A INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA COMO CAUSA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL E A APLICABILIDADE DO DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

13/03/2019 às 19:50
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE TEMA DE DIREITO TRIBUTÁRIO À LUZ DO CONCEITO DE PRESCRIÇÃO.

A INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA COMO CAUSA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL E A APLICABILIDADE DO DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

 

RESUMO

 

O presente trabalho apresenta considerações sobre a prescrição intercorrente na execução fiscal, para ao depois analisar hipóteses de inércia da Fazenda Pública em realizar ônus processuais como causa eficiente para determinar o início do prazo prescricional, a partir de aplicação da pauta constitucional do princípio da razoável duração do processo para o executado. Utiliza como procedimento metodológico a pesquisa em jurisprudência e doutrina correlata, expondo conceitos sobre prescrição, decadência e prescrição intercorrente, e revelando uma proposta de concretização da norma da prescrição intercorrente, a partir de uma hermenêutica constitucional. Ao fim, elenca propostas normativas para definição do termo a quo para contagem do prazo prescricional, adotando as propostas de inércia da Fazenda Pública perante a persecução executória no prazo fatal de 6 meses, ou quando esta propõe atos processuais inoficiosos.

 

Palavras-chave: Prescrição Intercorrente. Inércia da Fazenda Pública. Duração Razoável do Processo.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A prescrição intercorrente é fenômeno aparentemente distinto da prescrição ora iniciada com a constituição do crédito tributário e declarada no curso da execução fiscal. Trata-se de prescrição, anteriormente interrompida pelo despacho do juiz que ordena citação (artigo 174, inciso I do CTN alterado pela Lei Complementar nº. 118/2005) ou pela citação (nas execuções fiscais ajuizadas após a data de vigência da Lei Complementar Federal nº. 118/2005, publicada em 9 de fevereiro de 2005 e com vacatio legis de 120 dias, como se faz presente no Informativo do Superior Tribunal de Justiça nº. 0381 de 15 a 19 de dezembro de 2008; pela antiga redação do artigo 174, inciso I do CTN), que volta a correr no curso do processo, e, nele, completa seu prazo.

A prescrição existe para pacificar e estabilizar situações consolidadas no tempo, diante da longa inércia do titular de um direito em exercê-lo. A possibilidade de existir relação processual, cujos atos de satisfação não são efetivados, compromete a estabilidade da situação jurídica no tempo. Desta feita, o dever de vigilância à satisfação do crédito não deve se dar por encerrado pela mera proposição da ação de execução fiscal, é necessário mais do que isso.

Assim é que em situações de negligência do exequente em exercer determinados ônus processuais, se faz mais do que cabível a incidência da prescrição intercorrente à pretensão de satisfação do crédito fiscal; não obstante a hipótese veiculada pelo art. 40 da Lei Federal nº. 6.830/1980.

É objeto do presente artigo o estudo da prescrição intercorrente na execução fiscal, notadamente, na construção normativa, a partir de pautas constitucionais (como do direito à razoável duração do processo), da inércia da Fazenda Pública em realizar ônus processuais, como causa eficiente da prescrição. E assim, solucionar problemáticas relacionadas aos termos a quo e ad quem.

DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIO E DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

 

Para melhor elucidar a temática do presente artigo, é importante estabelecer algumas definições sobre prescrição e decadência de créditos tributários[1].

O Código Tributário Nacional, ao optar pela distinção dos prazos da seara civil, fixou dois prazos para fins de extinção do direito do credor da obrigação tributária: um primeiro, lapso de tempo dentro do qual deve ser constituído o crédito tributário, mediante a consecução do lançamento; e um segundo, lapso no qual o sujeito ativo, se não satisfeita a obrigação tributária, deve ajuizar ação de cobrança.

O primeiro prazo diz respeito à decadência, ao passo que o segundo, à prescrição.

A decadência, delineada no art. 173 do CTN, é, segundo o entendimento de Amaro (2011, p. 432), “a perda do direito de ‘constituir’ o crédito tributário (ou seja, de lançar) pelo decurso de certo prazo. Se o lançamento é condição de exigibilidade do crédito tributário, a falta desse ato implica a impossibilidade de o sujeito ativo cobrar o seu crédito”.

O prazo de realização do direito potestativo de constituir exigibilidade ao crédito tributário oriundo de obrigação é de 5 anos, para qual termo inicial dependerá, em especial, da modalidade lançamento aplicada ao regime jurídico do tributo.

