estudos interdisciplinares, pela introdução de disciplinas transversais e pela formação humanística como propõe Horário Wanderlei Rodrigues, José Eduardo Faria e Eduardo Carlos Bianca Bittar. Porém também seria necessária uma profunda mudança de ordem epistemológica, como defendido por Roberto Lyra Filho. Desta feita, não obstante, ao que demonstra Luis Alberto Warat, esforce-se em apresentar sua concepção de formação crítica, sua apresentação não se torna clara ou suficiente, pelo menos não ao discurso do Ensino Jurídico.

Ora, se assim fosse, a solução para a formação crítica estaria resolvida ao passo que o educando tivesse consciência da complexidade do Direito e tomasse consciência de sua função enquanto operador do Direito, o que envolveria o fardo ideológico e simbólico gerado por tal fato, tradicionalmente arrastado por tanto tempo. Ao mesmo tempo em que a dúvida sobre o que se refere ou o que pode ser definido por formação crítica, e ao mesmo tempo em que tais autores não a conseguem sanar, se torna necessário a busca por novas fontes que tentem suprir determinada lacuna. Sendo assim, aproveitando o desfecho deixado por Horácio Wanderlei Rodrigues a respeito da adesão de disciplinas transversais, conforme se apresenta na Tabela 13, dentre elas a importância da Filosofia ao Curso de Direito, juntamente com a defesa de José Eduardo Faria sobre a necessidade de uma formação humanística, quiçá esteja no conhecimento filosófico a discussão necessária para a construção do que seja ou o que possa ser entendido por crítica e, por consequente, também por sua formação crítica.

Em epítome, com base na pesquisa de Estado da Arte aqui realizada, foi possível concluir que as tendências teóricas desenvolvidas sobre a temática do Ensino Jurídico se baseiam sobremodo nos citados cinco autores, os quais, embora não esgotem a discussão, muito menos representem respostas derradeiras a respeito dos dilemas do Direito, representam a base para sua discussão. De acordo com o método adotado, pela análise de parte da produção dos autores, foi possível constatar que o elemento convergente entre eles aponta para a necessidade de uma formação crítica aos Cursos Jurídicos, de forma que se esquive ao prosaico dogmatismo, tecnicismo e tradicionalismo. Sem embargo, insta salientar que, seja qual for a concepção de formação crítica, conforme se afirmou no último capítulo, tal formação não deve ser entendida como tendo um termo, ou seja, um fim, mas sim representar uma constante busca. Independente do contexto mercadológico em que se encontram as coevas Faculdades de Direito, como se demonstrou, em princípio, cada vez mais voltadas à formação de técnicos para as atividades jurídicas, ainda assim, talvez uma formação mais autônoma e crítica já seja realidade em diferentes Cursos de Direito. Afinal, a Resolução Número 9 estabeleceu a necessidade de outros campos do conhecimento como fundamentais à formação do bacharel em Direito e, neste sentido, com a presença de docentes de outras áreas e de outros saberes o Direito, por certo, o Ensino Jurídico tem sido repensado. Mas isto não significa que se tenha alcançado uma dimensão crítica – aliás, felizmente, nem se chegou a uma unanimidade sobre o que se entende por crítica. Diante das inconclusões a respeito do entendimento desta famigerada formação crítica, quiçá o que realmente importa ao Ensino Jurídico seja a formação de um verdadeiro jurista, ora entendido como ser crítico, pensante e zubirianamente senciente – ou, se rendido ao jargão jurídico, que tanto clama por chamá-lo de operador do Direito, longe de um discurso elitista, que seja ele, de fato, um operador, e não um mero operário do Direito!

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADAID, Felipe. Análise comparativa das tendências teóricas sobre o ensino jurídico no Brasil de 2004 a 2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7588, 10 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71573. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

O presente artigo representa a íntegra da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Puc Campinas em 2015.

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