MEDIDAS PROVISÓRIAS E O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE: ENTRE PRESSUPOSTOS E LIMITAÇÕES

07/03/2019 às 11:34
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Reflete-se sobre a possibilidade no sistema pátrio do uso do Controle Concentrado de Constitucionalidade frente às medidas provisórias e sua relação ao Princípio da Separação dos Poderes e a perspectiva da Corte Suprema Brasileira a respeito da matéria.

Introdução

A Constituição Federal de 1988 regimenta expressamente as espécies normativas componentes do processo legislativo brasileiro. Objeto principal da presente discussão, as medidas provisórias, portanto, possuem respaldo legitimado pelo Constituinte ordinário. Sua disciplina ganha destaque em artigo próprio para tal exposição com seus pressupostos, processo de tramitação e vedações. 

O processo legislativo engloba aspectos importantes que são essenciais para o devido funcionamento do Estado Democrático de Direito, que através dos mandamentos constitucionais definem o procedimento a ser seguido, incluindo a competência de iniciativa de cada uma das espécies previstas no artigo 59 da Constituição Federal. 

 À vista disso, os elementos como iniciativa, vetos, pressupostos e demais implicações previstas no ordenamento constitucional constituem pontos de discussão entre os juristas e operadores do Direito acerca da espécie de especial tratamento do presente trabalho, que são as Medidas Provisórias.          

Por tratar-se de espécie normativa de iniciativa do Poder Executivo, acaba por ser um poder atípico, visto que não cabe a rigor ao Poder Executivo, neste caso, o Presidente da República, a posição de legislador. Existe uma celeuma levantada sobre uma utilização exacerbada da atipicidade permitida pela Constituição de emitir as medidas provisórias, ademais discute-se também acerca dos pressupostos claramente subjetivos e discricionários do Poder Executivo para sua propositura, quais sejam os de relevância e urgência.   

 Diante desse contexto, convém-se refletir sobre a possibilidade no sistema pátrio do uso do Controle Concentrado de Constitucionalidade frente às medidas provisórias e, por conseguinte explorar a postura jurisprudencial sobre o tema. Para tanto, analisar-se-á, a relação dos limites e uso das medidas provisórias e sua relação ao Princípio da Separação dos Poderes e a perspectiva da Corte Suprema Brasileira a respeito da matéria.  

1. Das medidas provisórias e o controle de constitucionalidade: pressupostos e limitações

Factualmente as medidas provisórias adotadas no ordenamento pátrio encontraram inspiração nas chamadas nos chamados decreti-legge italianos que em estavam positivados na Constituição Italiana de 1947. Na história política-legislativa brasileira, Alexandre de Moraes (2003) assevera que é indubitável que o antecedente para o atual modelo de medidas provisórias é o antigo decreto-lei. 

 Seguindo o tema, Rhodie André Ferreira (2014) menciona que: 

Substituindo o decreto-lei, a medida provisória representa um ponto fundamental da trajetória da Legislação Executiva no Brasil, que partiu inicialmente do status de “coadjuvante no processo legislativo”, pela faculdade de iniciativa, promulgação, sanção e veto, passa pelo status de “legislador delegado”, que poderia elaborar leis com a anuência e limites impostos pelo Legislativo, e finalmente, passa ao status de “legislador por direito próprio”. (FERREIRA, 2014, p. 45) 

Uma ótica interessante, é a levantada por Szklarowsky (2003), mencionado por Ferreira (2014), de que durante o processo de aprovação do texto houveram diversas tentativas no sentido de inserir o decreto-lei, mas que foram que foram rejeitadas. houve ainda uma emenda que buscava retirar o dispositivo da Medida Provisória e também foi rejeitada, de acordo com o Parecer do Relator-Geral da Constituinte, Bernardo Cabral, que afirmava ser fundamental um instrumento célere para o moderno “welfarestate”  em casos de relevância e urgência.

