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Princípios da boa-fé objetiva e transparência contratual em vista do serviço de internet banda larga no Brasil: O posicionamento do judiciário em decorrência da não observância da velocidade contratada

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16/03/2019 às 11:10
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2 POSICIONAMENTO DO JUDICIÁRIO DIANTE POSSÍVEL LESÃO AO CONSUMIDOR 

Diante dos casos de lesão ao consumidor, em decorrência da não observância dos princípios da boa-fé e transparência contratual tem levado cada vez mais usuários ao judiciário, afim que este efetive seus direitos diante da má-fé do fornecedor.

Pensando nisso, Neitsch[19] afirma que:

O direito do consumidor é o principal motivo de ações na Justiça. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2015, 22% das ações na Justiça se referiam à matéria. Ao mesmo tempo em que possui uma legislação de proteção de direito do consumidor considerada das mais avançadas do mundo, o Brasil tem o desafio de encontrar alternativas para o excesso de ações ajuizadas por consumidores.

De fato, as questões de consumo movimentam cada vez mais o judiciário, pois este é a via mais óbvia para o cliente insatisfeito com o serviço contratado, assegurar seus direitos.  Os usuários do serviço de internet banda larga, por sua vez, demonstram grande insatisfação com as cláusulas do contrato, basta ver que os fornecedores dificilmente entregam a qualidade e os percentuais acordados.

Segundo Alves[20], quando o consumidor contrata determinado serviço é esperado que este receba os produtos nos exatos termos de suas vontades ou necessidades quantitativas, fica a cargo da existência de uma razão legítima que justifique tal restrição por parte do fornecedor. No serviço de banda larga, em geral, a internet que chega na casa do consumidor é muito inferior ao que o fornecedor possa garantir.

Um exemplo claro é a decisão do poder judiciário do Estado do Rio de Janeiro[21], visando que de fato o fornecedor de internet banda larga apenas disponibilizava menos de 50% da velocidade pactuada. Logo, o usuário que devia receber pelo menos 80% de 5 megas bytes de velocidade, recebia apenas 2 megas bytes, não sendo oferecido abate no valor da tarifa do serviço.

Em outro caso, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[22], entende que a não observância da taxa de internet, que consta no contrato não apenas fere o princípio da boa-fé como também o princípio da confiança.

Por outro lado, a falta de informação sobre o produto ou serviço na observância das cláusulas contratuais por parte do fornecedor, geram lesão ao princípio da transparência contratual, basta ver que priva o consumidor de seus direitos e informações técnicas do serviço de internet banda larga.

Em vista disto, vale observar o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal[23], que determinou:

TJ-DF - AÇÃO CÍ­VEL DO JUIZADO ESPECIAL: ACJ 553935720088070001 DF 0055393-57.2008.807.0001. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE INTERNET BANDA LARGA 3G. TARIFA DE DESLOCAMENTO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES NO CONTRATO. COBRANÇA INDEVIDA. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. 1. O CONSUMIDOR TEM DIREITO À INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA DAS CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DE PRODUTOS E SERVIÇOS QUE VENHA A CONTRATAR OU ADQUIRIR, A FIM DE QUE POSSA SABER EXATAMENTE O QUE DELES PODERÁ ESPERAR (ART. 6º, III E 31 DO CODECOM). 2. NÃO SE RECONHECE LEGÍTIMA A COBRANÇA DE TARIFA DE DESLOCAMENTO PELO USO DE INTERNET BANDA LARGA 3G, SE TAL PARCELA NÃO ESTÁ PREVISTA NO CONTRATO, NEM FOI INFORMADA À CONSUMIDORA. 3. O IDEAL DE TRANSPARÊNCIA É CONDIÇÃO PARA QUE O HIPOSSUFICIENTE POSSA MANIFESTAR SEM MEDO E LIVREMENTE SUA VONTADE, CONCRETIZANDO AS EXPECTATIVAS LEGÍTIMAS SOBRE O SERVIÇO OU PRODUTO QUE ESTÁ ADQUIRINDO. 4. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

O julgador deixa claro que o consumidor tem direito às informações claras e adequadas das características do serviço que venha a contratar, a fim de que, possa saber exatamente o que dele poderá esperar, fazendo referência diretamente ao inciso III do artigo 6º do CDC. Tal julgado se baseia no princípio da transparência contratual, tendo em vista que a consumidora não foi informada da parcela a mais que lhe foi cobrada. A observância do princípio possibilitaria a consumidora na condição de hipossuficiente, meios para que ela pudesse se manifestar sem medo e livremente sua vontade, desde que, tenha pleno conhecimento das cláusulas do contrato.

