Remessa Necessária no NCPC

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O texto traz um estudo sobre o instituto da Remessa Necessária no NCPC, apontando a sua origem, aplicação e procedimento.

1. Histórico Legislativo

 

O instituto da Remessa Necessária, também é conhecido como duplo grau de jurisdição obrigatório, ou remessa ex offício, tem sua origem no Direito Português vinculado ao processo penal, onde era aplicado nos casos de condenação à pena de morte, nessa época era chamado de recurso de ofício”.

Passado esse período, este instituto se fez novamente presente no direito brasileiro em legislações esparsas, estabelecendo várias situações em que o juiz era obrigado a apelar de suas próprias decisões, até que se criou a hipótese de que caberia ao juiz se valer desse mecanismo quando proferisse decisões em desfavor da Fazenda Nacional.[1]

Com o advento do CPC/39, foi prevista a figura da apelação necessária ou ex officio, em casos de sentenças de nulidade de casamento, das homologatórias de desquite amigável e das proferidas contra a União, Estados e Municípios.

Já o CPC/73 dispunha no art. 475, em sua redação originária, que estaria sujeito ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal as sentenças que anulassem casamentos, que fossem proferidas contra a União, o Estado e o Município, ou que julgassem improcedente a execução de divida ativa da Fazenda Pública.

Tal redação sofreu alteração pela lei 10.352/01 que acabou suprimindo a hipótese referente ao casamento, e fez algumas adequações na redação do caput e ainda incluiu três parágrafos com exceções a tais regras.

Por fim chega-se ao NCPC (lei 13.105/15) que trata deste assunto em seu artigo 496, de forma semelhante com o que tivemos no código anterior, mas com novas exceções e adotando a nomenclatura de Remessa Necessária.

 

 

2. Natureza Jurídica

 

Conforme supramencionado, a Remessa Necessária já possuiu diversas previsões legais e nomenclaturas, o que obviamente acarretou em várias interpretações na doutrina quanto à sua natureza jurídica.

Parte minoritária da doutrina (Araken de Assis) entende que a natureza jurídica deste instituto é recursal, porém tal entendimento atualmente é combatido pela ausência de uma característica inerente dos recursos que é a voluntariedade.

Afim de afastar de vez a tese da natureza recursal, o legislador do CPC/73 passou a inserir tal instituto dentro do tema da Coisa Julgada, sendo que tal posicionamento foi mantido no NCPC.

A partir daí se fortaleceu a tese que é a mais aceita atualmente, de que na verdade a Remessa Necessária não é um recurso, mas sim uma condição de eficácia da sentença, ou seja, essas sentenças não transitariam em julgado até que houvesse a devida Remessa Necessária.

 

3. Hipóteses de Cabimento de Remessa Necessária

3.1 Sentença contra a Fazenda Pública

 

                                   Umas das mais famosas hipóteses de cabimento deste instituto e que se manteve inalterada com o advento do NCPC foi a previsão do art. 496, inciso I, onde é cabível a Remessa Necessária nos casos de sentenças de mérito proferidas contra a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e as suas respectivas autarquias e fundações públicas.

Tal inciso deixa bem claro que não se incluem no conceito de Fazenda Pública para fins de Remessa Necessária os entes da administração indireta de natureza jurídica privada, ou seja, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.

Ao se analisar tal dispositivo legal é importante ressaltar que somente há Remessa Necessária em face de sentenças, ou seja, não sendo cabível aplica-las em face de decisões interlocutórias, despachos ou acórdãos. Neste sentido reafirma Freddie Didier e Leonardo Cunha:

Só há, em regra, Remessa Necessária de sentença. Decisão concessiva de tutela provisória não se submete à Remessa Necessária. Também não há Remessa Necessária em relação a acórdãos. Um julgado originário de um tribunal não se submete à Remessa Necessária.[2]

 

A aplicação da regra da Remessa Necessária também deve ser entendida de forma ampla, assim, analisado teor da sentença e verificado algum tipo de sucumbência, mesmo que parcial da Fazenda Pública, ali deverá ser aplicada a Remessa Necessária.

