O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN): perspectivas sobre a segurança dos magistrados à luz da Resolução nº 239/2016

20/02/2019 às 10:14
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O presente artigo tem como objetivo efetuar diagnóstico de uma possível cooperação entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), a partir da criação da Política Nacional de Segurança.

1 INTRODUÇÃO

 

Em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, de 20 de maio de 2018, foi apresentado estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que mostra a existência de 110 magistrados em situação de risco no Brasil somente em 2017. Ao todo, 6 em cada 1.000 magistrados estão sob ameaça por exercerem suas atividades diárias.

Os números citados pelo jornal demonstram os riscos a que juízes do País correm diariamente em suas atividades laborais. Uma vez que a garantia da segurança pessoal dos magistrados constitui, ao mesmo tempo, a prevalência da independência funcional e da isenção necessárias para as decisões no âmbito do Poder Judiciário, o presente artigo tem o objetivo de diagnosticar uma possível cooperação entre o CNJ e o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), a partir da criação da Política Nacional de Segurança do Magistrado, com a Resolução CNJ nº 239/2016, com vistas a fortalecer a proteção e a segurança dos magistrados no Brasil.

Para a compreensão necessária sobre a importância da atividade de inteligência no âmbito do Judiciário, o artigo será dividido em três partes. Em primeiro lugar, far-se-á uma contextualização sobre a utilização das ferramentas atuais do SISBIN no âmbito da proteção do Estado. Em segundo lugar, traçaremos o pano de fundo histórico sobre o papel do CNJ na busca de garantir mais segurança às atividades jurisdicionais, por meio da publicação de suas Resoluções. Por fim, buscar-se-á instrumentos que permitam, afinal, a aproximação entre as atividades do CNJ com as do SISBIN, se o que se busca é proteger os interesses do Estado e do próprio Poder Judiciário.

A metodologia adotada para a coleta de dados foi por meio tanto de levantamento bibliográfico — em relação às atividades de inteligência e de segurança institucional dos magistrados — quanto por meio de análise das principais decisões e documentos oficiais relativos à aplicação das Resoluções do CNJ sobre o tema em questão, em processos que tramitam no âmbito do Conselho.

2 O SIGNIFICADO E A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

Informação é poder. No entanto, a informação sem análise mais detalhada de dados não se torna útil para a compreensão dos acontecimentos e da antecipação de soluções pelo Estado. Nesse sentido, o conceito de inteligência permite compreender melhor a necessidade de tratamento das informações pelo poder público. De acordo com o artigo 1º, §6º, da Lei nº 9.883/99, que criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e o SISBIN, entende-se como inteligência:

 

 A atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

 

Logo, a atividade de inteligência pode ser compreendida como a produção de conhecimentos para assessorar o processo de tomada de decisão das autoridades nacionais para fortalecer a segurança da sociedade. De acordo com Mariana Barreiras, “produzir inteligência é produzir conhecimento. Os profissionais de inteligência estão, a todo tempo, buscando informações, coletando dados, ostensivos ou sigilosos, para assessorar governantes” (2018, p. 22). Em outras palavras, se informação é poder, inteligência pode ser considerada o instrumento de utilização desse poder em prol da defesa do Estado e da sociedade.

Embora o conceito de inteligência já tenha sido utilizado oficialmente desde 1999, com a Lei nº 9.883/99, somente em 2016, com a publicação da Política Nacional de Inteligência (PNI), permitiu-se afinal a institucionalização das diretrizes para o avanço da atividade de inteligência no Brasil. Considerado o documento de mais alto nível de orientação da atividade de inteligência no País, a PNI foi concebida em função dos valores e princípios fundamentais consagrados pela Constituição Federal, das obrigações decorrentes dos tratados, acordos e demais instrumentos internacionais de que o Brasil é parte, das condições de inserção internacional do País e de sua organização social, política e econômica (BRASIL, 2016a).

A PNI, ademais, foi responsável por definir os parâmetros e limites de atuação da atividade de inteligência e de seus executores, além de estabelecer seus pressupostos, objetivos, instrumentos e diretrizes, no âmbito do SISBIN. Por meio de uma análise aprofundada sobre os ambientes internacional e nacional, a Política também apresenta as principais ameaças que apresentam potencial capacidade de pôr em perigo a integridade do Estado e da sociedade e a segurança nacional do Brasil. Para o balizamento das atividades de inteligência desenvolvidas no País, a PNI prioriza as seguintes ameaças: 1) Espionagem; 2) Sabotagem; 3) Interferência Externa; 4) Ações contrárias à Soberania Nacional; 5) Ataques cibernéticos; 6) Terrorismo; 7) Atividades ilegais envolvendo bens de uso dual e tecnologias sensíveis; 8) Armas de destruição em massa; 9) Criminalidade organizada; 10) Corrupção e 11) Ações contrárias ao Estado Democrático de Direito.