Outra ação cível também julgada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal[24], decorrente da cobrança de tarifa não prevista no contrato de internet banda larga, o juiz entendeu que:

TJ-DF - AÇÃO CÍ­VEL DO JUIZADO ESPECIAL: ACJ 1100590820088070001 DF 0110059-08.2008.807.0001. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE INTERNET BANDA LARGA 3G. TARIFA DE DESLOCAMENTO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES NO CONTRATO. COBRANÇA INDEVIDA. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. I. O consumidor tem direito à informação clara e adequada das características essenciais de produtos e serviços que venha a contratar ou adquirir, a fim de que possa saber exatamente o que deles poderá esperar (arts+. 6º, iii c/c 31 do cdc). II. Não se reconhece legítima a cobrança de tarifa de deslocamento pelo uso de internet banda larga 3g, se a cobrança de tal parcela não foi informada ao consumidor. III. O ideal de transparência é condição para que o hipossuficiente possa manifestar sem medo e livremente sua vontade, a concretizar as expectativas legítimas sobre o serviço ou produto que adquiriu. Precedente (20080110553933acj, relator Sandoval Oliveira, primeira turma recursal dos juizados especiais cíveis e criminais do D.F., julgado em 02/12/2008, DJ 26/01/2009 p. 147). IV. Ademais, impor a "fidelização" para quem não está satisfeito com o serviço oferecido implica exigir uma obrigação manifestamente desproporcional, de tal ordem que a exigência, para cancelamento dos contratos, do pagamento da multa sob tal rubrica mostra-se desproporcional ao caso concreto. V. O consumidor não se pode ver obrigado a manter um vínculo jurídico negocial quando as condições não atendem os seus interesses, daí a perfeita plausibilidade de se declarar a rescisão contratual sem a cobrança da multa de fidelidade (cláusula abusiva - lei 8.078/90, art. 6º, inciso vi, c/c  arts. 14 e 51, § 1º, incisoIII). VI. Os danos morais estão consubstanciados, além da "negativação" indevida de débito, no sentimento de frustração e indignação que o fato causa àquele que busca, sem sucesso, sanar defeito apresentado em serviço de acesso à internet banda larga (a operadora telefônica garante a ínfima margem de 10% da velocidade máxima prevista para o serviço de banda larga), a ver seus direitos serem desprezados por quem, com total descaso, deixa de dar fiel cumprimento à adequada prestação de serviço(...).

Diante da decisão apresentada é notável ver que a ausência de informações no contrato de serviço da internet banda larga, a cobrança de uma tarifa não prevista no contrato e a péssima prestação do serviço geraram lesão ao consumidor, ferindo o artigo 6º inciso III do CDC. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu que, a má-fé do fornecedor, a lesão ao princípio da transparência, a péssima prestação do serviço e a negativação indevida do crédito do consumidor são sujeitos a indenização por danos morais.

Podemos ver que, os termos do contrato e a má prestação de serviço são motivos claros para que o consumidor do serviço de internet banda larga provoque o judiciário. Os termos do artigo 4º do CDC, por sua vez, são os mais violados diante da falta de ética dos fornecedores do serviço em demonstrar um serviço de qualidade e confiança.


3 PUNITIVE DAMAGES OU A TEORIA DO VALOR DO DESESTÍMULO COMO FORMA DE REPARO E PREVENÇÃO DE LITÍGIOS       

3.1 ASPECTOS DO PUNITIVE DAMAGES NO ORDENAMENTO AMERICANO                                              

O instituto Punitive Damages (danos punitivos) ou a teoria do valor desestímulo, busca a reparação dos danos morais por meio de indenizações em valor expressivamente superior ao necessário à compensação do dano, tendo em vista a dupla finalidade de prevenção e punição, sendo aplicado em casos de alta gravidade, em que a conduta do ofensor se mostra extremamente reprovável, assim entendeu o TRT-1[25].