Neste sentido temos o entendimento sumulado do STJ que está de acordo com o regramento do NCPC:

Súmula 325 STJ - A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado.

 

Outro ponto que é muito debatido, e se caberia a incidência de Remessa Necessária em sentenças em que a Fazenda Pública for autora e que a decisão for de extinção do feito sem resolução do mérito.

A prima facie poderia se defender a aplicação da Remessa Necessária, já que seguindo o texto legal temos uma sentença contra a Fazenda Pública, porém não é este o entendimento do STJ, que admite a incidência do instituto apenas nos casos de sentenças que julguem o mérito, vejamos entendimento firmado ainda sob a égide do CPC/73, mas que não possui superação pelo NCPC:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. REEXAME NECESSÁRIO. INAPLICABILIDADE. 1. A teor da jurisprudência desta Corte, não está sujeita ao reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, a sentença que extingue o processo sem julgamento de mérito. Precedentes: AgRg no AREsp 335.868/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9/12/2013; REsp 927.624/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 20/10/2008. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 601.881/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 24/09/2015)

 

Não obstante a isso encontramos na doutrina autores que defendem o contrário, se baseando na necessidade de proteção completa dos interesses do Estado, neste sentido expõe Guilherme Freire de Melo Barros:

Embora não faça coisa julgada material, a prolação de sentença terminativa pode, sim , ser “contrária” ao Estado. Imagine-se processo movido pelo Estado em face de particular para tutela do patrimônio público que, após longa e morosa marcha processual, tem como resultado, absolutamente equivocado, a extinção sem resolução do mérito. Os interesses do Estado no caso concreto não foram tutelados adequadamente – o que pode ser corrigido através do reexame.[3]

 

3.2 Procedência de embargos à execução fiscal

 

O art. 496, inciso II, do NCPC manteve a previsão do art. 475, II do CPC/73, que estabelece a necessidade de Remessa Necessária nos casos em que forem julgados procedentes os embargos a execução nas ações de execução fiscal.

A partir daí gerou-se um questionamento se seria cabível ou não o a Remessa Necessária em casos de embargos à execução em causas não-fiscais, já que há quem defenda que tal hipótese segue a regra do art. 496, I do NCPC, que possuía uma natureza de cláusula geral, enquanto outros entendem que tal aplicação não é possível tendo em vista a própria existência do inciso II do art. 496 do NCPC.

Como esse debate já havia sido travado perante a vigência do CPC/73 que possui redação semelhante, o STJ já se manifestou sobre o tema, pelo qual permanece inalterado com o advento do NCPC:

 

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. NÃO CABIMENTO DE REEXAME NECESSÁRIO. 1. Nos termos do art. 475, II, do CPC, é cabível reexame necessário quando se tratar de embargos propostos em execução de dívida ativa. 2. Não cabe recurso de ofício contra a sentença proferida em embargos à execução de título judicial. Precedentes. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1467426/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 18/03/2015)

 

PROCESSO CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL - REEXAME NECESSÁRIO - DESCABIMENTO - ARTS. 475, II, CPC - PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, consoante diversos precedentes da Corte Especial, firmou entendimento no sentido de que o reexame necessário em processo de execução limita-se à hipótese de procedência dos embargos opostos em execução de dívida ativa, sendo incabível nos demais casos de embargos do devedor. 2. Recurso especial provido. (REsp 1.131.341⁄PE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 1⁄10⁄2009, DJe 14⁄10⁄2009)

 

Desta forma resta comprovada a posição mais restritiva do STJ quanto a aplicação da Remessa Necessária, evitando-se a aplicação da regra do inciso I do Art. 496, para os casos de ações não fiscais.