Levando-se em conta o objetivo central do presente feito, qual seja, estabelecer mecanismos para garantir a proteção e a segurança dos magistrados em suas atividades judicantes, dentre as ameaças elencadas pela PNI, as que mereceriam mais atenção do Poder Judiciário são: criminalidade organizada e ações contrárias ao Estado Democrático de Direito. De acordo com a PNI, a criminalidade organizada é compreendida como uma ameaça a todos os Estados e um fenômeno transnacional, que reforça a necessidade de aprofundar a cooperação, tanto de maneira preventiva (Inteligência) quanto reativa (Policial). As ações contrárias ao Estado, por sua vez, são aquelas que atentam contra o pacto federativo; os direitos e garantias fundamentais; a dignidade da pessoa humana; o pluralismo político; o meio ambiente e as infraestruturas críticas do País.

Nos últimos 15 anos, o Poder Judiciário já foi alvo dessas duas principais ameaças. Em 2003, o País testemunhou o assassinato do juiz-corregedor de Presidente Prudente-SP, Antonio José Machado Dias, a mando de líderes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Em 2003[3], a morte da juíza Patrícia Acioli por 21 tiros, chocou a nação, por ter sido cometido por policiais militares do Rio de Janeiro insatisfeitos com sua atuação em relação a um grupo de agentes que atuava na cidade de São Gonçalo-RJ, praticando homicídios e extorsões[4].

Desta forma, levando-se em conta que o Judiciário também é alvo de ameaças e atentados por criminosos, é essencial que a Inteligência produzida no âmbito do SISBIN contribua para a promoção da segurança e dos interesses do Estado e da sociedade brasileira, por meio da proteção da figura institucional do magistrado. De acordo com a PNI, as atividades e a produção de conhecimentos de inteligência possibilitam:

I - Acompanhar e avaliar as conjunturas interna e externa; assessorando o processo decisório nacional e a ação governamental;

II - Identificar fatos ou situações que possam resultar em ameaças, riscos ou oportunidades;

III - Neutralizar ações da inteligência adversa;

IV - Protege áreas e instalações, sistemas, tecnologias e conhecimentos sensíveis, bem como os detentores desses conhecimentos; e

V - Conscientizar a sociedade para o permanente aprimoramento da atividade de inteligência.

 

A PNI tornou-se, nesse sentido, instrumento essencial para balizar as atividades de inteligência e promover a necessidade de maior cooperação entre os diversos Poderes e órgãos da República para minimizar as ameaças e garantir um ambiente mais seguro para o desenvolvimento nacional. Como veremos no próximo tópico, as mortes de juízes e as constantes ameaças ao exercício da magistratura permitiram o surgimento de instrumentos, no âmbito do CNJ, para as atividades de inteligência e compartilhamento de informações entre os Tribunais, embora muito ainda precisa ser feito.

 

3 O PAPEL DO CNJ NA SEGURANÇA INSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO

 

Em virtude do recrudescimento da criminalidade nos últimos anos, a preocupação com a segurança institucional do Poder Judiciário tornou-se mais proeminente após 2010, ano da edição da Resolução nº 104/2011 pelo CNJ. Este ato dispôs sobre medidas administrativas e de segurança a serem adotadas por Tribunais de Justiça nas varas com competência criminal, bem como determinou a institucionalização de Comissões de Segurança Permanente.

Posteriormente, em 2013, o CNJ instituiu o Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário (SINASPJ), com a publicação da Resolução nº 176/2013. Constituído pelas Comissões de Segurança Permanente dos Tribunais de Justiça e Militares, dos Tribunais Regionais Federais e do Trabalho, pelo Comitê Gestor do CNJ, a quem caberá a sua coordenação, e pelo Departamento de Segurança Institucional do Poder Judiciário (DSIPJ), o SINASPJ é regido por diretrizes, medidas, protocolos e rotinas de segurança orgânica, institucional e da informação, assim como de segurança pessoal de magistrados e familiares em situações de risco.