 Percebe-se então a vontade do constituinte em, de fato, ofertar ao Poder Executivo um meio de legislar, havendo naturalmente um aumento do seu poder, ainda que amparado por algumas restrições. O meio era, portanto, esse instrumento constitucionalmente positivado que fornece ao Presidente da República uma maior eficiência e celeridade nos casos permitidos de relevância e urgência.

Hodiernamente, então, a medida provisória encontra-se regulada em seu artigo 62 e parágrafos, da Constituição Federal e atribui ao Presidente da República o poder de adotar medidas com força de lei devendo ser submetida imediatamente ao Congresso para que seja convertida em lei. Caso não ocorra a conversão em sessenta dias, ressalvados alguns casos, perderão a sua eficácia desde a sua edição. Poderá ainda ser prorrogada por igual período, devendo o Congresso Nacional displicinar por decreto as relações jurídicas por ela decorrente. 

 Assim, convém ressaltar que mesmo sendo uma herança dos antigos decretos-lei, estes e as medidas provisórias não se igualam. Como salienta Oliveira (s.d, p.4): “os pressupostos do decreto-lei são alternativos e os da medida provisória, cumulativos. Nesse sentido, convém destacar que a medida provisória, além de ser uma transcrição literal de dispositivo da CF italiana de 1947, foi adotada sob influência da CF anterior, que garantia ao chefe do Executivo ‘atribuições legislativas’.” 

2. Da possibilidade de controle de constitucionalidade 

Dito isso, após noções iniciais, é possível adentrar no questionamento principal ao qual se incumbe o presente trabalho: a possibilidade de controle de constitucionalidade concentrado das medidas provisórias. 

É cediço que as medidas provisórias são passíveis de controle concentrado de constitucionalidade, visto que estas são atos normativos e espécie normativa prescritiva de dever ser, que vincula condutas, tendo ademais força e valor de lei. 

O que muito se questiona na doutrina são os chamados pressupostos habilitadores, que por muitos são vistos como conceitos inconsistentes e vagos. Esses pressupostos de habilitação de para que seja adotada a medida provisória pelo Presidente da República são os critérios de relevância e urgência. Para AGRA (2018, p. 544) esses dois requisitos "significam que a necessidade de produção de determinada espécie normativa é tão premente que não há possibilidade de se aguardar o trâmite normal do processo legislativo". O autor considera ainda que a relevância refere-se ao fumus boni juris e a urgência ao periculum in mora. 

Sobre a questão Cibele Morais Rocha (2008) adentra ainda mais:

Inserido em uma Constituição democrática, o atual instituto poderia vir a ser um instrumento valioso se o Presidente da República não o utilizasse de modo abusivo e discricionário, pois basta o seu entendimento de que haja os requisitos constitucionais de urgência e relevância, para que, com força de lei, submeta as medidas provisórias à apreciação do Congresso, como dispõe o art. 62. (ROCHA, Cibele de Fátima Morais. 2008, p. online

  Nesse sentido, sobre o uso abusivo e discricionários das medidas provisórias Edilson Pereirs Nobre Júnior alerta que:

Não obstante o perfil discricionário que ostentem, imperioso dizer que os conceitos de relevância e urgência longe estão de constituir uma categoria conducente ao arbítrio. Não subtraída a limites, o exercício da competência discricionária não poderá descambar à irracionalidade. Assim, na hipótese de excesso de poder, haverão os pressupostos propulsores da edição de medida provisória de sofrer pleno controle do Judiciário, quer no plano abstrato, quer quando a execução do instrumento normativo lese, ou ameace de lesão, direitos subjetivos (NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Medidas provisórias. Controles legislativos e jurisdicionais. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 182, grifo nosso)