 

3.3 Remessa Necessária nos Casos de Ação Civil Pública e de Ação de improbidade Pública.

 

Saindo agora das previsões do NCPC, e pertinente destacar que no texto da lei de Ação Civil Pública (lei 7347/85), não há a previsão expressa do instituto da Remessa Necessária, porém ao ser provocado, o STJ se manifestou positivamente sobre o tema, admitindo a aplicação analógica deste instituto.

Tal entendimento foi divulgado no informativo de jurisprudência do STJ de n. 395, vejamos:

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA NECESSÁRIA. Na ausência de dispositivo sobre remessa oficial na Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/1985), busca-se norma de integração dentro do microssistema da tutela coletiva, aplicando-se, por analogia, o art. 19 da Lei n. 4.717/1965. Embora essa lei refira-se à ação popular, tem sua aplicação nas ações civis públicas, devido a serem assemelhadas as funções a que se destinam (a proteção do patrimônio público e do microssistema processual da tutela coletiva), de maneira que as sentenças de improcedência devem sujeitar-se indistintamente à Remessa Necessária. De tal sorte, a sentença de improcedência, quando proposta a ação pelo ente de Direito Público lesado, reclama incidência do art. 475 do CPC, sujeitando-se ao duplo grau obrigatório de jurisdição. Ocorre o mesmo quando a ação for proposta pelo Ministério Público ou pelas associações, incidindo, dessa feita, a regra do art. 19 da Lei da Ação Popular, uma vez que, por agirem os legitimados em defesa do patrimônio público, é possível entender que a sentença, na hipótese, foi proferida contra a União, estado ou município, mesmo que tais entes tenham contestado o pedido inicial. Com esse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso do Ministério Público, concluindo ser indispensável o reexame da sentença que concluir pela improcedência ou carência da ação civil pública de reparação de danos ao erário, independentemente do valor dado à causa ou mesmo da condenação. REsp 1.108.542-SC, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 19/5/2009.

 

 

Já no que tange à lei de improbidade administrativa, o STJ vacila sobre o tema, porém tem atualmente se pautado por uma tendência mais restritiva, não permitindo tal aplicação analógica da Remessa Necessária conforme pode-se observar no informativo de jurisprudência 546, in verbis:

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A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade administrativa não está sujeita ao reexame necessário previsto no art. 19 da Lei de Ação Popular (Lei 4.717/1965). Isso porque essa espécie de ação segue um rito próprio e tem objeto específico, disciplinado na Lei 8.429/1992, não cabendo, neste caso, analogia, paralelismo ou outra forma de interpretação, para importar instituto criado em lei diversa. A ausência de previsão da remessa de ofício, na hipótese em análise, não pode ser vista como uma lacuna da Lei de Improbidade que precisa ser preenchida, mormente por ser o reexame necessário instrumento de exceção no sistema processual, devendo, portanto, ser interpretado restritivamente. REsp 1.220.667-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 4/9/2014.

 

 

3.4 Remessa Necessária no Mandado de Segurança

 

A lei 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança) em seu art. 14, §1º criou mais uma hipótese de Remessa Necessária em nosso ordenamento jurídico ao estabelecer que esta seria obrigatória nos casos de concessão de segurança.[4]

Uma peculiaridade desse artigo está no fato que a sentença que conceder segurança poderá ser em desfavor de ente privado, já que segundo parágrafo 1º do art. 1º desta lei, elenca um rol de equiparados à autoridades públicas, vejamos:

 
§ 1o  Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. 

 

Sendo assim, em sede de mandado de segurança a Remessa Necessária está vinculada unicamente a concessão de segurança e não propriamente pela presença da Fazenda Pública no polo passivo, pois como visto há possibilidade de pessoas de direito privado sejam consideradas autoridades coatoras no mandamus.