A prescrição, noutro passo, segundo dispõe o texto da legislação tributária, regula o poder de extinguir o crédito tributário lançado por autoridade administrativa nos limites e na forma da lei, e não satisfeito pelo contribuinte.

Trata-se de perda da pretensão à satisfação do crédito tributário. Conforme aduz Carneiro da Cunha (2010, p. 74), “o ajuizamento da demanda que verse sobre direitos a uma pretensão depende da presença de uma pretensão, ou seja, de um alegado direito subjetivo exigível. E essa pretensão, via de regra, subordina-se a um prazo, dentro do qual deve ser exercida”.

O que se exige, na execução fiscal, é a satisfação do crédito fiscal.

Determina o art. 174 do CTN um prazo de cinco anos para aplicação da prescrição, colocando como condicionantes a constituição definitiva do crédito e a desídia do Fisco em cobrar judicialmente tais valores, mediante perseguição jurisdicional específica.

Aliás, é bem ver que é certo que a prescrição que incide sobre a fase de conhecimento é distinta da fase de execução (cumprimento). A primeira, vez que atende à fase de conhecimento, atinge a pretensão à certificação do direito; a segunda, vez que atende à fase de execução, destina à pretensão de executar. Afinal, para Carnelutti (apud GÓES, 2008, p. 33), na primeira, a lide se apresenta como pretensão resistida; na segunda, a pretensão insatisfeita.

A prescrição da pretensão executiva se impõe como mecanismo apto a extinguir a exigibilidade do crédito encartado no título executivo judicial, no caso, a Certidão de Dívida Ativa que veicula a inscrição do crédito tributário. Didier Júnior (2007, p. 471) afirma que “a prescrição, por exemplo, deve atingir a pretensão executiva, e não a pretensão deduzida na demanda de conhecimento”.

Somente há uma interrupção para cada tipo de prescrição: uma da prescrição pretensão de certificação do direito, e outra da pretensão executiva.

Com acerto, “a prescrição deixará de estar interrompida, e terá reinício o seu curso, consumando-se ao final do prazo” (SAKAKIHARA, 1998, p. 549).

O espírito desta perspectiva encontra baliza no julgado da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, pelo qual, a inércia da parte credora na propositura dos atos e procedimentos de impulsão processual, “pode edificar causa suficiente para a prescrição intercorrente” (REsp. nº. 237.079/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ. 30.09.2002).

A interrupção é o ponto nodal para a caracterização da prescrição intercorrente.

Com efeito, a prescrição intercorrente é a prescrição executiva interrompida que volta a correr no curso do processo, e nele completando o fluxo do seu prazo.

Segundo Toniolo,

 

Trata-se da mesma prescrição prevista no CTN, no Código Civil, ou em legislação esparsa, que pode voltar a fluir no curso da execução fiscal, geralmente em virtude da inércia do exequente em fazer uso, durante o processo de execução, dos poderes, das faculdades e dos deveres inerentes ao exercício do direito de ação, por exemplo, a inércia do ente público em promover os atos cabíveis no intuito de levar o processo a termo (2008, p. 103).

E este posicionamento encontra respaldo em regra positivada no art. 40 da Lei Federal nº. 6.830/1980 (com alterações adicionadas pela Lei Federal nº. 11.051/2004), sendo expressa a proposta de prescrição intercorrente em virtude da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis.

A execução fiscal é suspensa pela ausência de bens penhoráveis ou pela não localização do devedor; e, decorrido um ano da suspensão, o processo é arquivado. Segundo determina o parágrafo quarto do art. 40 da Lei Federal nº. 6.830/1980, “se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato”.

Desta feita, Arruda Alvim atesta, ainda antes da reforma legal, que:

 

O problema que demanda ser solucionado, possivelmente por lei, é o de não haver bens, e o credor, por isso mesmo, ‘nada tem a fazer’, situação essa que não se pode traduzir propriamente por inércia. Essa possível inatividade poderá vir a ser tomada como inércia, e, quando o CTN, no seu art. 174, dispõe que ocorre prescrição em cinco anos, por certo, encontra-se aí albergada a realidade de que essa inatividade seja suscetível de ser confundida com inércia real (2005, p.40/41).

O Superior Tribunal de Justiça já possuía entendimento que o arquivamento não poderia ser perpétuo, e, deste modo, interpretou, através da Súmula 314, que, “em execução fiscal, não-localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo de prescrição intercorrente”.