 O artigo 62 §5  da Cosntituição Federal demonstra que a deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional necessita de uma apreciação prévia sobre o devido atendimento dos pressupostos em questão. Assim, segundo AGRA (2018) não existindo o cumprimento dos requisitos de relevância e urgência, o Congresso Nacional  deve negar a conversão da medida provisória em lei, exercendo desse modo o controle repressivo de constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal realiza o controle na esfera material da medida provisória, ou seja, se o conteúdo ali presente viola ou não a Constituição de 1988. Ferreira (2014) elenca as cinco formas de possibilidade de controle judicial das medidas provisórias:  

i) controle quanto à natureza jurídica das MP’s, possibilitado dados os aspectos peculiares de media legislativa extraordinária, que é, ao mesmo tempo, lei e projeto de lei; ii) controle dos requisitos de relevância e urgência, pois trata dos pressupostos básicos a sua edição; iii) controle dos limites materiais de incidência das MP’s, muito debatido nos primeiros anos de vigência da constituição e disciplinado pela EC 32/2001 e iv) controle do devido processo legislativo, compreendendo a maneira de apreciação das Casas Legislativas relativa às medidas provisórias;  (FERREIRA, Rhodie André. 2014, p.61, grifo nosso) 

  Assim, além da análise material, é sim possível haver controle dos seus pressupostos. Sabe-se que os requisitos de relevância e urgência são atos discricionários do Presidente da república. Ocorre, que, como salienta José Tiago Chesine Góis (2002, p.1), o Supremo Tribunal Federal admite o controle abstrato de constitucionalidade dos pressupostos da medida provisória, porém, apenas quando estar-se-á tratando da “hipótese de excesso do poder de legislar, face ao abuso manifesto do juízo discricionário de oportunidade do Presidente da República.

Citado por José Thiago Chesine Góis (2002), ressalta-se a posição do Ministro José Celso de Mello Filho sobre a questão:

O reconhecimento de imunidade jurisdicional, que pré-excluísse de apreciação judicial o exame de tais pressupostos – caso admitido fosse – implicaria consagrar, de modo inaceitável, em favor do Presidente da República, uma ilimitada expansão de seu poder para editar medidas provisórias, sem qualquer possibilidade de controle, o que se revelaria incompatível com o nosso sistema constitucional ( MELLO FILHO, José Celso de Mello Filho.1990. p. 206)

 Neste raciocínio, encaminha-se uma importante discussão. De fato, as medidas provisórias são institutos constitucionais importantes, sua finalidade teórica é sem dúvidas louvável. Sucede-se que, por vezes, seu uso é merecedor também de críticas. Seja pelo uso em demasia ou pela falta de clareza e consonância aos seus pressupostos quando colocados em prática.  

Nessa perspectiva Adriano Santos Oliveira (s.d) reverbera:  

Apesar da discricionariedade existente na apreciação dos pressupostos constitucionais, ela não é e não deve ser ilimitada, ficando ao bel prazer do administrador, porque, caso contrário, estar-se-á desnaturando o sentido constitucional do instituto da MP, colocando-se à disposição do chefe do Executivo um poder autoritário e arbitrárioO Presidente da República ao editar medidas de urgência despidas de suas formalidades constitucionais, tomando arbitrariamente para si a atribuição legiferante, viola princípio basilar da Constituição, qual seja, a separação dos poderes (CF/88, arts.. 2º e 60, § 4º, III). (OLIVEIRA, Adriano Santos. S.d. Grifo Nosso)

 Desse modo, é imperioso refletir sobre os impactos do uso e também dos limites das medidas provisórias. Os requisitos de relevância e urgência são os pressupostos habilitadores para sua edição. Ora, se estes fossem ilimitados o princípio da separação dos poderes estará sendo diretamente ferido, pois fora conferido ao Presidente da República, editar tal medida que contém força de lei, sob aspectos delimitados constitucionalmente, ainda que a Constituição não traga seus conceitos nítidos.

