Os efeitos da prisão preventiva na remuneração de servidores públicos

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O servidor público preso preventivamente não pode ser privado de sua remuneração, em observância aos princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos.

Uma vez privado da liberdade, o servidor público se encontra efetivamente afastado se suas funções. Partindo de tal caso, pode-se concluir de forma precipitada que fora constituída falta ao serviço, não sendo devida, consequentemente, a percepção da remuneração.

Nesse sentido, diversas leis estaduais e municipais estabelecem descontos na remuneração dos servidores que se encontram presos preventivamente, nos termos do art. 312 e seguintes do Código de Processo Penal (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indicio suficiente de autoria).

A título de exemplo colaciono, respectivamente, art. 84, III, do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Amazonas (Lei Estadual nº 1.762/1986) e art. 206 do Estatuto do Servidor Público Municipal de Coari (Lei Municipal nº 404/2003):

Art. 84. O funcionário perderá:

[...]

III - um terço do vencimento ou remuneração durante o afastamento por motivo de prisão preventiva, pronúncia por crime comum ou denúncia por crime funcional, ou ainda, condenação por crime inafiançável em processo em que não haja pronúncia, tendo direito à diferença se absolvido;

Art. 206. Durante o período de prisão ou suspensão preventiva, o servidor perderá 1/3 (um terço) da remuneração.

Apesar de tal raciocínio visar a preservação de recursos públicos, uma vez que o servidor não estará laborando, o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado de forma contrária a esta prática. Segue jurisprudência:

EMENTA Servidores presos preventivamente. Descontos nos proventos. Ilegalidade. Precedentes. Pretendida limitação temporal dessa situação. Impossibilidade por constituir inovação recursal deduzida em momento inoportuno.

1. A jurisprudência da Corte fixou entendimento no sentido de que o fato de o servidor público estar preso preventivamente não legitima a Administração a proceder a descontos em seus proventos.

2. O reconhecimento da legalidade desse desconto, a partir do trânsito em julgado de eventual decisão condenatória futura, constitui inovação recursal deduzida em momento inoportuno.

3. Agravo regimental não provido.

(AI 723284 AgR, Relator: Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 27/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-210 Divulg 22-10-2013 PUBLIC 23-10-2013)

As razões invocadas pelo Ministro Dias Toffoli, colendo relator do recurso supramencionado, citam que tal entendimento fora consolidado quando do julgamento, pelo Plenário do STF, do RE nº 482.0061/MG, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, que decidiu que a redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com o disposto no arts. 5º, LVII, e 37, XV, da Constituição, que abrigam, respectivamente, os princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos.

Segundo o princípio da inocência, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A intenção de tal princípio é impedir a prisão do indivíduo, sem a certeza de sua condenação – o que, de certa forma, poderia levar o Estado a cometer tremenda injustiça, caso, após o final do processo, se concluísse pela inocência do acusado.

Já o princípio da irredutibilidade de vencimentos determina que o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV do artigo 37 e nos artigos 39, § 4º, 150, II, 153, III e 153, § 2º, I, todos da Constituição Federal. Trata-se de prerrogativa decorrente da natureza alimentar da qual se reveste a remuneração. Com efeito, o servidor depende destes valores para pagamento de seus débitos pessoais e suas despesas regulares.

Tal situação gera desconforto na Administração Pública, uma vez que esta deve proceder com o pagamento da remuneração integral de um servidor que não vai estar trabalhando, e sem previsão para o retorno ao labor.  Pode-se até ser interpretado tal fato como uma afronta ao princípio da eficiência, expresso com o advento da EC 19/98, que determina que a Administração deve produzir bem, com qualidade e com menos gastos.

A questão é polêmica. Porém, é evidente que a redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com o disposto no arts. 5º, LVII, e 37, XV, da Constituição Federal, que abrigam, respectivamente, os princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos.

Diante de tal fato, tais dispositivos mencionados anteriormente [art. 84, III, do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Amazonas (Lei Estadual nº 1.762/1986) e art. 206 do Estatuto do Servidor Público Municipal de Coari (Lei Municipal nº 404/2003)] não foram recepcionados pela atual Carta Magna, sendo irrelevante se há previsão ou não de devolução dos valores descontados em caso de absolvição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo, Paulo, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo. Ed. Método. 18ª Edição. 2010.

BRASIL, Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil; Senado Federal, 1988.

_______. Estatuto do Servidor Público Municipal de Coari. Lei Municipal nº 404/2003.

_______. Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Amazonas. Lei Estadual nº 1.762/1986.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª Edição. Salvador: Juspodivm, 2017.

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Sobre os autores
Alberto Lúcio de Souza Simonetti Filho

Advogado. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas. Pós-graduando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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