Sousa Nunes (2017, p. 102) esclarece, ainda, que a Resolução nº 176/2013 teve forte influência do que dispôs a Resolução 40/32, de 1985, da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que endossou os Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura, elaborados pelo 7º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Deliquentes, ao proclamar:

 

Os juízes devem decidir todos os casos que lhes sejam submetidos com imparcialidade, baseando-se nos fatos e em conformidade com a lei, sem quaisquer restrições e sem quaisquer outras influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou intromissões indevidas, sejam diretas ou indiretas, de qualquer setor ou por qualquer motivo (apudidem, p.103).

 

Desde 1999, com a Lei nº 9.883, os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores, poderiam fazer parte do SISBIN. A Resolução CNJ nº 176/2013 evidenciou ainda mais a necessidade de maior cooperação com os órgãos que produzem inteligência no Brasil ao determinar, em seu art. 4º:

 

[...]

No âmbito do SINASPJ, ao Comitê Gestor caberá, entre outras medidas:

I - propor à Presidência do CNJ a assinatura de instrumentos de cooperação técnica com o Conselho Nacional do Ministério Público, Ministérios Públicos, órgão de inteligência nacionais e internacionais e outras instituições.

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Embora ainda não tenha havido nenhum acordo de cooperação nos moldes descritos acima, o CNJ avançou no tema, ao instituir, por meio da Resolução nº 239/2016, a Política Nacional de Segurança do Poder Judiciário, que, entre outros tópicos, definiu o que se entende por atividade de inteligência no âmbito do Judiciário:

 

Art. 5º, §1º Entende-se por atividade de inteligência do Poder Judiciário o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais aos ativos do Poder Judiciário, orientadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários ao processo decisório no âmbito da Segurança Institucional do Poder Judiciário.

 

Ainda antes da publicação da Resolução nº 239/2016, o CNJ baixou a Resolução nº 218/2016, que modificou a nomenclatura do antigo DSIPJ, o qual passou a chamar-se Departamento de Segurança Institucional do Poder Judiciário, e com algumas atribuições dentre aquelas previstas na Resolução nº 176/2013 e outras voltadas à segurança institucional nos Tribunais. De acordo com a Resolução nº 218/2016, o art. 5º da Resolução nº 176 passa a vigorar com o seguinte texto:

 

Art. 5º Fica instituído, na estrutura orgânica do CNJ e subordinado à Presidência, o Departamento de Segurança Institucional do Poder Judiciário (DSIPJ), ao qual incumbe, sob a supervisão do Comitê Gestor de que trata o art. 2º desta Resolução:

I - receber pedidos e reclamações dos magistrados em relação ao tema objeto desta Resolução;

II - supervisionar e coordenar a atuação dos Núcleos de Segurança dos tribunais, com vistas à integração, compartilhamento de informações e cooperação mútua;

III - levantar informações e desenvolver ações para subsidiar a tomada de decisões pelo Plenário e tribunais;

IV - supervisionar e avaliar as medidas de proteção adotadas em favor de magistrados e seus familiares, em conjunto com os Núcleos de Segurança e Inteligência dos tribunais;

V - executar outras atividades correlatas que lhe forem determinadas pelo Plenário.

 

Com esse histórico de publicações de atos administrativos, verifica-se, assim, a crescente preocupação com a segurança dos magistrados, desde a gestão do Ministro Ricardo Lewandowski (2014-2016) até a da Ministra Cármen Lúcia (2016-2018)[5], o que culminou com a decisão do Comitê Gestor do Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário (DSIPJ) de publicar, em junho de 2016, o Diagnóstico da Segurança Institucional do Poder Judiciário. O Diagnóstico foi dividido em duas etapas, com o objetivo de facilitar a leitura dos dados obtidos juntos a todos Tribunais brasileiros e ao Conselho de Justiça Federal.

A primeira etapa da pesquisa levada, que consistiu em um diagnóstico geral, por órgão, sobre a forma de funcionamento, estrutura e métodos utilizados pelas Unidades de Segurança Institucionais no âmbito do Poder Judiciário, bem como destinou-se à apuração do quantitativo total de magistrados em situação de risco e das localidades mais vulneráveis. A segunda etapa, por sua vez, teve por finalidade coletar dados mais detalhados sobre quem são e onde estão os magistrados ameaçados, quais foram as medidas protetivas adotadas, quais aspectos relativos à análise de risco foram aplicados e quais as medidas adotadas para apuração da ameaça.