Diante os aspectos do instituto Punitive Damages, Resedá[26] conceitua que tal teoria seria:

Um acréscimo econômico na condenação imposta ao sujeito ativo do ato ilícito, em razão da sua gravidade e reiteração que vai além do que se estipula como necessário para satisfazer o ofendido, no intuito de desestimulá-lo à prática de novos atos, além de mitigar a prática de comportamentos semelhantes por parte de potenciais ofensores, assegurando a paz social e consequente função social da responsabilidade civil.

Com isso, verifique-se que o Punitive Damages busca imputar indenização em pecúnia ao agente, que não apenas repare o dano, como também o puna, impedindo que a ação se repita, e que sirva de exemplo aos demais sujeitos em uma sociedade. Dessa forma, nota-se o caráter punitivo e preventivo do instituto, garantindo que os direitos da vítima sejam preservados e que novas condutas sejam inibidas.

A criação do instituto do Punitive Damages tem data incerta, mas acreditasse que exista desde o Código de Hamurabi (aproximadamente 1.700 anos a.C.) no antigo Egito. Contudo, apenas na Inglaterra no século XVIII por meio de seu sistema Comon Law se tem conhecimento de aplicação do instituto.  Conforme Stoco[27], a teoria do “Punitive Damages” foi aplicada a primeira vez no Júri Inglês em 1793, no caso Wilkes x Woods, o qual estabeleceu uma indenização punitiva, considerando a gravidade do fato cometido. A maioria dos relatos de aplicação do instituto na Inglaterra tinha como foco danos intencionais, ficando os ofensores obrigados a reparar, por meio de indenizações a título de “Punitive Damages”. A partir da Inglaterra a teoria “Punitive Damages” passou a ser aplicada na maioria dos países que utilizam o sistema Comon law, entre eles, os Estados Unidos que se tornou a terra fértil para aplicação do instituto.

Nos Estados Unidos, a teoria do Punitive Damages é constantemente utilizada em quase todos seus Estados, salvo os Estados de Massachusetts, Louisiana, Nebraska e Washington. Dentro de tantos casos onde foi aplicado o Punitive Damages, vale destacar o caso BMW of North American vs. Gore[28]. Tal caso se deu quando o médico Ira Gore Jr. adquiriu um veículo BMW “zero” no valor de US$ 40.000,00 e após 9 meses de uso percebeu retoques na pintura, retoques estes acarretados de chuvas acidas da viagem de importação da Alemanha aos Estados Unidos.

O médico processou a BME of North American, entendendo que houve omissão por parte da empresa referente aos meios de importação do veículo. O valor do veículo somado ao valor do pedido rendeu indenização correspondente a US$ 4 milhões de dólares, a título de punitive damages. Contudo, diante do recurso interposto pela BMW of North American, a suprema corte do Alabama entendeu que US$ 4 milhões era excessivo, e reduziu a indenização a US$ 2 milhões a título de punitive damages. A corte em nova analise verificou que a quantia de US$ 2 milhões ainda era excessiva, alegando que chegava a ser 500 vezes maior que a indenização normal, assim, criou-se um limite para as indenizações a título de punitive damages.

O caso Liebeck vs. McDonald’s[29] é o mais emblemático dos Estados Unidos quanto ao instituto do punitive damages. Stela Liebeck de 79 anos foi com seu neto em uma das lanchotenes do McDonald’s e adquiriu café, enquanto seu neto dirigia o veículo Liebeck na tentativa de abrir o copo, colocou o copo entre as pernas e o complementou com creme e açúcar, durante uma manobra o café veio a derramar, tendo queimaduras de segundo e terceiro grau. Os ferimentos eram correspondentes a 10% de seu corpo, e em decorrência deles Liebeck passou vários dias hospitalizada, além de passar algumas semanas se recuperando em casa, sendo necessário 2 anos para recuperação.

