RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar a constitucionalidade do art.791-A, §4° da CLT que trata da responsabilidade do pagamento dos honorários sucumbenciais pelo reclamante, ainda que beneficiário da justiça gratuita. Antes, o empregado não era condenado ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais em virtude do ius postulandi[1] que vigorava como regra, porém, após alteração incluída pela Lei 13.467/2017, passou a vigorar como exceção. Na contramão dos movimentos democráticos, as normas trabalhistas impõem ao trabalhador economicamente desfavorecido a responsabilidade de assumir os riscos da demanda trabalhista, fazendo-o pagar pelas custas e despesas processuais de sucumbência mesmo quando beneficiário da justiça gratuita. O método a ser utilizado no presente artigo será de natureza dedutiva em que partirá dos aspectos gerais da reforma trabalhista delineando os honorários sucumbenciais em suas modalidades, para colacionar, de forma específica, os seus reflexos no direito ao acesso à justiça pelo empregado beneficiário da justiça gratuita. Quanto ao método de procedimento será utilizado de caráter comparativo com a finalidade de explicar as diferenças entre a antiga e a nova redação dada pela reforma trabalhista.Quanto às técnicas de investigação, a pesquisa será bibliográfica com embasamento teórico em artigos científicos, jurisprudências e livros. Quanto à natureza, será qualitativa com a descrição dos honorários sucumbencias. Com relação aos objetivos será explicativa em que os honorários sucumbenciais serão fatores determinantes à mitigação ao acesso à justiça e, quanto à finalidade, será pura ao contextualizar a incidência do ônus sucumbencial ao beneficiário da justiça gratuita e seu desestímulo ao ingressar na justiça do trabalho. Este artigo pretende, por fim, concluir que o acesso à justiça será mitigado pelos honorários sucumbenciais.
PALAVRAS-CHAVES: Reforma Trabalhista, Honorários Sucumbenciais, Desestímulo ao acesso à justiça.
- INTRODUÇÃO
Os honorários de sucumbência são aqueles devidos pela parte vencida ao advogado da parte vencedora em uma ação judicial. Somente com o advento da Lei n. 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, vigente a partir de novembro de 2017, passou a serem devidos honorários advocatícios em razão da sucumbência nos processos de natureza trabalhista.
Esses Honorários não incidiam nos processos trabalhistas, pela interpretação consolidada da legislação e pela jurisprudência dos Tribunais Superiores do Trabalho por meio das súmulas 219 e 329. Nos casos de insucesso em seus pleitos, ainda que de todos formulados na ação trabalhista, o reclamante não respondia por honorários advocatícios da parte contrária.
A Reforma Trabalhista criou uma nova regra que incide no acesso ao judiciário ao instituir os honorários sucumbenciais, contudo, cabe ressaltar que esses honorários serão devidos ainda que a parte for beneficiária da justiça gratuita, é o que o art. 791-A caput, e §4º da CLT (Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) disciplina in verbis:
Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa [...]
[...] §4º. Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. (BRASIL, 2018, p.98)
O §3º do artigo 791-A da CLT ainda prevê a possibilidade da sucumbência recíproca em caso de procedência parcial do pedido. Os honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho dificultam o acesso à justiça, pois inibe o trabalhador de reclamar os seus direitos por receio do ônus da sucumbência.
O instituto da sucumbência no processo do trabalho caracteriza uma desigualdade explícita, ferindo diversos princípios aplicáveis ao direito processual do trabalho como o protecionismo temperado, um meio assecuratório de que as partes estejam no mesmo nível de igualdade.
Ademais, é incompatível com os benefícios da justiça gratuita, uma vez que muitos empregados são beneficiários por não poderem suportar o ônus da sucumbência sem prejuízo do seu próprio sustento e o sustento de sua família.