O Conselheiro Bruno Ronchetti de Castro (2017), último Presidente indicado para a composição do Comitê Gestor do Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário, sintetizou as conclusões da segunda etapa do Diagnóstico da seguinte maneira:

-             Em geral, as Comissões de Segurança Permanente têm planos de segurança desenvolvidos para magistrados em situação de ameaça (76%), bem como relatórios de avaliação de risco (73%). No caso dos planos de segurança, ressalvadas as hipóteses nas quais, pela natureza da ameaça, não foi considerada necessária a elaboração de um plano de segurança, o principal obstáculo à sua elaboração foi a falta de equipe com conhecimento técnico, fator que aparece no topo das causas para a ausência de um relatório de avaliação de riscos (58% dos casos);

-             Em geral, as situações de ameaça não resultam na remoção do magistrado, o que se explica por se tratar de medida que interfere em sua inamovibilidade, só podendo ocorrer, nos termos da Constituição e da Lei Orgânica da Magistratura, de modo voluntário — elemento ausente em 29% dos casos — e em situações extremas — o que não se verificou em 68% das ocorrências;

-             A utilização de colete balístico como equipamento de proteção é baixa (18%) e se deve, principalmente, à falta do equipamento. De modo semelhante, em 61% (sessenta e um por cento) das situações não há disponibilização de carros blindados, também por falta do equipamento;

-             A escolta é largamente utilizada nas situações de ameaça (83%), sendo dispensada, no mais das vezes (47% dos casos em que não é utilizada), pela sua desnecessidade em face da natureza da ameaça identificada;

-             Na maioria dos casos (60%) foi possível identificar a autoria da ameaça e a localização de seu agente;

-             Apenas 32% dos casos foram levados a registro perante a autoridade policial competente sendo de se destacar que o principal fator para a ausência de registro da ocorrência é o desinteresse do próprio magistrado (52% das situações não registradas). De maneira semelhante, em 60% dos casos que ensejaram a instauração do inquérito, o magistrado não demonstrou interesse em representar;

-             Verifica-se, ainda, que das situações de ameaça registradas, apenas 17% dos casos resulta em ação penal, com o represamento de 68% dos casos na realização de diligências investigativas.

 

Não obstante o Diagnóstico de 2017 ainda não tenha sido publicado pelo CNJ, o jornal O Estado de São Paulo revelou alguns dados recentes. De acordo com o Estadão[6], existem 6 em cada 1.000 magistrados que estão sob ameaça no Brasil. Os riscos na atuação profissional são maiores para os juízes de primeira instância – a média sobe para 7 em cada mil – e menores para desembargadores, quando o índice cai para 2 por mil. Ao todo, 30 dos 82 tribunais citados na pesquisa relataram casos de ameaças, contabilizando 110 magistrados em situação de risco no ano passado.

Ademais, de acordo com os dados obtidos junto ao CNJ em maio de 2018, o jornal publicou que 97% das ameaças decorrem da atuação dos magistrados e que o potencial agressor é conhecido em 65% dos casos. E não são apenas os juízes criminais que sofrem ameaças, ofensas e tentativas de intimidação – as áreas de atuação que trazem mais riscos são as Varas de Família, do Trabalho e os casos de violência doméstica. Na reportagem, a diretora do Departamento de Segurança Institucional do Poder Judiciário do CNJ, Tatiane da Costa Almeida afirma:

 

É preciso estar atento, porque ser juiz não é uma profissão qualquer, é uma profissão onde o magistrado vai lidar com a vida das pessoas, decidir a vida delas, e uma das partes do processo sempre perde. É uma arena onde vão disputar bens e direitos e por conta disso é normal que haja reação da parte desagradada.

 

Constitucionalmente, ao CNJ não cabe realizar por si só qualquer medida de segurança a favor de magistrados, pois seu papel é de zelar pela autonomia do Poder Judiciário e no “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, conforme o art. 103-B, §4º da Constituição Federal de 1988. No entanto, é fundamental que o órgão proponha políticas de segurança em auxílio aos Tribunais, apoiando o aperfeiçoamento e a implementação da proteção a magistrado em situação de risco. Desta forma, o levantamento de dados sobre a situação da segurança de juízes, realizado pelo Diagnóstico de 2016, é essencial para uma política preventiva para a atuação dos Tribunais.

No próximo tópico, levando-se em conta as definições trazidas pelo conceito de inteligência, far-se-á uma análise mais detalhada sobre como o CNJ poderia tornar-se mais efetivo na tentativa de diminuição dos números relativos às situações de risco aos magistrados no Brasil.