Nesse período, Liebeck perdeu 20% do peso, e afim de que o mesmo não ocorresse com outras pessoas escreveu ao McDonald’s, para que diminuísse a temperatura do café para menos da temperatura de 180º F. Também pediu indenização em decorrência das despesas médicas referentes a US$ 20.000,00, o pagamento dos salários da filha enquanto cuidava dela, o que foi recusado pelo McDonald’s.. Liebeck processou a empresa com pedido de US$ 100 mil como indenização compensatória e três vezes o valor a título de punitive damages.

Em corte o perito constatou que a temperatura excessiva causava queimaduras de segundo grau em apenas 3,5 segundos ao atingir a pele, diminuindo a temperatura para 160º F o tempo de reação se estenderia a 8 segundos, para que ocorresse queimaduras de tal gravidade. Para piorar a situação o supervisor de qualidade do McDonald’s, relatou que já haviam sido feitas mais de 700 queixas de queimaduras em 10 anos, referentes ao café, mas a empresa se recusou em solucionar o problema. Assim, o perito contratado pela empresa alegou que 700 queixas, diante 1 a 24 milhões de copos vendidos, era praticamente 0% em estatísticas.

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Em algumas horas, o júri decidiu ser favorável a Liebeck, e que seria cabível a quantia de US$ 200 mil como indenização compensatória, quantia que foi reduzida a US$ 160 mil, praticamente 20% devido ao fato da autora ter contribuído para o acidente. E em título de pinitive damages, foi estabelecido o valor de US$ 2,7 milhões. O juiz reduziu o valor para US$ 480 mil, calculando o valor como o triplo da compensação indenizatória estipulada. Não se sabe ao certo em quanto ficou estabelecida o valor da indenização, haja vista que, Liebeck e o McDonal1s entraram em acordo, não sendo a quantia revelada.

O caso Liebeck vs. McDonald’s se tornou o símbolo do instituto do punitive damages nos Estados Unidos, gerando efeitos internos e externos tanto no país, como no mundo jurídico exterior. É possível a aplicação do dispositivo no Brasil, em vista as lacunas da lei o que repararia não apenas os danos individuais, como também os coletivos, prevenindo e reduzindo as lides referentes a Direito do consumidor.

3.2 PUNITIVE DAMAGES E SUA APLICAÇÃO NO BRASIL

A aplicação do instituto punitive damages no Brasil é relativa e discutida por vários doutrinadores. Do lado contra a aplicação do punitive damages, tem o preceito de que a Teoria do Valor do Desestímulo, afronta o Artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal[30], já que o dispositivo determina apenas haver indenizações matérias e morais, não havendo em nenhum caso indenização punitiva ou exemplar, no intuito de impedir o enriquecimento indevido.  Vale a pena verificar, o nobre dispositivo constitucional:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A Constituição Federal deixa claro os tipos de indenizações cabíveis no país, são as indenizações por danos morais e materiais, não sendo cabível qualquer outro tipo. Devido ao dispositivo constitucional grande parte dos juristas discordam da aplicação da teoria, dentre eles Marçal[31] ,que entende:

A nosso ver, a teoria em questão também poderia ser chamada de teoria do valor do estímulo, só que tendo como referencial a suposta vítima. Nos parece que a tentativa de se punir alguém pela fixação de indenização em valor extremamente elevado pode gerar uma total distorção do sistema de reparação dos danos morais, estimulando que pessoas venham a se utilizar do Poder Judiciário para buscar o enriquecimento às custas de fatos ligados à dor e ao sofrimento. Não que esses eventos não mereçam ser indenizados. Simplesmente, não devem gerar riqueza.

(...)

Quando se fixa a indenização tendo por referência a capacidade financeira do ofensor, há um total desvirtuamento do nosso sistema de responsabilidade civil. Deixa-se de ter em consideração o dano, para se considerar a punição pretendida. Devemos ter em mente, entretanto, que a punição e o exemplo à sociedade, no nosso ordenamento, é privilégio do Direito criminal, não cabendo à jurisprudência criar um sistema civil que não tenha embasamento legal. É princípio consagrado no Direito brasileiro que não há pena sem lei prévia que a estabeleça.