Pois bem, trata-se de prescrição intercorrente de causa eficiente pautada na “inatividade processual decorrente da impossibilidade de satisfação do crédito executado (execução frustrada)” - ora distinta da inércia do credor (TONIOLO, 2008. p.136).

DA APLICABILIDADE DO DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO PARA O EXECUTADO

Não se pode olvidar que somente existe, em sede de execução fiscal, a possibilidade de incidir prescrição intercorrente à hipótese da regra interpretada do enunciado do art. 40 da Lei Federal nº. 6.830/1980.

E isto é assim, por força do direito à razoável duração do processo, que merece aplicabilidade (enquanto princípio) inobstante previsão de regra em enunciado normativo expresso e positivado.  

Assim, ante a interrupção do prazo prescricional da pretensão executiva ao crédito tributário, surge a prescrição intercorrente caso haja inércia da parte credora em conduzir o cumprimento da sentença com atos que lhe são privativos.

De acordo com os ensinamentos Toniolo,

 

Não se pode conceber que o direito de ação seja exercido apenas no ajuizamento da execução fiscal. A ação não se consuma com o ajuizamento da demanda, pois é exercida e reiterada durante todo o curso do processo (ação > ajuizamento da demanda), por meio de atos praticados por todos aqueles que nele atuam (autor, réu, juiz) (2008, p.127).

 

A assertiva do citado autor tem como fundamento os art.s 267, VIII e 569 do Código de Processo Civil, uma vez que quando o demandante abandona a ação – ao não exercer os poderes, faculdades e ônus decorrentes de atos preestabelecidos; este deixa de exercer a pretensão correspondente ao crédito afirmado em juízo. O ordenamento jurídico repudia o estado de inércia e o abandono do direito pelo seu titular.  

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Não se pode olvidar que a prescrição – como necessidade de por fim à instabilidade de relações jurídicas – tem como causa eficiente a inércia do suposto titular do direito. Neste sentido, Arruda Alvim, para quem:

 

Referidos textos abrangem ‘qualquer interrupção da prescrição’, e não apenas a interrupção da prescrição que se verifica com a propositura da ação. O que se quer dizer é que com o curso normal do processo a cada ato ‘renova-se’ ou ‘revigora-se’ o estado da prescrição interrompida, porquanto o andamento do processo, com a prática de atos processuais, significa, em termos práticos, a manutenção desse estado. É só a partir da inércia, quando ao autor couber a prática do ato, e este não vier a ser praticado, durante prazo superior ao da prescrição, é que ocorrerá a prescrição intercorrente. Nesse sentido, tendo em vista esta configuração, a prática desse ato representa um ônus para o autor, de caráter temporal, ainda que esse lapso de tempo seja maior do que aquele representado pelos prazos processuais. Pode-se dizer que parte substancial do que está subjacente à possibilidade de prescrição intercorrente liga-se a um ‘ônus permanente’ que pesa precipuamente sobre o autor, que é o de que, tendo iniciado o processo, deve diligenciar para que este caminhe, com vistas ao ser término (2005, p. 127). 

 

A eficácia jurídica do presente entendimento somente tem razão pela aplicação do princípio da razoável duração do processo.

A Emenda Constitucional nº. 45/2004 introduziu o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, que prevê o princípio da duração do processo dentro de um prazo razoável como direito fundamental. Tal inciso é expresso, ao determinar que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Desta forma, o princípio deixa claro a busca por um processo efetivo e, sobretudo, célere, não submetendo as partes a infindáveis lides, que se arrastem por anos sem uma solução. Ao cidadão não interessa, muito pelo contrário, causa até descontentamento e apreensão, que seus interesses junto à Justiça se prolonguem em demasia.

O processo é a relação social, juridicamente prevista, em que a atuação do Estado objetiva a decisão e a execução desta decisão - todo processo, neste sentido, indica o caminhar, o desenvolver, o conjunto de atividades em busca de uma decisão: processo legislativo, judicial, administrativo etc.

De fato, a prestação jurisdicional só é devidamente concretizada quando uma decisão definitiva, favorável ou não, é alcançada, observado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, em tempo razoável.

Mesmo que tenham interesses antagônicos, devem as partes colaborar com o escopo de se chegar a um provimento jurisdicional final em tempo moderado. Ao demandado de boa fé não interessa lides intermináveis, quer-se uma resolução justa do conflito.

Pela simples leitura do dispositivo em questão, verifica-se que este é um direito fundamental tanto do autor quando do réu, tanto do exequente quanto do executado. O princípio é abrangente, ao referir-se a “todos”.