2 A REFORMA TRABALHISTA INSTITUÍDA PELA LEI Nº 13.467/2017
A humanidade passa por etapas de evolução que são comprovadas ao longo da experiência da humanidade, traduzindo a ideia kantiniana de progresso (Milton,2000,p.24) . As conquistas tecnológicas e os ciclos econômicos interferem no ambiente social e também nas relações de trabalho provocando impactos em seu desenvolvimento.
A função histórica do direito do trabalho, portanto, é redistribuir a renda e melhorar as condições de vida do trabalhador, função esta cuja importância se revigora exatamente em época de crise do sistema capitalista, para impulsionar a circulação da moeda e conter as revoltas populares. (MAIOR, 2000, p. 3)
Em decorrência da crise econômica e pelo índice crescente de desemprego, entre os anos de 2016 e 2017, houve a necessidade de modernizar a legislação trabalhista brasileira a fim de promover o crescimento econômico. Dessa forma, o então Presidente da República, Michel Temer, editou em 22 de dezembro de 2016 o Projeto de Lei 6.787 e o encaminhou ao Congresso Nacional. Inicialmente, o PL 6.787/2016 alterava apenas alguns dispositivos da CLT, como exemplo a contagem dos prazos para dias úteis. Ocorre que, ao tramitar pela Câmara dos Deputados, esse Projeto de Lei sofreu radicais mudanças, passando a ser numerado como Projeto de Lei da Câmara n. 38/2017.
O PL 38/2017 tramitou na Câmara e no Senado Federal com substancial celeridade, sendo posteriormente sancionado pelo Presidente da República Michel Temer e convertido na Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, publicada no DOU de 14 de julho de 2017.
É oportuno salientar que projetos legislativos que causam um impacto profundo na sociedade costumam ser analisados por demasiado tempo por especialistas, “como meio de evitar que o parlamento produza leis assim viciadas, espera-se que se realizem discussões amplas, haja reflexões serenas sobre sua extensão, e especialistas sejam consultados” (TRINDADE, 2017, p. 471). Dessa forma ocorreu com a Lei de Diretrizes da Educação, Lei de Recuperação Judicial e o Código de Processo Civil.
No entanto, a Lei n. 13.467/2017 tramitou por poucas semanas na Câmara dos Deputados, não recebendo nenhum aperfeiçoamento por parte do Senado e as participações pela sociedade civil foram quase nulas, além de ser promulgada pelo Executivo sem nenhum veto.
A dita “Reforma Trabalhista” instituída pela Lei n. 13.467/2017, sofre inúmeras críticas de estudiosos e doutrinadores, pois eles afirmam que a referida reforma desponta a um direcionamento de retrocesso, segregação e sedimentação da desigualdade entre as pessoas.
Profundamente dissociada das ideias matrizes da Constituição de 1988, como a concepção de Estado Democrático de Direito, a principiologia humanística e social constitucional, o conceito constitucional de direitos fundamentais da pessoa humana no campo justrabalhista e da compreensão constitucional do Direito como instrumento de civilização, a Lei n. 13.467/2017 tenta instituir múltiplos mecanismos em direção gravemente contrária e regressiva (DELGADO, 2017, p. 39).
A gratuidade judiciária possui extrema relevância social na Justiça do Trabalho, pois é a partir dela que o trabalhador hipossuficiente busca tutelar suas prestações materiais que estão vinculados à contraprestação de seu trabalho, sendo que a própria Constituição da República Federativa do Brasil em seus arts. 1º, III e VI, 170 e 193, considera o trabalho como instrumento constitucional de afirmação da dignidade dos trabalhadores, assumindo um caráter de mínimo existencial.