Diante de tal afirmativa, nota-se a discordância de Marçal em relação a aplicação do instituto no Brasil, segundo ele, as indenizações altas poderiam gerar a riqueza indevida dos autores. As indenizações para Marçal ferem o sistema civel law, uma vez que descaracteriza a responsabilidade civil.  A fim de exemplifica tal pensamento, verifica-se o entendimento do Tribunal Federal Regional da 2ª Região[32], ao julga o Agravo de Instrumento nº: 201302010022432, decidindo que:

TRF-2 - AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO: AG: 201302010022432. PROCESSO CIVIL E CIVIL: AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - TÍTULO JUDICIAL - USO SEM AUTORIZAÇÃO DE MÚSICA INSTRUMENTAL EM PROPAGANDA DE ÓRGÃO PÚBLICO FEDERAL - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - DANO MORAL - DANO MATERIAL - PUNITIVE DAMAGES. I - Hipótese em que se discute as quantias fixadas em liquidação de sentença que condenou a Legião Brasileira de Assistência - LBA a indenizar por danos morais e materiais herdeiros de músico brasileiro, pelo uso não autorizado de música instrumental de sua autoria, em propaganda veiculada em emissoras de televisão. II - A fixação do quantum indenizatório por dano moral em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) está em consonância com o bem jurídico ofendido, a posição socioeconômica da vítima, o grau de repercussão na esfera do abalado, a possibilidade de superação psicológica, a dimensão e duração dos efeitos da ofensa, e o potencial inibitório do valor positivado. III - A fixação em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) a título de dano material encontra fundamento no Laudo do perito judicial, produzido na fase de liquidação de sentença, tendo por pressuposto o valor da utilização de música instrumental de sucesso por um mês em todo o território nacional, a qual se coaduna com a coisa julgada. IV - A aplicação irrestrita das "punitive damages" encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de 2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002 (STJ - AGA 850.273, Rel. Desemb. Convoc. Honildo Amaral de Mello Castro, 4ª Turma, DJE de 24/08/2010). Doutrina. V - Agravo de Instrumento conhecido e parcialmente provido.

Nota-se que, o nobre Tribunal decidiu pelo provimento parcial do agravo de instrumento que trata de utilização ilegal de conteúdo artístico, fixando em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) a indenização moral, em consonância com o bem jurídico ofendido, a posição socioeconômica da vítima, o grau de repercussão na esfera do abalado, a possibilidade de superação psicológica, a dimensão e duração dos efeitos da ofensa, e o potencial inibitório do valor positivado e em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). O dano material com fundamento no Laudo do perito judicial, produzido na fase de liquidação de sentença, tendo por pressuposto o valor da utilização de música instrumental de sucesso por um mês em todo o território nacional. Porém, o tribunal negou a indenização a título de punitive damages, afirmando que a teoria óbice o sistema jurídico brasileiro, haja vista que, gera o enriquecimento sem causa previsto no Artigo 884 do Código Civil[33], fato que ocorre sem justa causa, e enriquece o autor à custa de outrem, sendo obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro[34] diante do  recurso de apelação envolvendo fornecimento de energia elétrica, decidiu:

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - APELACAO : APL 200900137799 RJ 2009.001.37799. Direito administrativo. Serviço público de fornecimento de energia elétrica. Interrupção da prestação do serviço. Alegação de irregularidades na unidade consumidora. Inexistência de provas. Ausência de fundamento para a interrupção do serviço. Configuração de danos morais. Compensação que deve observar os princípios da proporcionalidade, da reparação integral e da vedação ao enriquecimento sem causa. Provimento parcial do recurso, com redução da compensação. I A alegação de concessionária de serviço público, de que interrompeu a prestação de serviço público essencial em função de irregularidades descobertas no imóvel do usuário, deve vir acompanhada de comprovação. No caso, o único fato demonstrado nos autos é a interrupção do serviço, mas não a existência das ditas irregularidades. II - A recusa ilegal à prestação de serviço público essencial gera violação a direito da personalidade e, consequentemente, dano moral objetivamente aferível. A compensação deve ser fixada em observância aos princípios da proporcionalidade, da reparação integral e da vedação ao enriquecimento sem causa. Rejeita-se a teoria estrangeira dos "punitive damages", que pretende dar à reparação contornos retributivos, o que implicaria a importação para o sistema da responsabilidade civil de elementos que lhe são estranhos e anômalos. III - Recurso de que se conhece, parcialmente provido, para reduzir o valor da compensação.