Neste mesmo sentido ressalta Freddie Didier e Leonardo Cunha:

Perceba a diferença: numa demanda de procedimento comum, não há Remessa Necessária de sentença proferida contra um ente privado, mas no mandado de segurança, proferida sentença de procedência, independentemente da condição da parte demandada, haverá Remessa Necessária.[5]

 

Outro tema que é questionado é sobre a possibilidade de se aplicar as hipóteses de dispensa da Remessa Necessária constantes no código processual ao Mandado de Segurança. Sobre este tema o STJ também já se manifestou, perante a vigência do CPC/73, sendo que tal entendimento é perfeitamente aplicável ao NCPC[6], vejamos:


PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA DO § 2° DO ART. 475 DO CPC. (...) 3. A jurisprudência prevalecente no STJ é no sentido de que não se aplica ao Mandado de Segurança a regra do art. 475, § 2°, do CPC, por força de previsão específica na lei que disciplina o rito dessa Ação Constitucional (art. 12, parágrafo único, da revogada Lei 1.533/1951 e art. 14, § 1°, da Lei 12.016/2009) (EREsp 687.216/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, DJe 4/8/2008; REsp 1.274.066/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 9/12/2011; REsp 1.047.540/MT, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14/8/2008). 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg nos EDcl no AREsp 302.656/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 16/09/2013)

 

Por fim é importante ressaltar o entendimento exarado pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis em seu enunciado 312[7] que entendeu ser cabível a aplicação da dispensa da Remessa Necessária em Mandados de Segurança, quando a sentença estiver de acordo com a orientação vinculante firmada no âmbito administrativo, hipótese esta prevista no art. 496, § 4º, VI do NCPC.

Como será estudado à frente, essa é uma novidade trazida pelo NCPC, e por conta disso, e por se basear em entendimento interno do ente público, nada mais razoável do que a aplicação de tal dispensa, evitando-se assim um delongar desnecessário de um mandamus em que o próprio interessado (Fazenda Pública), já se conformou com o resultado.

 

4. Hipóteses de dispensa da Remessa Necessária

Uma das maiores mudanças sobre o tema, além da nomenclatura utilizada, é com certeza no que tange às hipóteses em que o NCPC dispensou a Remessa Necessária, mantiveram-se aqui as restrições quantitativas e qualitativas, porém dessa vez o tema foi mais detalhado conforme veremos a seguir:

 

4.1 Dispensa à Remessa Necessária – Restrição quantitativa

Nos termos do art. 475, §2º do CPC73 sempre que a condenação, o direito controvertido, ou nos casos de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa, não fossem acima de 60 (sessenta) salários mínimos era dispensada a Remessa Necessária.

Já com o NCPC, esta restrição quantitativa mudou drasticamente, conforme pode-se depreender da leitura do art. 496, §3º que de imediato já dispõe que não se aplica a Remessa Necessária quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido[8] inferior aos valores pré-determinados em uma verdadeira tabela regressiva, de acordo com o ente federativo que esteja demandando naqueles autos, vejamos:

 

Dispensa de Remessa Necessária conforme art.  496, §3º

Condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

Ente Federativo

1000 salários mínimos

- União e suas respectivas Autarquias e Fundações de Direito Público

500 salários mínimos

- Estados e suas respectivas Autarquias e Fundações de Direito Público

- Distrito Federal e suas respectivas Autarquias e Fundações de Direito Público

- Municípios que Constituam capitais dos Estados

100 salários mínimos

- Demais Municípios e suas respectivas Autarquias e Fundações de Direito Público.

 

A partir desta tabela pode-se chegar a conclusão de que o legislador processualista apesar de não ter se rendido às vozes doutrinárias que pediam pelo fim deste instituto[9], acabou ampliando as hipóteses de dispensa, restringindo mais ainda sua aplicação.

Com esta mudança, quem mais sentirá os efeitos desta nova redação será a União, suas autarquias e fundações de direito público, que antes eram agraciadas com a dispensa de Remessa Necessária em causas inferiores à 60 salários mínimos e agora verão esse limite saltar para os expressivos 1000 salários mínimos.[10]

Também chama atenção ao tratamento dado pelo legislador aos Estados, Distrito Federal, e Municípios que são capitais de Estados, aqui foi reconhecido que o valor de 60 salários mínimos indicado pelo CPC73 era também baixo, e a partir daí aplicando-se certa razoabilidade e proporcionalidade, ponderando-se com o valor estabelecido para a União, se aumentou tal limite para 500 salários mínimos.