Ao executado, que nunca negou uma dívida, que nunca se esquivou da justiça, é garantida a resolução dentro de um tempo razoável do processo de que faz parte. É de sapiência geral que a fase de execução compõe-se do conjunto de atos estatais, através dos quais se invade o patrimônio do devedor, para, à custa deste, realizar-se o resultado prático desejado concretamente, pelo direito objetivo material.

A fase executória “agride” a esfera patrimonial do devedor, causando-lhe sérios gravames. Ao devedor de boa fé, que não se esquiva da Justiça, interessa fazer cessar o quanto antes esta ameaça contra seu patrimônio.

O que não pode é que, por atos, ou omissões, do exequente, o processo de execução fiscal se arraste por mais de uma década contra um contribuinte que jamais tentou se esquivar do débito a ele relacionado.

Neste sentido, ao se referir à razoável duração do processo, afirma Martins que:

 

O risco de danos ao contribuinte (ser biológico não permanente) é maior do que o risco de danos ao Estado (pessoa política dotada de permanência), ou seja, a vulnerabilidade do contribuinte em relação ao tempo do processo é inequivocamente maior que a do Estado (2009. p. 97).

Quer dizer que, para a Fazenda Pública pouco importa se o processo durará 5, 10, 15 ou 20 anos[2].

Conforme garante o inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, “a todos” é assegurado um processo com duração razoável, estando aí incluído o executado em um processo de execução. Como o citado inciso não é mais restritivo que o caput do art. 5º da Constituição, deve-se entender como titular do direito a duração razoável do processo os sujeitos elencados pelo caput (2011). Desta feita, Dimoulis & Martins, para quem, “em geral, o caput do art. 5º da CF garante cinco direitos particularmente amplos e seus 78 incisos especificam, já que os artigos do caput são garantidos ‘nos termos seguintes’” (2011, p.79).

No entanto, é preciso estabelecer, porque se está apresentado um princípio (da duração razoável do processo para o executado); o comportamento (ou decisão) necessário à sua realização. Afinal, conforme Ávila, “os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários” (2008. p.80) [3]. O princípio anseia a criação de uma regra.

É preciso perquirir, portanto, possibilidades de aplicação do princípio da razoável duração do processo para o executado.

DA INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA COMO CAUSA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL

É certo que todo o procedimento de Execução, que se realiza em benefício do credor, “constitui instrumento de violenta intervenção estatal na esfera jurídica alheia, gerando desarmonia que não se justifica manter de forma desnecessária, especialmente quando o próprio credor negligencia o cumprimento de seus deveres” (TONIOLO, 2008. p. 131).

Deste modo, mister ponderar qual a causa mais razoável que ilustre o termo a quo para fins de contagem do prazo precricional intercorrente.  Existem 3 propostas para construção da norma (regra): a. quando a Fazenda Pública manifesta inércia durante a persecução executória[4] no prazo fatal de 6 meses; b. quando emite atos processuais inoficiosos; e c. quando dos 5 anos da citação válida, a Fazenda Pública não satisfaz eficazmente sua pretensão.

A primeira proposta é vislumbrada por Bueno. Segundo o autor, é razoável estipular prazo ponderado de inércia da parte credora - que legitima o reinício da contagem do prazo prescricional - em seis meses (2007).

A escolha do prazo de seis meses de inação da parte exequente não é aleatória; consoante Oliveira Silva, possui lastro no art. 475-j, § 5º, do CPC, para quem determina que o magistrado arquive os autos por seis meses, em face de inação do credor. Ademais, registre-se que “regramento similar é encontrado no art. 40, parágrafo 4º, da Lei de Execução Fiscal. Aplica-se ao caso o disposto no art. 202, parágrafo único, do CC” (2008. p.15).

É de se ressaltar que, conforme os ensinamentos de Sakakihara, a prescrição intercorrente não é somente afastada quando o credor dá início à Execução; ela persiste durante todo o processo. Se, “a qualquer momento, faltar a necessária diligência, houver negligência ou omissão na promoção da cobrança, a prescrição não estará afastada, pois sua causa interruptiva, que foi a ação de cobrança, não estará cumprindo a finalidade que lhe é imanente” (1998. p. 549).

A segunda proposta normativa decorre da produção de atos inoficiosos por parte da Fazenda Pública, por negligência manifesta. Desta feita, a execução fiscal se apresenta ineficiente, por pura continuidade oficiosa.