Em decorrência desse diapasão, o Procurador Geral da República propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade à Lei 13.467/2017 (ADI 5766). Essa ADI requer a declaração de inconstitucionalidade do art. 790-B, caput e §4º, e 791-A, §4º da CLT que responsabiliza a parte vencida pelo pagamento de honorários, ainda que beneficiário da justiça gratuita. Nesse sentido, a ADI 5766 declara:
Com propósito desregulamentar e declarado objetivo de reduzir o número de demandas perante a Justiça do Trabalho, a legislação avançou sobre garantias processuais e viola direito fundamental dos trabalhadores pobres à gratuidade judiciária, como pressuposto de acesso à jurisdição trabalhista. Assim o fez ao alterar os arts. 790-B, caput e §4º e 791-A §4º, da Consolidação, e autorizar o uso de créditos trabalhistas auferidos em qualquer processo, pelo demandante beneficiário da justiça gratuita, para pagar honorários periciais e advocatícios de sucumbência. (2017, p. 5-6).
Muitos juristas denominam a reforma como um desmonte de direitos, pois são alterados 201 aspectos do arcabouço legal (Souto Maior e Severo, 2017) [2], pois modificaram elementos importantes da relação de emprego e das instituições responsáveis pela efetivação das relações de trabalho.
3 GRATUIDADE DA JUSTIÇA
O benefício da justiça gratuita encontra previsão no art. 790, §§ 3º e 4º da CLT, em consonância ao disposto na Constituição em seu art. 5º, LXXIV segundo o qual “O Estado prestará assistência judiciária integral aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Esse benefício engloba o direito a gratuidade de taxas judiciárias, custas, emolumentos, honorários de perito, despesas com editais, entre outros.
Antes da reforma que a Lei 13.467/2017 protagonizou, o empregado deveria receber salário que não fosse superior a dois salários mínimos ou fazer declaração de próprio punho ou por seu advogado de seu estado de miserabilidade para fazer jus ao benefício da justiça gratuita.
A pessoa jurídica também possui direito aos benefícios da Justiça Gratuita, conforme entendimento da jurisprudência do TST, constatada na seguinte redação:
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. EMPREGADORA. PESSOA JURÍDICA. PROVA CABAL DE HIPOSSUFICIÊNCIA. Na linha dos precedentes desta Corte, a concessão da gratuidade de Justiça ao empregador depende de prova de dificuldades financeiras. No caso em exame, a reclamada não fez prova robusta de sua insuficiência econômica, de forma que não há como se conceder prerrogativa pleiteada, por ausência de prova contundente acerca da dificuldade financeira declarada. Com efeito, a reclamada, embora tenha declarado, nas razões do agravo de instrumento, sua incapacidade econômica, não fez prova cabal de sua insuficiência financeira. (TST. AIRR 0000723-77.2015.5.12.0052; 2ª Turma; rel. Min. José Roberto Freira Pimenta. DEJT 17.3.2017)
A alteração mais significativa que Reforma Trabalhista causou foi quanto à comprovação da insuficiência econômica pelo empregado, pois a mera declaração de pobreza firmada pelo trabalhador, ou por procurador com poderes especiais não é suficiente, sendo necessária a comprovação dessa miserabilidade.
Não é firmado um entendimento referente à relação das provas necessárias para comprovação do estado de pobreza, sendo que a doutrina acredita ser suficiente a declaração de ausência de recursos firmada pelo próprio empregado sob as “consequências da lei”
De nossa parte, a declaração de pobreza firmada pelo próprio empregado, sob as “consequências da lei” é suficiente para comprovar a insuficiência econômica do empregado e o deferimento dos benefícios da justiça gratuita. Caso haja impugnação, o Juiz do Trabalho poderá exigir do trabalhador outros documentos, como juntada pela CTPS, declaração de imposto de renda, etc. (SCHIAVI, 2017, p. 81)
Dessa forma, a nova regra trazida no §4º é contrária à prevista no art. 99 do CPC, pois não há mais a presunção de hipossuficiência econômica a pessoa natural, exigindo sua comprovação e não somente a declaração. Isso viola o princípio da isonomia ao gerar restrições à gratuidade judiciária na Justiça do Trabalho, e submete o trabalhador carecedor de recursos a responsabilidade de assumir os riscos da demanda trabalhista, demonstrando a profunda inferioridade de armas processuais.