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Assim, Rhodie André Ferreira (2014) salienta atentamente que :

boa parte da polêmica sobre seu uso deriva da situação ambígua, dadas essas limitações impostas a seu uso, sejam expressas, sejam lógicas, temos um pressuposto de habilitação de caráter estritamente de conveniência política, numa análise preliminar, e justamente aqui que está a possibilidade do abuso. (FERREIRA, Rhodié André. 2014, p.47)

Como frisa Adriano Santos Oliveira (s.d) é de suma importância frisar que não o uso da atribuição atípica do Poder Executivo através das medidas provisórias que coloca em risco o Princípio da Separação dos Poderes. Isso só acontece, no momento em que esse instituto é utilizado de forma abusiva e não é prestada observância aos pressupostos constitucionais de relevância e urgência. 

Desse modo, é essencial o asseguramento e o devido controle de eventuais abusos do instituto da medida provisória, que reconhecidamente possui um papel importante. Não se pode olvidar o cumprimento racional e coerente de seus pressupostos habilitadores, pois dessa forma garantir-se-á igualmente o equilíbrio institucional dos Poderes, permitindo assim que se faça presente o princípio constitucional da separação dos poderes.

Seja pelo controle repressivo das Casas do Congresso Nacional ou pelo contrle pela Suprema Corte Brasileira, o controle das medidas provisórias encontram-se nitidamente como meio de equilíbrio necessário para a manutenção e respeito do princício da Separação dos Poderes.

 

Conclusão

O instituto da medida provisória é legitimamente constitucional e assim fora consagrado pela Assembleia Constituinte de 1988. Seus pressupostos habilitadores de relevância e urgência são honráveis e buscam garantir a celeridade diante de fatos urgentes.

O status de legislador conferido ao Poder Executivo de forma extraordinária, torna o Presidente da República o competente para a sua edição. Este deve observar as limitações que lhe foram impostas para atuar de forma atípica. 

Por possuir força de lei e ser uma norma de dever ser, é plenamente possível o controle de constitucionalidade concentrado. O cenário da Suprema Corte Brasileira coaduna-se com essa premissa e vem demonstrando ainda, a possibilidade de controle não apenas no tocante a compatibilidade material frente à constituição, mas também da análise dos pressupostos de relevância e urgência em casos excepcionais referentes ao abuso do poder de legislar. 

Por fim, reconhece-se através da análise a que se propôs este trabalho, que os limites da utilização e de coerente seguimento dos pressupostos das medidas provisórias, trata-se acima de tudo, do respeito ao princípio da separação dos poderes e, por conseguinte do Estado Democrático de Direito. 

 

Referências:

Agra, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional.– 9. ed. Belo Horizonte : Fórum, 2018

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 24 out. 2018. 

FERREIRA, Rhodie André. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE MEDIDAS PROVISÓRIAS: POSSIBILIDADES DE EFETIVAÇÃO POLÍTICO-JURÍDICAS NO BRASIL. Brasília, 2014. Disponível em:<http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/1621/Monografia_Rhodie%20Andre%20Ferreira.pdf?sequence=1&isAllowed=y> Acesso em 23.out. 2018. 

GÓIS, José Tiago Chesine. Controle abstrato de constitucionalidade via ação direta genérica quanto aos requisitos fixados no art. 62 da Constituição FederalRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7n. 541 fev. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2675>. Acesso em: 23 out. 2018. 

MELLO FILHO, José Celso de. Considerações sobre medidas provisóriasRevista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n.33, jun. 1990.

Moraes, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de Moraes. - 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2003. 

OLIVEIRA, Adriano Santos. OS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DA MEDIDA PROVISÓRIA E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. Sem Data. Disponível em: <http://nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/documentos/artigos/6fa51e777d4061d2a920ae322ac4e5cb.pdf> Acesso em23. Out.2018 

ROCHA, Cibele de Fátima Morais. MEDIDA PROVISÓRIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A NECESSIDADE DE SUA LIMITAÇÃO. Brasília. 2008 

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Medidas provisórias: instrumento de governabilidade. São Paulo: NDJ, 2003. 

Sobre a autora
Morgana Gomes de Carvalho

Advogada. Graduada em Direito pelo Instituto De Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho. Pós-graduada em Direito e Processo Constitucional pela Escola Superior de Advocacia do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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