Neste sentido:

 

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRONUNCIAMENTO DE OFÍCIO. PRESCRIÇÃO. Mostra-se possível o pronunciamento de ofício acerca da prescrição, já que a hipótese encontra-se expressamente prevista no § 5º do artigo 219 do CPC. Ademais, a exigência de prévia oitiva da Fazenda Pública prevista no § 4º, do artigo 40, da Lei nº 6.830/80, resta suprida pela interposição do apelo, já que este constitui meio hábil e oportuno para manifestação acerca de eventuais causas suspensivas ou interruptivas da prescrição intercorrente. Contudo, o exeqüente não demonstrou a existência de qualquer elemento capaz de afastar a declaração de prescrição intercorrente, merecendo ser mantida a decisão extintiva do feito. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RECONHECIMENTO. ESPUMEIRA PROCESSUAL. Após redirecionado o feito e requeridas as primeiras informações sobre bens penhoráveis, o exequente restringiu-se a solicitar novas diligências sobre bens pertencentes ao executado, o que caracteriza verdadeira inércia, já que sua configuração não se restringe a hipótese de paralisação física do processo, mas também aos casos onde o credor realiza verdadeira "espumeira processual", expressão de lavra do Des. Irineu Mariani, quando se limita a articular diligências infrutíferas apenas para fins de movimentação mecânica do feito. Assim, reiniciado o prazo prescricional em janeiro de 1998, declara-se operada a prescrição intercorrente, uma vez que transcorrido período superior a cinco anos até o momento, sem que tenha ocorrido nenhuma causa interruptiva ou suspensiva da prescrição. No caso, decorridos mais de 10 anos sem resultado útil do processo. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70038256640, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 27/04/2011)

Em voto proferido na Primeira Câmera Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o Desembargador Irineu Mariani atestou que “não se pode entender caracterizada a prescrição intercorrente apenas quando o processo fica parado fisicamente durante mais de cinco anos por inércia do credor” – esta é apenas uma das hipóteses de inércia. Pode-se, outrossim, considerar por inércia

 

Quando durante mais de cinco, limitou-se o credor a fazer espumeira processual. Em suma: ofício para ali, para lá e acolá, sem qualquer resultado útil. Diligência inútil não é meio hábil a obstar o fluxo do prazo prescricional. Diligência inútil é sinônimo de processo parado (Apelação Cível Nº 70012470662, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 13/12/2006).

 

Por fim, a terceira proposta consiste em precedente firmado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Nesta esteira, entendendo que apesar dos esforços da Fazenda Pública em obter a execução forçada do crédito, ainda que não fique inerte, o feito executivo não pode se perpetuar, devendo haver um prazo razoável para o seu trâmite.

É assim para os casos em que a Fazenda Pública não logra satisfazer o seu crédito dentro do prazo legal existente, de cinco anos, pela qual deixa incidir a prescrição intercorrente. Isso porque, tem-se que ter presente que o prazo prescricional, uma vez interrompido (seja qual for a causa), tem reiniciado o seu curso. Além disso, também se deve ter presente que as causas interruptivas do prazo prescricional são taxativas e sua lista é exaustiva, razão pela uma simples petição do Fisco impulsionando o feito não tem o condão de interromper ou suspender o curso do prazo prescricional. Assim, passados cincos anos entre a última causa interruptiva da prescrição, como a citação do devedor, por exemplo, sem que o credor da Execução tenha tido êxito na satisfação forçada dos bens do devedor, há que se declarar extinto o feito pela prescrição intercorrente.

Desta feita,

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. DECURSO DE MAIS DE CINCO ANOS APÓS A CITAÇÃO SEM EFETIVA SATISFAÇÃO DO CRÉDITO FISCAL. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. A prescrição para a cobrança do crédito tributário somente se interrompe com a citação válida do devedor na execução fiscal. A partir de então, recomeça a fluir o prazo prescricional, de modo que, decorridos mais de cinco anos desde a citação sem a efetiva satisfação do crédito tributário, impõe-se o reconhecimento da prescrição intercorrente, uma vez que o crédito tributário não pode ser cobrado indefinidamente. Inteligência do art. 174 do CTN, na redação anterior a LC nº 118/05, tratando-se de execução ajuizada anteriormente à sua vigência. Não-incidência do § 4º do art. 40 da L ei nº 6.830/80 e inaplicabilidade da Súmula 106 do STJ no caso concreto. Precedentes do TJRGS e STJ. DECLARAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DE OFÍCIO. NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 219, § 5º, DO CPC. ARTIGO 462 DO CPC. POSSIBILIDADE. Em sede de execução fiscal a prescrição pode ser decretada de ofício, independentemente de provocação da parte, com amparo no disposto no artigo 219, § 5º, do CPC, observada a redação da Lei 11.280/06, tratando-se de norma de ordem pública, aplicável aos processos em curso. Aplicação do artigo 462 do CPC. FALÊNCIA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA O SÓCIO. IMPOSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. Havendo a decretação da falência da sociedade, inadmissível o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio, não havendo que se falar em violação à lei ou ao contrato pela simples existência de crédito tributário. Precedentes jurisprudenciais do TJRGS e STJ. Apelação a que se nega seguimento. (Apelação Cível nº 70031929086, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 21/10/2009)