4 PARTICIPAÇÃO DO CNJ NO SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA

Como visto anteriormente, a Lei nº 9.883/99 instituiu o SISBIN e criou a ABIN como órgão central do Sistema, além de permitir que órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores, poderão fazer parte do SISBIN (art. 2º, caput).

Atualmente, o Sistema conta com a participação de 39 órgão e entidades, todos vinculados, direta ou indiretamente, ao Poderes Executivo e Legislativo e nenhum do Poder Judiciário. Desta forma, a participação do CNJ no SISBIN é essencial para que, em primeiro lugar, que o Judiciário esteja afinal sendo representado no Sistema e, em segundo, visa ao fortalecimento das ações do Conselho para disseminar o conceito e a importância das atividades de inteligência na segurança institucional dos Tribunais brasileiros.

De acordo com Souza Nunes, pelo fato de o Judiciário não ter priorizado, dentre outros requisitos, estruturar as atividades de coleta de informações e não ter estabelecido uma doutrina de inteligência com metodologia própria, o Judiciário deixou a desejar na adoção de medidas importantes para a segurança de magistrados. Entretanto, afirma, Souza Nunes:

 

O emprego da atividade de inteligência no Judiciário volta-se, principalmente, ao assessoramento das Comissões Permanentes de Segurança Institucional, frente aos casos de ameaça a magistrados, atentados perpetrados contra ativos do Poder Judiciário, bem como à possibilidade de assessoramento de magistrados na produção de conhecimento, através de relatórios técnicos, em processos administrativos internos (op.cit., p. 114).

 

A participação do CNJ no SISBIN é, portanto, ponto fulcral para consolidação de atividades de inteligência no âmbito do Poder Judiciário. No entanto, tal medida deve ser acompanhada de publicações de permitam subsidiar a atuação dos Tribunais na proteção e segurança do exercício judicante da magistratura e que complemente, de maneira mais robusta, o conceito de atividade de inteligência trazido na Resolução nº 239/2016, art. 5º, §1º, qual seja:

 

Art. 5º, §1º Entende-se por atividade de inteligência do Poder Judiciário o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais aos ativos do Poder Judiciário, orientadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários ao processo decisório no âmbito da Segurança Institucional do Poder Judiciário.

 

Logo, assim como a Presidência da República fez publicar a Estratégia Nacional de Inteligência (ENINT) após a divulgação da Política Nacional de Inteligência (PNI), o CNJ poderia tornar público, por exemplo, uma Estratégia Nacional de Inteligência e Segurança Institucional do Poder Judiciário. A ENINT foi aprovada em dezembro de 2017 e proporcionou um "marco normativo moderno" para a atividade de inteligência, que a "compatibilize plenamente com as exigências do Estado Democrático de Direito", de acordo com Sergio Etchegoyen (2017), Ministério-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

A ENINT estabeleceu 4 Eixos Estruturantes, quais sejam, “Atuação em Rede”, “Tecnologia e capacitação”, “Projeção Internacional” e “Segurança do Estado e da Sociedade". Tais Eixos constituem os principais pilares para a efetividade da atividade de inteligência no Brasil e estão também organizados em 10 Desafios e 33 Objetivos Estratégicos, que possibilitou a criação de uma Estratégia “organicamente coerente e coesa, que deve impulsionar o funcionamento do Sistema de Inteligência” (BRASIL, 2017).

O Eixo “Segurança do Estado e da Sociedade” é assim definido pela ENINT (BRASIL, op. cit.):

Eixo que se apoia na convicção do papel central desempenhado pela Atividade de Inteligência para a garantia da segurança e dos interesses do Estado e da sociedade brasileira.  A antecipação de fatos e situações que se caracterizam como ameaças à integridade da sociedade e do Estado, no âmbito nacional ou internacional, é essencial para que o processo de assessoria ao mais alto nível decisório do País seja eficaz.

Para que esse papel seja exercido de forma efetiva, a legislação deve ser adequada à especificidade da Inteligência, proporcionando as condições ideais para o exercício da Atividade.

 

A definição acima é a que mais se aproxima dos vínculos existentes entre a importância da atividade de inteligência no País e a garantia de um ambiente mais seguro ao cotidiano dos magistrados.