Parabeniza-se tal medida pois reconhece a diferença das condições financeiras e de estrutura dos Estados, DF com a União, e por arrastamento os municípios que são capitais de Estado entraram nesse mesmo patamar tendo em vista as suas peculiaridades, que em muito mais se equiparam aos Estados e DF, do que aos demais municípios.[11]

E por fim, temos que mesmo os demais municípios do país sentirão os reflexos do NCPC que vislumbrou que até nesses casos era necessária uma alteração quanto ao limite de dispensa, passando assim de 60 salários mínimos para 100 salários mínimos.[12]

 

4.1.1 Autarquias e Fundações de Direito Público dos municípios que são capitais de Estado.

A partir da leitura do inciso II do parágrafo 3º do referido artigo, verifica-se que o legislador é omisso no que tange as autarquias e fundações de direito público dos municípios capitais de Estado.

Tal omissão não deve ser entendida como uma exclusão, até mesmo porque não haveria razão lógica para isso, e para que houvesse tal exclusão, deveria ter o legislador remetido tais entes ao rol do inciso subsequente que trata dos demais municípios, porém assim não o fez, limitando-se a estabelecer que a restrição até 100 salários mínimos era também aplicável aos seus respectivos entes da administração indireta de direito público.

Sendo assim, e totalmente cabível uma interpretação que venha estender a aplicação do inciso II (500 salários Mínimos), às autarquias e fundações de direito público dos municípios capitais de Estado.

4.2 Dispensa à Remessa Necessária – Restrição qualitativa

Seguindo o modelo já previsto no CPC73, o legislador processualista também manteve as limitações ao uso da Remessa Necessária de acordo com o entendimento consolidado em tribunais superiores, porém desta vez de forma muito mais aprofundada e seguindo os ditames da nova sistemática de precedentes adotada no NCPC, chegando a privilegiar até mesmo entendimentos administrativos, vejamos:

4.2.1 – Súmula de Tribunal Superior

Esta é a primeira hipótese trazida pelo art. 496, parágrafo 4º, sendo que neste ponto, tem-se a mera repetição do texto do parágrafo 3º do art. 475 do CPC/73, o qual já previa que em casos das sentenças estivessem de acordo com entendimento já sumulado por tribunal superior, haveria assim tal dispensa.

A intenção aqui é fortalecer os precedentes já definidos em enunciados de súmula, criando assim uma técnica mais coesa que evitaria desnecessários debates sobre temas pacificados pelas Cortes Superiores.

4.2.2. – Acórdão proferido pelo STF ou STJ em julgamento de Recursos Repetitivos

A primeira diferença significativa nesse ponto encontra-se nessa alínea, que invoca a importância dos acórdãos proferidos pelo STF e STJ quando seguirem o rito do julgamento de recursos repetitivos, o qual foi disciplinado pelos arts. 1036/1041 do NCPC.

Será seguido este rito toda vez em que houver multiplicidade de Recursos Extraordinários (STF) ou Especiais (STJ) com fundamentos idênticos quanto a questão de direito.

 

4.2.3 – Entendimento firmado em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ou Assunção de Competência

Tem-se aqui mais uma novidade na restrição à Remessa Necessária, desta vez, o legislador pautando mais uma vez na força dos precedentes judiciais, à fim de se evitar fases desnecessárias nos autos, elencou a restrição no caso de entendimentos firmados em sede de Incidente de Demandas Repetitivas, e também nos casos de Assunção de competência.

O Incidente de Resolução de demandas repetitivas, o IRDR, como tem sido chamado pela doutrina, possui previsão nos art. 976/987, e será aplicado em casos onde houver simultaneamente efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão e esta seja unicamente de direito e risco de ofensa a isonomia e à segurança jurídica.

