No dia 18 de janeiro de 2019, foi publicada a Medida Provisória nº 871/2019, que entrou em vigor na mesma data (na maior parte de suas regras) e altera vários dispositivos das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, que tratam do custeio e dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Prosseguindo na análise da MP 871/2019, este artigo examina a regra sobre a inscrição de segurado após a sua morte (e a validade, ou não, desse ato).
Filiação e Inscrição no RGPS
Recorda-se que os segurados são as pessoas naturais com um vínculo direto com a Previdência Social, porque exercem atividade considerada de filiação obrigatória, ou realizam sua inscrição de modo facultativo e espontâneo. Todavia, nem sempre sua filiação é formalizada por meio da inscrição no RGPS, o que causa reflexos negativos sobre os benefícios devidos aos dependentes, especialmente a pensão por morte.
A filiação e a inscrição do segurado no Regime Geral da Previdência Social são atos que não devem ser confundidos e, em regra, ocorrem em momentos distintos.
Essa divisão pode dificultar o reconhecimento do direito dos dependentes à pensão por morte, quando o segurado falece sem ter formalizado sua filiação, por meio da inscrição.
De um lado, a filiação é a vinculação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social, e pode ser obrigatória ou facultativa, dependendo da categoria em que esteja enquadrado (arts. 11 e 13 da Lei nº 8.213/91). Nos termos do art. 20 do Decreto nº 3.048/99, “filiação é o vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem para a previdência social e esta, do qual decorrem direitos e obrigações”.
Por outro lado, a inscrição é a formalização da filiação, o seu cadastramento no RGPS. A Lei nº 8.213/91 dedica ao assunto somente o art. 17, que remete ao Regulamento sua abordagem. O caput do art. 18 do Decreto nº 3.048/99 conceitua-a desta forma: “Considera-se inscrição de segurado para os efeitos da previdência social o ato pelo qual o segurado é cadastrado no Regime Geral de Previdência Social, mediante comprovação dos dados pessoais e de outros elementos necessários e úteis a sua caracterização, (...)”.
O citado art. 18 do Decreto nº 3.048/99 especifica o modo de inscrição para cada segurado: (a) empregado e trabalhador avulso: preenchimento dos documentos que os habilitem ao exercício da atividade, formalizado pelo contrato de trabalho (para o empregado), e pelo cadastramento e registro no sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra (para o trabalhador avulso); (b) empregado doméstico: apresentação de documento que comprove a existência de contrato de trabalho; (c) contribuinte individual: apresentação de documento que caracterize a sua condição ou o exercício de atividade profissional, liberal ou não; (d) segurado especial: apresentação de documento que comprove o exercício da atividade; (e) e facultativo: apresentação de documento de identidade e declaração expressa de que não exerce atividade que o enquadre na categoria de segurado obrigatório.
Em relação aos segurados obrigatórios, o art. 20, § 1º, do Decreto nº 3.048/99, prevê que “a filiação à previdência social decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada para os segurados obrigatórios, (...)”.
Contudo, para o segurado facultativo a filiação só se efetiva com a inscrição e o pagamento da primeira contribuição (logo, nessa hipótese a inscrição comprova a filiação do segurado facultativo). Nesse sentido é a redação da parte final do art. 20, § 1º, do Decreto nº 3.048/99: “a filiação à previdência social decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada para os segurados obrigatórios, observado o disposto no § 2º, e da inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição para o segurado facultativo”.
Sintetizando: em regra, a filiação é anterior à inscrição, e decorre do exercício de atividade prevista em lei.
Filiação e Inscrição Post Mortem no RGPS
Entre os segurados obrigatórios, enquanto a filiação dos segurados empregado, trabalhador avulso, empregado doméstico e segurado especial ocorre automaticamente com o exercício da atividade (dependendo de prova para o último, e para os demais da demonstração do trabalho, sendo de terceiro – empregador ou órgão gestor de mão-de-obra – a responsabilidade pelo pagamento), para o contribuinte individual a filiação é acompanhada por sua própria responsabilidade no pagamento das contribuições.
A MP nº 871/2019 acrescentou o § 7º ao art. 17 da Lei nº 8.213/91, com o seguinte teor: “Não será admitida a inscrição post mortem de segurado contribuinte individual e de segurado facultativo”.
Assim, não é possível o recolhimento de contribuições ou a inscrição póstuma de segurado contribuinte individual, pois a inscrição, como ato administrativo, tem sua validade cessada com o óbito, e, por ser excepcional, é admitida somente quando prevista em lei.
Atualmente, permite-se expressamente a inscrição post mortem apenas do segurado especial (art. 18, § 5º, do Decreto nº 3.048/99).
Porém, em outras situações pode se compreender possível a inscrição após a morte de segurado obrigatório, a fim de possibilitar a concessão do benefício de pensão por morte aos seus dependentes. Especificamente, como visto, os segurados empregado, trabalhador avulso e empregado doméstico têm sua filiação automática a partir do exercício da atividade, sendo de terceiro (empregador ou órgão gestor de mão-de-obra) a responsabilidade pelo pagamento das contribuições.
Assim, não podem ser prejudicados pela omissão do responsável, motivo pelo qual, em relação a eles, também deve ser admitida a inscrição post mortem, reconhecendo-se a filiação anterior.
Por outro lado, reitera-se, não é possível o recolhimento em atraso das contribuições de contribuinte individual para fins de manutenção da qualidade de segurado junto ao RGPS, porquanto, apesar de segurado obrigatório, tem responsabilidade própria pelos recolhimentos.
Embora o exercício de atividade pelo segurado obrigatório enseje a filiação obrigatória do de cujus ao RGPS, para a percepção da pensão por morte por seus dependentes é necessária a inscrição e o recolhimento das respectivas contribuições em época anterior ao óbito, diante da natureza contributiva do sistema.
Similar raciocínio é aplicável ao segurado facultativo, pois, conforme destacado, normalmente sua filiação e inscrição são simultâneas, não podendo ser realizadas após o óbito.