Diante desse entendimento, nota-se que o nobre Tribunal rejeitou a aplicação do instituto do punitive damages no caso, alegando que a doutrina americana não é bem vinda no ordenamento jurídico brasileiro, em decorrência de que implicaria a importação para o sistema da responsabilidade civil de elementos que lhe são estranhos e anômalos.

A outra parte da doutrina entende que a aplicação do punitive damages no Brasil é sim possível, dentre tais doutrinadores temos Bittar[35] que entende:

Adotada a reparação pecuniária – que, aliás, é a regra na prática, diante dos antecedentes expostos -, vem-se cristalizando orientação na jurisprudência nacional que, já de longo tempo, domina o cenário indenizatório nos direitos norte-americano e inglês. É a fixação de valor que serve como desestímulo a novas agressões, coerente com o espírito dos referidos punitive ou exemplar damages da jurisprudência daqueles países.

Em consonância com essa diretriz, a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que, sinta efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante.

Bittar conclui que, o punitive damages desestimula novas agressões, as indenizações morais em valores altos advertem o agressor e a sociedade de que o comportamento assumido é ilegal, evitando que se repita. Todavia, seu efeito só é possível diante o patrimônio do lesante, se caracterizando como uma resposta jurídica efetiva aos efeitos lesivos da conduta. Para Maria Helena Diniz :“a reparação pecuniária do dano moral deverá proporcionar ao lesado uma satisfação compensatória e desestimular a prática de atos ofensivos, inibindo a conduta antissocial”. Por sua vez Souza[36] em sua tese de doutorado pela PUC-SP conclui:

Assim, a fixação de indenização punitiva é muito bem-vinda, e não há necessidade alguma de se promover qualquer mudança relativa à sua nomenclatura ou posicionamento. Em outras palavras, a utilização de critérios como grau de culpabilidade, dolo, reiteração da conduta lesiva, elevado potencial econômico do ofensor e extensão do prejuízo para vítima, são o bastante para se introduzir na própria indenização por danos morais o conteúdo punitivo ao agente.

A aplicação do punitive damages conforme Souza é muito bem-vinda ao Brasil e ela se adapta independente de dolo ou culpa, tendo como objetivo geral a reiteração da conduta lesiva, sendo os critérios o potencial econômico do autor e a extensão do dano a vítima. Fazendo uma breve relação como o Direito do Consumidor Brasileiro, verifica-se que não há necessidade de se verificar o dolo e culpa por parte do agente, haja vista que, nosso Código de Defesa e Proteção ao Consumidor se baseia na responsabilidade civil objetiva, não sendo necessária a análise da intenção de causar dano, mas apenas se houve nexo de casualidade entre a conduta e o dano causado à vítima.

Em mesmo rito, verifica-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia[37] em vista a aplicação do punitive damages em lide envolvendo fornecedora de energia elétrica:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA TJ-BA - APELAÇÃO : APL 00006475120148050240 APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. COELBA. FORNECEDOR DE SERVIÇOS. SUSPENSÃO INDEVIDA DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. ALEGAÇÃO DE SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR COM O INTUITO DE RETIFICAR DADOS CADASTRAIS. AUSÊNCIA DE PROVAS. RELÓGIO MEDIDOR RETIRADO. REINSTALAÇÃO TARDIA. DANO MORAL CARACTERIZADO. PUNITIVE DAMAGE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL FIXADA EM R$ 8.000 (OITO MIL REAIS). AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE ADEQUADOS. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL I- A respeito da preliminar de inépcia da inicial por ausência de provas argumentada pela Coelba, que se confunde com o mérito da questão não é digna de acolhimento, pois o Acionante consegue demonstrar nos autos a ocorrência do evento danoso apto a ensejar dano moral in re ipsa, no tocante à suspensão indevida no fornecimento de energia elétrica. MÉRITO II- E cediço, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, que nas demandas consumeristas, o fornecedor de determinado produto ou serviço responderá objetivamente, independentemente de culpa, pelos danos ocasionados aos consumidores. III- In caso, há de ser ponderado o denominado punitive damages, isto é, além da pretensão de reparar o dano, a indenização terá caráter punitivo para o fim de evitar que a concessionária requerida permita que casos como o dos autos ocorra demasiadamente na pratica de sua atividade empresarial. IV- No que concerne à alegada necessidade de redução do montante indenizatório, tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que deve este ser modificado apenas quando ocorrer teratologia, ou seja, o valor fixado na sentença for considerado irrisório ou abusivo. VI- Nessa esteira, estão devidamente aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade sobre o quantum de R$ 8.000,00 (oito mil reais) arbitrado pela Magistrada singular para a indenização de dano moral, e que, portanto, permanecerá, ao meu entender, inalterado. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E IMPROVIDO. (Classe: Apelação, Número do Processo: 0000647-51.2014.8.05.0240, Relator (a): Maria do Socorro Barreto Santiago, Terceira Câmara Cível, Publicado em: 18/11/2015 )