Já a Assunção de Competência está prevista no art. 947 do NCPC é cabível todas as vezes em que o julgamento de recurso, de Remessa Necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

 

4.2.4 – Entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Por fim o legislador processualista acrescentou dentre as hipóteses de restrição qualitativas de Remessa Necessária os casos em que a sentença proferida estiver de acordo com orientação vinculante proferida administrativamente pelo próprio ente público e consolidada em meio de ato próprio como manifestação, parecer ou súmula administrativa.

É de notório conhecimento que os entes públicos atualmente visam otimizar seus trabalhos e principalmente por iniciativas das suas próprias procuradorias, firmam teses e orientações aos seus procuradores sobre como devem agir em determinados casos, sejam eles judicionalizados ou administrativos.

Aproveitando essa iniciativa administrativa, nada mais inteligente do que senão evitar a Remessa Necessária para casos em que a própria Administração já se manifestou internamente que

Assim, caberá à Administração Pública criar mecanismos pelos quais venha dar ciência aos tutelados, bem como ao judiciários sobre seus entendimentos administrativos, a fim de que se possa operacionalizar de forma concreta tal previsão legal, sendo que a forma sugerida pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis foi a de que tais informações sejam disponíveis na internet.[13]

4.3 Remessa Necessária e a Sentença arbitral

 

A lei 9307/96 que trata da Arbitragem no Brasil foi recentemente alterada pela lei 13.129/15, que dentre outras mudanças, incluiu o parágrafo 1º ao artigo 1º, estabelecendo a possibilidade da Administração Pública direta e indireta utilizar da arbitragem para a solução de conflitos, vejamos:

§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

 

A partir dai pode-se chegar ao questionamento da possibilidade de aplicação ou não da Remessa Necessária nesse sistema, sendo que tal possibilidade e completamente afastada pelo fato de inexistirem instâncias no sistema arbitral, e além disso não seria possível remeter tais casos ao judiciário, pois ofenderia assim toda essência da alteração legislativa.

Neste sentido temos o enunciado 164 do  Fórum Permanente de Processualistas Civis:

A sentença arbitral contra a Fazenda Pública não está sujeita à remessa necessária.

 

 

 4.4 Não cabimento de Remessa Necessária nos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública

 

Buscando dar uma maior efetividade a prestação jurisdicional e baseados nos princípios da oralidade, simplicidade, economia processual dentre outros, foram criados os Juizados de Pequenas Causas na década de 80 pela lei 7244/84 e que após a lei 9099/95 passaram a se chamar Juizados Especiais.

O sucesso foi tão grande que o legislador verificou a necessidade de incluir a Fazenda Pública neste sistema, e iniciou com a EC22/99 que criou tal possibilidade para a Justiça Federal, matéria esta que foi regulamentada pela lei 10.259/01 e posteriormente tal sistema foi ampliado para os Estados e Municípios com o advento da lei 12.153/09 que criou os Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Tanto na legislação que trata dos Juizados Federais (art. 13 da lei 10.259/01), quanto na dos Juizados da Fazenda Pública (art. 11 da lei 12.153/09), o legislador entendeu que não era cabível o instituto da Remessa Necessária nestes sistemas.

Tal dispensa está justificada no fato de que o sistema dos juizados busca uma maior rapidez na solução das demandas, o que poderia ser afetado se nesse casos que envolvem pequenas demandas a validade de uma sentença contra a Fazenda Pública dependesse da convalidação das Turmas Julgadoras.

Além disso, a competência desses juizados para causas até o limite de 60 salários mínimos é absoluta, e esse é o mesmo valor pelo qual o art. 475 do CPC/73 estabelecia como limite para dispensa de Remessa Necessária em uma causa que tramitasse em uma vara comum, assim, nada mais obvio do que estender tal regra a este sistema, evitando-se assim incongruências lógicas na legislação processual.

 

5. Procedimento

O procedimento a ser adotado deverá seguir os ditames do §1º do art. 496 do NCPC que estabelece que nas hipóteses de Remessa Necessária, não sendo interposta a apelação no prazo legal deverá o juiz expressamente ordenar o envio destes autos ao tribunal onde está vinculado.

Existindo nos autos apelação o juiz procederá normalmente o seu procedimento, e depois remeterá os autos ao Tribunal o qual julgará em conjunto tanto o recurso manejado quanto a Remessa Necessária. Vale ressaltar que conforme estabelece o enunciado 432 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, a interposição de apelação parcial não impede a remessa necessária.

Caso o magistrado não proceda tal remessa poderão as partes ou até mesmo o presidente do Tribunal de ofício solicitar a avocação dos autos, que depois seguirá as regras estabelecidas em regimento interno de cada tribunal seguindo o rito básico da apelação.

Por estar completamente em sintonia com o NCPC, se mantém vivo o entendimento da súmula 253 do STJ que estabelece a possibilidade do relator decidir monocraticamente a Remessa Necessária nos casos previstos pelo art. 932, IV e V,[14] (que fazem referência ao art. 557 do CPC/73):

Outra característica importante desse procedimento é de que ao proferir seu julgamento na Remessa Necessária não é cabível ao Tribunal proceder a reformatio in pejus, conforme se depreende da súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação interposta à fazenda pública.”

Tal proibição se faz necessária tendo em vista o caráter protetivo estabelecido a Fazenda Pública nesses casos, não sendo possível que tal prerrogativa tome efeito contrário, assim como expõe Marinoni:

Por fim, importa ter presente que o reexame necessário, exatamente pelo fato de que é instituído para preservar a esfera jurídica da parte vencida, não pode gerar a piora de sua situação, ou até mesmo o seu agravamento.[15]

 

 

E por fim é importante ressaltar que o NCPC seguiu o entendimento consolidado na súmula 390 do STJ, onde era proibido o manejo de embargos infringentes nas decisões por maioria em reexame necessário. Com a substituição dos embargos infringentes pela técnica de ampliação do colegiado estabelecido do art. 942, no NCPC, o legislador processual tratou de ser taxativo ao vedar a sua utilização à Remessa Necessária, o fazendo no art. 942, §4º, II, vejamos:


 

Art. 942.  Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

(...)

§ 4o Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:

(...)

II - da remessa necessária;

 

6. Direito intertemporal

A lei 13.105/15, NCPC, foi publicada no dia 17 de março de 2015, e segundo o seu art. 1045[16], a mesma possui uma vacatio legis de 1 ano, sendo assim entrará em vigor no dia 18 de março.[17]

Diante disso restou necessário fazer uma ponderação entre os textos dos artigos 14[18] e 1046[19] quanto a aplicação imediata do novo procedimento assim que a norma entrasse em vigor, ressalvado as situações jurídicas já consolidadas, evitando-se assim questionamentos e dúvidas nessa fase de transição.

Atentos a essa problemática o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou enunciado 311 que estabelece que “a regra as ser seguida quanto à Remessa Necessária é aquelas vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização dos autos eletrônicos da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica os reexames estabelecidos no regime do art. 475 do CPC de 1973.”

 

BIBLIOGRAFIA

 

ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos – 3a ed. Rev. atual. e ampl. de acordocom as leis 12.016/2009 e 12.322/2010. – São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2011

BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo . 3ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2013.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

CUNHA, Leonardo Carneiro. In Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015

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MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado: Com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

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Sobre o autor
Nayron Divino Toledo Malheiros

Advogado, Mestrando em Direito Constitucional Econômico pela UNIALFA, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UCAM, Professor de Direito Processual Civil e Consumidor da UNIP e em Cursos Preparatórios, Ex-Diretor Jurídico do Procon Goiânia, Ex-Assessor da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Membro da ABDPRO (Associação Brasileira de Direito Processual).

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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