 

CONCLUSÃO

 

Deste modo, a determinação da adequada interpretação pressupõe escolha de uma posição no conflito de entre as tradições, em lugar de outra, pois, segundo Camargo,

 

A lógica que determina nossas ações não é do tipo formal, mas alguma outra que aponte em direção à razoabilidade dessas ações. As decisões razoáveis, de acordo com Perelman, são aquelas que apresentam melhores condições de se impor pela força de seus argumentos (2003, p. 254).

 

É, portanto, irrazoável a proposta de causa eficiente da prescrição intercorrente a citação valida, e, por fim, extinguir a execução fiscal nos 5 anos posteriores. No entanto, pode-se concluir como razoável, a partir da perspectiva do caso concreto, constituir como causa eficiente – e por conseguinte definir como termo a quo - a manifesta inércia da Fazenda Pública perante a persecução executória no prazo fatal, e, em hipótese de ação, quando esta propõe atos processuais inoficiosos.

        

 

REFERÊNCIAS

 

ALVIM, Arruda. Da prescrição intercorrente. In: CIANCI, Mirna (coord.) Prescrição no novo Código Civil: uma análise interdisciplinar. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

 

BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1.

 

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

 

CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. A Fazenda Pública em Juízo. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2010.

 

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. São Paulo: JusPodivm, 2007. v. 2.

 

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: RT, 2011.

 

GÓES, Ricardo Tinoco de. Efetividade do processo e cognição adequada. São Paulo: MP Ed., 2008.

 

MARTINS, James. Defesa e vulnerabilidade do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009.

 

OLIVEIRA SILVA, Beclaute. A prescrição na fase de cumprimento da sentença. Revista Dialética do Direito Processual, São Paulo, n. 63, jun. 2008.

 

SAKAKIHARA, Zuudi. Execução fiscal: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998.

 

TONIOLO, Ernesto José. A prescrição intercorrente na execução fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

 


[1] Segundo o artigo 139 e 113, §1º, do Código Tributário Nacional, o crédito tributário decorre da obrigação tributária. Com finalidade de resolver confusões hermenêuticas acerca da ontologia entre ‘obrigação tributária’, ‘crédito tributário’ e ‘dívida ativa’; Amaro afirma que não são etapas necessárias, nem são realidades distintas, mas, originadas do fato gerador (2011. p.364). O lançamento, segundo o citado autor, não gera o crédito tributário, mas é tão somente uma prática “para que o sujeito ativo possa exercitar atos de cobrança do tributo, primeiro administrativamente e depois (se frustrada a cobrança administrativa) por meio de ação judicial, precedida esta de outra providencia formal, que é a inscrição do tributo na dívida ativa” (2011, p. 368).

[2] Foi neste sentido, e, reconhecendo a fundamentabilidade deste princípio em tela, que o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região extinguiu execução fiscal em decorrência da prescrição intercorrente na Apelação Cível nº 2006.70.11.002348-5, 1ª Turma, Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJU de 02.06.2010.

[3] Segundo Ávila, os princípios, em definição aceita por este artigo, “são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária” (2008. p.78/79).

[4] A inação foi acolhida como causa eficiente no Tribunal Regional Federal da 5ª Região: TRF5, AC 353133/CE, rel. Des. Federal Hélio Sílvio Ourem Campos (Substituto), DJU de 29.09.2006, p. 894; TRF5, AC 0013169-39.2004.4.05.0000, Primeira Turma, Des. Federal José Maria Lucena, DJU de 05.05.2005, p. 476; TRF5, AC 0000387-44.2000.4.05.8308, Primeira Turma, Des. Federal Frederico Pinto de Azevedo (Substituto), DJU de 11.02.2003, p. 540.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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