4 OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS ANTES DA REFORMA TRABALHISTA
Em se tratando de lide trabalhista, somente o empregador poderia ser condenado ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, visto que ao empregado não poderia suportar os efeitos desse pagamento, pois haveria violação de dois direitos fundamentais, o da igualdade e do livre acesso ao Poder Judiciário.
Esse entendimento encontrava fundamentação na Súmula 329 e no item I da Súmula 219, ambos do TST, o qual declarava que em se tratando de ação trabalhista individual decorrente da relação de emprego, os honorários advocatícios sucumbenciais não decorreriam pura e simplesmente da sucumbência, mas deveriam estar presentes outros dois requisitos por parte do empregado/reclamante, quais sejam: comprovar que recebe salário inferior ao dobro do salário mínimo ou que se encontra em situação econômica que não lhe seja permitida demandar sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família e estar assistido pelo sindicato da categoria profissional.
Os honorários advocatícios sucumbenciais não se confundem com os honorários contratuais. Antes a lei trabalhista não aceitava os honorários sucumbenciais em virtude do ius postulandi que, antes, vigorava como regra, e agora vigora como exceção. (CASSAR, 2018, p.140).
Cabe ressaltar que, por disposição do art. 85, §2º do CPC/2015, após o preenchimento dos requisitos supramencionado, os honorários advocatícios sucumbenciais eram devidos na proporção de 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, caso não seja possível mensurar o valor da condenação, será devido sobre o valor atualizado da causa.
A jurisprudência trabalhista entendia que os honorários advocatícios de sucumbência eram indevidos em razão da capacidade postulatória das partes (art. 791 da CLT), entretanto, havia exceção na hipótese de assistência judiciária gratuita prestada por sindicato da Categoria profissional, sendo que nesse caso, os honorários eram devidos em favor do sindicato. Firmou-se nesse sentido, a súmula 219 do Tribunal Superior do Trabalho por influência do art. 16 da Lei n. 5.584/1970.
O empregado é a parte hipossuficiente da relação jurídica visto que, normalmente, seu salário não lhe permite pagar seu próprio advogado e, consequentemente, o advogado da parte contrária. Dessa forma, não se faz justo que seja condenado ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, pois isso implicaria na impossibilidade do empregado questionar seus direitos trabalhistas judicialmente.
Em regra, deveria ser aplicado o princípio da causalidade, uma vez que na maioria dos casos os processos trabalhistas não decorrem do descumprimento da norma trabalhista por parte do empregado e sim por parte do empregador, portanto, este deveria arcar com os custos processuais da eventual demanda trabalhista.
5 OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS APÓS A REFORMA TRABALHISTA
A Reforma Trabalhista inseriu na CLT o art. 791-A para regulamentar os honorários advocatícios sucumbenciais na Justiça do Trabalho e, consequentemente, revogou o entendimento fixado nas Súmulas 219 e 329 do TST, alterando toda a sistemática desses honorários.
Cabe ressaltar alguns pontos, sendo eles: a) o pagamento dos honorários sucumbenciais pelo empregado, ainda que beneficiário da justiça gratuita; b) pagamento dos honorários em questão decorre, atualmente, da mera sucumbência; c) os honorários devem ser fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido, ou não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa; d) o Juízo fixará os honorários de sucumbência recíproca caso o empregado tenha sua ação julgada procedente em parte; e) suspensão da obrigação de pagar pelo prazo de dois anos, caso o sucumbente beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido crédito nos autos ou em outro processo capaz de suportar o valor fixado. (BRASIL, 2017)
Ao reconhecer a justiça gratuita, concomitantemente, reconhece-se que o beneficiário não dispõe de recursos para pagar custas e nem despesas processuais sem prejuízo de seu sustento e de sua família. Dessa forma, os créditos auferidos por quem ostente condição de beneficiário não devem estar sujeitos ao pagamento de custas e despesas processuais, salvo se houver a comprovação da perda da condição.
Uma das alterações mais significativas que altera o princípio do protecionismo processual é a previsão da sucumbência recíproca, podendo em muitos casos atuar como um fator inibitório do acesso à justiça da parte economicamente fraca. Esse dispositivo sofre inúmeras críticas doutrinárias sob o argumento de que o crédito obtido através de uma demanda trabalhista possui natureza salarial, sendo que o beneficiário da justiça não pode despender de seu crédito para pagamento de honorários advocatícios, sendo, portanto, incompatível com a Constituição Federal. Nesse sentido, o Enunciado 100, da II Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA[3], in verbis
HONORÁRIOS E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. É INCONSTITUCIONAL. A PREVISÃO DE UTILIZAÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS RECONHECIDOS EM JUÍZO PARA O PAGAMENTO DE DESPESAS DO BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS OU PERICIAIS (ARTS. 791-A,§ 4º, E 790-B, §4º, DA CLT, COM A REDAÇÃO DA PELA LEI N. 13.467/2017), POR FERIR OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA E INTEGRAL, PRESTADA PELO ESTADO, E À PROTEÇÃO DO SALÁRIO (ARTS. 5º, LXXIV, E 7º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL) (2017)
A Justiça do Trabalho tem por pressuposto a facilitação do acesso à justiça, sendo assim, para que haja a aplicação da norma em consonância com a proteção que inspira a existência do processo do trabalho, algumas questões devem ser analisadas “de modo a não obstar a missão histórica da Justiça Trabalhista que é facilitar o acesso à Justiça do Trabalhador” (SCHIAV, 2017, p.85).
Os honorários sucumbenciais recíprocos foram criados no intuito de inibir formulações dos reclamantes com a consequente compensação às reclamadas desconfigurando, assim, o processo do trabalho ao incluir em suas regras algo que lhe é contrário, ferindo o princípio da intangibilidade do salário e o caráter alimentar dos créditos auferidos nas demandas trabalhistas, constituindo um desestímulo ao exercício do acesso à justiça.
5.1 Sucumbência Recíproca
Entre os maiores impactos da reforma trabalhista encontra-se a Sucumbência recíproca. Esse instituto foi inserido no art. 791-A §4° da CLT o qual preceitua que, na hipótese de procedência parcial dos pedidos, o reclamante será condenado ao pagamento de honorários sucumbênciais ao reclamado nos pedidos em que foram julgados improcedentes, sendo que o reclamante normalmente é o empregado, parte hipossuficiente da relação jurídica.
A redação dada pela reforma trabalhista também incluiu o beneficiário da justiça gratuita ao pagamento da sucumbência recíproca sob condição suspensiva de exigibilidade. Essa condição suspensiva existirá quando o beneficiário não obtiver saldo de crédito em qualquer outro processo na justiça do trabalho para o pagamento da sucumbência recíproca.
Assim, caso não obtiver saldo de crédito para suportar o ônus da sucumbência, o credor terá a oportunidade de comprovar que a insuficiência de recursos que ensejou a condição de beneficiário da justiça gratuita deixou de existir, desde que a comprovação seja dentro do prazo de dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão.
É cediço que tal dispositivo é um dos maiores impactos auferidos pela reforma trabalhista, pois diverge do conceito de beneficiário da justiça gratuita mitigando, por sua vez, o acesso à justiça.
Aqui talvez se esteja diante de uma das mais nefastas previsões da Lei no 13.467/17, pois a sucumbência recíproca é a antítese da razão de existência mesma de um processo do trabalho, ao menos nos moldes propostos, isto é, sem o reconhecimento da gratuidade como princípio do acesso à justiça e sem a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, ou seja, impondo custos a quem não tem como pagar. (MAIOR; SEVERO, 2017, p. 81).
Ademais, a fixação dos honorários de sucumbência baseado no pedido julgado improcedente, conforme previsão no art.790-A, §2°, também não atende ao princípio do acesso à justiça.