Semelhantemente, no âmbito do CNJ, o Departamento de Segurança Institucional e o Departamento de Gestão Estratégica poderiam, assim, trabalhar em conjunto para o estabelecimento de uma Estratégia Nacional de Inteligência e Segurança Institucional do Poder Judiciário. A adoção de tal mecanismo permitiria maior aproximação do CNJ ao SISBIN e, por fim, subsidiaria os Tribunais com informações mais precisas para proporcionar mais segurança às atividades da magistratura brasileira. 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde meados de 2017 até julho de 2018, o Comitê Gestor do Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário encontra-se sem nova indicação de seus membros, conforme determina a Resolução nº 176/2013 do CNJ. Somado a isso, verifica-se que o Diagnóstico da Segurança Institucional do Poder Judiciário não é atualizado desde 2016, o que demonstraria certa despreocupação com o andamento dos trabalhos do Departamento de Segurança Institucional pela gestão da Ministra Cármen Lúcia.

De todo modo, faz-se mais do que necessário estabelecer uma cooperação mais enfática entre CNJ e o SISBIN, principalmente a partir da criação da Política Nacional de Segurança do Magistrado, com a Resolução CNJ nº 239/2016 e com os demais atos normativos. Embora o CNJ não seja membro do SISBIN, tais atos do CNJ já sinalizaram, ao longo do tempo, que o Poder Judiciário também realiza atividades de inteligência, que poderiam ser ainda mais aprimoradas para a proteção e a segurança da magistratura brasileira se o Conselho viesse a tornar-se membro participante do Sistema Brasileiro de Inteligência.

Não obstante, a aproximação mais contundente entre as atividades de inteligência realizadas no âmbito do SISBIN e aquelas realizadas pelo DSIPJ poderia engendrar não só a inclusão do CNJ no Sistema, assim como poderia dotar o Conselho de novos instrumentos para a consecução de sua própria Estratégia Nacional de Inteligência do Judiciário, se o que se busca é a aferição mais célere e precisa de políticas preventivas de proteção a magistrados em situação de risco.

 

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARREIRA, Mariana Barros. ABIN – Legislação de Inteligência Sistematizada e Comentada. Salvador: Jus Podium, 2018

BRASIL. Estratégia Nacional de Inteligência. Brasília: Gabinete de Segurança Institucional, 2017

BRASIL. Política Nacional de Inteligência. Brasília: Gabinete de Segurança Institucional, 2016a

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Diagnóstico da Segurança Institucional do Poder Judiciário, 2016b

CASTRO, Bruno Ronchetti de. Despacho proferido no Acompanhamento de Cumprimento de Decisão nº 0004038-31.2013.2.00.0000, em 31 de maio de 2017. Acesso em: 8/jun/2018

DANTAS, Cruz; MULLER, Pinto. O crime organizado e a proteção a juízes ameaçados no Brasil. Brasília, 2014

ETCHEGOYEN, Sergio Westphalen. Estratégia Nacional para a Atividade de Inteligência. Disponível em: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,estrategia-nacional-para-a-atividade-de-inteligencia,70002136674. Acesso em: 4/jul/2018

NUNES, Alexandre Magno de Souza. A importância da atividade de inteligência no Poder Judiciário frente às Ações de Segurança Institucional: perspectivas de aplicação da Resolução 239/2016 do Conselho Nacional de Justiça-CNJ. Revista da ESMAM, São Luís. V. 11, n.11, p.98-117, jan/jun, 2017

 


[1]Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-GO e servidor efetivo do Conselho Nacional de Justiça desde março de 2009.

[2]Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (2001). Especialista em Direito Constitucional aplicado – Uma abordagem Processual e Material pela Universidade Franciscana de Santa Maria (2004). Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Univesitário de Maringá – Unicesumar (2018). Professora de Direito no Unicesumar e na Faculdade Santa Maria da Glória – SMG, de Maringá/PR. Advogada atuante em Maringá/PR.

[3]Disponível em: "Para polícia, PCC mandou assassinar juiz”. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0908200301.htm. Acesso em: 8/jul/2018.

[4]Disponível em: "Tenente-coronel começa a ser julgado pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli"

https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,oficial-da-pm-e-condenado-a-36-anos-de-prisao-por-assassinato-de-patricia-acioli,1143462. Acesso em: 8/jul/2018.

[5]Disponível em: "CNJ instala departamento de segurança para proteção de magistrados”. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84859-cnj-instala-departamento-de-seguranca-voltado-aos-magistrados. Acesso em: 10/5/2018.

[6]Disponível em: "110 magistrados estão sob ameaça no País, diz CNJ”, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,110-magistrados-estao-sob-ameaca-no-pais-diz-cnj,70002315945. Acesso em: 30/mai/2018.

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Davi Alvarenga Balduino Ala

Servidor do Conselho Nacional de Justiça.

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