Capa da publicação A Venezuela à beira de uma guerra: caos social
Capa: DepositPhotos

A Venezuela à beira de uma guerra: caos social

23/02/2019 às 03:55
Leia nesta página:

A crise da Venezuela é um problema a ser resolvido pelos venezuelanos e não por quem tem interesse nas maiores reservas de petróleo do planeta.

Antes da inauguração de seu primeiro campo petrolífero, no dia 15 de abril de 1914, a Venezuela era essencialmente uma República Bananeira marcada por instabilidades políticas. Isso era majoritariamente uma consequência de seu passado colonial, cujas práticas não foram alteradas no período imediatamente subsequente à sua independência da Espanha.

Embora tenha se tornado independente, a Venezuela manteve várias de suas primitivas práticas políticas e econômicas. Acima de tudo, manteve as mesmas políticas mercantilistas e regulatórias, altamente excludentes, que garantiram a manutenção da grande situação de pobreza do país.

Entretanto, a descoberta de petróleo no início do século XX alterou completamente a situação. A então poderosa aristocracia agrária viria a ser sobrepujada por uma classe industrial, a qual abriu o mercado petrolífero do país para os investimentos estrangeiros e para exploração das multinacionais.

Pela primeira vez em sua história, a Venezuela tinha uma economia de mercado relativamente liberal, e iria colher vários benefícios deste arranjo nas décadas vindouras.

Da década de 1910 até a década de 1930, o tão odiado ditadorJuan Vicente Gómez ajudou a consolidar o estado venezuelano, e a modernizar uma até então atrasada província neocolonial, ao permitir que investidores, domésticos e estrangeiros, livremente explorassem as recém-descobertas jazidas de petróleo.

Em consequência dessa maior liberdade, a Venezuela vivenciou um substantivo crescimento econômico e rapidamente se transformou em um dos países mais prósperos da América Latina já na década de 1950.

Naquela década, o general Marcos Pérez Jiménez daria continuidade ao legado de Gómez. A Venezuela chegaria ao seu ápice, figurando em quarto lugar no ranking mundial em termos de PIB per capita.

É um país rico em recursos naturais, detentor de uma das maiores reservas de petróleo, gás natural e minérios (ferro, ouro, bauxita e diamantes) da América Latina e Caribe, e produtor de petróleo em grau comerciável desde 1914. O PIB do país atingiu pouco mais de US$ 287 bilhões (2016), e é o quarto PIB da América Latina, do qual 25% são representados pelo setor de óleo e gás. As reservas provadas de petróleo atingem aproximadamente 300 bilhões de barris, enquanto que as de gás natural somam 5,8 trilhões de metros cúbicos, o que faz da Venezuela a maior reserva de hidrocarbonetos do mundo. A produção de petróleo é de mais de 2,3 milhões de barris ao dia (2016), dos quais 1,8 milhões são exportados. A capacidade de refino nacional é de aproximadamente 1,9 milhões de barris ao dia.

Linha do tempo da crise na Venezuela:

2012 – Uma nova eleição presidencial. Com câncer, Chávez permanece um bom tempo fazendo tratamento em Cuba, não participando diretamente de sua campanha. A oposição consegue se fortalecer, levando à eleição mais disputada da era Chávez. No entanto, o então presidente consegue se manter no poder.

2013 – No dia 5 de março, Nicolás Maduro anuncia a morte de Hugo Chávez. Uma nova eleição é marcada, sendo Maduro o candidato de continuação do Governo Chávez. Por uma pequena diferença, Maduro vence e consegue se manter no poder.

2014 – Com a inflação no país aumentando gradualmente, além de um crescimento na criminalidade, milhares de pessoas vão protestar nas ruas, gerando depredações de prédios públicos e mortes de manifestantes.

2015 – Ocorre a eleição parlamentar no país, na qual a oposição consegue a maioria da Assembleia Nacional. A crise da Venezuela (econômica e política) se agrava ainda mais com a queda do preço do barril de petróleo.

2016 – A inflação cresce mais com o passar dos meses, junto com a pobreza e os índices de criminalidade. A falta de alimentos, de produtos higiênicos e de energia começa a se alastrar pelo país.

2017 – A Venezuela é suspensa do Mercosul pela Cláusula Democrática, após a instalação de uma Assembleia Constituinte composta apenas por aliados de Maduro. Novos protestos deixam mais de 100 mortos.

2018 – Uma nova eleição à presidência ocorre, porém sem a participação da oposição, a qual alega que o próprio governo estava comprando votos por meio da distribuição de benefícios. A crise migratória de venezuelanos se agrava, chegando a milhões espalhados pelo continente americano.

2019 – Nicolás Maduro e Juan Guaidó tomam posse paralelamente como presidentes da Venezuela. O primeiro eleito pelo Tribunal Supremo de Justiça e o segundo pela Assembleia Nacional.

A atual crise na Venezuela é uma crise socioeconômica e política que a Venezuela tem sofrido desde o final do governo de Hugo Chávez, adentrando o atual governo de Nicolás Maduro. A queda do Produto interno bruto (PIB) nacional e per capita entre 2013 e 2017 tem sido mais grave do que a dos Estados Unidos durante a Grande Depressão, ou da Rússia, Cuba e Albânia após a dissolução da União Soviética. É a pior crise econômica da história da Venezuela.

Durante o ano de 2016, por exemplo, a inflação foi de 800% e a economia contraiu-se em 18,6%. Uma pesquisa indicou que cerca de 75% da população tinha perdido uma média de pelo menos 8,7 kg devido à falta de alimentação adequada. A taxa de homicídios em 2015 foi de 90 por 100.000 habitantes, segundo o Observatório Venezuelano de Violência. (Uma taxa maior que 10 por 100.000 habitantes é considerada como violência epidêmica pela Organização Mundial da Saúde.)