 Verifica-se que o recurso de apelação interposto pelo réu foi improvido pela alegação de que, o valor fixado não poderia ser modificado, pois não é considerado irrisório e abusivo e dentro da sentença estão devidamente aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O punitive damages foi aplicado com o objetivo de reparar o dano e evitar que a concessionária requerida permita que casos como o dos autos ocorra demasiadamente na prática de sua atividade empresarial.

Araújo Filho[38], por sua vez em vista a aplicabilidade jurisprudencial, dispõe:

Os precedentes jurisprudenciais expostos refletem o caminhar no sentido de se ter como aplicável no ordenamento jurídico brasileiro o Punitive Damages, ou Teoria do Valor do Desestímulo, quando se tratar de conduta dolosa ou praticada com culpa grave, mostrando-se o comportamento do agente especialmente reprovável, com as adaptações necessárias à observância dos princípios e regras constitucionais e legais aplicáveis, inclusive da premissa da vedação ao enriquecimento sem causa.

Pois então existe a necessidade do controle de constitucionalidade nos casos em que se aplica a teoria punitive damages, determinando a observância dos princípios e regras constitucionais, evitando o enriquecimento sem causa. Contudo, verificando o cenário atual brasileiro, as maiores fornecedoras de internet banda larga no Brasil são empresas multinacionais e deferem seus lucros não apenas do serviço de internet, como também muito outros, sendo um exemplo os pacotes de serviços (telefonia, internet banda larga, tv a cabo e serviços de streaming). Tais pacotes têm valores que não condizem com os benefícios prometidos.   

 Uma pesquisa realizada pelo site da revista Exame[39], no ano de 2016, verificou que a maior empresa fornecedora do serviço de internet banda largar em atuação no país teve lucro anual apenas no Brasil de mais de R$ 4 milhões de reais em 2014 e mais de R$ 3 milhões no ano de 2015.  Fazendo uma interpretação extensiva do cenário atual, a falta de observância dos princípios da boa-fé e transparência contratual que lesam o consumidor por parte das empresas, geram mais lucros a elas.  O fato de fornecer uma internet com os parâmetros menores que os contatado, aumentam os lucros das empresas, pois elas não se importam em investir no melhoramento do serviço para não ter tantos gastos com os serviços atuais.  O fato das empresas se preocuparem apenas com o aspecto quantitativo das relações (quantidade de contratantes), configura certo desprezo diante a situação dos consumidores.

Portanto, acredita-se que as empresas estão praticando o enriquecimento sem causa, haja vista que, prometem algo em valores exorbitantes a todos os consumidores e entregam um produto ridículo e de qualidade questionável. A teoria punitive damages ou teoria do valor do desestímulo garante aos consumidores reaver seus direitos, direitos estes não preservados pelo ordenamento jurídico brasileiro que sendo optante pelo civil law se obstem de certos temas e teorias. O punitive damages não apenas repara o dano em um valor dolorido no bolso do agressor, como também evita futuras lides, diminuindo a carga do judiciário e harmonizando o cenário jurídico.

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Sobre o autor
Erich Kaelvin Santana Souza

Advogado, graduado na Faculdade São Francisco de Barreiras – FASB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Erich Kaelvin Santana. Princípios da boa-fé objetiva e transparência contratual em vista do serviço de internet banda larga no Brasil: O posicionamento do judiciário em decorrência da não observância da velocidade contratada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5736, 16 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72630. Acesso em: 22 dez. 2024.

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