É dizer, utiliza-se o risco da condenação na verba honorária como arma apontada em direção ao trabalhador a ameaçá-lo, para não vir a juízo reclamar direitos que lhe tenham sido sonegados. E o pior, esta ameaça será tanto mais grave quanto maior o valor econômico da violação trabalhista. (GUIMARÃES, Marcelo Wanderley, 2018, p.94).
5.2 Sucumbência na Reconvenção
O instituto, ora em análise, encontra-se no §5° do art.791-A da CLT e trata-se de peça independente da contestação, apresentada pelo reclamado em contrapartida da reclamação proposta pelo autor. É aplicado o Código de Processo Civil de forma subsidiária.
É notório, mais uma vez, que o tratamento dado pela reforma trabalhista aos pólos da relação processual enseja um aspecto de igualdade em relação à paridade de armas, o que na verdade, as partes são totalmente antagônicas entre si, por apresentar, de um lado, uma parte hipossuficiente que necessita da gratuidade da justiça e, de outro, uma parte auto suficiente.
CONCLUSÃO
Após a análise de todo o conjunto da matéria apresentada, constata-se que os honorários advocatícios sucumbenciais sofreram uma alteração significativa no ramo do Judiciário Trabalhista, por meio da edição e vigência em novembro do ano de 2017 da Lei n. 13.467, a qual inseriu o art. 791-A na Consolidação das Leis do Trabalho.
Os honorários sucumbenciais passaram a ser devidos quando da mera sucumbência após a inclusão do citado artigo no arcabouço jurídico, o que implicou na inutilização das hipóteses previstas nas Súmulas 219 e 329 do TST e das Orientações Jurisprudenciais 304 e 305 do Tribunal Superior do Trabalho. Esse fato implica na desestimulação ao acesso à justiça pelo empregado, pois correrá o risco de sair da relação processual como parte devedora.
Cumpre destacar que, além da possibilidade do empregado, mesmo estando revestido do benefício da gratuidade da justiça, ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais caso seus pedidos sejam julgados improcedente em sua totalidade ou em parte, o empregador poderá acompanhar a vida pessoal do empregado num prazo de dois anos e, caso constate alguma alteração na situação socioeconômica nesse interregno, poderá exigir o pagamento do débito.
Na hipótese em que o empregado seja reclamado em uma ação trabalhista, e nessa mesma ação crê que seja necessário a apresentação de reconvenção a fim de defender seus interesses, também poderá ser condenado ao pagamento de honorários sucumbenciais.
Em outra hipótese em que o empregado é reclamado em uma ação trabalhista ajuizada pelo empregador, poderá ser condenado ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, ainda que revestido da gratuidade da justiça.
Após a análise das mudanças introduzidas pela Reforma Trabalhista chega-se em algumas conclusões. A primeira refere-se à inconstitucionalidade (devendo ser declarada tanto no controle difuso, como no concentrado) do art. 791-A da Consolidação das Leis do Trabalho, ao violar claramente e abruptamente direitos fundamentais constitucionais, sendo eles, o direito do livre acesso ao Poder Judiciário, pois com medo e receio de acionar a justiça o trabalhador não terá acesso à Justiça. O receio de acionar a justiça é devido ao possível pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em caso de improcedência de algum pedido e principalmente pelo risco de sair devendo por ajuizar sua reclamação.
O referido artigo também fere o princípio da igualdade, pois dispõe de um tratamento jurídico igual a pessoas que estão em situações fáticas distintas, assim, como assegurava Platão e Aristóteles, “que o direito deve tratar os desiguais de maneira desigual na medida de sua desigualdade para assim ser alcançada a igualdade”.
Referências
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[1] É a possibilidade que o empregado e o empregador possuem de pleitear seus direitos diretamente no Judiciário, sem a assistência de um advogado.
[2] Segundo estudo realizado pelo professor de direito do trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Souto Maior (2017) e a professora da FEMARGS, Valdete Souto Severo.
[3] ANAMATRA - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.