A crise foi o resultado de políticas populistas que se iniciaram como parte da "Revolução Bolivariana" do governo de Hugo Chávez. A crise se intensificou no governo de Maduro pela queda dos preços do petróleo no começo de 2015.

A corrupção, a escassez de produtos básicos, o fechamento de empresas e a deterioração da produtividade e da competitividade são algumas das consequências da crise. De acordo com um estudo publicado em 2018 por três universidades venezuelanas, quase 90% dos venezuelanos agora vivem na pobreza.

Eleito, em 2013, Nicolás Maduro, ao assumir a presidência da Venezuela, deu continuidade à maioria das políticas econômicas de Hugo Chávez. Mas Maduro também teve de enfrentar a alta taxa de inflação e grande escassez de bens que foram herdadas do governo anterior.

Em 2014, a Venezuela entrou em recessão econômica e, em 2015, a taxa de inflação havia atingido o valor mais elevado da história do país.

O governo atribui a crise não somente à queda dos preços do petróleo - de USD 110,53, em 2013, para USD 57,49, em 2016) mas também ao boicote externo. "Há uma onda de boicote financeiro internacional, com exceção da China e da Rússia, com quem o país tem relações fluidas", segundo o principal assessor econômico do presidente Maduro, Alfredo Serrano Mancilla. Internamente, acrescenta Mancilla, o governo tem sido alvo de uma "guerra econômica" organizada "pela imprensa e pelas grandes empresas, que retêm produtos escassos à espera de aumento de preços."

A escassez na Venezuela tem sido predominante a partir da promulgação de controles de preços e outras políticas econômicas de Hugo Chávez. Sob a política econômica do governo Maduro, a maior escassez ocorreu devido à política do governo Venezuelano de retenção de dólares de importadores somada aos controles de preços. A escassez ocorre com produtos que foram regulamentados pelo governo, tais como leite, vários tipos de carne, frango, café, arroz, óleo, farinha, manteiga; e também com produtos de necessidades básicas como papel higiênico, produtos de higiene pessoal e remédios. Como resultado da escassez, os venezuelanos devem procurar por comida, ocasionalmente recorrer a comer frutos silvestres ou comida do lixo, esperar em filas por horas e, por vezes, acabar sem ter determinados produtos.

Como resultado da crise, a Venezuela sofreu o maior desemprego de sua história, sendo este um dos maiores problemas dos venezuelanos, devido à inflação e expropriação de empresas privadas por parte do governo. Em 2016 o desemprego atingiu em média 18 por cento, sendo considerado a economia mais miserável do mundo por dois anos consecutivos. Em uma comparação com o segundo país que mais teve desemprego em 2016, Argentina, a Venezuela perdeu quatro vezes mais postos de empregos.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Milhões de venezuelanos emigraram voluntariamente de seu país natal durante a presidência de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, em contraste com alta taxa de imigração durante o século 20. A emigração tem sido motivada pelo colapso econômico, pela expansão docontrole do estado sobre a economia, alta criminalidade, alta inflação, insegurança e a falta de esperança de uma mudança no governo. Estima-se que mais de 1,5 milhão de pessoas emigraram da Venezuela de 1999 a 2014. Mas estima-se também que 1,8 milhões emigraram apenas no ano de 2015. Na primeira parte de 2018, 5000 emigravam em média por dia.

O estado brasileiro de Roraima, no extremo norte do país, na fronteira com a Venezuela, é um local que recebe um grande número de refugiados venezuelanos. Milhares de pessoas cruzaram a fronteira em busca de alimentos, remédios e uma melhor qualidade de vida. O número de venezuelanos que pediram refúgio no Brasil aumentou 1.036% entre 2013 e 2015. Os dados são do Conselho Nacional para Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça.

Internacionalmente, Os governos dos Estados Unidos, do Brasil, da França, da Espanha e de mais 8 países (Argentina, Albânia, Canadá, Chile, Colômbia, Dinamarca, Equador, Peru) reconheceram Guaidó como novo mandatário venezuelano. Já os da Bolívia, da China, de Cuba, do Irã, do México e da Rússia declaram apoio a Maduro.

O presidente americano Donald Trump já disse que uma intervenção militar na Venezuela não está descartada. A ONU (Organização das Nações Unidas) já pediu para que haja "diálogo" no país para evitar um "desastre".

A crise do país vizinho, na verdade, pode ser uma excelente oportunidade para que o Brasil prove ao mundo a sua grandeza humanitária e a hospitalidade de seu povo. Além de finalmente concretizar os mandamentos constitucionais que determinam que a República Federativa do Brasil deve reger-se nas suas relações internacionais com a prevalência aos Direitos Humanos, a defesa da paz e em cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

Talvez seja essa a chance de ouro para que saiamos do rol dos países que desrespeitam os Direitos Humanos e entremos no seleto grupo dos Estados que os fomentam e tenhamos destaque internacional ao ajudar os nossos irmãos latino-americanos a solucionar mais uma das intermináveis crises pelas quais o nosso continente sempre passou.


Referências

BETANCOURT, Rômulo. Venezuela: Oil and Politics, Boston: Houghton Mifflin Co., 1979.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil.

COPPEDGE, Michael. Soberania popular versus democracia liberal em Venezuela. In: ROLLÓN, Marisa (ed.). Venezuela: rupturas y continuidades del sistema político. Salamanca: Ediciones Universidad, 2002.

SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores,9º edição 4º tiragem, 1994, São Paulo-SP.

SOARES, Laura Tavares Ribeiro. Venezuela: possibilidades e limites para um novo modelo de desenvolvimento e de integração regional. In: CARDIM, Carlos Henrique; GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (org.). Venezuela: visões brasileiras. Brasília: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2003.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos